Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7067/17.0T8VNF-A.G1
Relator: AFONSO MANUEL ANDRADE
Descritores: PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO
LISTA PROVISÓRIA DE CREDORES
CREDOR HIPOTECÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do relator:

1. O prazo de 5 dias úteis previsto no art. 17º-D, nº 4 CIRE para impugnar a lista provisória de créditos, no âmbito do processo de revitalização, tem subjacentes preocupação de celeridade, e não se suspende nem se interrompe com a apresentação de rectificações à lista provisória de créditos.

2. Pelas mesmas razões, deve entender-se que não tem aplicação a esse prazo o disposto no artigo 139º,5 do CPC.

3. Quem seja titular de um direito real de garantia (hipoteca) incidente sobre um bem imóvel do devedor “revitalizando”, para garantia de um empréstimo concedido a terceiro, e já tenha instaurado acção executiva para cobrança do seu crédito, contra a ora devedora hipotecária, tendo até visto essa acção executiva suspensa por força da instauração do PER (processo especial de revitalização), deve ser considerado credor do devedor, para efeitos de inclusão do seu crédito na lista provisória a que se refere o art. 17º-D,4 CIRE.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. O prazo de 5 dias úteis previsto no art. 17º-D, nº 4 CIRE para impugnar a lista provisória de créditos, no âmbito do processo de revitalização, tem subjacentes preocupação de celeridade, e não se suspende nem se interrompe com a apresentação de rectificações à lista provisória de créditos. 2. Pelas mesmas razões, deve entender-se que não tem aplicação a esse prazo o disposto no artigo 139º,5 do CPC. 3. Quem seja titular de um direito real de garantia (hipoteca) incidente sobre um bem imóvel do devedor “revitalizando”, para garantia de um empréstimo concedido a terceiro, e já tenha instaurado acção executiva para cobrança do seu crédito, contra a ora devedora hipotecária, tendo até visto essa acção executiva suspensa por força da instauração do PER (processo especial de revitalização), deve ser considerado credor do devedor, para efeitos de inclusão do seu crédito na lista provisória a que se refere o art. 17º-D,4 CIRE.

I- Relatório

No processo especial de revitalização (CIRE) que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de V. N. Famalicão, Juíz 3, em que é devedora X, SA, foram proferidos os seguintes despachos:

1. “Dos requerimentos apresentados por X e António, pugnando pela tempestividade das impugnações apresentadas, por ter sido apresentada rectificação à lista de credores no dia 29/12/2017, a qual, na sua óptica, teria interrompido o prazo para impugnação em curso e, caso assim se não entendesse, defendendo a aplicabilidade do disposto no artigo 139º,5 do CPC, permitindo-se a prática do acto, com o pagamento de multa.

Vejamos.

Nos presentes autos foi publicada lista provisória de credores no dia 21 de Dezembro de 2017.
No dia 29 de Dezembro, o Sr. AJP juntou requerimento aos autos, alegando que o crédito reconhecido à X S.A. e a António se não encontrava correctamente discriminado. Pediu ali, apenas, a rectificação da lista.

Não houve lugar a qualquer publicação.

Ora, nos termos do disposto no art. 17°-D, nºs 2 e 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o Administrador, no prazo de 5 dias após o termo do prazo de reclamação de créditos, elabora uma lista provisória de créditos que é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de 5 dias úteis e dispondo o juiz, em seguida, de 5 dias úteis para decidir as reclamações.

Apenas a descrição desta tramitação intui desde logo a impossibilidade de rectificações ou alterações à lista provisória de credores apresentada e publicada nos termos do disposto no art. 17°-D nº 3.

Basta pensar que, se fosse publicada qualquer lista rectificada, qualquer credor poderia pensar que se reiniciou o aludido prazo para impugnar.

Veja-se que, no caso concreto, o Sr. Administrador juntou a lista provisória que foi publicada em 21/12.

Iniciou-se o prazo de impugnação que terminou em 29/12.

Caso se admitisse a "rectificação" com a publicação da nova lista poder-se-ia presumir que correria novo prazo para todos os credores apresentarem impugnações.
Ou se a mesma não fosse publicada, como aqui não foi, sempre poderiam credores que constavam da lista inicial ser prejudicados por terem atentado, como a lei prevê, apenas na primeira lista publicada.

De forma muito clara, apenas uma lista provisória de credores pode ser apresentada} publicada} impugnada e transformada em lista definitiva, não sendo admissíveis rectificações posteriores à lista, ou alterações à mesma. Também a apresentação de novas listas provisórias está vedada, por outra ordem de razões que só confirma a conclusão antes atingida: o prazo de negociações de dois meses, eventualmente prorrogável por um mês, é peremptório e inultrapassável e inicia-se com o termo do prazo das impugnações - art. 17°-D nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. O prazo de negociações e o procedimento de negociações é a alma e o fito último do PER - a lista de credores serve apenas para determinar o quórum deliberativo e é “acessório" nas negociações que decorrem. O processo de determinação da lista definitiva de credores - que claramente a lei quis rápido e simples - não pode ser um factor de perturbação para as negociações e, muito menos um factor de incerteza quanto à ocorrência do seu termo. Se houver várias listas e vários prazos de impugnação, como contar o termo inicial do prazo de negociações (e, consequentemente, o seu termo final)? A resposta é, mais uma vez, quanto a nós, clara: do termo do único prazo de impugnação da única lista de credores admissível.
Pelo exposto, não se admite a rectificação.
Notifique.

E o que dizer da aplicação do disposto no artigo 139º, nº 5 do CPC?

Alegam os impugnantes que o artigo 17°-D, nº 3 do CIRE não afasta a aplicabilidade do nº 5 do artigo 139º do CPC. Não desconhecemos o teor do acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora citado pelo impugnante, mas permitimo-nos discordar.

Na verdade, entendemos que a faculdade de apresentação da peça processual nos três dias seguintes, prevista no artigo 139°, nº 5 do CPC, não é aplicável ao prazo para dedução de impugnações à lista de credores provisória no âmbito do PER.

