Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
646/12.TBBCL.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
GESTÃO DE NEGÓCIOS
RATIFICAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Dadas as especificidades da actividade bancária, sobre os Bancos impendem especiais deveres de zelo e diligência perante os seus clientes, plasmados em regulamentação própria, nomeadamente, no âmbito da intermediação financeira, os previstos nos artºs 73º a 76º do RJIC e nos artºs 7º, 304º e 312º do CVM.

II - Com excepção de duas subscrições de obrigações, que foram expressamente e por escrito autorizadas pelo autor, em relação às demais, o autor jamais prestou ao réu o seu consentimento para que este as adquirisse em seu nome, actuando assim o Banco réu como de gestor de negócios e ficando a eficácia desses negócios dependente de ratificação do autor.

IV - O autor, ao receber e conformar-se com a informação constante dos extractos emitidos mensalmente, onde vinham descritos e inscritos os investimentos efectuados, bem como os avisos de lançamento, onde se identificava cada uma das operações, quantidade de títulos, data de movimento, total a liquidar por débito da conta bancária da titularidade do autor e o lançamento a crédito das quantias correspondentes ao rendimento gerado pelas obrigações adquiridas, de que dispôs conforme entendeu, ratificou tacitamente os negócios celebrados em seu nome pelo Banco, pelo que eles produziram os seus normais efeitos translativos em relação ao autor.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
*
J. F. propôs a presente acção com processo comum e forma ordinária contra o “Banco A, SA, Sociedade Aberta”, pedindo a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de euros 307.151,05, acrescida dos juros legais, desde a data da propositura da ação, até efetivo e integral pagamento, quantia fixada após redução do pedido operada em 05.09.2016.

Para tanto alega em síntese que, por via da longa relação que mantinha com o Réu, quer enquanto seu cliente, quer enquanto gerente de empresas que eram clientes do Réu, foi sedimentando uma grande relação de confiança nas recomendações do Réu em matéria de investimentos e aplicações financeiras, no pressuposto, conhecido e entendido pelo Réu, de que era avesso e contrário a efectuar aplicações com risco, ou seja, em que o capital por si investido pudesse sofrer depreciação, ou que não obtivessem liquidez e fossem imediatamente fungíveis em numerário à primeira solicitação.

Porém, abusando dessa confiança depositada pelo Autor, o Réu veio a adquirir diversos produtos financeiros aplicando nos mesmos as economias que o Autor tinha depositadas no Banco sem que as mesmas fossem autorizadas pelo Autor.

O Réu não informou ou esclareceu o Autor de que estas aplicações poderiam envolver risco de perda de capital e juros, bem sabendo que o Autor jamais concordaria com a aquisição de tais títulos caso estes envolvessem risco de perda de capital. O Autor assinou duas autorizações de débito e aquisição desconhecendo qual o sentido, significado e conteúdos dos títulos em alusão, sendo certo que desconhecia as empresas a que os mesmos se reportavam.

Conclui o Autor, dizendo que a actuação do Réu não assentou em qualquer contrato prévio, escrito ou verbal, que lhe conferisse o direito de proceder àqueles investimentos em representação do Autor e que esses investimentos não autorizados e não informados causaram-lhe prejuízos no valor de euros 307.151,05.

O Réu, regularmente citado, veio contestar invocando as excepções de incompetência territorial e prescrição e dizendo em síntese que o Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu sempre de acordo com a vontade do Autor e com as instruções recebidas do mesmo e que a responsabilidade pelo pagamento é da inteira responsabilidade da entidade emitente, facto do qual o Autor sempre teve conhecimento. Acrescenta que o Autor foi informado das características dos produtos financeiros adquiridos e sempre recebeu os avisos de lançamento e extractos onde vinham descritos e inscritos os investimentos efetuados e que eram emitidos mensalmente.

O Autor respondeu à matéria das excepções no sentido da sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção de incompetência territorial, selecionaram-se os factos assentes e a base instrutória.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia correspondente ao valor do capital investido, acrescido dos juros legais, deduzido de todos os montantes a título de capital e juros recebidos, cujo apuramento se relegou para liquidação de sentença.

Desta sentença apelou o Réu, que conclui a sua alegação da seguinte forma:

. o julgamento da matéria de facto vertido na decisão recorrida, na parte em que dá como provada a versão trazida a estes autos pelo Autor é, data vénia, chocante pois reflecte uma realidade que não resultou de qualquer prova produzida nestes autos e que é, aliás, contrária àquela e às próprias regras da experiência comum: a impugnação da matéria de facto é, pois, extensa, mas sinalagmaticamente não mais extensa do que o erro de julgamento em que o Tribunal a quo laborou consistindo o caso dos autos um manifesto exemplo onde o duplo grau de jurisdição deve ser efetivamente garantido.
. A presente acção não é mais do que o reflexo dos tempos em que vivemos, em que certos e experientes investidores, em lugar de encaixarem as perdas de cabeça tão erguida quanto amealharam durante décadas os fartos ganhos, procuram responsabilizar os Bancos por apostas que esclarecidamente quiseram, aproveitando-se de uma empírica presunção de ilicitude que paira sobre a atuação das instituições de crédito no nosso país: daí que seja resoluta a nossa indignação face ao julgamento da matéria de facto.
. Nos presentes autos, o Autor insurge-se contra o Banco Recorrente por alegadamente ter aplicado, sem para tal estar autorizado, o seu dinheiro na subscrição de sete títulos obrigacionais e ainda por não o ter esclarecido dos riscos inerentes à subscrição de dois produtos financeiros daquela natureza cuja autorização (porque existe documento escrito assinado por si) confessa ter dado, sob pretexto de ser pessoa totalmente avessa a risco, facto que era do conhecimento do Banco.
. Ora, tendo resultado provado que o Autor, experiente empresário de profissão há mais de 20 anos, no período de mais de dez anos que precedeu às subscrições em causa nestes autos e enquanto cliente da rede de retalho do banco, por si e só por si, através de ordens expressas transmitidas por si ao banco nesse sentido, destinou mais de 5 milhões de euros a investimentos em acções, obrigações e fundos de obrigações, fazendo suas as mais-valias que obteve com a venda daqueles instrumentos financeiros e encaixando as perdas que sofreu: tendo resultado isto provado (além de outros factos descritos em texto e que neste particular relevam) como é que o tribunal a quo conclui, sem nenhuma prova nesse sentido, que o banco sabia que o Autor era avesso e contrário a efectuar aplicações com risco de perda de capital?;
. Tendo resultado provado que a subscrição das obrigações em causa nestes autos e que tiveram lugar em 2007 foram comunicadas ao Autor por carta, que este recebeu avisos de lançamento das mesmas, que mensalmente recebe os extractos onde vinham descritos os investimentos, com menção da volatilidade dos títulos, nunca se tendo insurgido quanto a estes documentos, que fez suas as quantias creditadas a títulos de juros, estando tudo isto provado, como é que o Tribunal a quo, sem qualquer prova nesse sentido, dá também como provado que o Autor não deu ordem de subscrição daquelas obrigações, fazendo tábua rasa da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça citado em texto que rege que estes documentos constituem prova plena das ordens em valores mobiliários?;
. De todo o modo, sempre se diga que era ao Autor que cabia provar os factos constitutivos do seu direito – falta de autorização e violação do dever de informação – e não ao banco fazer prova do seu contrário, apesar de o banco Recorrente estar convicto que logrou fazer essa prova.
. Nenhuma das testemunhas arroladas pelo Autor demonstrou ser conhecedora da relação existente entre este e o Banco A, nem tão pouco ter assistido ao que quer que fosse a respeito das subscrições em causa nestes autos: e não se diga, tal como fez o tribunal a quo, que o facto daquelas testemunhas terem afirmado que o Autor apenas investia e queria investir em depósitos a prazo ditos tradicionais nas instituições de crédito onde prestam serviços, permite concluir que o Autor não efectuou as subscrições que estão em causa nestes autos e as duas que subscreveu o fez sem estar ciente dos riscos, até ponderando as próprias declarações do Autor em sede de depoimento de parte que se demonstraram comprometidas e contraditórias!...
. Ao invés, as testemunhas que o banco apresentou são os funcionários bancários da rede Private que a tudo assistiram, tendo prestado depoimentos directos, isentos e totalmente consistentes com as regras da experiência comum, não tendo o tribunal a quo sequer apresentado qualquer justificação para ter feito total tábua rasa destes depoimentos:
8.1ª) o gestor de conta A. M. que acompanhou o Autor desde a passagem da rede de retalho para o Private em 2007 e com ele reuniu várias vezes e a quem foram transmitidas pelo Autor, de forma esclarecida, as ordens de subscrição em causa nos autos, que esta testemunha executou, assim como muitas e muitas outras, com as mesmas características, que não são aqui questionadas e que constam dos inúmeros extractos juntos aos autos;
8.2ª) a especialista de investimento, S. S., que preparou e apresentou discriminadamente ao Autor uma proposta de investimento que continha a descrição do tipo das obrigações em causa nestes autos e que, em 2009, passou a ser gestora do Autor, a quem entregou, a pedido deste, as fichas técnicas de todos os títulos em causa e que afirma que o Autor é um comerciante de mão cheia, experiente e informado e que foi ele que deu as ordens que estão no centro da presente acção;
8.3ª) o Diretor da rede Private, N. A., que reuniu com o Autor em Agosto de 2009 e que afirma peremptoriamente que o Autor sabia as características das obrigações que tinha subscrito;
8.4ª) a especialista de investimento, Maria, que veio explicar pormenorizadamente ao Tribunal que as obrigações em causa nestes autos, à data em que foram subscritas, eram vistas pelas próprias agencias internacionais de rating como um investimento prudente, com um grau de risco médio/baixo e que foi assim que foi apresentado ao Autor, sendo que ninguém esperava que iria haver uma mudança de paradigma no sistema financeiro, com a crise de 2007/2008, que conduziu a uma desvalorização abrupta destes títulos;
8.5) a acrescer, a farta prova documental constante dos autos, nomeadamente os extractos da conta de títulos do Autor e referente à rede de retalho, os extractos da conta do Autor referentes ao período posterior, na rede Private e as propostas de investimento do dia 19 e 21 constantes dos autos;
9ª. Salvo o devido respeito, foi aquela relatada mudança de paradigma que o tribunal a quo negligenciou totalmente no julgamento destes autos e que, a nosso ver, constitui o seu cerne: não há dúvida que o Autor sabia que as obrigações comportavam risco de solvência das entidades emitentes, por muito que fosse optimista em relação ao mesmo – como todo o mundo era em inícios de 2007; como não há dúvida que o Autor não era, de todo, avesso a riscos … mas sim avesso a perdas – como o toda a gente o é!.
10ª. Devem ser considerados não provados os seguintes factos que foram considerados provados na sentença recorrida: 20, 22, 26, 28, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37.
11ª. São os seguintes os factos que foram considerados provados e que impõe uma redação diferente, mais consentânea com a prova produzida:

11.1ª) Foi dado como provado que “21. O Autor não celebrou com o Réu mandato para gestão discricionária de qualquer carteira de títulos”, devendo ser incluído “porque não aceitou a forma de remuneração proposta para este serviço que consistia num valor fixo e não num fee”.
11.2ª) Foi dado como provado que “29. O Réu veio a adquirir diversos produtos financeiros aplicando nos mesmos as economias que o Autor tinha depositadas no banco Réu”, requerendo-se que seja a seguinte a redação deste artigo: “O Réu veio a adquirir, sobre instruções escritas e/ou verbais do Autor, diversos produtos financeiros aplicando nos mesmos as economias que o Autor tinha depositadas no banco Réu”.
11.3) Foi dado como provado “34. O Autor assinou as duas referidas autorizações de débito e aquisição porque essa foi a sua vontade e porque confiava na probidade, rigor e profissionalismo do Réu e dos seus serviços” e em substituição desta redacção requer-se que fique a constar: “Pelo menos duas dessas instruções, as referidas na alínea c) e f) do ponto 6. dos factos provados, foram dadas por escrito.
11.4) Foi dado como provado “40. O Autor veio a ser confrontado com a informação por parte do Réu de que muitos daqueles títulos tinham um valor equivalente a zero tendo, nessa altura, exigido explicação sobre as razões de aquisição e escolha de tais títulos e com que autorização tinham sido feitas essas aplicações” e em substituição desta redação, que não corresponde à verdade, deve ser dada a seguinte que resultou, sem oposição, da prova produzida nestes autos: “Em Agosto de 2009, o Autor manifestou, pela primeira vez, o seu desagrado aos funcionários do Réu acerca da desvalorização dos produtos financeiros identificados no ponto 6. da matéria de facto provada, nunca tendo reclamado anteriormente acerca destas subscrições.
11.5) Foi dado como provado que “53. Em inícios de 2007, as obrigações que foram apresentadas ao Autor eram vistas pelos funcionários do Réu como um investimento prudente, com um grau de risco entre médio/baixo e médio/alto, devendo ser incluído o resto do quesito 80, a saber, “e por isso menos arriscado do que o investimento em acções e nomeadamente de quaisquer das sociedades que integravam ao tempo o índice PSI 20, designadamente daquelas que o Autor tinha em carteira em Fevereiro de 2007 quando, a seu pedido, transitou para a rede Private do banco da Réu”.
12ª. Resultou da instrução da causa o seguinte facto que deve, pela importância no apuramento da verdade material, ser incluído na matéria de facto provada “Na reunião da passagem de gestor no Private, em 9 de Março de 2009, o Autor recebeu da gestora que lhe veio a seu alocada, a solicitação sua e sob pretexto de reorganização do arquivo pessoal, todos os documentos relativos às características dos produtos que detinha em carteira e a que se refere o ponto 6. dos factos provados”.
13ª. Devem ser considerados provados os seguintes factos que foram considerados não provados na sentença recorrida: 1, 2, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32.

