Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2160/19.8T8VNF.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
TACÓGRAFO
RESPONSABILIDADE
SANÇÃO ACESSÓRIA DE PUBLICIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I. Mostra-se verificada a prática da contraordenação p. e p. no art. 15º, 7, b), do Regulamento (CEE) nº 3821/81 de 20/12, na redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 do PE e do Conselho, e 25º, 1, al. b) da Lei 27/2010, de 30/08, caso o condutor não apresente ao agente fiscalizador as folhas de registo (tacógrafo) do dia em curso e dos 25 dias anteriores ou, na sua falta, outros registos ou documentos que justifiquem tal omissão.

II. A contra-ordenação em causa mostra-se consumada no acto de fiscalização, ou seja, no momento da omissão de apresentação dos registos, sendo indiferente ao preenchimento do tipo contra-ordenacional a prova tardia de que o condutor estaria a fazer outros trabalhos que não de condução, sob pena de esvaziamento da acção inspectiva.

III. O art. 551º, 3, CT, estabelece apenas uma solidariedade civil de pagamento e não uma transmissão penal de responsabilidade, pelo que não está ferido de inconstitucionalidade (30º, 3, CRP).

IV. A aplicação da sanção acessória de publicidade (562º, 1, CT) não fere o princípio constitucional de proibição de efeitos automáticos das penas (30º, 4, CPP), atenta a natureza do direito contra-ordenacional destituída de “pathos ético” não sendo de importar princípios do direito penal que não se justifiquem, para além de não ocorrer violação dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

ARGUIDA/RECORRENTE: X – INDÚSTRIA DE CALÇADO, LDA.

A arguida impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa Autoridade para as Condições de Trabalho que lhe aplicou a coima única de 2.600€ e a sanção acessória de publicidade, pela prática da infracção derivada da falta de apresentação aos agentes fiscalizadores dos registos dos tacógrafos referentes a alguns dos 28 dias anteriores à fiscalização, p. e p. no 15º, nº 7, a) do Regulamento (CEE) 3821/85, de 20/12(1) e 25º, 1, b), 14º, 4, a) da Lei 27/2010, de 30/08.

Alegou:

- Que não praticou a contra-ordenação que lhe é imputada, uma vez que o seu motorista não conduziu nos dias relativamente aos quais não apresentou os discos do tacógrafo;
- Que se assim não se entender, deve ser aplicada a pena de admoestação;
- A inconstitucionalidade material do disposto no art. 551º, 3, do CT (responsabilidade solidária do gerente da arguida pelo pagamento da coima, juntamente com a arguida) por violação do art. 30º, 3 da CRP (proibição de transmissão da responsabilidade penal);
- A inconstitucionalidade material do disposto no art. 562º, 1 (aplicação da sanção acessória de publicidade), do CT por violação do artigo 30º, 4 da CRP (proibição de perda de direitos civis, profissionais ou políticos por efeito automático da aplicação de uma pena) defendendo-se a recusa de aplicação destas duas normas.

O juiz a quo decidiu mediante simples despacho (art. 39º RGCLSS (2)) com o seguinte teor (dispositivo):

Pelo exposto, julgo o recurso improcedente e, em consequência, mantenho a decisão proferida pela ACT.”

FUNDAMENTOS DO RECURSO DA ARGUIDA (412º CPP por remissão do art. 50º, 4 e 51º do RPCLSS):

A arguida apresenta as seguintes conclusões (transcritas):