Permitimo-nos seguir de perto o recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que se pronunciou no passado mês de Fevereiro de 2016 sobre a questão:

"Tem sido largamente debatida a questão de saber se, no âmbito do PER, há lugar à faculdade de prática do acto num dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139º do CPC. O Processo Especial de Revitalização, sendo um processo judicial, é um processo híbrido (negocial e judicial), composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em processo chave, indispensável ao carácter concursal do processo. Como salienta Catarina Serra, trata-se de um novo processo, dito "leve", "informal" e "expedito", Destinando-se a criar as condições necessárias para se estabeleçam negociações extrajudiciais com o propósito de conseguir um acordo, cuja celebração efectiva continua na dependência da vontade dos credores, a intervenção do tribunal reduz-se ao mínimo e é justificada pela necessidade de tornar o plano aplicável a todos os credores. É certo que o PER não deixa de constituir um processo judicial especial, ao qual serão aplicáveis, em primeiro lugar, as disposições que lhe são próprias, de seguida as disposições introdutórias do CIRE e, por fim, as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil (artigo 17° do CIRE). E é precisamente ao nível dos prazos que os artigos 17°-A a 17°-I do CIRE introduzem maiores especificidades, quer relativamente ao regime consagrado no CIRE, quer relativamente ao regime geral do CPC, derivadas, quer da especial urgência do procedimento em causa, quer da circunstância de se tratar de um procedimento com um vincado peso extrajudicial.

Com efeito, para além da opção por prazos curtos, das regras constantes dos artigos 17° perpassa a ideia de que os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores- eliminação da dilação no anúncio a publicar no portal do Citius; o momento determinante para o início da contagem do prazo para a reclamação de créditos é o da data de publicação do anúncio e não o momento em que cada um dos credores se considera notificado, sendo irrelevante para a contagem do prazo a comunicação feita pelo devedor nos termos do art. 17°-D, nº 1, existindo um prazo único para a reclamação de créditos - vinte dias a contar do anúncio a publicar no portal citius -, sendo os prazos seguidos, e independentemente de qualquer notificação pessoal aos interessados: o prazo para apresentação das reclamações de créditos é seguido de um prazo de cinco dias para o Administrador Judicial provisório elaborar a lista de créditos, "imediatamente" publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, dispondo o juiz, em seguida, de prazo idêntico para decidir sobre as impugnações formuladas (nº 3 do artigo 17-D).

Ou seja, o prazo é um só para todos os reclamantes e um só para todos os impugnantes, convertendo-se a lista provisória de imediato em lista definitiva, na ausência de reclamações (nº 4 do artigo 17°-D), o que pressupõe que a contagem do tal prazo único possa ser feita previamente e sem atender a situações particulares, não se compaginando com a faculdade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, prevista no nº 5 do artigo 39° do CPC.

Assim, no sentido de que este prazo suplementar não vale no PER, com fundamento na desjudicialização do processo, no facto de o acto não ser tributado em taxa de justiça e de os prazos serem curtos, se pronunciou Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis" ("PER - O Processo Especial de Revitalização - Comentários aos artigos 17°-A a 17°-I do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas", Coimbra Editora, pág. 49. Em igual sentido, Fátima Reis Silva, "Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente", Porto Editora, pág. 41).

Em suma:

Temos vindo a entender que o expediente previsto no nº 5 do artigo 139°, do CPC não é aplicável no âmbito do PER, pelo que mantemos a decisão que considerou ambas as impugnações extemporâneas.
Desentranhe-as do processo físico”.

2. “Da impugnação apresentada pela Y, S.A. e da impugnação apresentada pela devedora quanto ao crédito reconhecido à Y, S.A.

Alega a devedora que a Y S.A. não é sua credora. Simplesmente, é titular de garantias reais que incidem sobre prédios que são da sua propriedade (argumentando, ainda, que a Y S.A. já teria sido parcialmente ressarcida no processo de insolvência da sociedade JG S.A.).

Ora, cremos que assiste razão à devedora.

Na verdade, "o beneficiário de uma hipoteca constituída por terceiro não é credor deste, nem este, logicamente, seu devedor" - cfr. ac. TRE de 16.02.2012, in www.dgsi.pt.

"Sendo a obrigação o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação" (art. 397º do CC), credor será o titular do direito a essa prestação. Por seu turno, as garantias especiais, como é o caso da hipoteca, destinam-se a reforçar «a consistência económico-jurídica do vínculo obrigacional» e, porque dum reforço se trata, destinam-se a «ser executadas no caso de não cumprimento da obrigação». A função da garantia é, pois, a de estar ao serviço do crédito, é acessória dele e só existe na medida em que existir a obrigação garantida, extinguindo-se com esta: art. 730º, al. a) do CPC. Por regra, a hipoteca é constituída sobre bens do próprio devedor, mas pode sê-lo também sobre os imóveis de um terceiro, estranho à relação obrigacional primária, que se disponha a garantir que a obrigação do devedor será satisfeita. Assim, quando a garantia é constituída por terceiro, a hipoteca, de per si, não transforma desde logo o seu beneficiário em credor"- cfr. o Ac. do TRG de 12/7/2016, in www.dsgi.pt.

Como se esclarece no Ac. do STJ de 6.05.2000, disponível em www.dgsi.pt, proferido na vigência do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e Falência, mas com o mesmo pano de fundo, o binómio credor-devedor só existe em relação aos sujeitos de uma relação jurídica obrigacional incumprida e o beneficiário da hipoteca não é titular de qualquer relação creditícia perante o terceiro, por isso que este, ao constituir a hipoteca, não se tornou seu devedor.

O que não invalida que, declarada que venha a ser no futuro a insolvência da aqui devedora, a Y S.A. possa ali reclamar créditos na qualidade de credora da insolvência e não da devedora.
Procede, pois, a impugnação da devedora e improcede na íntegra a impugnação da Y, S.A., determinando-se a sua exclusão da lista de credores.
Notifique”.