Subsidiariamente,
14ª. Mesmo perante a matéria de facto dada como provada na instância, a sentença sempre teria de ser totalmente revogada e substituída por outra que absolva o banco do pedido.
15ª. Ao tribunal a quo estava vedado aplicar o regime da gestão de negócios, declarando a ineficácia das subscrições referentes aos títulos que o Autor alega não ter dado autorização: primeiro porque a lei elegeu expressamente a sanção da responsabilidade civil indemnizatória como sanção para o incumprimento dos deveres do intermediário financeiro (sendo que esta nunca se verificaria por falta de pressupostos e ainda pela procedência das excepções de prescrição e abuso de direito) depois porque, caso assim não se entendesse, os pontos 42, 54, 55, 56, 57, 58 e 59 da matéria dada como provada permitem lapidarmente concluir que o Autor ratificou aqueles negócios podendo, ainda no limite, aqueles mesmos factos quadrar num clamoroso abuso de direito do Autor que sempre faria precludir qualquer pretensão deste nesta sede.
16ª. No que respeita às duas ordens de subscrição assinadas pelo Autor, os factos provados nos autos não permitem subsumir a conduta do banco como violadora de deveres de informação e por isso ilícita: não resultou provado que o banco tenha garantido ao Autor, experiente investidor, qualquer reembolso de capital associado às obrigações em causa, antes e em excesso ficou provado que os documentos respeitantes àqueles produtos referiam que as mesmas têm risco associado, da mesma forma que ficou provada que aqueles produtos eram vistos como um investimento prudente.
17ª. É isto mesmo que nos diz o recentíssimo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2017 “ I - A ilicitude do comportamento do intermediário financeiro poderá provir da violação do dever de informação.; II - A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. III - A garantia do intermediário financeiro do reembolso do capital investido tem de ser entendida no contexto do investimento que se apresentava seguro, designadamente face ao bom rating das entidades estrangeiras emitentes das obrigações, para além de que o maior rendimento da aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco. IV - Desde que o risco da aplicação financeira não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, corre por conta do titular do direito. VI - Não sendo possível surpreender qualquer violação do dever específico de informação por parte do intermediário financeiro, não se encontra verificada a ilicitude, inexistindo responsabilidade civil.
18ª. Da matéria de facto apurada não consta nenhum facto relativo aos danos, muito menos ao nexo causal que permita preencher os requisitos da responsabilidade civil;
19ª. O direito do Autor sempre estaria prescrito à luz do disposto no artigo 324º do Código Valores Mobiliários, sendo que o Tribunal a quo apenas afastou esta prescrição por ter entendido que o banco agiu com culpa grave e nada disso decorre dos autos, estando claramente ultrapassados os dois anos a que se refere aquele normativo legal. Por fim,
20ª. Os pontos 42, 54, 55, 56, 57, 58 e 59 sempre quadram o comportamento do Autor em clamoroso abuso de direito.
21ª. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 607º nº 5 do Código Processo Civil e 7º, 304º, 312º e 314º e seguintes do do Código Valores Mobiliários.
Termos em que, na procedência das conclusões, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva totalmente o banco do pedido.
O Apelado apresentou contra alegações em que defende a improcedência do recurso.
Cumpre-nos agora decidir.
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Sendo certo que o objecto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das apresentadas pelo Apelante resulta que são as seguintes as questões que são colocadas à nossa apreciação:

- averiguar se, em face da prova produzida, diversa deveria ter sido a decisão da 1ª instância acerca da matéria de facto e das consequências da eventual procedência da impugnação no mérito da causa;
- em qualquer caso, apurar se a matéria de facto provada permite concluir ter o Autor ratificado os negícios celebrados pelo Réu;
- decidir se o direito do Autor se encontra prescrito à luz do disposto no artigo 324º do Código Valores Mobiliários ou, caso assim se não entenda, se a pretensão do Autor configura abuso de direito.
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De acordo com o disposto no artigo 662º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por seu turno, o artigo 640º do mesmo diploma estabelece:

1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento no erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízode poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
As Apelantes dão cumprimento aos ónus mencionados pelo que nada obsta à apreciação do recurso nessa parte.
(…)
Revisitámos todos os elementos de prova juntos ao processo, que conjugámos com os depoimentos prestados em audiência cuja gravação também analisámos.
(…).
*
São, pois, os seguintes os factos provados:

1. O Réu é uma instituição de crédito, cuja actividade é supervisionada pelo Banco de Portugal, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e pelo Instituto de Seguros de Portugal;
2. O Réu encontra-se autorizado, entre outras actividades, a prestar serviços de investimento como intermediário financeiro, para o que se encontra registado junto da CMVM sob o nº 105, em 29 de Julho de 1991;
3. O Autor, por seu lado, é cliente do Réu e titular da conta de Depósitos à Ordem no Banco Réu, nº ...0, junto da Agência deste Réu na Avenida … em Barcelos;
4. O Autor exerce a actividade de empresário têxtil, única que sempre exerceu;
5. Facto que sempre foi do conhecimento do Réu;
6. O Réu aplicou e usou o dinheiro depositado no seu Banco pelo Autor, na aquisição dos seguintes produtos financeiros:

a) – 100 títulos denominados ACVP por euros 102.014,91 em 7/05/2007.
b) - 73 títulos denominados EFP por euros 73.267,27, em 6/07/2007. c) – 100 títulos denominados EFP, por euros 102.306,03, em 26.04.2007.
d) – 1 título denominado OBRIGAÇÕES EMISSÃO ESFG, por euros 50.399,59 em 7/06/2007.
e) – 50 títulos denominados obrigações emissão BIWBE, por euros 50.000,00, em 19.11.2007.
f) – 35 títulos denominados emissão BF, por euros 36.013,61, em 6.07.2007.
g) – 150 títulos denominados emissão GIF (05/2009), por euros 150.643,90 em 25.05.2007.
h) – 5 000 000 de títulos denominados EBOP por 50.386,66 euros, em 06.07.2007.
i) – 72 Títulos denominados Emissão GIB, por euros 72.437,18 em 20.04.2007.
7. as aquisições referidas foram comunicadas por carta endereçada pelo Réu ao Autor, onde este denominava os títulos adquiridos;
8. o Autor é empresário de profissão há mais de 20 anos, actividade que exerce essencialmente através da sociedade X - Têxteis, Lda, titular do NIPC …, de que é sócio maioritário e gerente desde a sua constituição no ano de 1984, a cujos destinos preside desde então;
9. a X - Têxteis explora uma unidade fabril do sector têxtil nas imediações da cidade de Barcelos, tendo ao seu serviço, em média anual e durante os últimos 10 anos, mais de 40 trabalhadores;
10. no comando dos destinos da X - Têxteis, o Autor contacta diariamente com os seus clientes e fornecedores, nacionais e estrangeiros, com eles negociando preços e outras condições que ficam a reger as relações contratuais assim estabelecidas;
11. através do Autor enquanto seu gerente, a X - Têxteis negoceia financiamentos, os mais diversos, com instituições de crédito e nomeadamente na forma de empréstimos e de abertura de créditos e recorrendo por isso à assunção de dívida como forma de financiar a sua atividade;
12. em virtude de exportar uma parte da sua produção, a X - Têxteis, através do Autor enquanto seu gerente, contrata com instituições de crédito operações financeiras associadas a exportações, nomeadamente créditos documentários e remessas de exportação;
13. o Autor é cliente do Banco Réu desde data anterior a 1995, sendo desde então titular, em conjunto com a sua mulher, de um conta de depósitos à ordem a que foi atribuído o número ...0;
14. esta conta de depósitos à ordem foi aberta junto da denominada rede de retalho do Banco Réu, que é aquela que acolhe a generalidade dos clientes da mesma;
15. o leque de serviços de investimento oferecidos pelo Banco Réu no âmbito da rede de retalho é limitado, restringindo-se a investimentos em instrumentos financeiros mais correntes e de estrutura menos complexa como unidades de participação em fundos de investimento, compra e venda de ações e subscrição e resgate de obrigações;
16. através da rede de retalho, o Banco Réu não presta serviços de aconselhamento personalizado a investimentos, limitando-se a aceitar ordens que lhe são dadas pelos seus clientes e que cumpre;
17. para lá da rede de retalho, o Banco Réu dispunha ao tempo em que foi aberta a referida conta e dispõe hoje de uma rede denominada Private, que oferece o acesso a instrumentos financeiros mais complexos e suscetíveis de oferecer um maior retorno através de aconselhamento personalizado que é prestado por técnicos especialmente qualificados na análise de instrumentos financeiros e na definição de políticas de investimento e por isso especialmente habilitados a prestarem aos clientes informação sobre os riscos que lhes estão associados;
18. o Réu conhecia o denominado perfil de risco do Autor, enquanto seu cliente e eventual investidor em produtos financeiros;
19. o Réu nunca efectuou inquérito à pessoa do Autor;
20. o Autor não celebrou com o Réu mandato para gestão discricionária de qualquer carteira de títulos porque não aceitou a forma de remuneração proposta para este serviço que consiste num valor dixo e não num fee;
21. o Autor nunca exerceu profissão ou actividade de prestação de serviços correlacionados com intermediação de ou investimentos financeiros em valores mobiliários;
22. o Autor foi sedimentando uma grande relação de confiança nas recomendações do Réu em matéria de investimentos e aplicações financeiras;
23. quer por força da histórica relação que mantinha com o Réu, quer enquanto seu cliente, quer enquanto gerente de empresas que eram e são clientes do Réu;
24. facto que era conhecido e entendido pelo Réu;
25. o Réu veio a adquirir diversos produtos financeiros aplicando nos mesmos as economias que o Autor tinha depositadas no banco Réu.;
26. o Autor autorizou duas das referidas aquisições, limitando-se a assinar os documentos que para o efeito a Ré elaborou e apresentou para que o Autor os assinasse;
27. o Autor assinou as duas referidas autorizações de débito e aquisição porque confiava na probidade, rigor e profissionalismo do Réu e dos seus serviços;
28. e na convicção que sempre teve de que jamais o Réu iria propor ao Autor a aquisição de produtos financeiros que envolvessem os riscos de depreciação ou falta de liquidez;
29. quanto às restantes aplicações financeiras, o Autor jamais prestou ao Réu o seu consentimento para que o Réu as adquirisse em seu nome;
30. o Autor veio a ser confrontado com a informação por parte do Réu de que muitos daqueles títulos tinham um valor equivalente a zero, tendo nessa altura exigido explicação sobre as razões de aquisição e escolha de tais títulos e com que autorização tinham sido feitas essas aplicações;
31. o Réu não comunicou a operação referente à aquisição 50 títulos denominados obrigações emissão BIWBE, por euros 50.000,00, em 19.11.2007, à CMVM;
32. o Autor recebeu os extractos onde vinham descritos e inscritos os investimentos efectuados e que eram emitidos mensalmente;
33. as aquisições em causa nos presentes autos tiveram lugar no ano de 2007;
34. desde 2000 e pelo menos até 2010 que a X - Têxteis apresenta uma facturação anual sempre superior a euros 3.000.000,00, sendo que pelo menos nos anos de 2005 e 2006 apresentou sempre uma faturação superior a euros 5.000.000,00;
35. durante o tempo em que foi apenas cliente da rede de retalho do Banco Réu o Autor subscreveu e resgatou obrigações e unidades de participação em fundos de investimento, nomeadamente fundos de obrigações e comprou e vendeu ações;
36. nestes investimentos que realizou enquanto foi apenas cliente da rede de retalho do Banco Réu, durante um período de tempo superior a 10 anos, o Autor investiu mais de euros 5.000.000,00 em operações sobre instrumentos financeiros daquela natureza;
37. o Autor sempre fez suas as mais-valias que obteve com a venda dos instrumentos financeiros que assim adquiriu, tal como sempre encaixou as perdas que sofreu;
38. no mês anterior àquele em que primeiramente foi recebido pela rede Private do Banco Réu, o Autor tinha mais de metade do seu património confiado ao Banco Réu afecto a acções;
39. em inícios do ano de 2007, o Autor e o gerente da sua conta na rede de retalho acordaram que o Autor teria um aconselhamento mais especializado e personalizado através da rede Private do Banco;
40. o gerente de conta encaminhou o autor para a rede Private do Banco;
