Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
446/20.8T8VRL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FASE CONTENCIOSA
PEDIDO DE NOMEAÇÃO DE PATRONO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

1. Nos termos conjugados dos arts. 7.º e 119.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, cabe ao Ministério Público assumir o patrocínio do sinistrado na fase contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho, mas sem prejuízo do regime do apoio judiciário, pelo que não pode deixar de ser observado o estatuído no art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, quando se verifiquem os respectivos pressupostos.
2. Aliás, aquele art. 119.º, n.º 1 ressalva o caso de o sinistrado constituir advogado, nos termos do art. 9.º do mesmo diploma, e a tal situação não pode deixar de equiparar-se o pedido de nomeação de patrono por sinistrado que não disponha de meios económicos suficientes para constituir advogado, dada a manifesta identidade de razões.
3. A tramitação do processo promovida subsequentemente à junção aos autos de comprovativo do pedido de nomeação de patrono pelo sinistrado, com desrespeito do disposto no art. 24.º da Lei n.º 34/2004, coarcta àquele o direito de estar assistido por advogado nos termos que legitimamente requereu, mesmo que o Ministério Público tenha continuado a ter intervenção nos autos como se o patrocinasse, uma vez que era precisamente essa situação que o sinistrado visava alterar.
4. A nulidade assim cometida determina a falta ou irregularidade do patrocínio judiciário do sinistrado – obrigatório, como decorre do disposto no art. 119.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho –, sendo certo que está em causa um pressuposto processual de suprimento e conhecimento oficiosos – arts. 6.º, n.º 2, 41.º, 48.º, 278.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, 577.º, al. h), 578.º, 608.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A. K. e responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., realizou-se tentativa de conciliação em 8/10/2020, tendo a conciliação das partes se frustrado apenas em virtude de ambas não terem aceitado a IPP de 1% reconhecida no exame médico.
O Ministério Público, assumindo o patrocínio do sinistrado, requereu perícia por junta médica através de requerimento apresentado em 14/10/2020, formulando quesitos, indicando perito e anexando um relatório clínico.
Em 20/10/2020, foi junto aos autos comprovativo do requerimento de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento da compensação de patrono, apresentado na mesma data pelo sinistrado junto da Segurança Social.
Em 23/10/2020, foi proferido despacho a designar junta médica, que se realizou no dia 6/11/2020, tendo os peritos nomeados pelo tribunal e pelo sinistrado lhe reconhecido a IPP de 3% e o perito da seguradora a IPP de 1%.
O sinistrado foi notificado do resultado do exame em 10/11/2020, nada tendo requerido.

Em 2/12/2020, foi proferida sentença, rectificada quanto a custas por despacho de 15/12/2020, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, declara-se, ao abrigo do disposto no artº. 138º. e 140º. do Código do Processo de Trabalho, que o sinistrado A. K. sofreu um acidente um acidente de trabalho, por via do qual ficou afectado de uma I.P.P. de 3%, a partir de 23/11/2019, inclusive.

Assim, à luz do regulamento nas disposições aplicáveis, decide-se:

1.- Condenar a entidade responsável “ X - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, a pagar ao sinistrado:
a)- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €196,73 (cento e noventa e seus euros e setenta e três cêntimos), a partir de 23/11/2019, inclusive – cfr. art. 48º, nº.3, alínea c) e art. 75º, nº.1, ambos da Lei nº 98/2009, de 04/09 -, acrescido de juros, à taxa legal, desde essa data e até integral pagamento;
b)- a quantia de €5,00 (cinco euros), a título de despesas com transportes obrigatórios - art. 39º, nº.1, da Lei nº. 98/2009, de 04/09 -, acrescida de juros, á taxa legal, desde 09/10/2020 (data seguinte à realização da tentativa de conciliação – cfr. fls. 70) e até integral pagamento.
2. Declarar a pensão obrigatoriamente remível – cfr. art. 75º, nº. 1 da Lei nº. 98/2009, de 04/09.
Custas a cargo da entidade seguradora - art. 527º, nºs. 1 e 2 do CPC - , sem prejuízo do disposto no art. 17º, nº. 8 do Regulamento das Custas Processuais.
Nos termos do artº. 120º. do C.P.T. fixa-se á acção o valor de €2.889,85.
Registe e Notifique.
Oportunamente, proceda ao cálculo e entrega do Capital de Remição.»
Em 14/12/2020, a Ordem dos Advogados comunicou ao processo que, na sequência do deferimento do pedido de apoio judiciário, foi nomeada para o patrocínio do sinistrado a Sra. Dra. M. C. e que na mesma data esta foi notificada da nomeação.