1ª) A arguida foi acusada e condenada nos presentes autos pela prática da contraordenação p. e p. pelo artigo 25º nº 1 alínea b) da Lei nº 27/2010 de 30/08, sendo que as folhas de registo a que esta norma se refere são as folhas de registo de tacógrafo ou de livrete individual de controlo (ver o artigo 16º do mesmo diploma) e, no caso dos autos, apenas as folhas de registo de tacógrafo estavam em causa.
2ª) Considerar-se que também a falta de outras folhas de registo ou outros documentos e declarações importa a prática da contraordenação p. e p. pelo artigo 25º nº 1 alínea b) da Lei nº 27/2010 de 30/08, constitui clara violação do disposto nos artigos 1º e 2º do Decreto Lei nº 433/82 de 27/10, ou seja, dos princípios da legalidade e “nullum crimen sine lege”.
3ª) Na decisão recorrida foi julgado provado, para além do mais, que: 11 – Os dias compreendidos no período de 28 dias anteriores à fiscalização, relativamente aos quais o condutor não apresentou registos de tacógrafo, foram dias em que esteve a trabalhar para a arguida nas respectivas instalações, designadamente na portaria e no armazém.
4ª) Portanto, apesar do condutor não ter apresentado documento que comprovasse os outros trabalhos que realizou – na portaria e no armazém - nos 28 dias anteriores à fiscalização em que não conduziu, o certo é que o despacho recorrido (tal com a ACT já o fizera anteriormente na decisão administrativa) deu tais factos como provados, pelo que, ainda que se considerasse que a falta de tal documento também constitui contraordenação, seria de um formalismo excessivo, violador do primado da justiça material sobre a justiça formal, não se considerar não cometida a contraordenação atenta a prova de tais factos.
5ª) A legislação pretensamente violada e acima referida diz respeito aos tempos de condução e de repouso dos trabalhadores rodoviários e visa evitar a ocorrência de períodos alargados de condução com as naturais consequências para a segurança rodoviária, bem como dos próprios trabalhadores.
6ª) A arguida não colocou em causa os tempos de condução máximos, nem as disposições que impõem um período de repouso semanal regular aos condutores e nem as disposições que prevêem que, em caso algum, o período de repouso diário destes possa ser menor do que um período ininterrupto de nove horas.
7ª) Mesmo que assim se não entendesse sempre deveria, na pior das hipóteses, aplicar-se à arguida a pena de admoestação mencionada no artigo 51º do Decreto Lei n.º 433/1982 de 27/10, uma vez que, nesta matéria, apenas se provou que (ponto 12 dos factos provados) “A arguida actuou sem o cuidado devido a que estava obrigada e de que era capaz, conhecendo a natureza contra-ordenacional do seu comportamento”, pelo que nada permite excluir a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente.
8ª) No que diz respeito à sanção acessória da publicidade prevista no artigo 562º nº 1 do CT e aplicada à arguida, cumpre aqui referir que tal norma padece de inconstitucionalidade material, por ser violadora do princípio da não aplicação automática (necessária) das penas, previsto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá ser recusada a aplicação da norma do artigo 562º nº 1 do Código do Trabalho.
9ª) O despacho recorrido viola as normas dos artigos 15º nº 7 alínea a) do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, 25º nº 1 alínea b) e 14º nº 4 alínea a) da Lei nº 27/2010 de 30/08, 1º e 2º do Decreto Lei nº 433/82 de 27/10, 562º nº 1 do Código do Trabalho e 30.º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação do despacho recorrido e a respectiva substituição por outro que absolva a arguida da prática da contraordenação que lhe foi imputada…
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta propugnando pela manutenção da decisão recorrida (413º, 1, CPP)
O recurso foi correctamente admitido com regime de subida e efeitos próprios.
O Ministério Público junto deste tribunal de recurso emitiu parecer propugnando pela manutenção da decisão recorrida (416º, 1, 417º, 2, 1ª parte do CPP, ex vi 50º, n 4, RPCLSS).
A recorrente não respondeu (417º, 2, CPP).
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Foram colhidos os vistos do presidente da secção e do juiz- adjunto e o recurso foi apreciado em conferência (art.s 418º e 419º, CPP).

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO

Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos que se mantém e reproduzem:

1 – A arguida é sociedade comercial, com o NIPC …, que tem como objecto social a indústria de calçado, sendo que à data da fiscalização (26/11/2014) tinha a forma de sociedade anónima, tendo-se transformado numa sociedade por quotas a 01/08/2016.
2 – À data da fiscalização, era presidente do conselho de administração da arguida, J. L., o qual passou a ocupar o cargo de gerente a partir da transformação da arguida em sociedade por quotas.
3 – No dia 26/11/2014, pelas 15h55m, agentes da Guarda Nacional Republicada/Posto de Trânsito de Fafe, junto às portagens da autoestrada A7, em Esmeriz, interceptaram e fiscalizaram o condutor M. P., titular da carta de condução n.º P-, o qual se encontrava a conduzir ao serviço da arguida, a viatura pesada de mercadorias, com a matrícula NP, propriedade da arguida, equipada com tacógrafo analógico.
4 – O condutor M. P., no momento da fiscalização, não tinha em sua posse registos de tacógrafo correspondentes a parte dos aos 28 dias anteriores à fiscalização.
5 – O condutor apenas apresentou aos agentes fiscalizadores registos de tacógrafo relativos aos dias 28/10; 31/10; 04/11; 07/11; 14/11; 18/11; 21/11; 24/11 e 25/11 de 2014.
6 – Além dos registos acima referidos, o condutor não apresentou aos agentes fiscalizadores, qualquer outro registo referente aos restantes dias compreendidos nos 28 dias anteriores à fiscalização, nem apresentou qualquer documento destinado a justificar a ausência de registos de tacógrafo, relativamente aos dias aos dias de que não apresentou discos diagrama.
7 – O condutor M. P., trabalha para a arguida desde 1980, exercendo as funções de motorista.
8 – A arguida apenas acessória e esporadicamente transporta produtos relacionados com a actividade industrial de fabricação de calçado.
9 – O condutor/trabalhador da arguida, M. P. não está exclusivamente afecto à condução de veículos automóveis, sendo que quando não tem trabalho de condução, fica nas instalações da empresa a trabalhar na portaria ou no armazém.
10 – Os registos de tacógrafo que o condutor apresentou ao agente fiscalizador eram referentes aos dias compreendidos nos 28 dias anteriores ao da fiscalização em que efectivamente tinha conduzido viaturas sujeitas a tacógrafo.
11 – Os dias compreendidos no período de 28 dias anteriores à fiscalização, relativamente aos quais o condutor não apresentou registos de tacógrafo, foram dias em que esteve a trabalhar para a arguida nas respectivas instalações, designadamente na portaria e no armazém.
12 - A arguida actuou sem o cuidado devido a que estava obrigada e de que era capaz, conhecendo a natureza contra-ordenacional do seu comportamento.
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B) ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (3), são as seguintes as questões a decidir:

I - O preenchimento dos elementos do tipo legal de contra-ordenação imputada;
II - A aplicação de admoestação;
III - A inconstitucionalidade material do artigo 551º, 3, do CT por alegada violação do artigo 30º, 3 da CRP (responsabilidade solidária do gerente no pagamento de coima versus proibição da transmissão da responsabilidade penal);
IV - A inconstitucionalidade material do artigo 562º, 1, do CT por alegada violação do artigo 30º, 4 da CRP (aplicação de sanção acessória de publicidade versus proibição de efeito automático das penas).
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I - O PRENCHIMENTO DOS ELEMENTOS DO TIPO LEGAL DE CONTRA-ORDENAÇÃO IMPUTADA

A recorrente foi condenada por alegadamente ter infringido a obrigação de o seu motorista, conduzindo um veículo equipado com tacógrafo (analógico), se fazer acompanhar dos registos de tacógrafos relativos ao dia da fiscalização e aos 28 dias anteriores ou, na sua falta, de outros registos que devam ser feitos manualmente para justificar a omissão (art. 15º, 7, alínea a), Regulamento CE 3821/85, de 20/12 (4), e art. 25º, 1, al. b) da Lei 27/2010, de 30/08).

Quadro legal aplicável aos autos (factos de 26/11/2014, sumariando-se a legislação dada a sua dispersão):

Ø Regime sancionatório da violação de normas respeitantes ao tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo de utilização de tacógrafos na actividade de transporte rodoviário (5) da Lei 27/2010, de 30/08 (6), transcrevendo-se as partes que ao caso relevam:

Art. 12º Regime geral da responsabilidade contra-ordenacional

1- O regime dos artigos 548 a 565º do Código do Trabalho é aplicável às contra-ordenações previstas na presente lei, com as adaptações previstas no artigo 14º;
2- O regime de procedimento das contra-ordenações laborais e da segurança social é aplicável às contra-ordenações previstas na presente lei.

Art. 13º Responsabilidade pelas contra-ordenações

1- A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2- A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento CEE nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3- O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior….