X, LDA, e António, credores nos autos à margem referenciados de Processo Especial de Revitalização da Devedora X, S.A, não se conformando com a primeira decisão, vieram interpor recurso, cujas alegações findam com as seguintes conclusões (idênticas nos dois recursos):

i. A decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 17º do CIRE e 139º do CPC e prejudicou a segurança e certeza necessária na tramitação do processo.
ii. Durante o prazo de impugnação da lista de credores foi apresentada uma nova lista de credores rectificativa, que rectificava precisamente o crédito da aqui recorrente.
iii. A rectificação da lista de credores interrompe necessariamente o prazo em curso.
iv. Caso assim não se entenda, o que é certo é que a impugnação é ainda assim tempestiva, pois ao PER é aplicável o disposto nos arts. 139º nº 5 e 6 do CPC e, verificando a secção que o acto processual havia sido praticado no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, deveria ter notificado a Recorrente para pagar a multa nos termos legais.

Y SA, com os sinais dos autos, credora reclamante nos autos de processo Especial de Revitalização de X SA, não se conformando com a segunda decisão, que determinou a sua exclusão da lista de credores vem da mesma interpor RECURSO, findando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A) A decisão recorrida agora sob recurso ao decidir como decidiu, no sentido em que determinou a exclusão da Y SA da lista de credores fez uma incorrecta interpretação e aplicação da norma constante do artigo 17º- A do CIRE que, interpretado e aplicado correctamente, determinaria a admissibilidade da Y SA, no processo de revitalização da X SA.
B) Entendeu, o Tribunal a quo que apesar da Y, SA ser a titular das garantias reais (hipotecas) que incidem sobre imóveis pertença da X SA, não é credor, ainda que considere que caso venha a ser declarada a insolvência da X SA, já possa reclamar os seus créditos, na qualidade de credora da insolvência.
C) Ora, extrai-se do art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (igualmente conhecido pelas suas iniciais – CIRE) que esse tipo de processo destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.
D) Com efeito, o objectivo do legislador, que presidiu à criação deste regime – do PER – foi o de institucionalizar um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de uma pessoa singular, ou pessoa colectiva, poder obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente.
E) Procurou-se, assim, através deste processo, conceder primazia à vontade dos
intervenientes de modo a propiciar uma revitalização célere e eficaz das empresas ou agora das pessoas singulares que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”, pois só nestas condições existe justificação para se privilegiar o interesse público da manutenção da empresa na circulação e actividade comercial.
F) Pois bem, a empresa que estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, pode requerer ao Tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos arts. 17º-A a 17-I, do CIRE – cf. nº 2 do art. 1º.
G) Ou seja, o Estado Português aceitou adoptar, legislativamente, procedimentos flexíveis no ordenamento jurídico Português, no âmbito de créditos dessa natureza, como forma de salvaguarda das empresas, numa comunhão de esforços com os credores particulares, propondo-se alcançar, prima facie, a sua recuperação, que só pode ser obtida, no caso do processo especial em análise, pelo acordo de cada um dos credores do devedor e com todos aqueles que queiram participar, criando, para tal, um procedimento de facilitação da aprovação de planos de recuperação do devedor.
H) No caso em apreço, tendo a Y SA, ora Recorrente, registada hipoteca sobre imóveis da X SA, para garantia de cumprimento das obrigações e responsabilidade até ao limite de capital de € 2.500.000,00 teria de ter, obrigatoriamente, uma participação nas negociações, bem assim uma intervenção e participação activa em todo o processo que envolva o património da X SA, mas que por força do douto despacho agora sob recurso, lhe foi retirado.
I) Quer dizer, decidindo, como decidiu o despacho agora sob recurso, salvo o devido respeito, ignorou por completo todas as normas estabelecidas no processo especial de Revitalização.
J) De resto, sempre se dirá que os planos de viabilização passam, muitas vezes, por estabelecer condições que envolvem o património da empresa em processo de Revitalização.
L) Ora, estando os imóveis onerados a favor da Y SA teria obrigatoriamente a Y de intervir e anuir com relação a qualquer medidas que envolve o património, que poderia passar por dação, venda ou outra.
M) Por sua vez sendo a Y SA credora e face ao não pagamento do empréstimo requereu a competente execução com o nº 760/16.7T8VCT contra a X que se encontra pendente no Tribunal da Comarca de Viana do Castelo Juízo Central Cível J1.
N) Com efeito, por escritura de 15 de Janeiro de 2004, em garantia do pagamento de todas e quaisquer responsabilidades, que existam ou viessem a existir junto do então Banco B a que sucedeu a Y SA, ora Recorrente, em nome da sociedade JG Lda foi constituída hipoteca sobre o prédio então rustico, sito na …, freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez, inscrito na matriz sob o artigo 491, descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha nº … (vd cópia da reclamação de créditos com todos os documentos que acompanharam).
O) E nos termos da escritura a hipoteca que assegura até ao limite de capital de € 2.500.000,00 (dois milhões e meio de euros), a mesma destinou-se a garantir o bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades que existissem ou viessem a existir, em nome da referida sociedade decorrentes da respectiva actividade social e emergentes ou resultantes de operações de crédito que tenham sido concedidas
ou venham a sê-lo pelo então Banco B SA, por contrato de empréstimo ou de abertura de crédito, por financiamentos titulados por livranças, por descontos de papel comercial, por crédito por assinatura por descoberto em conta de deposito à ordem e por créditos documentários de importação na sua vigência inicial ou prorrogações ou renovações, bem como dos juros remuneratórios e moratórios e demais despesas judiciais e ou extrajudiciais.
P) Pois bem, o então Banco B, a que sucedeu a Y SA, ora recorrente, celebrou em 15 de Janeiro de 2004 com a Sociedade JG Lda um contrato de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, pelo montante de € 2.500.000,00. destinado à construção do prédio atrás referido, isto é, de um prédio, sito na …, freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha nº … da freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez ( vd cópia da reclamação de créditos com todos os documentos que acompanharam).
Q) O referido contrato de empréstimo foi sucessivamente alterado pelos contratos de 10 e de 13 ambos de Janeiro de 2006, depois pelo contrato de 3 de Janeiro de 2008 e pelo contrato de 12 de Janeiro de 2009, e ainda pelo contrato de 13 de Julho de 2009 e, finalmente, pelo contrato de 13 de Julho de 2010 (vd cópia da reclamação de créditos com todos os documentos que acompanharam).
R) Concluída a construção foi a constituição da propriedade horizontal, que originou várias fracções autónomas, sendo certo que as fracções designadas pelas letras “ AM “, “AZ”, “BB” e “H” do referido prédio que foram adquiridas pela requerente do PER, X SA, mas oneradas com hipoteca para garantia do crédito reclamado nos presentes autos de processo especial de Revitalização.
S) Pois bem, como se referiu face ao não cumprimento das obrigações emergentes do contrato de empréstimo e suas alterações foram executadas as garantias, isto é, o então Banco B SA a que sucedeu a Y SA, ora recorrente, requereu a competente execução com o nº 760/16.7T8VCT contra a X que se encontra pendente no Tribunal da Comarca de Viana do Castelo Juízo Central Cível J1 (vd cópia da reclamação de créditos com todos os documentos que acompanharam).
T) Ora face ao processo especial de revitalização requerido pela X SA aquela execução mostra-se suspensa, nos termos do nº 1 do artigo 17º E do CIRE.
U) Quer dizer, a ora Recorrente não só está impedida de prosseguir com a execução contra a X SA, como agora, face ao douto despacho sobre recurso, mostra-se, igualmente, impedida de participar no processo especial de revitalização da X SA.
V) Assim, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma interpretação incorrecta no que se mostra estatuído, com manifesta violação dos princípios da segurança jurídica, do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva e violou, igualmente, um Direito Fundamental, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

