Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
642/14.7TBBGC.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
SUBROGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pela relatora):

1- Os regulamentos comunitários e outros instrumentos internacionais prevalecem sobre as normas de direito interno, inclusive em matéria de competência internacional;

2- A norma de conflitos incluída no artigo 45º, do Código Civil, tem o seu âmbito de aplicação limitado devido à vigência do Regulamento (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de junho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II);

3- As certidões emitidas pelo Instituto de Seguros de Portugal, nos termos do nº5, do art. 4º do DL289/2001, de 13/11, atestando o pagamento de indemnizações aos lesados pelo Fundo de Garantia Automóvel, por cuja gestão aquele é responsável, constituem documentos autênticos e fazem prova plena de tal pagamento, mas não fazem prova plena de facto nela não certificado, exarado, tão só, que nela seja como constando o mesmo nos “registos informáticos”;

4- A prescrição - que não opera ope legis, pelo simples decurso do tempo e que não é de conhecimento oficioso, carecendo de invocação - constitui um meio de defesa por exceção perentória (art. 576º, nº1 e 3, do CPC), operando, uma vez invocada, enquanto facto extintivo do direito e tendo como efeito a absolvição do pedido, mediante prova, que se mostre efetuada pelos Réus ou adquirida para a causa, dos factos impeditivos do direito do credor, embora o ónus da prova dos factos que integram a prescrição - data(s) de pagamento do(s) montante(s) cujo reembolso o FGA pede por sub-rogação - impenda, nos termos do n.º 2, do art. 342º do CC, sobre os demandados;

5- O prazo prescricional relativamente ao direito que assiste ao Fundo de Garantia Automóvel que pagou aos lesados de acidente de viação, que emerge de sub-rogação por ter satisfeito a indemnização devida àqueles, é de 3 anos, sendo o início do curso da prescrição, dies a quo da contagem do prazo prescricional, a data do pagamento ou, no caso de pagamentos em diversas datas, a do último pagamento efetivamente realizado, por estar em causa pagamento de indemnização, una (cfr. nº2, do art. 498º, do CPC, aplicável ex vi nº6, do artigo 54º, do DL 291/2007, de 21.08).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I. RELATÓRIO

Recorrente: J. L.
Recorrido: FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL

FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede na Avenida da República, n.º 76, em Lisboa, intentou contra F. M. – TRANSPORTES UNIPESSOAL, L.DA, com sede na Rua (...), em Bragança, e contra J. L., residente na Calle (...), Espanha, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, pedindo que os -Réus sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 28.966,63 (capital e juros de mora vencidos), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a entrada em juízo da acção até efectivo e integral pagamento, para que seja reembolsado do valor por si pago ao Gabinete Português da Carta Verde por danos decorrentes de acidente de viação ocorrido na Bélgica e que se ficou a dever a culpa exclusiva do Réu J. L., que circulava sem seguro obrigatório de responsabilidade automóvel.

Mais pede a condenação dos Réus no reembolso ao Autor das despesas com a presente lide, a liquidar em execução de sentença.

Citados, os Réus apresentaram-se a contestar, defendendo-se por impugnação, ao negar factos alegados pelo Autor (não aceitando, sequer os pagamentos - cfr fls 119 e segs, artigos 1º- “terá feito”-, 40º e 1ª parte, do 41º, da contestação), e por exceção, ao invocar, para além do mais, a prescrição do direito de que o Autor se arroga aos alegados e concretos montantes dos pagamentos que invoca ter feito nas datas que ele próprio carreia para os autos, pois quaisquer que sejam, das alegadas pelo próprio Autor, as datas consideradas - datas do acidente ou dos afirmados pagamentos (impugnados) -, de acordo com o artigo 498º, do CC a pretensão do Autor encontra-se prescrita.

Realizou-se audiência prévia onde foi proferido despacho saneador a:

- julgar o Tribunal “competente internacionalmente” e a exceção da ilegitimidade passiva, invocada pelos Réus, improcedente;
- relegar o conhecimento da exceção da prescrição para final por os factos alegados e relevantes para a decisão da mesma se encontrarem controvertidos (art. 32º, da pi e 40º da contestação;
- definir o objeto do litígio – “saber se ocorreu ou não a prescrição do direito do A. e se existe ou não responsabilidade dos RR. pelos danos suportados pelo A.”(cfr fls 147);
- enunciar os temas da prova (cfr fls 147).
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência:

i) condeno os Réus a pagarem, solidariamente, ao Autor a quantia de € 25.489,16 (vinte e cinco mil quatrocentos e oitenta e nove euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
ii) absolvo os Réus do demais contra si peticionado pelo Autor.
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Custas por Autor e Réus, estes solidariamente, na proporção de 12% para o primeiro e 88% para os segundos (cfr. artigos 527.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 607.º, n.º 6, do C.P.C.), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o Réu J. L.”.
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O Réu J. L. apresentou recurso de apelação pedindo a revogação da sentença na parte em que deu como provados os números 1., 7., 8., 9., 10, 13 e 19. da materialidade de facto considerada como provada e sua substituição por outra decisão que considere aqueles factos não provados e que se julgue a final a improcedência dos pedidos, assim como, que se reconheça a existência das exceções da prescrição do direito invocado pela autora e a da incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar o caso em apreço, com a consequente absolvição do ora recorrente dos pedidos formulados.

Formula, para tanto, as seguintes CONCLUSÕES:

1 – Tribunal a quo que tirou ilações e conclusões, que no nosso entendimento não se encontram alicerçados nos factos trazidos e discutidos nos presentes autos.
2 - A Douta Sentença ora recorrida, salvo devido respeito, que é muito, fez tabua rasa de muita da matéria/factos, que na óptica do recorrente deveriam terem sido convenientemente valorizados pelo tribunal, mas que na realidade não foram, senão vejamos:
3 - O tribunal a quo na sua motivação alega que o réu Juan, no seu depoimento de parte, refere ter ouvido uma travagem e que o veiculo ZR que seguia atras de si, foi embatido pelo veículo BBK. Contudo o mesmo referiu ainda em sede de audiência de julgamento que tal travagem e embate só decorreram, após os mesmo já terem procedido a uma gradual redução de velocidade e já após a viatura se encontrar totalmente imobilizada e no momento em que o mesmo já tinha descido do camião e recolhido a barra para o interior do semirreboque. Facto que evidencia que o condutor do veículo ZR que precedia e seguia o veículo conduzido pelo réu, já há algum tempo, não teve a mínima destreza que lhe era exigida enquanto condutor médio, para passar para a faixa da esquerda e seguir a sua marcha, tal como o fizeram tantos outros que por ali passaram. Veículo ZR que ficou ali imobilizado sem conseguir passar para a via da esquerda, quando não existia praticamente trafego no local, e por falta de destreza e diligência, fez com que o veiculo EGN colidisse com o mesmo, levando a que posteriormente o BBK embatesse em ambos.
4 - Logo o ponto 8. dos factos dados como provados, teria necessariamente, e na falta de outra prova, ter sido dado como não provado, Sendo que, por essa mesma razão o terceiro ponto dos factos não provados deveria ter sido dado como provado.
5 - No ponto 7. dos factos dados como provados, resulta que “o Réu imobilizou a viatura em plena via sem previamente sinalizar a sua manobra”, facto que nunca poderia ter sido dado como provado, pois da prova produzida resulta precisamente o contrário. Já que, o Réu Juan no seu depoimento de parte, foi categórico em afirmar que logo que se apercebeu da possibilidade da queda da peça metálica, reduziu e ligou a sinalização de emergência. Tal como aliás acaba por ser corroborado pelas declarações prestadas pelo condutor do veículo B, que afirma que ele próprio ligou os quatro piscas. Logo se tal condutor afirma que também ele ligou os piscas, subentendesse claramente, que outro já o havia feito, e não seriam seguramente os que antecediam na marcha o veiculo B, nas Sim, como é óbvio, o que se posicionava a sua frente, ou seja, a viatura conduzida pelo Réu J. L.. Logo, inexiste qualquer meio de prova, que pudesse ter dado como provado que “o Réu imobilizou a viatura em plena via sem previamente sinalizar a sua manobra”, pelo que, o ponto 7. dos factos dados como provados foi erroneamente apreciado, razão porque entendemos que deveria ter sido dado como não provado.
6 - Por outro lado a Sentença ora recorrida, no seu ponto 9. e 10. dos factos dados como provados, deu como assente que “o condutor do BBK, que seguia a uma velocidade de cerca de 90 km/h,…”. E que “ por sua vez, o condutor do EGN, que seguia a uma velocidade de cerca de 95 km/h ….”. Contudo não foi produzida qualquer prova que pudesse determinar, quais as velocidades a que circulavam as referidas viaturas, bem como, não foi alegado ou discutida especificamente tal questão em tribunal, pelo que o tribunal a quo, nunca poderia também ele ter dado como provado tais factos.
7 -Ao contrário do que sustenta o tribunal a quo na sua motivação, não é bastante a mera referência de eventuais proprietários no auto lavrado pelas autoridades policiais, para ser possível determinar os verdadeiros proprietários das viaturas, pois salvo devido respeito, a prova da propriedade dos veículos impreterivelmente estaria condicionada à apresentação dos respetivos documentos, facto que nunca veio a acontecer, tanto mais por se tratar de factos de exclusiva demonstração documental. Logo, não tendo sido feita prova da propriedade dos respetivos veículos, que necessariamente teria que ser sustentada em documentos autênticos ou autenticados, nunca o tribunal a quo poderia ter dado como provado, tal como o faz, que aqueles indivíduos que constam na douta sentença eram os reais proprietários das viaturas matriculas ZR, BBK–798, EGN–733.
8 - Por outro lado erroneamente o tribunal o quo, no que respeita aos danos resultante do acidente, afirma na douta sentença, que tais danos nunca foram questionados pelo réu, o que não corresponde a verdade já que o mesmo também questiona o real valor dos estragos, a existência ou não dos mesmos, as suas extensões e naturezas, razão porque ad inicio censura a posição assumida pela BBDAA, que se limitou a pagar sem mais e sem dar conhecimento a quem quer que fosse, nomeadamente, aos réus, que tiveram colhimento já com o facto consumado, sem nada poderem fazer.
9 - Efetivamente, a autora juntou aos autos diversas cartas juntamente com a sua P.I. sob os Doc.s nº 15, 17, 19 e 21, contudo, o que é um facto indiscutível é que o Réu ora recorrente J. L., não recebeu nenhuma dessas missivas, nem a autora fez qualquer prova de que o mesmo as tenha recebido, nomeadamente, não tendo sido junto aos autos quaisquer talões de registo e/ou de aviso de receção, nem produzida qualquer outra prova a este respeito, pelo que também o ponto 19. dos factos dados como provados, não deveria ter sido dado como provado.
10 - Existiram pois inevitavelmente erros de julgamento, para tal basta ter em consideração algumas incongruências e imprecisões supra elencadas e confronta-las com a decisão proferida, pelo que, o ora recorrente não pode de fora alguma, concordar com os factos dados como provados e particularmente, com a dinâmica do acidente descrita e sustentada pelo tribunal a quo na sentença ora posta em crise.
11 - Na presente ação o direito invocado pela autora é um direito de sub-rogação, pelo que o prazo de prescrição aplicável é de três anos. Contudo o artigo 54.º nº 6 do Decreto/Lei nº 291/2007, de 21.08, prevê: “os direitos do fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o nº 2 do artigo 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos faccionados por lesão ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efetuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”,
12 - Sucede que, o tribunal a quo na parte final do ponto 19. dos factos dados como provado, deu como provado que em 16:09:2011 a autora tenha pago ao Gabinete de Carta Verde a quantia de € 21.441,11. Contudo a autora não logrou fazer prova, nem juntar nenhuma evidencia que fosse desse aludido pagamento que alegam ter efetuado em 16/09/2011, não tendo sido junto aos autos qualquer comprovativo de transferência, cópia de eventual cheque emitido, assim como não foi produzida qualquer prova testemunhal que pudesse assegurar tal pagamento, salvo melhor opinião, deveria o tribunal a quo ter considerado o direito da autora prescrito, e em consequência ter absolvido o réu do pedido. Sendo que, o único documento onde é mencionado que o último pagamento ocorreu no dia 16/09/2011, e precisamente num documento lavrado e fabricado pela própria autora, e que foi objeto de impugnação expressa pelo ora recorrente, no que concerne ao seu teor, conteúdo, efeitos e consequente prova que com aquele a autora pretendia fazer.
13 - Ademais o recorrente entende ter existido no caso ora em apreço, uma incompetência dos Tribunais Portugueses, desde logo, tendo em conta o regime estabelecido no artigo nº 45.º do Código Civil, e considerando não se terem verificado nenhuma das excepções nele previsto, somos de concluir que a lei a aplicar ao caso em apreço seria a Lei civil Belga.
14 - Logo, tendo em conta ainda que de acordo o artigo 29bis da lei 21.11.1989, as seguradoras de veículos automóveis implicados em acidente de viação tem a obrigação de indemnizar integralmente os danos corporais de todas as vítimas, à excussão dos condutores dos próprios veículos automóveis, tudo isto, independentemente de quem deu causa ao acidente, sendo que os danos materiais das vítimas, já são reguladas pelas regras gerais da responsabilidade civil, pelo que, entendemos que obrigatoriamente teriam que ter sido as autoridades judiciais belgas a determinar se existiu ou não a prática de uma eventual contraordenação estradal, bem como, se o comportamento do condutor da viatura CT foi ou não culposa, o que na realidade não aconteceu.
15 - Responsabilidade civil e contraordenacional que caberia ser necessariamente apreciada pelas autoridades judiciais Belgas e não pelo Tribunal da Comarca de Bragança, tal como efetivamente aconteceu, pelo que, era ao Tribunal belga que caberia determinar se o condutor da viatura CT infringiu as regras estradais, se agiu com culpa ou com negligência, e se os danos resultaram ou não em consequência de uma eventual conduta do condutor da viatura CT.
16 - Não cabia ao tribunal a quo averiguar, de acordo com a legislação belga em vigor, se alguns dos intervenientes violou alguma norma estradal, bem como, não lhe cabia também determinar a dinâmica do acidente em função das normas belgas em vigor, antes sim, deveria o Tribunal a quo ter-se declarado internacionalmente incompetente, relegado tal demanda para o Tribunal Belga territorialmente competente, e em consequência de tal absolver o réu ora recorrente do pedido formulado pela autora.
17 - O tribunal a quo não respeitou pois o regime estabelecido no artigo 45.º do Código Civil, já que a lei a aplicar ao caso concreto, seria a lei civil Belga, cabendo dessa forma as autoridades Belgas discutir a dinâmica do acidente e determinar a culpa e respetivas responsabilidades.
Sendo que por outro lado o Tribunal recorrido fez, no nosso humilde entendimento, uma má interpretação do regulamento CE nº 44/20011, do conselho de 22/12/2012.
18 - O recorrente não aceita pois, a dinâmica do acidente dada por provada pelo tribunal a quo, nem concebe como é que o julgador, com a ausência de prova e com elementos tão contraditórios, se convenceu de forma séria e segura das concretas circunstancias, que se mostram vertidas nos factos considerados provados em que o acidente ocorreu.
19- Foi assim a douta sentença prematura e intempestiva pois a factualidade alegada e provada, manifestamente, traduz uma errada interpretação do vertido no único depoimento/declarações de parte e documentos carreados para os autos, pelo que além de precipitação verifica-se erro notório na valoração da prova, que devia ser tida em conta, e valorada como tal, conforme as razões oram invocadas.
20 - Tal decisão entre outras viola de forma clara o disposto nos artigos 62.º, 63.º, 576, nº2, 577 alínea a) 578 e 278 nº1 alínea a) e seguintes do CPC, bem assim os 45.º, 498 do CC e artigo 54.º nº 6 do Decreto – Lei nº 291/2007, de 21.08
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O Autor, FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, ofereceu contra-alegações onde pugna pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes Conclusões:

1. Não assiste razão ao Recorrente, porquanto a sentença recorrida é, do ponto de vista técnico-jurídico, irrepreensível, não enferma de vícios ou nulidades que a invalidem, fez correta decisão da matéria de facto e correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2. O Tribunal fundamenta a sua decisão com base desde logo, na prova produzida em sede de audiência de julgamento.
3. Depoimento de parte do Réu J. L., o qual consta gravado, através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, dia 26.02.2018 das 10:55:26 às 12:26:14.
4. O Recorrente impugna a matéria de facto vertida nos números 1. (no que respeita à determinação dos proprietários das viaturas), 7., 8., 9., 10., 13. e 19. dos factos provados e o terceiro ponto dos factos dados como não provados.
5. Sempre se dirá que, atendendo às declarações de parte do Réu, esteve bem o Tribunal a quo ao dar como provado o ponto 7., 8., 9. e 10. dos factos dados como provados e ao dar como não provado o terceiro ponto dos factos não provados.
6. Quanto á dinâmica do acidente, para além das declarações de parte do Réu, o Tribunal a quo atendeu e bem à prova documental junta aos autos, designadamente:
Ao teor da participação de acidente e croqui de fls. 22-31, onde vemos, neste último, a posição dos veículos depois do embate em cadeia (quanto a esta revelaram-se inócuas as declarações do Réu na parte em que afirmou que a posição dos veículos B. C e D não estava correta – estando o primeiro atrás, o terceiro mais à frente e o segundo dentro dos limites da via por onde seguia).
7. Da análise da prova documental supra exposta, designadamente da participação do acidente, resulta claro que andou bem o Tribunal a quo ao dar como provado o ponto 1. e 13. dos factos dados como provados.
8. O Tribunal a quo atendeu ainda aos seguintes documentos:
Documentos juntos a fls. 170 e 170v, que consistem nos pedidos de reembolso por parte do BBAA ao Gabinete Português da Carta Verde e respetivo descritivo.
Documentos juntos a fls. 52 e 53, que consistem nos comprovativos de pagamentos do Autor ao Gabinete Português da Carta Verde, coincidentes com aqueloutros (quanto ao pagamento da primeira importância reclamada, não sabendo a data concreta em que o mesmo ocorreu, sabemos de certeza que foi entre 16.02.20111, que é a data do carimbo da entrada do “aviso de débito” nos serviços do Autor, e 01.04.2011, que é a data de vencimento) – já não se alcançando o valor de € 310,00 titulado pelo documento de fls. 54, tanto assim que o mesmo data do ano 2013 e o Autor reclama o reembolso de quantias cujo último pagamento ocorreu em 16.09.2011, conforme resulta de certidão de fls. 32 emitida pelo Autor e foi aceite pelos Réus, para efeitos de invocação da prescrição do direito.
9. Dos elementos probatórios supra expostos, resulta que o Tribunal a quo andou bem ao considerar o R. devedor ao aqui Recorrido, das quantias peticionadas na presente ação.
10. Assim como, esteve bem ao dar como provado o ponto 19. dos factos dados como provados.
11. Na medida em que, de facto o A., aqui Recorrido, ainda não foi reembolsado das quantias que liquidou por ocorrência do sinistro em apreço.
12. O Fundo de Garantia Automóvel foi instituído para garantir a indemnização aos lesados em acidente de viação quando se desconhece quem foi o seu causador ou, conhecendo-se, o responsável não tenha seguro válido e eficaz.
13. O Recorrido ressarciu os lesados em virtude do acidente de viação, pelo que, da conjugação do disposto no artigo 592º nº 1 do Código Civil e art. 54º do DL 291/2007 de 21/08, ficou sub-rogado nos direitos dos lesados.
14. É este direito de sub-rogação legal – a que se refere o artigo 592º do CC – que o A. vem invocar, ao reclamar o reembolso das indemnizações de que reembolsou o Gabinete Português da Carta Verde.
15. O artigo 54º nº 6 do DL 291/2007, de 21.08 prevê que “os direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o nº 2 do artigo 498º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fracionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efetuado pelo Fundo e Garantia Automóvel.”.
16. Para evitar a prescrição é necessária a citação ou notificação judicial, ou qualquer outro meio judicial equiparado, designadamente a notificação judicial avulsa do devedor, dentro do respetivo prazo, pelo qual se exprima a intenção do exercício judicial do direito, interrompendo-se a prescrição logo que transcorridos cinco dias após a entrega da petição inicial na secretaria judicial, se a citação não for efetuada por facto imputável ao autor.
17. No caso dos autos a falta de citação dos RR. no decurso dos referidos cinco dias que se seguiram à propositura da ação não se deu por razões imputáveis ao A., verificando-se, então, a interrupção duradoura da prescrição, do nº 1 do citado artigo 327º do CC, nos termos do qual “se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”, pelo que o direito do A. não prescreveu.
18. Ora, o A. e a R. sociedade têm a sua sede em Portugal e a ação foi instaurada em 14.08.2014, ou seja, na vigência do Regulamento CE nº 44/2001, pelo que, face ao nele disposto, são os tribunais portugueses, competentes para conhecer do litígio dos autos.
19. As alíneas b) e c) do nº 1 do CPC não se mostram afastadas pelo Anexo I ao Regulamento CE nº 44/2001, sendo, portanto, indiscutível a competência dos tribunais portugueses.
20. O regulamento Geral do Conselho dos Serviços Nacionais de Seguros, subscrito em 30.05.2002 e publicado no Jornal Oficial da União Europeia nº L 192 de 31.07.2003, ao qual Portugal e Bélgica aderiram, assegura a regularização dos sinistros ocorridos no território dos Estados-Membros aderentes e provocados pela utilização de veículos com estacionamento habitual no território de outro Estado-Membro, independentemente de esses veículos se encontrarem ou não seguros de acordo com o disposto na sua legislação nacional em matéria de seguro obrigatório.
21. In casu, é indiscutível a aplicabilidade do referido Regulamento dado que o veículo CT tem matrícula portuguesa.
22. Nos presentes autos provou-se que ao A. foi apresentado pelo GPCV um pedido de reembolso dos montantes pagos ao BBAA, pedido que aquele atendeu, pagando ao Gabinete a importância de € 25.489,16.
23. Neste seguimento, o A. veio, então, acionar legitimamente tal direito, sendo-lhe devido pelos RR., a título solidário o reembolso da referida quantia, à qual acrescerão juros de mora à taxa legal a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento.
24. Pelo que, deverá manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por fazer uma correta interpretação da matéria de facto e uma correta aplicação do direito ao caso concreto, o que desde já se requer, para os devidos efeitos legais.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1º- Da incompetência internacional dos Tribunais Portugueses;
2º- Da impugnação da matéria de facto: erro na apreciação da prova;
3º- Da exceção da prescrição do direito do Autor;
Em caso de improcedência desta exceção,
4ª - Da modificabilidade da fundamentação jurídica, por falta dos pressupostos que fundamentam a obrigação de reembolso das quantias pagas pelo Autor.
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II. A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância, com interesse para a decisão da causa (transcrição):

1. No dia 29.10.2008, pelas 11h15m, ocorreu um embate na estrada R1, junto à saída para Groenendaallaan, na Bélgica, em que foram intervenientes:

- o veículo pesado de mercadorias de matrícula portuguesa CT, pertença da Ré sociedade, onde seguia atrelado o reboque de matrícula espanhola BCB que transportava carga com 21 toneladas;
- o veículo ligeiros de passageiros de matrícula holandesa ZR, pertença de (...) e conduzido por (...);
- o veículo pesado de passageiros de matrícula belga BBK, pertença da empresa (...) e conduzido por (...);
- o veículo ligeiro de passageiros de matrícula belga EGN, pertença de (...) e conduzido por (...).
2. O local do embate é composto por duas faixas de rodagem, uma para cada sentido, com quatro vias de trânsito no sentido dos Países Baixos, sendo as duas vias mais à esquerda na direcção E19 – Breda e as duas vias mais à direita na direcção A12 Bergen.
3. Todas as referidas viaturas circulavam no sentido dos Países Baixos, na segunda via de trânsito à esquerda, sendo de 100 Km/h a velocidade máxima permitida, indicada por meio de sinais rodoviários variáveis C43.
4. O veículo CT, conduzido pelo Réu, circulava à frente de todas as outras que vieram a intervir no embate, sendo logo seguida pelo ZR que, por sua vez, era precedido pelo BBK e sendo o EGN o último.
5. A determinado momento, seguindo a uma velocidade de cerca de 90 km/h, o Réu apercebeu-se de que uma das traves laterais em alumínio que integravam o semi-reboque se encontrava parcialmente solta e a arrastar-se pela via.
6. Perante isso, e com o receio que a trave acabasse por se soltar e cair, o Réu começou a reduzir a velocidade que imprimia ao veículo.
7. Porque não encontrasse um local próprio para paragem de emergência, e perante o risco iminente de a trave cair na via pública, o Réu imobilizou a viatura em plena via sem previamente sinalizar a sua manobra.
8. O condutor do ZR, pese embora ter-se apercebido dos factos descritos em 5. e 6., foi surpreendido pela imobilização repentina do CT e, a fim de evitar o embate na traseira do mesmo, travou repentinamente a viatura por si conduzida e desviou-a para a via da esquerda.
9. Surpreendido pela manobra repentina do ZR, o condutor do BBK, que seguia a uma velocidade de cerca de 90 km/h, travou de imediato, sem, contudo, conseguir evitar o embate na retaguarda direita do ZR, que dessa forma foi empurrado contra o separador central em betão, onde ficou imobilizado, junto ao km 1,8, tendo o BBK ido parar contra a retaguarda do semi-reboque.
10. Por sua vez, o condutor do EGN, que seguia a uma velocidade de cerca de 95 km/h, quando foi surpreendido pela travagem repentina do BBK, de forma a evitar colidir com este, de imediato travou e guinou a viatura para a esquerda, acabando por embater na retaguarda esquerda do ZR que se encontrava imobilizado na via da esquerda.
11. O conjunto composto pelo veículo CT e semi-reboque atrelado ao mesmo não dispunha, à data do embate, de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido.
12. Como consequência directa e necessária do descrito embate resultaram danos nas viaturas ZR, BBK e EGN e lesões na ocupante do EGN, (...), e no condutor e na ocupante do ZR, esta de nome (...). 13. Os lesados participaram o evento ao Bureau Belge des Assureurs Automobiles (Gabinete Belga das Seguradoras do Ramo Automóvel), que procedeu ao pagamento das seguintes importâncias:

- ao proprietário do veículo ZR a quantia de € 13.350,49 a título de compensação dos danos sofridos no veículo na sua parte dianteira e traseira;
- ao condutor do veículo ZR a quantia de € 5.046,19 a título de indemnização das lesões sofridas em consequência do embate, que lhe determinaram o internamento, uma incapacidade temporária e uma incapacidade permanente, e de compensação de despesas médicas e de deslocação;
- à ocupante do veículo ZR a quantia de € 150,00 a título de despesas médicas;
- à seguradora do BBK, X Belgium, a quantia de € 1.925,96 a título de indemnização que pagou ao proprietário pelos danos sofridos na carroçaria e reembolso das despesas com o reboque, ao abrigo de contrato de seguro que incluía a cobertura de danos próprios;
- a (...) a quantia de € 1.260,33 a título de compensação dos danos sofridos no veículo EGN e reembolso das despesas com o reboque e do imposto de circulação;
- à ocupante do veículo EGN a quantia de € 333,75 a título de indemnização das lesões sofridas em consequência do embate, que lhe determinaram uma incapacidade temporária parcial de 25% desde 29.10.2008 a 30.11.2008 e de 10% desde 01.12.2008 a 31.12.2008.
15. O BBAA reclamou ao Gabinete Português de Carta Verde, em 30.11.2010, o reembolso da quantia de € 4.048,05 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 3.520,04) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 528,01) e, em 31.05.2011, da quantia de € 21.441,11 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 18.546,19), despesas diversas (€ 113,00) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 2.781,92).
16. O Gabinete Português de Carta Verde reembolsou o referido organismo belga.
17. Ao Autor foi apresentado pelo Gabinete Português de Carta Verde um pedido de reembolso dos montantes pagos ao BBAA.
18. O Autor atendeu ao pedido de reembolso apresentado, pagando ao Gabinete Português de Carta Verde, em data não concretamente apurada mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011, a quantia de € 4.048,05 e, em 16.09.2011, a quantia de € 21.441,11.
19. Não obstante a interpelação feita, o Autor não foi reembolsado até à presente data.
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Foram os seguintes os factos considerados não provados pelo Tribunal de 1ª instância (transcrição):

- o Réu travou bruscamente a marcha da viatura que tripulava;
- todos os veículos que precediam o CT circulavam em excesso de velocidade;
- o acidente deveu-se exclusivamente a culpa do condutor do ZR que, ao tentar passar para a via da esquerda, por falta de destreza e diligência, e por velocidade elevada, colidiu com o EGN, levando a que o BBK embatesse em ambos e fosse projectado para junto do semi-reboque conduzido pelo Réu;
- o Autor suportou ainda despesas com a tradução junta como documento n.º 1 no valor de € 497,23 e despesas de gestão que ascenderam a € 43,05 referentes à instrução e regularização do processo.
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II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª - Da competência internacional dos Tribunais Portugueses

Após já no despacho saneador o Tribunal se ter considerado, de modo tabelar, competente em razão da nacionalidade (cfr. fls 141), na sentença o Tribunal a quo abordou, oficiosamente, a questão, concluindo ser, na verdade, “indiscutível a competência internacional dos tribunais portugueses”, esclarecendo o porquê de assim considerar. Refere:

“Os factos que relevam ao conhecimento da questão, são os seguintes:

- O acidente de viação dos autos ocorreu na Bélgica em 29.10.2008; - A acção foi intentada em Portugal (Bragança) em 14.08.2014;
- O Autor tem sede em Portugal; e
- A Ré sociedade tem sede em Bragança.

Perante estes factos, analisemos as disposições legais que interessam à questão.

O Código de Processo Civil, depois de no artigo 62.º definir os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, no subsequente artigo 63.º define os casos em que essa competência internacional é exclusiva dos mesmos tribunais, em ambos os casos, como resulta do corpo dos citados preceitos, com expressa ressalva, e no que aqui interessa, “do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais”, ressalva que, como se afirma no acórdão da Relação de Lisboa de 14.02.2013, proc. n.º 3082/11.6TBCLD.L1-2, in www.dgsi.pt, nem sequer seria necessária face ao disposto no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa – “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pela União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” – e ao princípio do primado do direito da União Europeia, ressalvando, neste caso, que nunca os princípios da Constituição material lhe estão subordinados, pois, como referem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, p. 94), «estes continuarão a ocupar o primeiro grau da hierarquia normativa».

Assim, e no âmbito interno, estabelece o artigo 62.º do C.P.C. que a competência dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:

- Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa [alínea a)];
- Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram [alínea b)];
- Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real [alínea c)].
No domínio europeu, integram o Regulamento CE n.º 44/2001, do Conselho, de 22/12/2000 (regulamento este que, apesar de ter sido revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12.12, é aplicável ao caso em apreço porque o artigo 66.º, n.º 1, desse Regulamento prescreve que o mesmo “aplica-se apenas às acções judiciais intentadas, aos instrumentos autênticos formalmente redigidos ou registados e às transacções judiciais aprovadas ou celebradas em 10 de Janeiro de 2015 ou em data posterior”), relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, os seguintes preceitos:

- O artigo 3.º:

1 - As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
2 - Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do Anexo I”.
Este anexo, no que se refere a Portugal, veda, além do mais, artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do antigo C.P.C. (correspondente ao artigo 62.º, n.º 1, alínea a), do novo C.PC.).

- O artigo 5.º:

Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:
[…]
3 - Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”.

- O artigo 6.º:

Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada:
1. Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente”.

- O artigo 8.º:

Em matéria de seguros, a competência é determinada pela presente secção...”.

- O artigo 12.º:

1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 11.º, o segurador só pode intentar uma acção perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território estiver domiciliado o requerido, quer este seja tomador do seguro, segurado ou beneficiário”.

- O artigo 66.º:

1 - As disposições do presente regulamento só são aplicáveis às acções judiciais intentadas...posteriormente à entrada em vigor do presente regulamento”.

- O artigo 76.º:

O presente regulamento entra em vigor em 1.3.2002”.

De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 62.º do C.P.C., basta ter lugar em Portugal algum dos factos que integram a causa de pedir.

E, no que respeita aos acidentes de viação, há muito que se considera a respectiva causa de pedir complexa, abrangendo essa complexidade os prejuízos – inclusivamente da parte de quem, como o Autor, teve de reembolsar o Gabinete Português da Carta Verde das quantias pagas à congénere belga pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente de viação ocorrido na Bélgica –, e que ocorrendo estes em Portugal, está assegurada a competência dos tribunais portugueses (cfr. Acórdão do S.T.J. de 23.09.97, BMJ 469, p. 445, e Acórdãos da Relação do Porto de 08.05.2001 e de 15.10.2004, in www.dgsi.pt).

Ora, o Autor e a Ré sociedade têm a sua sede em Portugal e a acção foi instaurada em 14.08.2014, ou seja, na vigência do Regulamento CE n.º 44/2001, pelo que, face ao nele disposto, são os tribunais portugueses, competentes para conhecer do litígio dos autos.

Mas também podemos olhar para as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 62.º do C.P.C. – que não se mostram afastadas pelo Anexo I ao Regulamento CE n.º 44/2001 –, nos termos das quais “[o]s tribunais portugueses são internacionalmente competentes” no caso de “[t]er sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram” ou “[q]uando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

Cumpre referir que o facto da exceção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, por incompetência internacional dos Tribunais portugueses, não ter sido invocada na 1ª instância não preclude o direito de ser invocada em recurso, desde que não tenha sido concretamente apreciada no despacho saneador(1) e tendo a questão da competência internacional dos tribunais portugueses sido apreciada em termos tabelares, no despacho saneador, está-se perante declaração genérica que não faz caso julgado formal (2).
E, conforme estatui o nº1, do art. 97º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, a incompetência absoluta deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal enquanto não houver sentença com transito em julgado proferida sobre o mérito da causa.
A incompetência absoluta decorrente da violação das regras de competência internacional (art.º 96.º al. a), do CPC), é uma exceção dilatória, que o Tribunal apreciou oficiosamente, não para se considerar incompetente, mas para reafirmar a competência, sendo que logo no despacho saneador, embora em termos tabelares, já, havia decidido nesse mesmo sentido.
Analisemos, pois, a exceção da incompetência dos Tribunais Portugueses invocada pelo Réu no recurso (após ter sido dela conhecido na sentença).
A incompetência absoluta, determinada da infração das regras da competência internacional é, no nosso ordenamento jurídico, como decorre do estatuído nos artigos 96.º, al a), 97.º, n.º 1, 99º, nº1, 278.º, n.º 1, alínea a), 577.º, alínea a), 578.º e 576º, nº2, todos do Código de Processo Civil (abreviadamente CPC), uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso do Tribunal que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
A competência internacional é um pressuposto processual, uma condição necessária para que o tribunal possa decidir de mérito, sendo a sua falta insanável.
Afere-se pelo objeto da causa apresentada pelo requerente/autor. E conhecendo o Tribunal a quo da competência do tribunal em razão da nacionalidade para decidir a presente ação considerou-se competente para julgar a ação.
A competência internacional pode advir de convenções, que como veremos prevalecem, ou do art. 62º, do CPC.
A competência internacional do tribunal português resulta, no direito interno, da regra atributiva de competência constante do artigo 62.º, do CPC, a qual estabelece diferentes elementos de conexão em face das circunstâncias que a mesma prevê.