Art. 14º Valores das coimas

1- A cada escalão de gravidade das contra-ordenações laborais corresponde uma coima variável em função do grau de culpa do infractor, salvo o disposto no artigo 555º do Código do Trabalho.

4- Os limites mínimos e máximos das coimas correspondentes a contra-ordenação muito grave são os seguintes
a) DE 20 UC a 300UC, em caso de negligência
b) De 45UC a 600U, em caso de dolo.

Art. 25º Apresentação de dados ao agente de fiscalização

1- Constitui contra-ordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:…
b) …das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efectuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar.

- Regulamento (CEE) nº3821/85 (7) de 20/12/1985 (relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários), destacando-se para o caso as seguintes disposições:

Art. 15º

2- Os condutores devem utilizar as folhas de registo sempre que conduzam……
Quando em virtude do seu afastamento do veículo, os condutores não possam utilizar os elementos do aparelho instalado no veículo, os períodos de tempo indicados nas alíneas b), c), e d), do segundo travessão do n. 3, devem figurar na folha de registo, por inscrição manual, registo automático ou qualquer outro processo, de forma legível e sem sujar as folhas.
3-Os condutores devem:
…preocupar-se em acionar os dispositivos de comutação que permitam distinguir os seguintes grupos de tempo a registar:
… tempo de condução…b)…outros tempos de trabalho…c) o tempo de disponibilidade…d) …as interrupções de condução e períodos de repouso diário.
7. a) “Sempre que que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I (8), deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:
i) as folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 (9) dias anteriores”

iii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente Regulamento e no Regulamento CE nº 561/2006.
c) Os agentes autorizados para o efeito podem verificar o cumprimento do Regulamento CEE nº 561/006, através da análise das folhas de registo ou de dados, visualizando os impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos nºs 2 e 3 do art. 16º”.

- Regulamento (CE) nº 561/2006 (10), do PE e do Conselho de 15/03

Art. 4º
Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

e)”Outro trabalho”: todas as actividades definidas como tempo de trabalho na alínea a) do artigo 3º da Directiva 2002/15/CE, com excepção da condução, bem como qualquer trabalho prestado ao mesmo ou a outro empregador dentro ou fora do sector dos transportes”

Artigo 6º

5 –“O condutor deve registar como “outro trabalho” qualquer tempo descrito na alínea e) do artigo 4º, bem como qualquer tempo passado a conduzir um veículo utilizado para operações comerciais fora do âmbito do presente regulamento; deve ainda registar quaisquer períodos de “disponibilidade” tal como definido na alínea c), do nº 3 do artigo 15º do Regulamento CEE 3821/85, desde o último período de repouso diário ou semanal. Este registo deve ser feito manualmente numa folha de registo, através de um impresso ou utilizando as possibilidades de introdução manual de dados no aparelho de controlo”.