Os recorridos contra-alegaram, nos seguintes termos:

X S.A., veio contra-alegar no recurso interposto pela recorrente Y, S.A, apresentando as seguintes conclusões.

I. Veio o Recorrente, em sede de alegações, requerer que o despacho com a referência citius 157268850, que determinou a exclusão do Recorrente da lista de credores da Recorrida, seja revogado.
II. Alegando, entre o demais, que "ao decidir como decidiu o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma interpretação incorrecta no que se mostra estatuído, com manifesta violação dos princípios da segurança jurídica, do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva e violou, igualmente, um Direito Fundamental, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa".
III. Ora, conforme resulta do teor da listagem de créditos reconhecidos a que alude o artigo 17º D do ClRE, o Sr. Administrador de Insolvência reconheceu à credora Y S.A. um crédito no valor de € 459.228,21, com a natureza garantida, decorrente da constituição de garantias reais (hipotecas) sobre as fracções autónomas designadas pelas letras "AM", "AZ", "BB" e "H" da Recorrida.
IV. Não obstante, a verdade é que a Recorrida não é devedora de qualquer importância que seja à credora impugnada, ora vejamos:
V. A Recorrida, no exercício da sua actividade comercial e na veste de subempreiteira, prestou e forneceu bens às sociedades JG Lda e JG S.A. No âmbito dessas relações, foram emitidas pela Recorrida facturas, notas de débito e outros documentos contabilísticos que titulavam a referida relação comercial existente entre a X e as aludidas sociedades, o que originou os seguintes valores em contas correntes: € 71.487,72 relativa à empresa JG, Ida. e € 137.328,03 relativa à empresa JG S.A.
VI. Face à incapacidade económica e financeira da sociedade JG S.A. em fazer face ao incumprimento, esta transmitiu a sua dívida para com a aqui Recorrida à sociedade JG, S.A., assumindo-se esta sociedade devedora da quantia global de 218.015,75 € para com a Recorrida.
VII. Para pagamento da referida quantia, a sociedade JG transmitiu à Recorrida a propriedade das fracções autónomas designadas pelas letras "AM", "AZ", "BB" e "H" do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na …, freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez.
VIII. Esta solução foi levada a cabo através da outorga da escritura pública de Assunção de Dívida e Dação em cumprimento. Tendo desde logo ficado consignado que, sobre o prédio supra identificado incidia uma hipoteca registada a favor do Recorrente hipotecário, à data, Banco B S.A. - registada sobre a Ap 2 de 05-12-2003.
IX. À medida que a sociedade JG Lda ia edificando o prédio e constituindo-se a propriedade horizontal, a hipoteca inicialmente constituída sobre o prédio passava a ser garantida por cada uma das fracções a edificar. E, à medida que cada uma das fracções ia sendo alienada, era emitido pelo credor hipotecário o distrate da hipoteca que incidia sobre a fracção, que no caso, era alienada. Foram assim canceladas hipotecas respeitantes a 45 fracções, restando apenas as respeitantes às frações "AM", "AZ", "BB" e "H".
X. Sucede que, após a realização da escritura de dação em pagamento através da qual se transmitiram as fracções "AM", "AZ", "BB" e "H" para a esfera da aqui Recorrida, a sociedade JG, Lda foi declarada insolvente, no processo que correu termos com o nº 1936/10.6TBVCT - 2° Juízo Cível - Tribunal judicial da Comarca de Viana do Castelo. Tendo sido reconhecido ao aqui Recorrente, à data Banco B, um crédito, no valor global de € 1.318.894,06, com natureza garantida.
XI. Na pendência dos referidos autos de insolvência tiveram lugar diligências de liquidação do activo, as quais contribuíram para pagamento parcial do crédito do Recorrente, à data o credor Banco B.
XII. Todavia, não satisfeito com as diligências de pagamento do seu crédito, o Recorrente, à data Banco B, moveu contra a Recorrida acção executiva peticionando o pagamento da importância de € 1.598.812,72.
XIII. Pelo que, e não obstante o Sr. A.I ter entendido que a Recorrida não é devedora da importância de € 1.598.812,72 ao Recorrente, reconheceu, ainda assim, um crédito no valor de € 459.228,21, com a natureza garantida. O que jamais se aceita, uma vez que a Recorrida não é devedora de qualquer quantia que seja ao Recorrente.
XIV. Motivo pelo qual a Recorrida impugnou o crédito reconhecido do Recorrente dado que, o Recorrente apenas é beneficiário de uma hipoteca constituída por terceiro sobre imóvel cuja propriedade é da Recorrida, não é credor da Recorrida, nem a Recorrida é devedora deste;
XV. Foi nesse sentido que o douto tribunal proferiu o despacho recorrido, com a V/referência 157268850, o qual determinou que "Da impugnação apresentada pela Y S.A. e da impugnação apresentada pela devedora quanto ao crédito reconhecido à Y, S.A.. Alega a devedora que a Y S.A. não é sua credora. Simplesmente, é titular de garantias reais que incidem sobre prédios que são da sua propriedade (argumentando, ainda, que a Y S.A. já teria sido parcialmente ressarcida no processo de insolvência da sociedade JG S.A.). Ora, cremos que assiste razão à devedora. Na verdade, "o beneficiário de uma hipoteca constituído por terceiro não é credor deste, nem este, logicamente, seu devedor"- cfr. ac. TRE de 76.02.2072, in www.dgsi.pt. (sublinhado nosso);
XVI. Desta forma, o douto tribunal através do despacho recorrido deu razão à impugnação da Recorrida e improcedeu na íntegra a impugnação do Recorrente, determinando a exclusão deste da lista de credores.
XVII. Vindo o Recorrente, inconformado com tal decisão, intentar o presente recurso alegando, como referimos supra, uma incorrecta interpretação de direito pelo douto tribunal e, a violação de princípios gerais de direito;
XVIII. Porém, certo é que não existiu por parte do douto tribunal qualquer erro de interpretação ou violação de princípios, resultando claro que não figurando o Recorrida como devedora do Recorrente, não pode este responsabilizar a aqui Recorrida por uma dívida que não é sua. Muito menos, pode o Recorrente responsabilizar a Recorrida por dívida de terceiro pelo facto de esta ser proprietária dos bens dados em garantia pela dívida de terceiro.
XIX. Conforme resulta do Ac. TRE de 16.02.2012, ln www.dgsi.pt., (...) Como se esclarece no Ac. do STJ de 6.05.2000, disponível em www.dgsi.pt proferido na vigência do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e Falência, mas com o mesmo pano de fundo, o binómio credor-devedor só existe em relação aos sujeitos de uma relação jurídica obrigacionaI incumprida e o beneficiário da hipoteca não é titular de qualquer relação creditícia perante o terceiro, por isso que este, ao constituir a hipoteco, não se tornou seu devedor."
XX. Destarte, o douto despacho recorrido que excluiu o Recorrente da lista de credores da Recorrida, não merece qualquer reparo, tendo sido decidido de forma correcta as questões de direito suscitadas aquando a apresentação das impugnações pelo ora Recorrente e pela ora Recorrida.