Contudo, cumpre, sempre, observar o que estatuem os prevalecentes instrumentos internacionais, pois “a aferição da competência internacional está sempre dependente de um pressuposto prévio, que se traduz na existência de “…tratados, convenções, regulamentos e leis especiais…”, que determinem regras específicas sobre competência internacional, ou seja, caso existam regras convencionais prevalecentes sobre normas internas, serão aquelas as aplicáveis.

Tal deve-se ao facto de vigorar na ordem jurídica interna portuguesa, por força do artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o princípio da recepção automática das normas de direito internacional, constante de tratados e acordos em que participe o Estado Português, as quais são directamente aplicáveis pelos tribunais, estando a sua eficácia interna apenas dependente de publicação oficial na sequência da ratificação ou aprovação” (3).

Assim, os regulamentos comunitários e outros instrumentos internacionais prevalecem sobre o que as normas de direito interno, incluindo no que se reporta a normas que estatuem sobre matéria de competência internacional.

Quanto a esta matéria, no nosso direito interno, dispõe o artigo 59º, do Código de Processo Civil:

“Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

Assim, desde logo, os tribunais portugueses apenas são internacionalmente competentes quando tal competência decorra de regulamentos europeus ou de outros instrumentos internacionais. A referida disposição, também ela (a corroborar o que impõe a lei fundamental), dá prevalência, em termos de competência internacional dos tribunais portugueses, ao que se estabelece nos regulamentos comunitários e noutros instrumentos internacionais. Estes normativos prevalecem sobre o que as normas de direito interno consagram em termos de competência internacional.

De acordo com o artigo 62º, do CPC, para que remete a segunda parte do artigo 59º daquele Código, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

Verificando-se a situação ressalvada na 1ª parte, do artigo 59º, do Código de Processo Civil – existência de norma constante de Regulamento europeu a definir na matéria em causa o critério de atribuição da competência internacional dos Estados-Membros – resulta inadequada a aplicação do artigo 62º de tal diploma.

Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 21/2/2017, processo 7919/16.5T8VNG.P1 “As normas dos regulamentos europeus prevalecem sobre as normas processuais portuguesas e têm aplicação direta na ordem interna”.

Conclui o recorrente serem os Tribunais Portugueses incompetentes por ter sido violado o regime estabelecido no artigo 45.º do Código Civil, já que a lei a aplicar ao caso concreto, seria a lei civil Belga, cabendo dessa forma às autoridades Belgas discutir a dinâmica do acidente e determinar a culpa e respetivas responsabilidades.

Ora, cumpre desde logo esclarecer que o referido artigo 45º, do Código Civil, com a epígrafe “Responsabilidade extracontratual” não regula a competência internacional dos Tribunais, não nos indica os Tribunais competentes para julgar um determinado caso (tratando os artigos 41º e segs de tal diploma da “Lei reguladora das obrigações”- cfr subsecção III, da secção II “Normas de conflitos, do Capítulo III “Direitos dos estrangeiros e conflitos de leis, do Título I “Das leis, sua interpretação e aplicação”, do Livro I “Parte Geral, do Código Civil). E as normas de conflitos incluídas na subsecção em que ele se insere encontram-se limitadas na sua aplicabilidade, atenta a vigência na ordem jurídica portuguesa de atos normativos de fonte internacional e europeia. Desde logo, o referido art. 45º, “tem o seu âmbito de aplicação limitado em consequência da vigência do Regulamento (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de junho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (v. arts 4º e 14º); as normas de conflitos do Regulamento Roma II são aplicáveis aos factos que ocorram a partir de 11 de Janeiro de 2009 (v. arts 31º e 32º do Regulamento)” (4) (5).

O que se regula na referida norma do Código Civil é a lei do Estado que é aplicável (legislação aplicável) em caso de responsabilidade extracontratual, sendo a situação subsumível às normas de conflitos do Código Civil, não regulando a Competência Internacional dos Tribunais (Tribunal competente para a aplicar).

Como se decidiu em Acórdão desta Relação Na ordem jurídica portuguesa vigoram em simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime comunitário e o regime interno. No entanto, quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, é esse regime que prevalece sobre o regime interno por ser de fonte hierarquicamente superior e face ao princípio do primado do direito europeu. O regime comunitário aplicável relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial está contido no Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22/12/2000, substituído a partir de 10 de Janeiro de 2015 pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012. Ambos os regulamentos, como regime regra, em matéria civil e comercial consagram a regra geral do domicílio do requerido (localizado num Estado-Membro), como critério fundamental de conexão, para fixação da competência internacional, independentemente da sua nacionalidade. No entanto, apesar do regime regra da competência ser o do domicílio do demandado, o Regulamento enumera nas secções 2 a 7 (artigos 7º a 26º) um conjunto de critérios especiais. No artº 26º do regulamento 1215/2012 prevêem-se aquelas situações em que, apesar de uma acção ter sido instaurada no tribunal de um Estado-Membro para a qual, em princípio, não era competente, a comparência nele do demandado torna-o competente, a não ser que essa comparência se tenha destinado, exclusivamente, a arguir a incompetência. Em tais situações, a competência do tribunal resulta de um acordo tácito ocorrido no decurso da acção, ou seja, tudo se passa como se o réu, em acordo com o autor, tivesse aceitado tal competência. Mas a comparência do réu não fundamenta a competência do tribunal se o mesmo, além de contestar a competência, apresentar a sua defesa quanto ao mérito da causa. Ponto é que essa contestação da competência seja prévia a toda a defesa de mérito ou, quando menos, tenha lugar o mais tardar até ao momento da tomada de posição considerada pelo direito processual do foro como o primeiro acto de defesa formulado no processo (6).

Também no Acórdão da Relação de Coimbra de 7/2/2017 se escreve “1 - Para a apreciação da (in)competência internacional em matéria civil e comercial prevalecem as normas da CONVENÇÃO DE LUGANO e do REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012, DE 12 DE DEZEMBRO.

2 - Se o réu não levantar a questão da incompetência na sua primeira intervenção no processo, ela tem-se como tacitamente aceite, e a questão fica arrumada, não podendo o juiz dela conhecer oficiosamente – artº 18º da Convenção e 26º do Regulamento.
3 - Em matéria extracontratual o tribunal internacionalmente competente é aquele onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso -artº 5º 3) da Convenção e 7º 2) do Regulamento.
4 – Destarte, e porque é justo aproximar o julgamento da causa à parte mais debilitada, a ação em que um motorista português demanda uma companhia de seguros inglesa por virtude de acidente de viação ocorrido em Inglaterra, invocando ele danos verificados em Portugal ex vi do sinistro, deve ser atribuída ao tribunal português.
5 – A mesma conclusão se atingiria perante a lei nacional, por ter sido praticado ou ocorrido em território português algum dos factos que integram um dos elementos – o dano - da causa de pedir complexa - artº 62º al. b) do CPC(7).

São doutrina e jurisprudência pacíficas que a competência do tribunal é apreciada em função dos termos em que a ação é proposta, determinando-se pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos, independentemente da apreciação do seu acerto substancial.

Nos presentes autos, tendo ao Autor, sido apresentado pelo GPCV um pedido de reembolso dos montantes pagos ao BBAA, pedido que aquele atendeu, pagando ao Gabinete a importância de € 25.489,16, o que o Autor está a exercer é, por via da sub-rogação, o seu direito de reembolso da referida quantia, que pagou de indemnização aos lesados por danos sofridos, decorrentes do acidente de viação ocorrido na Bélgica, acrescida de juros de mora.

Ora, como conclui o Autor, ele e a R. sociedade têm a sua sede em Portugal e a ação foi instaurada em 14.08.2014, na vigência do Regulamento CE nº 44/2001, pelo que, face ao nele disposto, são os tribunais portugueses, competentes para conhecer do litígio dos autos, não se mostrando as citadas alíneas b) e c) do nº 1, do art 62º, do CPC, afastadas pelo Anexo I ao Regulamento CE n.º 44/2001, sendo os tribunais portugueses competentes para conhecer da presente ação em que o Autor está a fazer valer um direito próprio seu - que nasceu com os pagamentos efetuados (distinto do dos lesados) - ao reembolso do que pagou. Assim, a causa de pedir da ação é integrada, desde logo pelo cumprimento da obrigação de indemnizar.
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2ª. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto

Conclui o recorrente ter havido deficiente análise da prova, impondo as provas produzidas decisão diferente.

Impugnada a decisão da matéria de facto, cumpre, antes de mais, decidir se o apelante/impugnante observou os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os artigos citados sem outra referência, os quais constituem requisitos habilitadores para que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la, para, uma vez fixada a matéria de facto, apreciar da modificabilidade da fundamentação jurídica.

O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal.

E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).

O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:

a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).

Como resulta do referido preceito, e seguindo a lição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (8).

Ora, como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, o Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c), pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, as passagens da gravação em que funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
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Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objeto de recurso, cabe observar que se não vai realizar novo julgamento nesta 2ª Instância, mas tão só reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.

O art. 662º, nº1, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:

a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (9) (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar, também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.

Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (10).A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).

O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (11)

E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).

Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.

Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (12), devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.

Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.

Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos.

Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.

E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como a prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.

Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
*
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão ao Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por ele pretendidos.
Conclui o apelante que a sentença proferida nos autos julgou incorretamente, para além do mais, o seguinte facto dado como provado:

- que “em 16.9.2011 a autora tenha pago ao Gabinete de Carta Verde a quantia de €21.441,11” (cfr fls 423, verso in fine e seg e conclusão 12, onde, por lapso, vem escrito “na parte final do ponto 19” em vez de “na parte final do ponto 18”), que deve ser considerado não provado, por falta de prova.

Apreciemos, para já, a impugnação referente, apenas, a este ponto, por ser o único que releva para o conhecimento da invocada exceção da prescrição do direito do Autor, como, aliás, já foi considerado no próprio despacho saneador, a fls 146, sendo que a proceder a mesma o conhecimento de todo o demais fica prejudicado.

Após análise da posição das partes assumida nos articulados e de toda a prova produzida – declarações de parte do Réu, depoimentos prestados pelas testemunhas e documentos juntos aos autos - e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de que existe, efetivamente, erro de julgamento.

Motivou o tribunal a quo a decisão da matéria de facto, na parte que vamos analisar, referindo que “o Autor reclama o reembolso de quantias cujo último pagamento ocorreu em 16.09.2011, conforme resulta da certidão de fls. 32 emitida pelo Autor e foi aceite pelos Réus, para efeitos de invocação da prescrição do direito”.