- Importa por último referir a Directiva 2006/22/CE do PE e do Conselho, de 15/03 (11) transposta para a nossa ordem interna pela Lei 27/2010, de 30/01 (art. 1º), onde, no art. 11º, nº, se consagrou um formulário denominado “Declaração de Actividade”, destinado a justificar a ausência de registos no tacógrafo ou legalmente admissíveis e que não tenha sido possível efectuar manualmente, em situações de baixa por doença, férias anuais, realização de outras actividades distintas da condução, ou disponibilidade.
***
Feito o apanhado da legislação que releva, passemos ao enquadramento das normas e aplicação ao caso.
Constitui contra-ordenação todo o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres e que seja punível com coima – art. 548º CT.
Decorre do quadro legal exposto, que a previsão da contraordenação imputada é integrada pela falta de apresentação das folhas de registo (tacógrafo) utilizadas pelo condutor referentes ao dia da fiscalização e aos 28 dias anteriores e, na sua falta, de outros registos, nomeadamente os registo que devam ser feitos manualmente numa folha de registo, através de um impresso ou utilizando as possibilidades de introdução manual de dados, ou outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento dessa obrigação, o que decorre em especial do art. 25º, b, da Lei 27/2010, de 30/08 e do art. 15º, 7, a) ii e ii, c, do Regulamento (CEE) 3821/85.
Decorre também destes diplomas legais que esta injunção de apresentação de registos se impõe, quer haja tempo de condução, quer o condutor exerça qualquer das actividades a que se reportam os conceitos de “outros trabalhos” e “de disponibilidade”. Ou ainda, se oorrer uma situação de férias ou de baixa.
Assim sendo, é destituído de fundamento a invocação da violação do princípio da tipicidade, porquanto, desde logo, o próprio art. 25º, 1, b), da Lei 27/2010, tipifica na sua previsão a obrigação de exibir as folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão que o condutor esteja obrigado a apresentar, além de que, por outro lado, sendo esta uma norma parcialmente “em branco”, a mesma é integrada por todos os outros normativos supracitados.
De resto, autores há que têm chamado a atenção para o facto de a tipificação no domínio das contra-ordenações não ser equivalente, nem seguir rigorosamente a técnica legislativa utilizada no direito penal, cujas “normas tipificadoras contêm a previsão, a estatuição e a sanção”, ao passo que no direito contra-ordenacional assinalam-se algumas características de “maleabilidade” (12).
Também, como se refere na decisão recorrida “as normas reguladoras dos tempos máximos de condução e mínimos de repouso têm subjacente, para além do aspecto laboral (higiene, saúde e segurança no trabalho) um fundamento concorrencial e de segurança rodoviária”. Controlo esse somente possível de efectuar com eficácia através dos registos feitos pelo tacógrafo e pelos registos manuais inseridos pelo trabalhador e logo exibidos ao agente fiscalizador.
Com interesse ao caso, importa também referir que o facto contra-ordenacional considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, no momento em que deveria ter actuado - art. 5º do RGCO (13).

No caso, o tipo legal da contra-ordenação preenche-se de imediato com a falta de apresentação, no acto de fiscalização, destes registos (no tacógrafo ou outros) referentes a todos os 28 dias anteriores, conduta omissiva violadora do dever imposto.
Ainda, de acordo com o disposto no art. 9º do Código Civil, a interpretação da lei deve ter em conta a letra da lei, ponto de partida e limite da interpretação, e reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, presumindo-se que o legislador se exprimiu adequadamente.
Na interpretação da lei recorre-se, por um lado, ao elemento gramatical (análise do texto) e, por outro, ao elemento lógico (a ratio legis, a razão de ser da lei).
Ora, a necessidade de apresentação dos registos de tacógrafos ou outros registos logo no acto da fiscalização, decorre e tem suporte, desde logo, do elemento literal da expressão “deve poder apresentar a pedido dos agentes de controlo da fiscalização” e, bem assim, de todas as exigências legais acima transcritas norteadas pela minúcia de regulamentação quanto à necessidade de possuir as folhas de registo (tacógrafos) referentes ao dia e aos 28 dias anteriores, bem como, na sua falta, de outros registos que justifiquem tal omissão, todos eles a apresentar no acto.
Esta necessidade decorre também da ratio legis. Na verdade, como acima já se aflorou, visou-se, com tal exigência de exibição no acto da inspecção, possibilitar às entidades fiscalizadoras a verificação do cumprimento de períodos de repouso e pausas, tempos de condução e também de outras normas de organização do tempo de trabalho de pessoas que exercem actividade móvel de transporte rodoviário, incluindo limites de duração de trabalho e não só de condução. O que se tutela neste tipo contraordenacional é como se diz na decisão administrativa é “o regular exercício da acção inspectiva por parte dos agentes autuantes, a qual fica prejudicada quando o condutor não apresenta registos do dia e dos 28 dias anteriores, ou justificação para a ausência de registos…”.
Permitir que somente se apresente registos referentes a parte dos dias, sob a alegação de que os restantes correspondem a tempos de não condução, é anular a acção inspectiva, porquanto cabe precisamente a esta aquilatar se tal é verdade, o que somente consegue concluir caso lhe seja, no acto, exibido os registos ou documentos que justifiquem a ausência de registos de tacógrafo. Dito por outras palavras, seria esvaziar de sentido útil a acção inspectiva, obstando-se ao efectivo controlo dos tempos de trabalho prestados pelos condutores.
Assim sendo, nos termos supraditos, não impede a consumação da contra-ordenação a prova tardia, em momento pós-inspecção, de que nos dias de ausência de registo no tacógrafo o condutor não exerceu a actividade de condução, mas antes esteve a trabalhar nas instalações da empresa, designadamente na portaria e armazém, como aconteceu no caso dos autos.
Na verdade, estando consumada a contra-ordenação, tal prova apenas pode relevar em sede de graduação da medida da coima, assim se respondendo à questão de alegada injustiça arguida pela recorrente (sendo certo que no caso foi aplicada uma coima bastante próxima do limite mínimo, pese embora o respectivo montante não seja uma questão arguida e a conhecer por este tribunal).
Finalmente, fazendo uma resenha jurisprudencial, podemos afirmar que a propensão esmagadora dos acórdãos proferidos pelos tribunais das relações é no sentido de bastar ao preenchimento do tipo contra-ordenacional a mera falta de apresentação, no momento da fiscalização, das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores, ou de outros registos que justifiquem a omissão, incumprimento esse que não pode ser suprido a posteriori (14).
Assim, por todo o exposto, improcede a objecção da recorrida, considerando-se praticada a contra-ordenação.