Ainda X, S.A., recorrida, notificada da interposição de recursos pelos recorrentes António e X, Lda., veio apresentar as suas contra-alegações, findando com as seguintes conclusões:

I. Pelos recorrentes foram apresentados recursos onde requerem que o despacho com a refª citius 156305202 seja revogado;
II. Tal despacho determinou que as impugnações da lista de credores efectuadas pelos recorrentes foram extemporâneas, uma vez que o prazo para impugnar terminou no dia 29/12/2017 e os recorrentes apenas deram entrada em juízo das suas impugnações no dia 02/01/2018.
III. Certo é que, no dia em que os recorrentes apresentaram os seus recursos, foi pelo doutíssimo tribunal proferido despacho com a refª citius 156440866, onde, em suma, veio confirmar o estabelecido no despacho alvo de recurso pelos aqui recorrentes.
IV. Desta forma, e tendo em conta que a lista provisória de credores foi publicada em 21/12/2017, o prazo para apresentação de impugnações terminou em 29/12/2017, conforme artigo 17º-D n.º 3 do CIRE, sendo de facto intempestivas as impugnações apresentada pelos recorrentes a 02/01/2018.
V. Pelo que, dúvidas não restam que as impugnações apresentadas pelos aqui recorrentes foram de facto extemporâneas e, por isso, indeferidas, não subsistindo aos ora recorrentes qualquer fundamento para o deferimento do presente recurso;
VI. Assim, o douto despacho recorrido, posteriormente confirmado pelo despacho com a refª citius 156440866, não merece qualquer reparo, tendo sido decidido de forma correcta as questões de direito suscitadas aquando a apresentação das impugnações pelos ora recorrentes.

Foi proferido despacho a admitir estes recursos, como de APELAÇÃO, com subida imediata, em separado, com efeito meramente devolutivo.

II

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

a) saber se o prazo de 5 dias úteis previsto no art. 17º-D,4 CIRE para impugnar créditos reclamados admite causas de interrupção, como por exemplo, a introdução de uma rectificação à lista de credores;
b) saber se ao prazo de 5 dias úteis previsto no art. 17º-D,4 CIRE para impugnar créditos reclamados se aplica a norma do art. 139º,5 CPC;
c) saber se o titular de um direito de real de garantia que recai sobre bens pertencentes ao devedor, mas que não seja directamente credor deste, pode ser admitido à lista de créditos prevista no art. 17º-D CIRE;

III

Conhecendo dos recursos.

III-A

A primeira questão que nos é colocada prende-se com a (in)tempestividade das impugnações à lista provisória de créditos, apresentadas por X e António.

Enquadramento da questão.

Dos nºs 1 a 4 do art. 17º-D CIRE resulta o seguinte quadro normativo: dado início ao processo de revitalização, o Juíz nomeia de imediato o administrador judicial provisório. Logo que seja notificada desse despacho judicial de nomeação, a empresa visada comunica de imediato a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração de origem do processo, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso. Qualquer credor dispõe então de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17º-C para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos. Essa lista é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas. Se não for impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.

Na determinação de um qualquer prazo importa ter presente 3 elementos: a) o termo inicial do prazo; b) a duração do mesmo; c) e a forma de contagem.

Neste caso, o termo inicial do prazo é o dia da publicação da lista provisória de credores:

21/12/2017. O prazo é de 5 dias, e sendo processo urgente, corre em férias judiciais. E em termos de contagem, como vimos, só se contam os dias úteis. Donde, o prazo de impugnação iniciou-se em 21/12/2017, e terminou em 29/12/2017. E os recorrentes apenas deram entrada em juízo das suas impugnações no dia 2/1/2018.

Complicação: no dia 29 de Dezembro, o Sr. AJP juntou requerimento aos autos, alegando que o crédito reconhecido à X S.A. e a António se não encontrava correctamente discriminado. Pediu ali, apenas, a rectificação da lista.