Conclui o Apelante “12 - Sucede que, o tribunal a quo na parte final do ponto 19. dos factos dados como provado, deu como provado que em 16:09:2011 a autora tenha pago ao Gabinete de Carta Verde a quantia de € 21.441,11. Contudo a autora não logrou fazer prova, nem juntar nenhuma evidencia que fosse desse aludido pagamento que alegam ter efetuado em 16/09/2011, não tendo sido junto aos autos qualquer comprovativo de transferência, cópia de eventual cheque emitido, assim como não foi produzida qualquer prova testemunhal que pudesse assegurar tal pagamento, salvo melhor opinião, deveria o tribunal a quo ter considerado o direito da autora prescrito, e em consequência ter absolvido o réu do pedido. Sendo que, o único documento onde é mencionado que o último pagamento ocorreu no dia 16/09/2011, e precisamente num documento lavrado e fabricado pela própria autora, e que foi objeto de impugnação expressa pelo ora recorrente, no que concerne ao seu teor, conteúdo, efeitos e consequente prova que com aquele a autora pretendia fazer”.

O Apelado concluiu que o Tribunal a quo atendeu à certidão de fls. 32 emitida pelo Autor e aceite pelos Réus, para efeitos de invocação da prescrição do direito.
Ora, analisando os articulados, verifica-se que os Réus, na verdade, impugnaram o facto em causa, tendo, também, impugnado a dita fotocópia junta a fls 32, sendo que, até, dela não resulta certificado que o Autor tenha pago “em 16.09.2011, a quantia de € 21.441,11”.

Sendo o alegado “O Autor pagou a última indemnização ao beneficiário Gabinete Português da Carta Verde no dia 16/9/2011”- cfr artigo 32º, da petição inicial – tal facto foi, especificadamente, impugnado no artigo 40º, da contestação e do documento em causa, em que se baseou o Tribunal a quo para fundamentar a resposta positiva que deu consta apenas que “De acordo com os registos informáticos o último pagamento efetuado pelo FGA neste processo ocorreu no dia 16-09-2011.

Assim, e para além de resultar que tal documento foi impugnado pelos Réus, que não aceitam o que dele consta (sendo que o mesmo só tem força probatória plena quanto aos factos que o ISP certifica), nunca o mesmo poderá ser considerado meio de prova suficiente, pois que se desconhece de que pagamento se trata (a quem e relativo a quê) e o montante do dito pagamento, sequer se os registos informáticos nele mencionados traduzem a realidade e, até, se houve pagamento do que quer que seja nessa data.

Sendo certo que “certidões emitidas pelo ISP nos termos do nº5, do art. 4º do DL 289/2001, de 13/11, atestando o pagamento de indemnizações aos lesados pelo FGA, constituem documentos autênticos e fazem prova plena de tal pagamento(13), só disso fazem prova plena, não fazendo prova plena quanto ao que se refere constar dos registos informáticos, pois que a data, de 16-09-2011, e o montante em causa, 21.441,11€, não vêm certificados pelo ISP, certificado estando, apenas, o que consta (bem ou mal) nos “registos informáticos” – cfr. o referido, “De acordo com os registos informáticos o último pagamento efetuado pelo FGA neste processo ocorreu no dia 16-09-2011”.

Reafirma-se, desconhece-se de que pagamento se trata (a quem e relativo a quê) e o montante do dito pagamento, sequer se os registos informáticos mencionados traduzem a realidade e, até, se houve pagamento do que quer que seja nessa data.

Aliás, até no próprio despacho saneador, a fls 146, se relegou a conhecimento da exceção da prescrição para final, por os factos alegados e relevantes para a decisão da mesma se encontrarem controvertidos, referindo-se, como tal expressamente os artigos 32º, da petição inicial e 40º, da contestação, não tendo sido atribuída, nessa parte, força probatória plena à certidão, nem o podendo ser porque, relativamente a ela, nada se certifica quanto ao último pagamento, mas, apenas quanto ao que consta (repete-se bem ou mal) dos “registos informáticos”.
E o referido pelos Réus, para efeitos de invocação da prescrição do direito, em nada conflitua com a demais defesa apresentada, pois que, interpretando toda a contestação (que integra defesa por impugnação e por exceção), verifica-se que os Réus impugnam o referido facto dado como provado, alegado no artigo 32º, da p.i., embora aleguem que, mesmo o último pagamento na referida data, não obstaria à prescrição do direito da Autora.

Na verdade, a referida matéria foi impugnada pelos Réus e importa referir que não adveio ao conhecimento do Tribunal qualquer elemento seguro que permita afirmar a sua verificação. Apenas temos o que consta do documento de fls 32, impugnado, pelo que na parte em que não tem força probatória plena - a supra citada, “De acordo com os registos informáticos o último pagamento efetuado pelo FGA neste processo ocorreu no dia 16-09-2011” -, o dito documento, por si só, não é elemento de prova suficiente para dar como provado que houve um pagamento, em data diversa (em 16/9/2011) da do pagamento do demais que resulta provado, pelo documento na parte que tem força probatória plena - que foi pago o montante lá referido (embora sem menção, na certidão, da concreta data de pagamento!).

Assim, a resposta não pode deixar de ser negativa quanto à data, impugnada, do último pagamento, por a mesma não vir certificada pelo ISP na certidão (que se limita à referência vaga do que consta dos registos informáticos) e se verificar ausência de outra prova (credível e convincente) que permita dar resposta diversa.

Cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, declarações de parte e, no caso, o dito documento, na referida parte (em que nada certifica, que não faz prova plena quanto ao facto em análise objeto de impugnação neste recurso, como se expôs), não podem ser considerados de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, dar resposta positiva. Efetivamente o que possa constar de “registos informáticos” pode não corresponder à verdade.

Assim, tendo-se procedido a nova análise dos articulados e da prova, e ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, conclui este Tribunal que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto em apreciação, não se mostra acertado. Impugnado o documento em causa e o facto alegado no art. 32º, da p.i. não se vislumbra qualquer razão para dar como provado o pagamento na referida data, por falta de prova convincente.
Resultando o invocado erro de julgamento, tem de se concluir pela procedência da apelação, nesta parte, sendo de proceder à requerida alteração, eliminando-se do facto provado 18 a parte e, em 16.09.2011, a quantia de € 21.441,11”, a qual se considera como integrante dos factos não provados.
*
Assim, são os seguintes os factos que resultam provados, com interesse para a decisão:

1. No dia 29.10.2008, pelas 11h15m, ocorreu um embate na estrada R1, junto à saída para Groenendaallaan, na Bélgica, em que foram intervenientes:

- o veículo pesado de mercadorias de matrícula portuguesa CT, pertença da Ré sociedade, onde seguia atrelado o reboque de matrícula espanhola BCB que transportava carga com 21 toneladas;
- o veículo ligeiros de passageiros de matrícula holandesa ZR, pertença de (...) e conduzido por (...);
- o veículo pesado de passageiros de matrícula belga BBK, pertença da empresa (...) e conduzido por (...);
- o veículo ligeiro de passageiros de matrícula belga EGN, pertença de (...) e conduzido por (...);
2. O local do embate é composto por duas faixas de rodagem, uma para cada sentido, com quatro vias de trânsito no sentido dos Países Baixos, sendo as duas vias mais à esquerda na direcção E19 – Breda e as duas vias mais à direita na direcção A12 Bergen;
3. Todas as referidas viaturas circulavam no sentido dos Países Baixos, na segunda via de trânsito à esquerda, sendo de 100 Km/h a velocidade máxima permitida, indicada por meio de sinais rodoviários variáveis C43;
4. O veículo CT, conduzido pelo Réu, circulava à frente de todas as outras que vieram a intervir no embate, sendo logo seguida pelo ZR que, por sua vez, era precedido pelo BBK e sendo o EGN o último;
5. A determinado momento, seguindo a uma velocidade de cerca de 90 km/h, o Réu apercebeu-se de que uma das traves laterais em alumínio que integravam o semi-reboque se encontrava parcialmente solta e a arrastar-se pela via;
6. Perante isso, e com o receio que a trave acabasse por se soltar e cair, o Réu começou a reduzir a velocidade que imprimia ao veículo;
7. Porque não encontrasse um local próprio para paragem de emergência, e perante o risco iminente de a trave cair na via pública, o Réu imobilizou a viatura em plena via sem previamente sinalizar a sua manobra;
8. O condutor do ZR, pese embora ter-se apercebido dos factos descritos em 5. e 6., foi surpreendido pela imobilização repentina do CT e, a fim de evitar o embate na traseira do mesmo, travou repentinamente a viatura por si conduzida e desviou-a para a via da esquerda;
9. Surpreendido pela manobra repentina do ZR, o condutor do BBK, que seguia a uma velocidade de cerca de 90 km/h, travou de imediato, sem, contudo, conseguir evitar o embate na retaguarda direita do ZR, que dessa forma foi empurrado contra o separador central em betão, onde ficou imobilizado, junto ao km 1,8, tendo o BBK ido parar contra a retaguarda do semi-reboque;
10. Por sua vez, o condutor do EGN, que seguia a uma velocidade de cerca de 95 km/h, quando foi surpreendido pela travagem repentina do BBK, de forma a evitar colidir com este, de imediato travou e guinou a viatura para a esquerda, acabando por embater na retaguarda esquerda do ZR que se encontrava imobilizado na via da esquerda;
11. O conjunto composto pelo veículo CT e semi-reboque atrelado ao mesmo não dispunha, à data do embate, de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel válido;
12. Como consequência directa e necessária do descrito embate resultaram danos nas viaturas ZR, BBK e EGN e lesões na ocupante do EGN, (...), e no condutor e na ocupante do ZR, esta de nome (...); 13. Os lesados participaram o evento ao Bureau Belge des Assureurs Automobiles (Gabinete Belga das Seguradoras do Ramo Automóvel), que procedeu ao pagamento das seguintes importâncias:

- ao proprietário do veículo ZR a quantia de € 13.350,49 a título de compensação dos danos sofridos no veículo na sua parte dianteira e traseira;
- ao condutor do veículo ZR a quantia de € 5.046,19 a título de indemnização das lesões sofridas em consequência do embate, que lhe determinaram o internamento, uma incapacidade temporária e uma incapacidade permanente, e de compensação de despesas médicas e de deslocação;
- à ocupante do veículo ZR a quantia de € 150,00 a título de despesas médicas;
- à seguradora do BBK, X Belgium, a quantia de € 1.925,96 a título de indemnização que pagou ao proprietário pelos danos sofridos na carroçaria e reembolso das despesas com o reboque, ao abrigo de contrato de seguro que incluía a cobertura de danos próprios;
- a (...) a quantia de € 1.260,33 a título de compensação dos danos sofridos no veículo EGN e reembolso das despesas com o reboque e do imposto de circulação;
- à ocupante do veículo EGN a quantia de € 333,75 a título de indemnização das lesões sofridas em consequência do embate, que lhe determinaram uma incapacidade temporária parcial de 25% desde 29.10.2008 a 30.11.2008 e de 10% desde 01.12.2008 a 31.12.2008;
15. O BBAA - Bureau Belge des Assureurs Automobiles (Gabinete Belga das Seguradoras do Ramo Automóvel) -, reclamou ao Gabinete Português de Carta Verde, em 30.11.2010, o reembolso da quantia de € 4.048,05 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 3.520,04) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 528,01) e, em 31.05.2011, da quantia de € 21.441,11 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 18.546,19), despesas diversas (€ 113,00) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 2.781,92);
16. O Gabinete Português de Carta Verde reembolsou o referido organismo belga.
17. Ao Autor foi apresentado pelo Gabinete Português de Carta Verde um pedido de reembolso dos montantes pagos ao BBAA - Bureau Belge des Assureurs Automobiles (Gabinete Belga das Seguradoras do Ramo Automóvel);
18. O Autor atendeu ao pedido de reembolso apresentado, pagando ao Gabinete Português de Carta Verde, em data não concretamente apurada mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011, a quantia de € 4.048,05;
19. Não obstante a interpelação feita, o Autor não foi reembolsado até à presente data.
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São os seguintes os factos considerados não provados:

Não se provou que:

- o Réu tenha travado bruscamente a marcha da viatura que tripulava;
- todos os veículos que precediam o CT circulassem em excesso de velocidade;
- o acidente se tenha devido, exclusivamente, a culpa do condutor do ZR que, ao tentar passar para a via da esquerda, por falta de destreza e diligência, e por velocidade elevada, colidiu com o EGN, levando a que o BBK embatesse em ambos e fosse projectado para junto do semi-reboque conduzido pelo Réu;
- o Autor tenha pago ao Gabinete Português de Carta Verde em 16.09.2011, a quantia de € 21.441,11;
- que o Autor tenha suportado despesas com a tradução junta como documento n.º 1 no valor de € 497,23 e despesas de gestão que ascenderam a € 43,05 referentes à instrução e regularização do processo.
*
3ª. Da procedência da exceção da prescrição do direito do Autor

Conclui o Réu Apelante estar prescrito o Direito da Autora, devendo ser absolvido do pedido, pois que o prazo de prescrição aplicável é de três anos, por, na presente ação, o direito invocado pela autora ser um direito de sub-rogação e o nº6, do artigo 54.º, do Decreto/Lei nº 291/2007, de 21.08, prever que aos “direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o nº 2 do artigo 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos faccionados por lesão ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efetuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”, sendo que a alegada data de 16/9/2011, como sendo do último pagamento, se não encontra provada, tendo-se provado, apenas, data anterior aos supra mencionados anos, atenta a data de propositura da ação.

Fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão no sentido da improcedência da exceção da prescrição, por ter considerado provado que em 16.09.2011 a autora pagou ao Gabinete de Carta Verde a quantia de € 21.441,11. E fê-lo do seguinte modo: “Com a presente acção, o Autor Fundo de Garantia Automóvel pretende receber dos Réus as quantias de que reembolsou o Gabinete Português da Carta Verde por ter indemnizado as vítimas do acidente causado pelo veículo conduzido pelo Réu J. L. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com o embate.

Estabelece o artigo 54.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, que “[s]atisfeita a indemnização, o Fundo Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso”.

É este direito de sub-rogação legal – a que se refere o artigo 592.º do Código Civil – que o Autor vem invocar, ao reclamar o reembolso das indemnizações de que reembolsou o Gabinete Português da Carta Verde.

Na verdade, a figura da sub-rogação constitui uma forma de transmissão das obrigações, está prevista nos artigos 589.º e 590.º do Código Civil e tem como consequência que o terceiro que cumpre junto do credor a obrigação do devedor, fica sub-rogado nos direitos daquele, ou seja, é-lhe transmitido o crédito na medida do seu cumprimento (cfr. artigo 593.º do Código Civil).

Os Réus invocaram a excepção de prescrição, alegando que já decorreu o respectivo prazo de três anos, previsto no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil.

A prescrição tem o efeito de, mediante o decurso de um prazo, conferir ao seu beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito (cfr. artigo 304.º do Código Civil); o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (cfr. artigo 309.º do Código Civil) e começa a correr quando o direito puder ser exercido (cfr. artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil).

Mas no âmbito da responsabilidade extra contratual, o prazo de prescrição está fixado no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil e é de três anos, a contar da data do conhecimento do lesado do direito que lhe assiste, mesmo com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos.
Por seu lado, o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil fixa igualmente o prazo de três anos para a prescrição do direito de regresso entre os responsáveis, a contar do cumprimento e o n.º 3 do mesmo artigo estabelece que, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prazo de prescrição mais longo, é esse o prazo aplicável.

No presente caso, ficando o Autor sub-rogado na posição do Gabinete Português da Carta Verde, o prazo de prescrição é o que resulta do artigo 498.º e não o prazo geral previsto no artigo 309.º.

Tendo o acidente em causa ocorrido em 2008 e tendo o último pagamento feito ao Gabinete Português da Carta Verde ocorrido em 16.09.2011, vejamos se ocorreu a invocada prescrição.

Tem sido entendido por larga jurisprudência que aos titulares de direito de regresso não aproveita o prazo previsto no artigo 498.º, n.º 3, do Código Civil, quando o facto ilícito constitui também ilícito criminal, uma vez que o direito de regresso não sucede ao direito original, sendo antes um direito novo que surge na esfera jurídica do titular (vide, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09.12.2008, proc. n.º 9784/08, e de 26.05.2009, proc. n.º 2491/06, os Acórdãos da Relação do Porto de 04.10.2001, proc. n.º 0131154, e de 31.03.2009, proc. n.º 2665/07, os Acórdãos do S.T.J. de 04.11.2008, proc. n.º 08A3119, de 17.11.2011, proc. n.º 1372/10, e de 29.11.2011, proc. n.º 1507/10, todos em www.dgsi.pt).

Mas, como acima se referiu, o direito do Autor é um direito de sub-rogação – em que o titular sucede no direito do credor – e não um direito de regresso – em que um dos devedores cumpre mais do que aquilo que lhe cabia, extinguindo aquela obrigação e fazendo surgir um direito novo, de reembolso perante os restantes devedores, que não corresponde ao direito original do credor (conferir sobre a diferença entre estas duas figuras, ANTUNES VARELA, in “Das obrigações em geral”, vol. II, p. 343 e ss., e Acórdão do S.T.J. de 17.11.2011 acima citado).

Ao direito de sub-rogação só tem sido considerado aplicável o regime do direito de regresso no âmbito do n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, ou seja, para considerar que o início do prazo de prescrição só começa a contar a partir do cumprimento que dá lugar à sub-rogação, pois tal decorre dos critérios previstos no artigo 306.º do Código Civil (vide, entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 25.03.2010, proc. n.º 2195/06, em www.dgsi).

Voltando ao caso dos autos, não está demonstrado que os factos constituem ilícito criminal, não podendo o prazo de prescrição ser alargado nos termos do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil.
O prazo de prescrição aplicável é, assim, de três anos.
Ora, sabendo que o Autor efectuou pagamentos ao Gabinete Português da Carta Verde em dois momentos temporais distintos, tendo o primeiro ocorrido em data não concretamente apurada mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011 pelo valor de € 4.048,05 e o último em 16.09.2011 pelo valor de € 21.441,11, quando a presente acção foi instaurada, 14.08.2014, já havia decorrido o prazo prescricional de 3 anos em relação ao primeiro pagamento referido.

Contudo, o artigo 54.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, prevê que “[a]os direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”.

Portanto, o que releva para estes efeitos é a data do último pagamento efectuado, 16.09.2011, sendo que à data propositura da acção ainda não havia decorrido o referido prazo prescricional.

Para evitar a prescrição é necessária a citação ou notificação judicial, ou qualquer outro meio judicial equiparado, designadamente a notificação judicial avulsa do devedor (cfr. artigo 323.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil), dentro do respectivo prazo, pelo qual se exprima a intenção do exercício judicial do direito, interrompendo-se a prescrição logo que transcorridos cinco dias após a entrega da petição inicial na secretaria judicial, se a citação não for efectuada por facto não imputável ao autor.

Conforme se sumariou no Acórdão do S.T.J. de 04.03.2010, proc. n.º 1472/04.OTVPRT-C.S1, in www.dgsi.pt:

«1 - O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito.
2 - Em certas circunstâncias a prescrição pode ser interrompida (art.ºs 323.º a 327.º do CC), sendo certo que, em consequência da interrupção o tempo decorrido fica inutilizado, começando, em princípio, o prazo integral a correr de novo a partir do acto interruptivo (art.º 326.º).
3 - A interrupção é determinada por actos que tanto podem resultar de uma iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de se exercitar o direito (art.º 323.º), como por actos do beneficiário da prescrição, ou seja do devedor (art.º 325.º).
4 - A prescrição interrompe-se pelos meios que a lei autoriza como tais, pois que, estando regulada por normas de ordem pública, não se admitem modificações operadas pelos particulares.
5 - A interrupção da prescrição constitui um facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, pelo que a respectiva alegação e prova incumbirá ao credor.
6 - A interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção (ou execução) em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor.
7 - Uma vez que a citação ou a notificação demora, por vezes, mais tempo do que o devido, e se a demora não resultar de causa imputável ao requerente, estatui a norma excepcional do nº 2 do art. 323.º do CC que o efeito interruptivo se verifica cinco dias depois daquelas diligências terem sido requeridas, se entretanto ainda não tiverem sido feitas.
8 - Ficcionando-se, então, para tal efeito, que a citação ficou nesse momento efectuada, verificando-se, por via disso, também uma interrupção duradoura da prescrição, prevista no art. 327.º, nº 1 do CC».

In casu, a falta de citação dos Réus no decurso dos referidos cinco dias que se seguiram à propositura da acção não se deu por razões imputáveis ao Autor, verificando-se, então, a interrupção duradoura da prescrição, à qual alude o n.º 1 do citado artigo 327.º do Código Civil, nos termos do qual “[s]e a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo” – pelo que o direito do Autor não prescreveu”.

Tal assim não acontece, efetivamente, pois que, apesar de o Tribunal a quo bem ter efetuado o enquadramento jurídico da exceção deduzida, não resultou provado que em 16.09.2011 tenha havido qualquer pagamento das quantias que foi dado como provado terem sido pagas, como este tribunal supra decidiu. Quanto a datas de pagamento, apenas se provou que, em data não concretamente apurada, mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011, foi paga determinada quantia - a quantia de € 4.048,05.

Assim, tendo-se provado pagamentos efetuados em data anterior a meados de agosto de 2011, tendo a ação sido proposta em 14.08.2014, nenhum alegado pagamento resultando verificar-se posteriormente a meados de agosto de 2011, já havia, à data da propositura da ação, na verdade, decorrido, o prazo prescricional, de 3 anos a contar da data provada de cumprimento - data não concretamente apurada, mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011.

Analisemos.

A regular a matéria da prescrição do direito de indemnização está, desde logo, o referido nº1, do art. 498º, do Código Civil (abreviadamente CC), diploma a que pertencem os preceitos citados sem outra referência.

“Estabelecem-se aqui dois prazos prescricionais, com duração e momentos de início de contagem diversos, mas que correm, ou podem correr, pelo menos parcialmente, em simultâneo.

O prazo ordinário de vinte anos (art. 309º) conta desde o “facto danoso”. É estabelecido um prazo especial mais curto (três anos) que corre a partir do momento “em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, isto é, daquele em que o titular do direito conhece os factos constitutivos dele. É irrelevante, para a contagem deste prazo, o “desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos” (…) se ambos os prazos forem correndo em simultâneo, ocorre a prescrição logo que o primeiro deles se esgote.” (14).