A patrona nomeada ao sinistrado foi notificada electronicamente da sentença em 4/01/2021, e, em 20/01/2021, veio interpor recurso da mesma, em nome do sinistrado, formulando as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso tem como objecto a impugnação da Sentença proferida pela Tribunal “A Quo”, referente à reapreciação da matéria de facto, bem como a matéria de direito, através da demonstração da errada interpretação e aplicação do direito substantivo tudo tendo em conta as questões que foram elencadas na fundamentação da Sentença recorrida.
B. Quanto à insuficiência da matéria de facto provada, consta do relatório da perícia de avaliação do dano corporal feito ao recorrente pelo INML de Vila Real, que: “ (…) C-
Antecedentes
2. Pessoais
Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço, refere: traumatismo da mão direita em 2004 de que não recorda se resultou IPP…”.
C. Este exame médico não teve em conta o acidente de trabalho que o recorrente já havia sofrido em 2004.
D. Assim, cumpria ao Tribunal A Quo o dever de ordenar que se diligenciasse pela pesquisa e junção aos autos recorridos do processo e de cópia da decisão que fixou a referida IPP ao recorrente.
E. Os autos recorridos foram tramitados e decididos sem se aferir se o recorrente tinha ou não sofrido um anterior acidente de trabalho.
F. Pelo que a IPP fixada ao recorrente não teve em conta o coeficiente de desvalorização resultante da IPP emergente do anterior acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado.
G. Tendo sido determinada como se o mesmo fosse uma pessoa totalmente sã.
H. Nesse sentido, veja-se a titulo exemplificativo, a conclusão plasmada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 8472/19.3T8PRT-A.P1, de 17-02-2020, melhor citado nas Motivações elencadas supra.
I. A Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores é unânime ao concluir que a omissão deste poder/dever pelos Tribunais conduz à anulação das Sentenças.
J. Nesse sentido, e a titulo exemplificativo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 3314/16.4T8VNG.P1, de 23 de abril de 2018, melhor citado nas Motivações elencadas supra.
K. O Recorrente considera ainda que o processo recorrido foi tramitado em plena violação dos seus mais elementares direitos constitucionalmente consagrados, mormente o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais.
L. As normas jurídicas que, sem seu entendimento, foram violadas pelo Tribunal A Quo, foram os artigos 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 24.º n.º 4 e 5 a) da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que regulamenta o Acesso ao Direito e aos Tribunais.
M. Prescreve artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que: " A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
N. Esta norma constitucional, de caracter imperativo, visa obstar a que, por insuficiência económica, seja denegada justiça aos cidadãos que pretendem fazer valer os seus direitos nos Tribunais.
O. Por sua vez, resulta do artigo 24.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho que: “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
P. Determinando o n.º 5 a) da norma legal em crise que: “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação”.
Q. Ora, conforme conclusão plasmada no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 515/2020, melhor citado nas Motivações elencadas supra, “Tais medidas impõem –se tanto mais quanto o pedido de apoio visa a nomeação de patrono, uma vez que, desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo, defender (ou defender adequadamente) os seus direitos”.
R. Conforme consta das Motivações deste recurso, verifica-se que os autos recorridos foram tramitados até final (até à data de prolação de Sentença) sem que se tenha operado à interrupção dos prazos em curso, nos termos do preceituado no artigo 24.º n.º 4 Acesso ao Direito e aos Tribunais, tendo-se assim violado os mais elementares direitos processuais constitucionalmente concedidos às partes:
T. Vedou-se, nomeadamente, o direito do recorrente ter apoio e aconselhamento jurídico no âmbito do processo judicial em causa, especialmente exigível já que o sinistrado tem nacionalidade Ucraniana e tem dificuldades de compreensão expressão na língua portuguesa.
U. Não lhe foi dada a possibilidade de exercer o direito de reclamar do resultado da junta médica, na sequência da notificação que lhe foi endereçada pelo Tribunal A Quo em 10/11/2020.
V. Pelo que em nosso entendimento, sendo expressa a violação in casu do artigo 24.º n.º 4 e 5 a) da Lei de Acesso ao Direito, tal facto determina a nulidade de todos os actos processuais praticados após a data da junção aos autos do documento comprovativo do apoio judiciário em crise, bem como da Sentença proferida pelo Tribunal A Quo.»
A seguradora não apresentou resposta ao recurso.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este Tribunal, por ordem de precedência lógica, são as seguintes:

- nulidade do processo desde a junção do comprovativo de pedido de nomeação de patrono;
- nulidade do exame por junta médica por não ter sido averiguada a incapacidade do sinistrado decorrente de acidente de trabalho anterior.

3. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão são os que resultam do Relatório supra e os seguintes fixados pelo tribunal recorrido:

1 - O sinistrado nasceu em 11/09/1974.
2 - No dia 08/08/2019, pelas 14 horas, em …, Vila Real, o sinistrado, no seu horário e local de trabalho, quando prestava o seu serviço de serrador, sob as ordens, direcção e fiscalização do seu empregador, A. C., ao manusear madeiras, seguindo com o tractor na serração, caiu do tractor e feriu-se na anca e tornozelo esquerdo, sofrendo as lesões descritas e examinadas no exame médico constante de fls. 61 a 63 verso, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.
3 - As mencionadas lesões, após consolidação, ocorrida em 22/11/2019, determinaram-lhe uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 3,00%.
4 - O empregador havia transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho para a aqui entidade seguradora, com referência à retribuição anual auferida pelo sinistrado no valor de € 9.368,00 [(€ 600,00 x 14 meses)+ (€ 4,00 x 242 dias de subsídio de alimentação)], através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º AT …….98.
5 - A entidade seguradora, em sede de tentativa de conciliação, aceitou os elementos fácticos, aceitando a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o acidente, o salário anual transferido e a quantia € 5,00 reclamada por despesas a título de alimentação e transportes.
6 - O sinistrado recebeu a título de indemnização por IT a quantia de € 1.214,51.
7 - O sinistrado despendeu a quantia de € 5,00 em despesas com transportes em deslocações obrigatórias.
8 - O sinistrado não vem recebendo qualquer quantia a título de pensão provisória.

4. Apreciação do recurso

Cabe apreciar, em 1.º lugar, a arguição de nulidade do processo desde a junção aos autos, em 20/10/2020, do comprovativo de pedido de nomeação de patrono apresentado na mesma data pelo sinistrado junto da Segurança Social.
Estabelece o art. 7.º do Código de Processo do Trabalho que, sem prejuízo do regime do apoio judiciário, quando a lei o determine ou as partes o solicitem, o Ministério Público exerce o patrocínio, além do mais, dos trabalhadores e seus familiares.
Por seu turno, decorre do n.º 1 do art. 119.º do mesmo diploma que, não se tendo realizado acordo na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho, o Ministério Público, sem prejuízo do disposto nos arts. 8.º e 9.º quanto ao dever de recusa e à constituição de advogado, assume o patrocínio do sinistrado ou dos beneficiários legais, apresentando, no prazo de 20 dias, a petição inicial ou o requerimento a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º.
Foi, pois, legitimamente que o Ministério Público, em 14/10/2020, assumiu o patrocínio do sinistrado e requereu perícia por junta médica, posto que nessa data aquele não tinha constituído advogado nem requerera a nomeação dum para patrociná-lo.