Os recorrentes pretendem que a apresentação de uma nova lista de credores rectificativa, que rectificava precisamente o crédito deles, interrompeu necessariamente o prazo em curso. Donde a sua impugnação ser tempestiva. E ainda que assim se não entendesse, a impugnação deveria mesmo assim ter sido julgada tempestiva, pois ao PER é aplicável o disposto nos arts. 139º nº 5 e 6 do CPC e, verificando a secção que o acto processual havia sido praticado no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, deveria ter notificado a Recorrente para pagar a multa nos termos legais.

Ora, vamos desde já adiantar que consideramos não assistir razão aos recorrentes, e que a argumentação da decisão recorrida, que fazemos nossa e aqui damos por reproduzida, chega e sobra para garantir a sua própria sustentação.

Essencial para esta conclusão é a constatação da urgência que o legislador quis incutir a este processo especial. Essa urgência resulta desde logo da própria letra da lei (art. 17º-A,3 CIRE). E surge reforçada no próprio nº 3 do art. 17º-D, ao estatuir que a lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

Interpretando estas normas escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE anotado, 3ª edição) que “sem nenhuma razão aparente, o nº 3 introduz um desvio às regras gerais actuais de contagem e decurso dos prazos judiciais, preferindo o critério dos dias úteis ao do prazo corrido, gerando, aliás, uma incongruência flagrante com o regime do nº 2. Corre, com efeito, nos termos gerais o prazo para a apresentação da reclamação que é igual para todos os credores, e por isso, para todos termina, portanto, no mesmo dia, iniciando-se a contagem no seguinte à publicação do despacho de prosseguimento e nomeação do administrador judicial provisório no portal CITIUS”.

Para se entender devidamente este regime específico, como bem se escreve na decisão recorrida, é preciso ter presente que “o prazo de negociações e o procedimento de negociações é a alma e o fito último do PER - a lista de credores serve apenas para determinar o quórum deliberativo e é “acessório" nas negociações que decorrem. O processo de determinação da lista definitiva de credores - que claramente a lei quis rápido e simples - não pode ser um factor de perturbação para as negociações e, muito menos um factor de incerteza quanto à ocorrência do seu termo.

E como igualmente bem se refere na decisão recorrida, não foi publicada qualquer lista rectificada. Se fosse publicada qualquer lista rectificada, qualquer credor poderia pensar que se reiniciou o aludido prazo para impugnar. De forma muito clara, apenas uma lista provisória de credores pode ser apresentada, publicada, impugnada e transformada em lista definitiva, não sendo admissíveis rectificações posteriores à lista, ou alterações à mesma.

E, de uma perspectiva mais positivada, é de notar que o legislador não consagrou qualquer evento interruptivo da contagem do prazo, o que é também congruente com a preocupação com a celeridade neste processo especial.
Questão diversa mas com esta relacionada é a que a seguir vem colocada.

Deve ter aqui aplicação o disposto no artigo 139º,5 do CPC ?

Já vimos que a decisão recorrida decidiu negativamente, na esteira do acórdão do TRC, que cita.

Escreve-se nessa decisão que "tem sido largamente debatida a questão de saber se, no âmbito do PER, há lugar à faculdade de prática do acto num dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139º do CPC. O Processo Especial de Revitalização, sendo um processo judicial, é um processo híbrido (negocial e judicial), composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em processo chave, indispensável ao carácter concursal do processo”.

Acompanhamos a decisão recorrida quando lembra que o PER “não deixa de constituir um processo judicial especial, ao qual serão aplicáveis, em primeiro lugar, as disposições que lhe são próprias, de seguida as disposições introdutórias do CIRE e, por fim, e só por fim, as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil (artigo 17° do CIRE)(1).

E é precisamente ao nível dos prazos que os artigos 17°-A a 17°-I do CIRE introduzem maiores especificidades, quer relativamente ao regime consagrado no CIRE, quer relativamente ao regime geral do CPC, derivadas, quer da especial urgência do procedimento em causa, quer da circunstância de se tratar de um procedimento com um vincado peso extrajudicial. Com efeito, para além da opção por prazos curtos, das regras constantes dos artigos 17° perpassa a ideia de que os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores- eliminação da dilação no anúncio a publicar no portal do Citius; o momento determinante para o início da contagem do prazo para a reclamação de créditos é o da data de publicação do anúncio e não o momento em que cada um dos credores se considera notificado, sendo irrelevante para a contagem do prazo a comunicação feita pelo devedor nos termos do art. 17°-D, nº 1, existindo um prazo único para a reclamação de créditos - vinte dias a contar do anúncio a publicar no portal CITIUS -, sendo os prazos seguidos, e independentemente de qualquer notificação pessoal aos interessados: o prazo para apresentação das reclamações de créditos é seguido de um prazo de cinco dias para o Administrador Judicial provisório elaborar a lista de créditos, "imediatamente" publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, dispondo o juiz, em seguida, de prazo idêntico para decidir sobre as impugnações formuladas (nº 3 do artigo 17-D). Ou seja, o prazo é um só para todos os reclamantes e um só para todos os impugnantes, convertendo-se a lista provisória de imediato em lista definitiva, na ausência de reclamações (nº 4 do artigo 17°-D), o que pressupõe que a contagem do tal prazo único possa ser feita previamente e sem atender a situações particulares, não se compaginando com a faculdade de prática do acto num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, prevista no nº 5 do artigo 39° do CPC.

Supomos que a razão principal que justifica este regime excepcional pode ser induzida do que se escreve no Acórdão do STJ de 01-07-2014, Revista n.º 2852/13.5TBBGR-A.G1.S1 - 6.ª Secção, Salreta Pereira (Relator). Aí se decidiu que “a lista provisória de créditos, uma vez convertida em definitiva, por ausência de impugnações ou decisão das apresentadas, vai servir de base às negociações entre o devedor e os seus credores, sob a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, tendente à votação e aprovação do plano de recuperação do devedor em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente. Ao credor, para poder exercer cabalmente o seu direito de participar nas negociações e votar o plano de recuperação, basta que o seu crédito seja admitido e integre a lista, com o valor invocado, independentemente de lhe ser reconhecida qualquer garantia real ou de constar como crédito comum – arts. 17º-F,3, 72º, 73º, 211º e 212º do CIRE. Não é este o momento processual próprio da verificação e graduação dos créditos reclamados, para serem pagos pelo produto dos bens apreendidos para a massa insolvente – arts. 128.º a 140.º do CIRE. O processo previsto no art. 17.º-D do CIRE para a reclamação de créditos e organização da lista definitiva de credores, a fim de participarem nas negociações e votação do plano de recuperação, tem uma tramitação assaz simplificada, que não tem o contraditório indispensável a que o tribunal possa decidir com força de caso julgado relativamente a todos os credores eventualmente lesados com o eventual reconhecimento da garantia real a beneficiar um dos créditos”.