II - A APLICAÇÃO DE ADMOESTAÇÃO

A pretensão da recorrido não tem qualquer base de sustentabilidade legal, ao invés, a lei expressamente veda ao julgador tal possibilidade.

Basta atentar no disposto no art. 48º do RPCOLSS(regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social (15)):

Excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação” (negrito da nossa autoria). Note-se que esta é a norma a aplicar e não a do regime geral de contra-ordenações invocada pela recorrida.
Ora, como acima vimos, a lei (art. 25º, 1, al. b), da Lei 27/2010, de 30/08) classifica a contra-ordenação em causa como tendo natureza de muito grave, o que afasta liminarmente a aplicação da pena de admoestação.

III - A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 551º, Nº 3 DO CT/ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 30º, 3 da CRP

Diz-se no art. 30º, 3, da CRP: “A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão.
Diz-se no art. 551.º (16), do CT: “Se o infractor for pessoa colectiva ou equiparada, respondem pelo pagamento da coima, solidariamente com aquela, os respectivos administradores, gerentes ou directores.
Na decisão recorrida fez-se constar a este propósito “…a responsabilidade dos gerentes prevista no artigo 551º, nº 3 é uma responsabilidade meramente civil e não contra- ordenacional, não prevendo esta norma qualquer solidariedade quanto à infracção, mas apenas a solidariedade quanto ao pagamento da coima, de forma a garantir o pagamento desta, em face dos riscos decorrentes do funcionamento da pessoa colectiva”.
Concordamos e pensamos que a questão está ampla e consensualmente analisada no sentido de que a norma não padece de inconstitucionalidade, estando em causa uma mera responsabilidade pelo pagamento da coima e não pelo cometimento da contra-ordenação.
Mais, tal como referido na decisão recorrida, o acórdão do Tribunal Constitucional de 14/12/2016, com referência a esta norma, pronunciou-se no sentido da sua não inconstitucionalidade: “não se trata aqui de definir a moldura da coima aplicável a um administrador ou gerente com base em elementos de aferição que apenas respeitem à pessoa coletiva e que são necessariamente diferenciados. O que está em causa é uma responsabilidade solidária que confere ao sujeito individual a condição de garante do pagamento da coima, a qual não deixa de ser fixada, no âmbito do processo contraordenacional, em função da moldura ajustável à personalidade coletiva do devedor primário. Não ocorre, por isso, uma parificação, quanto ao objeto, de situações de responsabilidade que, do ponto de vista da natureza do sujeito responsável, sejam desiguais, e pudesse suscitar uma desconformidade com o princípio da igualdade (…) Portanto, estando em causa apenas a solidariedade pelo pagamento, enquanto garantia da satisfação da obrigação pecuniária, e não a responsabilidade pela infração, não violação da regra constitucional prevista no artigo 30.º, n.º 3 da CRP (…)”.
A doutrina (17) igualmente distingue a responsabilidade contraordenacional da responsabilidade pelo pagamento da coima, a qual se reconduz a uma solidariedade civil passiva. Assim, do que se trata é de uma mera garantia da satisfação da sanção pecuniária contra os riscos inerentes ao próprio funcionamento das pessoas colectivas. (18) (19)