A prescrição supõe a inércia do titular do direito – o não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei (art. 298º, nº1, do CC) – e começa a contar no momento em que esse direito pode ser exercido (art. 306º, nº1, do CC). Decorre do art. 498º, nº1, do CC – referente à prescrição do direito de indemnização – que são dois os prazos de prescrição ali previstos: um, seguindo a regra geral da prescrição ordinária, é de 20 anos a contar do facto danoso (art. 309º); o outro, constitui o regime particular da responsabilidade civil e tem lugar quando o lesado tem conhecimento do direito à indemnização, começando, a partir daí, a correr o prazo de 3 anos. No que respeita ao prazo curto de prescrição, diferentemente do que sucede com a solução consagrada no art. 306º, o legislador adotou um sistema subjetivo: a prescrição só começa a correr com o conhecimento, pelo credor, do seu direito à indemnização (ou, pelo menos, de certos elementos essenciais desse direito). Para determinar o início do prazo de prescrição, o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete a partir da data em que, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu e não da possibilidade legal de ressarcimento (15).

Como bem se analisa no Acórdão desta Secção de 28/6/2018 “o instituto da prescrição, segundo Domingues de Andrade, tem o seu fundamento específico “na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar a direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica (dormientibus no succurit jus)”, apontando este autor outras razões, que coloca num plano secundário, como motivos justificadores do instituto em referência, como seja, a certeza e a segurança jurídica, a proteção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova e o exercício de pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o exercício ou efetivação dos mesmos quando deles não queiram abdicar. (16)

Já para Menezes Cordeiro são dois os fundamentos do instituto da prescrição – fundamentos atinentes ao devedor, e de ordem geral. Quanto ao primeiro, “a prescrição visa, essencialmente, relevá-lo de prova” e, quanto ao segundo ele “(…) relevaria de razões atinentes à paz jurídica e à segurança” (17).

Quanto a nós, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados, em que os principais fundamentos se reconduzem: a) à probabilidade de ter sido feito o pagamento; b) à presunção de renúncia do credor ao exercício do direito; c) à necessidade de sancionar a negligência do credor; d) à necessidade de consolidação de situações de facto; e) à necessidade de proteção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; f) à necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; g) à necessidade de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; e, bem assim h) à necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos por parte dos respetivos titulares (18).

O instituto da prescrição justifica-se, numa primeira linha, em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reação à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça.

Sendo indiscutível que o direito indemnizatório que os apelantes vêm exercer nos autos, atento o pedido e a causa de pedir que estruturam na petição inicial, radica na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (arts. 483º e segs. do CC.), é pacífico que em sede de prescrição, se impõe chamar à colação o regime enunciado no art. 498º, do CC.

De acordo com o n.º 1 do referido art. 498º “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.

O seu n.º 3 acrescenta que “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.

Conforme é entendimento pacífico, o n.º 1 do enunciado art. 498º estabelece dois prazos para o exercício do direito de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a saber: o prazo de prescrição ordinário, que o art. 309º do CC, fixa em vinte anos, e o prazo prescricional de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete para exercer esse direito (19).

Quanto ao prazo prescricional de três anos, conforme decorre expressamente daquele n.º 1 do art. 498º, esse prazo começa a contar-se logo que o lesado “teve conhecimento do direito que lhe compete”, ou seja, “a partir da data em que ele, conhecendo a verificação que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu” (20) (21).

O mesmo prazo de três anos, contado agora do cumprimento da obrigação de indemnizar por qualquer dos corresponsáveis solidários (arts. 497º e 507º), vale para o exercício do direito de regresso, nos termos do nº2, do art. 498º, do CPC.

E a “norma constante do nº2 do artigo 498º, do CC é analogicamente aplicável aos casos em que o direito ao reembolso se efetiva, não através da constituição de um direito de regresso nas relações entre responsáveis solidários, mas pela via da sub-rogação legal. Na verdade, assentando decisivamente a sub-rogação, enquanto fonte da transmissão de um crédito, no facto jurídico do cumprimento, o prazo prescricional de curta duração, previsto no nº1 do artigo 498º, do CC, apenas se inicia – no que se refere ao direito ao reembolso efectivado através da figura da sub-rogação – com o pagamento efectuado ao lesado, já que anteriormente a esse facto o demandante está privado da possibilidade de exercer o direito que lhe assiste no confronto do principal responsável pelo dano causado, constituindo restrição excessivamente onerosa a que decorreria da aplicação, nessas circunstâncias, de um prazo prescricional curto, contado da originária verificação do facto danoso na esfera do lesado” (22) (sublinhado e negrito nosso).

Acresce que, como bem refere o tribunal a quo, o direito de regresso está sujeito ao prazo de prescrição de três anos previsto expressamente no nº2 do art. 498º do CC, e não se lhe aplica o alongamento do prazo previsto no nº3, do citado artigo, isto porque o direito compreende apenas o direito ao reembolso do que pagou ao lesado (sendo, por isso, um direito diferente do do lesado) e daí que não se justifique aquele alongamento do prazo de prescrição (23), sendo uma prescrição especial de curto prazo, “baseada em razões de interesse social, mas visando sobretudo despertar a diligência e zelo dos interessados” (24).

E que o “prazo da prescrição, nos termos do disposto no art. 498.º, n.º 2, do CC, começa a correr a partir do pagamento da indemnização ou, sendo parcelar, a partir da última prestação, por correspondência ao momento do cumprimento da obrigação de indemnização. Estando a prescrição reportada ao cumprimento da obrigação de indemnizar, por efeito do mesmo evento, é indiferente a autonomia que possa ser atribuída a qualquer uma das parcelas integrantes da indemnização” (25).

A contagem do prazo prescricional de três anos inicia-se nos casos de sub-rogação a partir da data de cumprimento, nos termos do referido nº2, aplicado por analogia. As situações de sub-rogação não merecem tratamento distinto das de direito de regresso, em sede de contagem de prazos prescricionais, pois que também só na data de cumprimento pode o credor sub-rogado exercer os seus direitos de reembolso. Nascendo o direito à sub-rogação com o pagamento efetuado, o prazo prescricional não pode começar a correr antes mesmo do nascimento do direito que lhe subjaz e só se inicia no cumprimento integral da obrigação, dado que estamos perante uma obrigação de indemnização una (26). O início do curso da prescrição, dies a quo da contagem do prazo prescricional relativamente ao direito que assiste ao Fundo de Garantia Automóvel, emerge de sub-rogação por ter satisfeito a indemnização relativa ao acidente de viação, correspondente ao pagamento, sendo o prazo o fixado no nº2, do art. 498º, aplicável por analogia (27). No regime actual do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a questão da determinação da data em que se inicia o prazo de prescrição do direito de reembolso do Fundo de Garantia Automóvel está expressamente resolvida, uma vez que o nº6, do artigo 54º, do DL nº291/2007, de 21/8, diploma este que revogou, na íntegra, o DL nº522/85, de 31/12, veio resolver aquela questão, determinando que o nº2, do artigo 498º, do Código Civil, é aplicável aos direitos do FGA previstos nos números anteriores (28).

Bem conclui, pois, o Apelado ao referir a relevância da data do último pagamento efetuado e que a prescrição se interrompe transcorridos cinco dias após a entrega da petição inicial na secretaria judicial, se a citação não for efetuada por facto não imputável ao autor (nº2, do art. 323º, do Código Civil).

Não operando a prescrição de modo automático, ope legis, pelo simples decurso do tempo, carece de invocação, constituindo um meio de defesa por exceção perentória (art. 576º, nº1 e 3, do CPC), que não é do conhecimento oficioso, operando enquanto facto extintivo do direito e tendo como efeito a absolvição do pedido.

E, como factos impeditivos do direito do credor, o ónus da prova dos factos que integram a prescrição – no caso datas de pagamentos - impende, nos termos do n.º 2 do art. 342º do CC, sobre o devedor, isto é, no caso, sobre os Réus, que a invocaram.

Porém, no caso concreto, o Autor alega ter pago a indemnização e vem, por sub-rogação, pedir restituição do que pagou – 26.339,44€ (conforme certidão de fls 32) - acrescida de 2.627,19 € de juros de mora calculados desde a data da primeira carta de interpelação – 9/5/2011 (cfr fls 55) cfr arts 34º e 35º, da p.i..

Ora, resultando provado que “o BBAA reclamou ao Gabinete Português de Carta Verde, em 30.11.2010, o reembolso da quantia de € 4.048,05 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 3.520,04) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 528,01) e, em 31.05.2011, da quantia de € 21.441,11 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 18.546,19), despesas diversas (€ 113,00) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 2.781,92)” e que o “Gabinete Português de Carta Verde reembolsou o referido organismo belga” (f.p.15 e 16),” provou-se igualmente que “ao Autor foi apresentado pelo Gabinete Português de Carta Verde um pedido de reembolso dos montantes pagos ao BBAA” e que “o Autor atendeu ao pedido de reembolso apresentado, pagando ao Gabinete Português de Carta Verde, em data não concretamente apurada mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011, a quantia de € 4.048,05”.
Não se provou que o Autor pagou ao Gabinete Português de Carta Verde em 16.09.2011 a quantia de € 21.441,11.

Assim, cabendo ao Autor alegar, para além do pagamento, os termos e condições em que se deu o “cumprimento” da, una, obrigação de indemnizar que realizou, sendo as referidas datas, também, constitutivas do seu direito - quer para definir os contornos do direito ao reembolso do montante da indemnização que pagou quer para a contabilização dos juros de mora, que pede a contar de 9/5/2011, - e a provar por si, nos termos do nº1, do art. 342º, do CC, provou a existência de uma data de cumprimento da obrigação (a referida no f.p. nº18, com a redação restritiva dada por este Tribunal).

Apenas resultando dos factos provados uma interpelação ao Autor e uma data de cumprimento e olhando, até, à referida data de interpelação feita pelo Autor aos RR, a partir da qual contabiliza os juros de mora que peticiona, 9/5/2011, nunca poderá este Tribunal concluir pela existência de várias datas de cumprimento.

Alega o Autor, no artigo 30º, da petição inicial, que “Reconhecida a sua obrigação, o Autor atendeu o pedido de reembolso apresentado, pagando ao Gabinete Português da Carta Verde, conforme avisos de débito emitidos por este (docs. nº11, 12 …) a quantia de 25.799,16 € (22.066,23 correspondentes a indemnizações e 3.732,93€ relativas a despesas de gestão)”. Reconheceu a obrigação de pagamento, atendeu ao pedido de reembolso da quantia referida e afirma ter realizado pagamentos em várias datas, invocando sub-rogação por eles mas apenas provou pagamento da indemnização numa data, data essa que temos adquirida para o processo, não se encontrando provada a existência de pagamentos (parcelares) em várias datas.

Assim, falando o nº2, do art 498º, em “cumprimento” e consagrando o nº6, do artigo 54.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, que “Aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel previstos nos números anteriores é aplicável o n.º 2 do artigo 498.º do Código Civil, sendo relevante para o efeito, em caso de pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado, a data do último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel”, não se provando existir outra data, tem de se atender à data de cumprimento provada (a única que resulta verificada).

A prescrição está, pois, reportada ao cumprimento da obrigação de indemnizar, sendo que:

- no caso de um só pagamento, se aplica o nº2, do art. 498º, do CC, ex vi 1ª parte do nº6, do artigo 54.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, e o prazo da prescrição começa a correr a partir do pagamento da indemnização;
- no caso de existência de “pagamentos fraccionados por lesado ou a mais do que um lesado” se aplica o estatuído na parte final do nº6, do artigo 54.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, e existindo pagamento parcelar o prazo de prescrição começa a correr a partir da última prestação.

E, efetivamente, como se pode verificar da análise dos factos provados e não provados, resulta que não se provou a existência de pagamentos parcelares, fracionados por várias datas, ao Gabinete Português da Carta Verde, apenas resultando provado cumprimento da obrigação de indemnização numa data - data não concretamente apurada mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011.