É esta natureza excepcional e em grande parte extrajudicial, e esta tramitação assaz simplificada que justificam um regime também excepcional, com prazos muito curtos, que repelem a regra geral do art. 139º,5 CPC, pensada como válvula de segurança para situações de gravidade em que esteja em causa a possibilidade de ficarem precludidos direitos das partes. Que não é o que sucede aqui.

Concluímos pois que bem andou o Tribunal recorrido em decidir como decidiu.

Improcedem estes dois recursos.

III-B

A questão que resta abordar nestes autos é a de saber se merece censura a decisão que determinou a exclusão de Y, SA da lista de credores.

A fundamentação por detrás dessa decisão é muito simples, e traduz-se na afirmação de que a Y não é credora da aqui devedora. Limita-se a ser titular de garantias reais que incidem sobre prédio que pertence à devedora. Daí que o Tribunal a quo considerou que a Y não era credora -no sentido técnico do termo- da aqui devedora. Ainda acrescentou que essa decisão não invalida que, declarada que venha a ser no futuro a insolvência da aqui devedora, a Y S.A. possa ali reclamar créditos na qualidade de credora da insolvência e não da devedora.

A credora excluída não concorda, e argumenta, como vimos, que tem registada hipoteca sobre imóveis da X SA, para garantia de cumprimento das obrigações e responsabilidade até ao limite de capital de € 2.500.000,00, e logo teria de ter, obrigatoriamente, uma participação nas negociações, bem assim uma intervenção e participação activa em todo o processo que envolva o património da X SA, mas que por força do douto despacho agora sob recurso, lhe foi retirado. Isto porque estando os imóveis onerados a favor da Y SA teria obrigatoriamente a Y de intervir e anuir com relação a quaisquer medidas que envolvam o património, que poderia passar por dação, venda ou outra. Acresce que face ao não pagamento do empréstimo, requereu a competente execução com o nº 760/16.7T8VCT contra a X que se encontra pendente no Tribunal da Comarca de Viana do Castelo Juízo Central Cível J1 (cfr. fls. 117 e ss).

Quid iuris ?

A questão colocada é meramente jurídica, pois quanto aos factos não há controvérsia: é pacífico que entre a devedora e a empresa recorrente não foi celebrado, tanto quanto estes autos documentam, nem alegado foi que tenha sido celebrado, qualquer contrato de mútuo. É a própria recorrente que alega (juntando documentos) que o então Banco B, a que sucedeu a Y SA, ora recorrente, celebrou em 15 de Janeiro de 2004 com a Sociedade JG Lda um contrato de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, pelo montante de € 2.500.000,00. destinado à construção do prédio atrás referido, isto é, de um prédio, sito na …, freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez, inscrito na matriz sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha nº … da freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez. E foi sobre esse prédio que foi constituída hipoteca. Concluída a construção foi constituída a propriedade horizontal, que originou várias fracções autónomas, sendo certo que as fracções designadas pelas letras “ AM “, “AZ”, “BB” e “H” do referido prédio que foram adquiridas pela requerente do PER, X SA, mas oneradas com hipoteca.

Temos aqui duas perspectivas de olhar para esta questão, em busca da melhor solução.

A primeira é a que foi seguida pela decisão recorrida, e que assenta primacialmente no rigor dos conceitos técnico-jurídicos, concluindo que “o beneficiário de uma hipoteca constituída por terceiro não é credor deste, nem este, logicamente, seu devedor", citando o acórdão do TRE de 16.02.2012, in www.dgsi.pt.

Mas inclinamo-nos mais para uma outra perspectiva, de índole, podemos talvez dizer, sistemática. Aceitando ab initio que, no bom rigor dos princípios, a ora recorrente não é titular de um crédito sobre a devedora, parece-nos mais importante todavia verificar qual a sua posição jurídica perante o presente processo especial de revitalização, à luz do ordenamento jurídico visto na sua globalidade.

Ora bem. Estamos no âmbito de um processo especial de revitalização.

O art. 17º-A,1 CIRE dispõe que o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

Como se escreve no acórdão desta Relação de 15/9/2016 (Relator: Espinheira Baltar), “com a introdução do PER, concretizada na alteração ao artigo 1º e no aditamento dos artigos 17-A a 17-I do CIRE, houve a preocupação de ponderar todos os interesses em conflito, dos credores, dos devedores associados à economia como valor fundamental, elegendo-o como de interesse público”.

A essência do processo de revitalização é assim criar ou fomentar um processo de negociações entre o devedor “revitalizando” e os seus credores, com o objectivo de concluir com estes um acordo que permita evitar a insolvência.

E isso está expresso ao longo dos artigos seguintes.

O nº 1 do art. 17º-D regula a convocatória dos credores, chamando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso. Qualquer credor dispõe de um prazo de 20 dias para reclamar créditos, remetendo as reclamações ao administrador judicial provisório (n º 2), que elaborará uma lista provisória dos créditos. Existe depois um incidente de impugnação dessa lista de créditos, a decidir pelo Juíz, sempre com prazos muito curtos, como vimos supra. Depois, devedor e credores dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas.

De extrema importância é o que dispõe o art. 17º-E,1 CIRE: a decisão na qual o Juíz nomeia administrador judicial provisório (art. 17º-C,4 CIRE) obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade.

O art. 17º-F regula a conclusão das negociações e a forma de obter o resultado em abstracto pretendido, a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa. Existindo aprovação unânime de todos os credores, aplica-se o disposto no nº 4.

O nº 5 rege para os casos em que não exista unanimidade. Desde logo é interessante notar que o Juíz tem a faculdade de computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos.