IV - A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 562º, nº 1 CT (APLICAÇÃO DA SANÇÃO ACESSÓRIA DE PUBLICIDADE) POR ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 30º, 4 da CRP (PROIBIÇAO DE EFEITOS AUTOMÁTICOS DAS PENAS)

Diz-se no art. 30º, 4, da CRP “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
Diz-se no art. 562º, 1 do CT: “No caso de contra-ordenação muito grave ou reincidência em contra-ordenação grave, praticada com dolo ou negligência grosseira, é aplicada ao agente a sanção acessória de publicidade.
Tem-se considerado que o sentido constitucional de efeito “necessário” equivale à proibição de aplicação automática, inexorável, de uma sanção acessória por simples decorrência da condenação numa pena principal. Dito de outro modo, visa-se evitar a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, de fora automática, por decorrência de estas sanções estarem acopladas à condenação numa pena principal, sem que interfiram a ponderação de outros valores. Neste domínio são, também, geralmente convocados os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade.
Ora, vários são os motivos pelos quais se entende que não está ferida de inconstitucionalidade material a norma que consagra a aplicação da sanção acessória de publicidade em caso de cometimento de uma contra-ordenação classificada de muito grave ou grave se ocorrer reincidência.
Em primeiro lugar, porque o ilícito de mera ordenação social caracteriza-se pela neutralidade ética da sua natureza e das respectivas sanções, as quais não detém o “pathos ético” próprio do direito penal. Não se visa aqui a ressocialização do agente, mas o pagamento de um valor pecuniário acompanhado de alguma medida administrativa ou de publicitação da infração com vista a alcançar os objectivos de cumprimento da lei (20).
Assim sendo, não devem, sem mais, ser importados, em modos absolutos, para o domínio do direito contra-ordenacional princípios conaturais ao direito penal que prosseguem outro escopo, atenta a natureza ética deste último.
Em segundo lugar, ainda que assim se não entendesse, a própria norma contém em si uma valoração ao fazer depender a aplicação da sanção acessória da prática de contra-ordenação muito grave ou grave se houver reincidência. Donde, não ocorre, assim, o desequilíbrio ou desproporção que se pretende evitar quando está em causa a aplicação automática de uma sanção acessória por decorrência e porque está acoplada à aplicação da sanção principal.

Assim, a aplicação de sanção acessória de publicitação em casos de contraordenação laboral classificada de muito grave não representa qualquer desequilíbrio ou desproporção, constituindo o ilícito praticado um desrespeito intenso às normas sócio-laborais basilares. Sendo, por isso, adequado e proporcional que, quem as desconsidere, seja sancionado não só do ponto de vista pecuniário, mas também do ponto de vista da publicitação da prática do ilícito, sem ocorrer violação do princípio da proporcionalidade (21).

Finalmente, não se vê como, a propósito da sociedade arguida, se possa falar de perda de quaisquer direitos políticos (próprios das pessoas singulares), civis ou profissionais atenta a natureza da sanção acessória de publicidade, a qual consiste na inclusão num registo público do extracto da decisão condenatória, publicitando o tipo legal violado e a identificação do infractor (para mencionar os dados mais relevantes), fazendo-se, assim, uma divulgação negativa do nome da empresa. Mas, na verdade, este tipo de sanção não acarreta a perda dos referidos direitos, porquanto nem sequer estamos perante proibições de direitos profissionais, como acontece na interdição do exercício de actividade no estabelecimento ou a privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos.

Assim sendo carece também de fundamento esta alegação.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se, no Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso interposto por X – INDÚSTRIA DE CALÇADO, LDA., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente, fixando em três ucs a taxa de justiça.
Notifique.
Após trânsito em julgado, comunique a presente decisão à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
Guimarães, 24 de outubro de 2019