Não obstante, estabelece o art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (acesso ao direito e aos tribunais), na parte que interessa:
1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
(…)
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.
Conclui-se, pois, que, atento o n.º 4, com a junção aos autos, em 20/10/2020, do comprovativo de pedido de nomeação de patrono apresentado na mesma data pelo sinistrado junto da Segurança Social, interrompeu-se o prazo para prolação do despacho de designação de perícia por junta médica, a que alude o art. 139.º do Código de Processo do Trabalho, o qual, atento o n.º 5, al. a), se iniciou outra vez quando, em 14/12/2020, a Ordem dos Advogados notificou a Sra. Dra. M. C. da sua nomeação para patrocínio do sinistrado.
Sucede que os autos prosseguiram sem que aquela norma tivesse sido observada, designadamente com a realização de junta médica e a prolação de sentença, tendo a patrona nomeada ao sinistrado sido notificada desta em 4/01/2021, e, tempestivamente, interposto recurso da mesma em nome do sinistrado, no qual arguiu a nulidade do processo desde a junção aos autos do pedido de nomeação de patrono.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do art. 195.º do Código de Processo Civil, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, acrescentando o n.º 2 que, quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
Ora, no presente caso, a tramitação do processo promovida subsequentemente à junção aos autos do pedido de nomeação de patrono pelo sinistrado, com desrespeito do disposto no art. 24.º da Lei n.º 34/2004, coarctou àquele o direito de estar assistido por advogado nos termos que legitimamente requerera, sendo irrelevante que o Ministério Público tivesse continuado a ter intervenção nos autos como se o patrocinasse, uma vez que era precisamente essa situação que o sinistrado visava alterar.
Não se olvide que, nos termos conjugados dos citados arts. 7.º e 119.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, cabe ao Ministério Público assumir o patrocínio do sinistrado na fase contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho, mas sem prejuízo do regime do apoio judiciário, pelo que não pode deixar de ser observado o estatuído no art. 24.º da Lei n.º 34/2004 quando se verifiquem os respectivos pressupostos, como era o caso. Aliás, aquele art. 119.º, n.º 1 ressalva o caso de o sinistrado constituir advogado, nos termos do art. 9.º do mesmo diploma, e a tal situação não pode deixar de equiparar-se o pedido de nomeação de patrono por sinistrado que não disponha de meios económicos suficientes para constituir advogado, dada a manifesta identidade de razões.
Assim, sendo evidente que ocorreu nulidade, uma vez que a irregularidade cometida é susceptível de influir no exame e na decisão da causa, cabe acrescentar que a intervenção do sinistrado no processo desde 20/10/2020 até à notificação à patrona nomeada da sua designação é irrelevante para efeitos de renúncia à arguição da nulidade ou para efeitos da sua sanação pelo decurso do prazo para tanto, nos termos dos arts. 197.º, n.º 2 e 199.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Na verdade, a interrupção do prazo em curso, com o consequente início do mesmo apenas a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou da notificação ao sinistrado da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono (que, assim, pode ainda decidir constituir advogado), nos termos do n.º 5 do citado art. 24.º da Lei n.º 34/2004, implica logicamente que entretanto não corram quaisquer prazos processuais dependentes do acto que deva ser praticado no prazo ainda não iniciado, designadamente o prazo para arguir a sua nulidade (ou renunciar a tanto).
Isto é, voltando ao caso em apreço, tendo em 20/10/2020 se interrompido o prazo para prolação de despacho de designação de data para junta médica, que se iniciou outra vez com a notificação à Sra. Dra. M. C., em 14/12/2020, da sua nomeação para patrocínio do sinistrado, temos de concluir que só a partir de então podia correr prazo para arguição de nulidades atinentes à prática ou omissão daquele acto.
Questão diversa é a de saber se tais nulidades podem ser suscitadas em sede de recurso ou apenas podem ser arguidas na própria instância em que são cometidas, de imediato ou no prazo geral de 10 dias, nos termos melhor explicitados no art. 199.º do Código de Processo Civil (salvo o disposto no seu n.º 3).
As nulidades de que se vem falando distinguem-se das nulidades, erros materiais ou erros de julgamento de que podem enfermar os despachos ou sentenças, na medida em que estes são vícios de conteúdo de decisões judiciais, enquanto as nulidades processuais respeitam à existência ou formalidades dum acto processual. Assim, se é proferido um despacho judicial a apreciar uma nulidade processual, designadamente sob requerimento de alguma das partes, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção praticada passar a estar coberta pela decisão proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional, nos termos do art. 613.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Daí o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se”. (1)
Em conformidade, no quadro dos vícios específicos da sentença, a que se referem os arts. 614.º a 617.º do Código de Processo Civil, não está contemplado o decorrente de a mesma ser prematura, em virtude de ter sido omitido ou estar ferido de invalidade um acto da sequência processual anterior à sentença, pois o que ocorre neste caso é a aludida anulabilidade nos termos do n.º 1 do citado art. 195.º do mesmo diploma, com a consequente anulação do processado subsequente que daquele dependa, incluindo a sentença, se for o caso, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal. (2)
No entanto, a questão da escolha do meio processual adequado – recurso ou requerimento de arguição de nulidade – nem sempre encontra resposta tão evidente quando o juiz, ao proferir a sentença, se abstenha de apreciar uma nulidade processual de conhecimento oficioso ou que tenha sido arguida, ou omita uma formalidade imposta por lei, tendo vindo a admitir-se que, nessas situações, a parte vencida possa reagir através da interposição de recurso. (3)

Ora, no caso em apreço, a nulidade cometida determinou a falta ou irregularidade do patrocínio judiciário do sinistrado – obrigatório, como decorre do disposto no art. 119.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho – durante parte substancial e significativa do processo, designadamente a realização da perícia por junta médica, sendo certo que está em causa um pressuposto processual de suprimento e conhecimento oficiosos – arts. 6.º, n.º 2, 41.º, 48.º, 278.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, 577.º, al. h), 578.º, 608.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, porque se impunha que o tribunal a quo apreciasse oficiosamente a questão do patrocínio judiciário do sinistrado, providenciando pelo suprimento da irregularidade cometida mediante anulação do processado subsequente à junção aos autos do pedido de nomeação de patrono, a sentença é susceptível de impugnação por via de recurso, assente em tal fundamento.
E, assim sendo, é também manifesto que o recurso procede nessa parte, ficando prejudicado o conhecimento do restante.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e anula-se o processado posterior à junção aos autos do comprovativo de pedido de nomeação de patrono ao sinistrado, devendo designar-se novamente junta médica com intervenção a partir de então da patrona nomeada ao sinistrado.
Custas pela Recorrida.
Em 6 de Maio de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª ed., p. 384.
2. Aut. cit., op. cit., Vol. 2.º, 3.ª ed., p. 730.
3. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Coimbra, 2010, pp. 58-59.