Seguem-se as regras sobre a votação, as consequências consoante as maiorias obtidas, a redução a escrito do resultado e a remessa ao Juíz, que então (nº 7) decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação. E, nos termos do nº 10, a decisão vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no nº 4 do artigo 17º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.

A recorrente, que foi excluída com o argumento de não ser credora da empresa devedora, é credora hipotecária, nos termos que supra ficaram expostos.

Olhemos um pouco mais de perto para este instituto. As hipotecas podem ser legais, judiciais ou voluntárias, sendo que a hipoteca voluntária é a que nasce de contrato ou declaração unilateral (arts. 703º e 712º CC). É o caso dos autos.

Diz a lei (art. 686º,1 CC) que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”. E de acordo com o art. 687º CC a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.

A hipoteca é, ninguém o põe em causa, um direito real de garantia. O que significa que concede ao credor hipotecário a faculdade de fazer executar o seu objecto, no caso de incumprimento da obrigação garantida, preferindo em relação aos credores comuns e aos outros credores hipotecários cujo registo seja posterior.

Enquanto direito real de garantia, a hipoteca tem as características que distinguem estes direitos e é também acessória e indivisível. O princípio da inerência dispõe que a hipoteca continuará a acompanhar a coisa, podendo o seu adquirente libertar-se dela, exercendo o direito de a expurgar (art. 721º CC) (2).

E o legislador elencou no artigo 730º CC as causas de extinção da hipoteca. Diz essa norma que a hipoteca se extingue: a) Pela extinção da obrigação a que serve de garantia; b) Por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação; c) Pelo perecimento da coisa hipotecada, sem prejuízo do disposto nos artigos 692º e 701º; d) Pela renúncia do credor.

Há agora uma destrinça que importa fazer, e que, supomos, é da maior relevância para a decisão da questão que nos foi colocada, e que consiste em saber se o credor que beneficia de um direito real de garantia, como a hipoteca, já accionou a hipoteca, ou não.

Enquanto credor da empresa A, e sendo titular de uma hipoteca sobre um prédio de B, que garante o crédito sobre A, o credor tem do lado passivo da relação de crédito a empresa A: de tal forma que se esta solver voluntariamente a sua dívida, no seu vencimento ou até posteriormente, a hipoteca nunca será executada, e extinguir-se-á (art. 730º,a CC). E numa situação destas, cremos que não haverá qualquer argumento válido para dizer que esse credor deve participar no processo especial de revitalização de B, votando a deliberação juntamente com os outros credores.

Mas, salvo melhor opinião, tudo muda quando a obrigação já se venceu, o devedor principal não a honrou, e o credor já demandou judicialmente A e B, ou só B, accionando a hipoteca. Aqui, podemos dizer que, atento o regime jurídico da hipoteca, o crédito que inicialmente tinha do lado passivo da obrigação a devedora A, agora tem também do lado passivo B, cujo património (na parte hipotecada) vai responder por essa dívida. Veja-se o teor do art. 54º,2 CPC: “a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue directamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor”. Ou seja, para todos os efeitos práticos, é o património desse terceiro que vai responder por essa dívida. Donde, temos de afirmar que existe entre eles uma óbvia relação de credor-devedor: o património deste último vai responder pela satisfação do crédito pertencente àquele. Dizendo de outra forma, a diferença que se pode querer encontrar entre o titular de uma hipoteca para garantia de um crédito contraído perante outrém e o credor “no sentido clássico do termo”, não é uma diferença qualitativa, mas meramente quantitativa: enquanto neste último caso, para cobrança do crédito responde todo o património do devedor, no primeiro caso respondem apenas bens certos e determinados. Tudo o mais é equivalente.

Resulta ainda de fls. 117 e seguintes que a ora recorrente instaurou execução contra a devedora, fazendo valer a hipoteca de que é titular sobre os bens desta.

E já vimos como, por força do art. 17º-E,1 CIRE, a decisão de nomear o Administrador Judicial provisório determina a suspensão das acções em curso para cobrança da dívida, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. E ainda mais: a decisão de homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no nº 4 do artigo 17º-C (art. 17º-F,10).

Assim, não vemos como possível sustentar a tese que, depois de ter visto os seus interesses de credora atingidos directamente pela instauração do PER, que levou à suspensão da execução que tinha instaurado para cobrança do seu crédito hipotecário, e ficando vinculada à decisão judicial de homologar ou não o plano de recuperação, a ora recorrente, credora hipotecária da X, SA, se veja ainda excluída da lista de credores.

Pelo contrário, ela tem interesse jurídico, prático e teórico, em ser admitida.

E não podemos deixar de considerar que lhe assiste razão, quando afirma que “os planos de viabilização passam, muitas vezes, por estabelecer condições que envolvem o património da empresa em processo de Revitalização. Ora, estando os imóveis onerados a favor da Y SA teria obrigatoriamente a Y de intervir e anuir com relação a qualquer medidas que envolve o património, que poderia passar por dação, venda ou outra”.

Assim, já não é só o interesse privado legítimo da credora recorrente que está em causa, mas até o próprio interesse público subjacente à tentativa de salvar empresas em situação económica difícil.

E assim, concluímos, seja por interpretação directa, seja por interpretação extensiva do conceito de credor nos artigos supra citados, que a recorrente tem o direito de participar na lista de credores, ou, mais correctamente, o seu crédito, que ela tentou judicialmente cobrar, deve constar da lista de créditos a que se refere o art. 17º-D,4 CIRE.

IV- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar:

a) improcedentes os recursos interpostos por X, LDA, e António;
b) procedente o recurso interposto por Y, SA, e em consequência revoga a decisão recorrida, admitindo o crédito reclamado por este credor, que passa a fazer parte da lista definitiva de créditos.

Custas pelos recorrentes X, LDA, e António, quanto aos primeiros recursos, e pela devedora X SA, quanto ao segundo (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 21/6/2018

Relator

(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)

2º Adjunto
(Joaquim Luís Espinheira Baltar)
1. Neste sentido, cfr. acórdão do TRC de 14/6/2016, de que é Relator Fonte Ramos.
2. A. Santos Justo, Direitos Reais, Coimbra Editora, 5ª edição, fls. 496.