41. dois funcionários da rede Private visitaram o Autor nas instalações da sua empresa sitas em Barcelos;
42. nessa visita foi apresentado ao Autor um conjunto de obrigações, tendo-lhe sido entregue o documento de folhas 783 e seguintes dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, documento esse que continha a descrição das características das obrigações apresentadas, incluindo informação sobre as respetivas entidades emitentes, sobre o juro que pagavam e sobre outras das suas características;
43. em inícios de 2007 as obrigações que foram apresentadas ao Autor eram vistas pelos funcionários do Réu como um investimento prudente, com um grau de risco entre médio / baixo e médio /alto e por isso menos arriscado do que o investimento em acções e nomeadamente de quaisquer das sociedades que integravam ao tempo o indice PS 20, designadamente daquelas que o Autor tinha em carteira em Fevereiro de 2007 quando, a seu pedido, transitou para a rede Private do banco Réu;;
44. o Banco Réu emitiu e enviou ao Autor o respectivo aviso de lançamento, do qual fez constar as seguintes informações: identificação da operação, identificação da emissão, número da operação, quantidade de títulos, data de movimento, total a liquidar por débito da conta bancária da titularidade do autor com o número ...0;
45. o Autor recebeu aqueles avisos de lançamento;
46. a execução de cada uma daquelas nove operações foi reflectida no extracto do mês em que foi executada e a titularidade das obrigações adquiridas foi reflectida em todos os extractos emitidos subsequentemente;
47. o Autor recebeu todos e cada um dos extractos juntos nos quinze dias subsequentes à data que consta da primeira página de cada um como data de emissão;
48. a cada vez que cada uma das obrigações adquiridas pagou juros, o BancoRréu emitiu e enviou ao Autor um aviso de lançamento do correspondente crédito, que foi lançado na conta da sua titularidade com o número ...0;
49. o Autor fez suas as quantias creditadas a título de rendimento gerado pelas obrigações adquiridas e acima referidas, de que dispôs conforme entendeu por bem e por débito da conta bancária em que foram creditadas;
50. durante o período em que foi cliente apenas da rede de retalho do banco Réu, o Autor destinou parte da liquidez que foi depositando na conta de depósitos à ordem da sua titularidade à aquisição de acções e à subscrição de obrigações e de unidades de participação em fundos de investimento;
51. as decisões de investimento que tomou enquanto cliente da rede de retalho foram tomadas exclusivamente pelo Autor, sem que o Banco Réu lhe tivesse prestado qualquer aconselhamento, nomeadamente quanto às características dos instrumentos financeiros adquiridos e designadamente quanto ao grau de risco que ofereciam;
52. o Autor expressou o desejo de obter um aconselhemento mais especializado para investimento no mercado de capitais, manifestando o desejo de ter acesso a um leque mais variado de instrumentos financeiros que lhe pudessem gerar um maior retorno e permitir obter uma maior deiversificação dos seus investimentos;
53. depois de uma apresentação genérica dos serviços oferecidos pela rede Private, os funcionários do Banco Réu afirmaram ao Autor que tinham analisado os investimentos que ele tinha realizado no passado através da rede de retalho e sugeriram-lhe que os investimentos a realizar fossem direcionados, para lá de outros activos, para obrigações;
54. o Autor, porque já no passado tinha investido em obrigações e em fundos de obrigações, aceitou a sugestão, tendo então os funcionários da rede Private do Banco Réu ficado de reunir um leque de obrigações para apresentar ao autor, para além de outros ativos de outra natureza na ótica de constituírem uma carteira diversificada por classes de ativos para assim minorarem o risco de conjunto;
55. na conversa que foi mantida nessa reunião e nas conversas que foram mantidas posteriormente, pessoalmente ou por telefone, foram prestados ao Autor todos os esclarecimentos que por este foram solicitados a respeito das obrigações que lhe foram sendo apresentadas;
56. nas reuniões havidas entre o Autor e os funcionários do Réu sempre ficou claro que os investimentos propostos nas obrigações apresentadas apresentavam risco, nomeadamente do capital investido;
57. risco que era calculado em virtude das características das próprias obrigações e da reputação das entidades emitentes;
58. na sequência destas conversações, durante o ano de 2007, o Banco Réu veio a apresentar ao Autor, como possibilidade de investimento, um conjunto vasto de obrigações entre as quais se incluíam aquelas a que acima se fez referência;
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(…)
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Através da presente acção, pretende o Autor a condenação do Réu no pagamento da quantia de euros 307.151,05, acrescida dos juros legais, desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento e fundamenta esse pedido, por um lado, na falta de autorização dada ao Réu para a subscrição dos produtos financeiros que especifica e, por outro, na violação pelo Réu dos seus deveres contratuais e enquanto intermediário financeiro.
Encontra-se demonstrado que o Autor era cliente da agência do banco Réu de Barcelos, aí tendo aberto uma conta de depósitos à ordem com o nº ...0, através da qual realizava vários movimentos a débito e a crédito.
Como é do conhecimento comum, a abertura de uma conta de depósitos à ordem é, normalmente, a génese de uma relação bancária complexa entre o banqueiro e o seu cliente, traçando o “cenário” factual e legal do seu relacionamento, o qual se deve pautar por deveres de conduta, derivados da boa fé, dos usos bancários ou dos acordos particulares que celebrarem, à luz do princípio da liberdade contratual.
E foi o que aconteceu no caso deste processo em que se comprova que, no âmbito dessa relação bancária ocorreu o exercício por parte do Réu da actividade de intermediação financeira, que se traduz na colocação no mercado de obrigações de uma terceira entidade, designadamente pondo ao seu dispor serviços de investimento e gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições e, mais concretamente, serviços de consultoria para investimento em valores mobiliários – ver artigos 289º e 291º, c) do Código de Valores Mobiliários (CVM).
Mas é certo que, dadas as especificidades da actividade bancária, sobre os bancos impendem especiais deveres de zelo e diligência perante os seus clientes, plasmados em regulamentação própria.
A este propósito refere-nos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2008, disponível em www.dgsi.pt, que “os Bancos são entidades legalmente habilitadas a praticar profissionalmente actos bancários. E a referência ao carácter profissional da sua actividade significa, antes de mais, que se trata de uma prática habitual – o banco não se limita à prática de actos bancários ocasionais ou isolados, mas sim à sua prática em cadeia, em sequência articulada – lucrativa, isto é, que visa a obtenção de lucros, de proventos, assentando, por isso, numa organização empresarial – e tendencialmente exclusiva, do ponto em que só pode ser exercida por certas entidades (as instituições de crédito, categoria em que se englobam) que, em princípio, só devem exercer a actividade bancária (e não qualquer outra, ou mais qualquer outra)”.