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga


Sumário

I. Mostra-se verificada a prática da contraordenação p. e p. no art. 15º, 7, b), do Regulamento (CEE) nº 3821/81 de 20/12, na redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 do PE e do Conselho, e 25º, 1, al. b) da Lei 27/2010, de 30/08, caso o condutor não apresente ao agente fiscalizador as folhas de registo (tacógrafo) do dia em curso e dos 25 dias anteriores ou, na sua falta, outros registos ou documentos que justifiquem tal omissão.
II. A contra-ordenação em causa mostra-se consumada no acto de fiscalização, ou seja, no momento da omissão de apresentação dos registos, sendo indiferente ao preenchimento do tipo contra-ordenacional a prova tardia de que o condutor estaria a fazer outros trabalhos que não de condução, sob pena de esvaziamento da acção inspectiva.
III. O art. 551º, 3, CT, estabelece apenas uma solidariedade civil de pagamento e não uma transmissão penal de responsabilidade, pelo que não está ferido de inconstitucionalidade (30º, 3, CRP).
IV. A aplicação da sanção acessória de publicidade (562º, 1, CT) não fere o princípio constitucional de proibição de efeitos automáticos das penas (30º, 4, CPP), atenta a natureza do direito contra-ordenacional destituída de “pathos ético” não sendo de importar princípios do direito penal que não se justifiquem, para além de não ocorrer violação dos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)


1. Na redacção dada pelo Regulamento (CE) 561/2006, de 15/03.
2. Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e da Segurança Social regulado na Lei 107/2009, de 19/09, com as subsequentes alterações.
3. Segundo os artigos 403º, 1, 412º, 1, CPP, o âmbito do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente e extraídas da sua motivação do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação dos vícios previstos no art. 410º, 2, CPP.
4. Na versão actualizada dada pelo Regulamento CE 561/2006, de 15/03.
5. Transpondo a Directiva nº 2006/22/CE do PE e do Conselho, de 15/03, alterada pelas Diretivas 2009/04/CE da Comissão de 23/01 e 2009/05/CE da Comissão de 30/01.
6. Transcrevendo-se as normas que ao caso relevam, sendo pacífico que está apenas em causa a falta de apresentação de registo de tacógrafos relativos a todos os 28 dias anteriores à fiscalização.
7. Na redacção introduzida pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 de 15/03/2006 (disposições finais, art.s 26º).
8. Tacógrafo analógico.
9. Após 1/01/2008.
10. Relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre e melhorar as condições de trabalho e de segurança rodoviária.
11. Com as alterações das Directivas nºs 2009/04/CE, da Comissão de 23/01 e 2009/05/CE, da Comissão, de 30/01.
12. Manuel M. Roxo e Luís C. Oliveira, O processo de Contra-Ordenação Laboral e de Segurança Social, Almedina, 2009, p. 26.
13. Ex vi do art. 60º do RPCOLSS, Lei 107/2009, de 14/09.
14. Neste sentido acórdãos: Relação de Évora (3.12.2015, 20.04.2017, 08.11.2017, 08.03.2018, 24.05.2018, 17.01.2019 e de 27.06.2019); Relação de Guimarães (20.10.2016, 16.11.2017 e de 05.04.2018); Relação do Porto (05.12.2011, 7.04.2016, 19.03.2018); Relação de Lisboa (16.03.2016, 21.03.2018, 11.09.19 este no domínio da actual legislação, mas onde se mantém a mesma infracção).
15. Lei 107/2009, de 14/09, aplicável por remissão do art. 12º, nº 2, da Lei 27/2010.
16. Corresponde ao antigo 617º, 3 do anterior CT, com idêntica redacção.
17. João Soares Ribeiro, Contra-Ordenações Laborais, 2ª ed., p. 226 a 232, comentando a precedente norma do CT, com idêntica redacção.
18. João Soares Ribeiro Contra-Ordenações Laborais/2009, Código do Trabalho, A revisão de 2009, Coimbra Editora, p. 509, no sentido de se tratar de uma responsabilidade civil.
19. Neste sentido, na jurisprudência, vejam-se os acórdãos da RE de 22/11/2017 e de 1/10/2015, in www.dgsi.pt.
20. João Soares Ribeiro, Contra-Ordenações Laborais, 2ª ed., p. 61 e seg.s. e, ainda, do mesmo autor, Contra-ordenações Laborais/2009, Código do Trabalho, A revisão de 2009, Coimbra Editora, p. 489 e ss, em especial 502.
21. Acórdão da RC de 14/01/2016, in wwww.dgsi.pt.