Estas características obrigam as instituições bancárias a adoptar uma orgânica própria e muito especializada, que possa responder, com eficácia, ao complexo de deveres a que estão vinculadas, e que têm a ver, no sector bancário, não só com preocupações de política económica, de salvaguarda do sistema, mas também com a tutela dos direitos e interesses dos clientes”.
O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIC) contém mesmo um complexo de normas relativas às regras de conduta do banqueiro, aí sendo destacadas, no que tange a deveres gerais, regras respeitantes à competência técnica, às relações com os clientes, ao dever de informação e ao critério de diligência (artigos 73º a 76º)”.
A competência técnica (artigo 73º) tem subjacente deveres de qualidade e de eficiência: o banqueiro deve assegurar ao cliente, em todas as actividades que exerça, “elevados níveis de competência técnica”, devendo, para a consecução de tal objectivo, dotar a sua organização empresarial “com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.
No tocante às relações com os clientes (artigo 74.º) vem referenciado o dever de adopção, por parte do banqueiro, enquanto instituição, de procedimentos de diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados”.
E quanto ao critério de diligência (artigo 76.º), também referenciando o banqueiro enquanto instituição, aponta ele para o modelo do banqueiro criterioso e ordenado, no que pode ver-se a recuperação, com fins bancários, da figura do bonus paterfamilias, prudente, ordenado e dedicado”.
Por seu lado, o artigo 7º do CVM, no seu nº 1 estabelece que “deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários”.
Por sua vez, o artigo 304º nº 1 dispõe que “os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo os mesmos, de acordo com o n.º 2, nas relações com todos os intervenientes no mercado, observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”.
Ainda, de acordo com o nº 3 da mesma disposição legal, na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar e, na versão do Decreto-Lei 357-A/2007, concretizando-se a experiência do cliente por referência ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado.
Cabe ainda dizer que, sob a epígrafe “deveres de informação” preceitua o artigo 312º, nº 1 do CVM, que o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, devendo, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal a extensão e a profundidade da informação (…) ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
No que à observância deste dever de informação, que constitui um dos fundamentos em que assenta a presente acção, provou-se que, na sequência de o Autor ter expressado o desejo de obter um aconselhamento mais especializado para investimento no mercado de capitais, manifestando o desejo de ter acesso a um leque mais variado de instrumentos financeiros que lhe pudessem gerar um maior retorno e permitir obter uma maior deiversificação dos seus investimentos, depois de uma apresentação genérica dos serviços oferecidos pela rede Private, os funcionários do Banco Réu afirmaram ao Autor que tinham analisado os investimentos que ele tinha realizado no passado através da rede de retalho e sugeriram-lhe que os investimentos a realizar fossem direccionados, para lá de outros activos, para obrigações.
O Autor, porque já no passado tinha investido em obrigações e em fundos de obrigações, aceitou a sugestão, tendo então os funcionários da rede Private do Banco Réu ficado de reunir um leque de obrigações para apresentar ao autor, para além de outros ativos de outra natureza na ótica de constituírem uma carteira diversificada por classes de ativos para assim minorarem o risco de conjunto.
Na conversa que foi mantida nessa reunião e nas conversas que foram mantidas posteriormente, pessoalmente ou por telefone, foram prestados ao Autor todos os esclarecimentos que por este foram solicitados a respeito das obrigações que lhe foram sendo apresentadas e, nas reuniões havidas entre o Autor e os funcionários do Réu sempre ficou claro que os investimentos propostos nas obrigações apresentadas apresentavam risco, nomeadamente do capital investido, risco que era calculado em virtude das características das próprias obrigações e da reputação das entidades emitentes.
Na sequência dessas conversações, durante o ano de 2007, o Banco Réu veio a apresentar ao Autor, como possibilidade de investimento, um conjunto vasto de obrigações entre as quais se incluíam aquelas a que acima se fez referência.
Mesmo concordando com a sentença em recurso no sentido de que “O padrão de conduta exigido ao intermediário financeiro é um padrão que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família previsto no artigo 487º, nº 2 do Código Civil devendo, antes, como bem observa Gonçalo Castilho dos Santos na obra A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, “agir como um “diligentissimus pater familiae”, seguindo cuidados especiais que só as pessoas muito diligentes observam”.
A consagração destes princípios importa a que não baste que seja apresentada ao Autor uma proposta de investimento personalizada com a descrição dos produtos financeiros adequados ao perfil que o Réu para ele traçou ou que lhe sejam enviados mensalmente os extractos dos movimentos respetivos. Nem baste, mesmo que se trate de pessoa já familiarizada com este tipo de investimentos, ter informado, em abstrato, ou seja, fora do concreto contexto vivido no momento, quais as características das obrigações em causa”.
É que a informação a prestar não respeita apenas ao título em si, tem também de versar sobre o emitente e a sua situação, os instrumentos e os concretos riscos envolvidos, sobretudo se há um risco real de um investidor perder todo ou parte do seu investimento no caso de o emitente se tornar insolvente, como é o caso das obrigações adquiridas pelo autor (que são na sua maioria subordinadas, mas mesmo as seniores)” consideramos, em face da matéria de facto provada, que o Réu não violou os mencionados deveres de informação e adequação.
Mas a verdade é que, apesar disso, está provado que, com excepção das duas subscrições que foram expressamente e por escrito autorizadas pelo Autor – 100 títulos denominados EFP, por € 102.306,03, em 26.04.2007 e 35 títulos denominados emissão BF, por € 36.013,61, em 6.07.2007 – provou-se que, em relação às demais, o Autor jamais prestou ao Réu o seu consentimento para que este as adquirisse em seu nome e, neste aspecto, estamos com a sentença em recurso quando considera que, não tendo o Autor acordado com o Réu a gestão discricionária, só pode considerar-se que o banco agiu na qualidade de gestor de negócios que, como se sabe, ocorre quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizado, o que torna os negócios ineficazes em relação à pessoa em nome de que se negoceia se não for por ele ratificado (artigos 464.º e 268º do Código Civil).
Todavia, provou-se que:

- o Autor recebeu os extractos onde vinham descritos e inscritos os investimentos efectuados e que eram emitidos mensalmente;
- o Banco Réu emitiu e enviou ao Autor o respectivo aviso de lançamento, do qual fez constar as seguintes informações: identificação da operação, identificação da emissão, número da operação, quantidade de títulos, data de movimento, total a liquidar por débito da conta bancária da titularidade do autor com o número ...0;
- o Autor recebeu aqueles avisos de lançamento;
- a execução de cada uma daquelas nove operações foi reflectida no extracto do mês em que foi executada e a titularidade das obrigações adquiridas foi reflectida em todos os extractos emitidos subsequentemente;
- o Autor recebeu todos e cada um dos extractos juntos nos quinze dias subsequentes à data que consta da primeira página de cada um como data de emissão;
- a cada vez que cada uma das obrigações adquiridas pagou juros, o Banco Réu emitiu e enviou ao Autor um aviso de lançamento do correspondente crédito, que foi lançado na conta da sua titularidade com o número ...0;
- o Autor fez suas as quantias creditadas a título de rendimento gerado pelas obrigações adquiridas e acima referidas, de que dispôs conforme entendeu por bem e por débito da conta bancária em que foram creditadas.
Desta factualidade retira-se, em nosso entender, claramente a ratificação tácita por parte do Autor dos negócios celebrados em seu nome pelo banco, pelo que eles produziram os seus normais efeitos translativos em relação ao Autor.
E se, por via desses negócios, o Autor veio a sofrer danos, tal só pode ser imputável às flutuações ocorridas no mercado de capitais que são do conhecimento geral e não a culpa do Réu, pelo que não responde este por esses danos, com o que fica prejudicada a apreciação das demais questões equacionados.
Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso, julgando a acção improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido.
Custas pelo Autor.
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1 DE FEVEREIRO DE 2018


CARVALHO GUERRA
MARIA DA CONCEIÇÃO BUCHO
MARIA LUÍSA DUARTE