Assim, verificando-se que a ação foi proposta em 14/8/2014, o prazo prescricional de 3 anos, contado da única data de cumprimento, já havia decorrido àquela data, pois que alegado pelo Autor (que até estava em melhores condições para demonstrar por, desde logo, se tratarem de factos seus) e provado, que “ao Autor foi apresentado pelo Gabinete Português de Carta Verde um pedido de reembolso dos montantes pagos ao BBAA”, e que “o Autor atendeu ao pedido de reembolso apresentado, pagando ao Gabinete Português de Carta Verde, apenas se provou a existência de um único pedido de pagamento e, consequentemente, um único pagamento, no prosseguimento da sua atuação provada - “atendeu ao pedido de reembolso apresentado”.

Sendo a única data provada de pagamento (a pedido), referente ao único pedido de pagamento efetuado por um único credor, anterior a meados de Agosto de 2011 não pode deixar de se considerar ter à data de propositura da ação decorrido o prazo de prescrição do direito do Autor ao reembolso da totalidade da quantia que lhe foi peticionada pelo GPCV, e relativamente à qual, atendeu ao pedido de reembolso, satisfazendo-lha.

Com efeito, e como é jurisprudência uniforme, no recente Acórdão do STJ decidiu-se “É de três anos o prazo de prescrição do exercício do direito de reembolso pelo Fundo de Garantia Automóvel relativamente ao pagamento da indemnização por ele satisfeita (como garante) ao lesado ou a terceiros” e “Como se estabelece no art. 498º, nº 2, do CC, o dies a quo da contagem daquele prazo prescricional corresponde ao do pagamento, não relevando para este efeito, a data do acidente”.” (29)

No caso vertente, o pagamento efetuado pelo “FGA” ao “GPCV” ocorreu mais de três anos antes da instauração da ação, tendo à data em que esta foi proposta, decorrido o prazo prescricional de três anos.

Assim, procedendo a impugnação da matéria de facto, na parte em causa - a que releva para o conhecimento da exceção da prescrição - e a exceção da prescrição do direito do Autor, têm os Réus de ser absolvidos do pedido contra si formulado, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento do mérito da causa e, consequentemente, o da parte restante da impugnação da matéria de facto.
*
III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em, na procedência da impugnação da matéria de facto - com eliminação no facto provado 18 da parte “e, em 16.09.2011, a quantia de € 21.441,11”, a qual se considera como integrante dos factos não provados, nos termos supra decididos -, embora julgando improcedente a exceção dilatória da incompetência dos Tribunais portugueses, julgar a apelação procedente revogando a decisão recorrida, e, em consequência, julgar procedente a exceção da prescrição do direito da Autora, absolvendo os Réus do pedido.
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Custas pelo apelado, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
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Guimarães, 31 de outubro de 2018

Assinado digitalmente pelos Senhores Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha (relatora), José Flores
e Sandra Melo, esta que vota vencida, conforme voto que se segue

Voto de vencida

Entendo que não se pode considerar o direito do Autor prescrito, quer porque os Réus para invocar a exceção alegaram factos que nunca conduziriam à prescrição do direito, por o prazo da prescrição não estar ainda decorrido (alegaram que o último pagamento ocorreu em 16-9-2011), quer porquanto a sentença andou bem ao dar como provado que a data do último pagamento ocorreu nessa data de 16.09.2011 (tal como alegaram Autor e Réus).

Discordo, não só da decisão da impugnação da matéria de facto efetuada no acórdão em que sou vencida, mas também da aplicação do direito à matéria de facto provada ali apurada, porque desta também não resultará, no meu modesto entender, a prescrição do direito.

Da discordância quanto à decisão sobre impugnação da matéria de facto provada: da prova do pagamento da última prestação de 21.441,11 € em 16-8-2011, que o acórdão rejeitou (última parte do ponto 18 da matéria de facto provada)

São três as razões que me fazem não poder concordar com a decisão sobre a matéria de facto provada alterada pelo acórdão:

1- o acordo das partes expresso nos articulados, porque os Réus afirmaram que o Autor pagou a última prestação em 16-9-2011 no artigo 2º da contestação, em consonância com o que o Autor invocou no artigo 32º da petição inicial. Esta alegação seria suficiente para dar como provado que existiu uma última prestação paga nessa data (mesmo que se não aceitasse o seu valor);
2- decorre da certidão, documento autêntico, de fls 52 que existiu uma última prestação que o Autor pagou em 16-9-2011;
3- Os documentos particulares juntos aos autos, com relevância para o de fls 53, inculcam que o Autor pagou a última prestação, de 21.441,11 €, em 16.9.2011.

Vejamos com um pouco mais de pormenor:

1- Existe acordo das partes expresso nos articulados sobre a data do último pagamento.
O Réu alega na sua contestação a exceção da prescrição em dois artigos, sendo que no 2º refere expressamente que o último pagamento ocorreu em 16-09-2011: “1º O direito que a autora reclama na presente acção, qual seja o da condenação dos réus a reembolsá-la da quantia de € 28.966,63 (vinte e oito mil novecentos e sessenta e seis euros e sessenta e três cêntimos) relativamente ao pagamento que terá feito aos lesados intervenientes no acidente ocorrido no dia 29-10-de2008, na R1 – direção a E19 –Breda.
Acontece que, o acidente ocorreu há mais de cinco anos, sendo que, a autora pagou a última indemnização ao beneficiário Gabinete Português da Carta Verde no dia 16-09-2011.
Do que decorre que a pretensão formulada pela autora encontra- se prescrita qualquer que seja a data considerada – a do acidente ou a do último pagamento efetuado – de acordo com o disposto no artigo 498º do Código Civil, o que desde já se invoca.”
O Autor invocou no artigo 32º da petição inicial “O Autor pagou a última indemnização ao beneficiário GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE no dia 16-09-2011.”
É certo que na contestação o Réu impugna um conjunto de artigos da petição inicial, identificando-os apenas pelo seu número e refere ainda no artigo 41º “Todas as despesas/indeminizações, apresentadas, as quais se impugnam, em primeiro lugar por não se conceber a responsabilidade dos Réus, pela ocorrência do acidente, igualmente se impugnam, pelo facto da BUREAU BELGE DES ASSUREURS AUTOMOBILIS e a autora, sem questionar o quer que seja, se limita a pagar, quando o contrario, como lhe competia é que devia ter acontecido.42º Assim sendo, não se aceitam tais documentos, como comprovativo de pagamento de despesas/indemnizações, em virtude de um acidente, ocorrido, por culpa de um dos próprios lesados.”
Mas quer aquela impugnação genérica, quer esta negação das “despesas/indemnizações”, não colocam em causa a expressa afirmação, efetuada pelo Réu, quanto à data do último pagamento, em conformidade com o alegado pelo Autor, a qual, acresce, foi efetuada no âmbito da alegação da exceção aqui em debate.

2- Existe um documento autêntico que o atesta

A certidão de fls 32 (36 do processo digital), emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal nos termos do n.º5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º289/2001, expressamente menciona que “De acordo com os registos informáticos o último pagamento efetuado pelo FGA neste processo ocorreu em 16-09-2011”. Explana o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2013 no processo 157-E/1996.G1.S1: “As certidões emitidas pelo Instituto de Seguros de Portugal nos termos do n.º5 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º289/2001, de 13.11, atestando o pagamento de indemnizações aos lesados pelo FGA, constituem documentos autênticos e fazem prova plena de tal pagamento.” Ora, é normal que o Instituto certifique os pagamentos, efetuados, aliás, por notas de débito, como resulta dos autos (fls 53), por consulta de elementos digitais onde constam tais transferências. Não se vê razão para afastar a força probatória da certidão quanto ao facto atestado por o mesmo ter sido consultado nos registos informáticos (onde constam tais pagamentos).
Esta certidão atesta ainda que o Autor pagou neste processo e sinistro o montante global de 26.339,44 €.

3- Decorre do teor de documentos particulares, conjugado com a certidão supra referida

Por fim, quanto ao valor pago nessa última prestação (pormenor que aqui não tem relevo, porquanto se sabe o valor total pago, expresso em certidão com a força probatória supra mencionada), atenta-se na nota de débito a que se refere a sentença, de fls 53 (que equivale a fls 57 do processo digital), a qual titula o valor de 21.441,11 €. Foi emitida em Agosto de 2011 com a data final do seu vencimento em 29-11-2011, mas paga, como decorre da certidão emitida pelo ISP, em 16-11-2011.

Provou-se que o Gabinete Português de Carta Verde reembolsou ao BBAA as seguintes quantias (pontos 15 e 16 da matéria de facto provada):

- a quantia de € 4.048,05 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 3.520,04) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 528,01) (que foram exigência efetuada pelo BBAA ao Gabinete Português de Carta Verde em 30.11.2010)
- a quantia de € 21.441,11 a título de indemnizações pagas aos lesados (€ 18.546,19), despesas diversas (€ 113,00) e honorários de gestão calculados com base no Regulamento Geral (€ 2.781,92) (que foram exigência efetuada pelo BBAA ao Gabinete Português de Carta Verde em 31.05.2011)
É impossível, face á certidão de fls 32, não se dar como provado que o Autor pagou ao Gabinete Português de Carta Verde estes valores, por esta fazer prova plena do pagamento dos montantes que certifica. Atesta a certidão que o Autor pagou, por força deste sinistro, o valor global de 26.339,44 €, sendo, deste valor, 4.273,21 € referentes a despesas com a instrução do processo e 22.066,23 € correspondentes a indemnizações satisfeitas aos lesados.

Assim, entendo que se devia manter a parte final do ponto 18 da matéria de facto provada tal como constava da sentença, ou quando muito, com o seguinte teor “O Autor satisfez o pedido de reembolso apresentado, pagando ao Gabinete Português de Carta Verde, em data não concretamente apurada, mas entre 16.02.2011 e 01.04.2011, a quantia de € 4.048,05, e do restante, fez o último pagamento em 16.09.2011.”

Não se pode é afirmar que o Autor apenas pagou a quantia de 4.048,05 €, dando como não provado que, além dessa quantia, pagou € 21.441,11, quando está atestado que pagou até quantia superior (26.339,44 €).

Da discordância quanto à aplicação do direito --

Mesmo com a matéria de facto provada apurada no acórdão em que sou vencida, entendo que o Réu não logrou preencher os pressupostos em que assenta a prescrição.
Quanto aos pagamentos efetuados pelo Autor, demonstrou-se que a quantia de € 4.048,05 foi paga entre 16.02.2011 e 01.04.2011 (ponto 18 da matéria de facto provada, tal como foi respondida o acórdão supra).
No acórdão entendeu-se que se não provou a data do pagamento duma restante parte no valor de 21.441,11 €, mas não se porá em causa que este valor foi pago (como aliás resulta dos citados pontos 15 e 16 e primeira parte do ponto 18 da matéria de facto provada).
Não é possível, como e viu, considerar que o Autor apenas pagou 4.048,05 €, quando se sabe que pagou bem mais (26.339,44 €).
Cumpria ao Réu alegar e provar os factos que integram a exceção perentória da prescrição (artigo 342º nº 2 do Código Civil).
Decorre da leitura dos artigos 498º nº 2 do Código Civil e 54 nº 6 do DL 291/07) que o direito de sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel prescreve no prazo de três anos a contar da data do pagamento efetuado pelo FGA; sendo este efetuado em mais que uma prestação, o prazo conta-se do último pagamento.
Quer a sentença, quer o acórdão, aceitam que caso o último pagamento tenha ocorrido em 16-9-2011 a obrigação não prescreveu, porquanto o Autor beneficia da interrupção do prazo a que se refere o nº 2 do art. 323.º do Código Civil. Concordo com esta conclusão e não vale a pena desenvolvê-la, por pacífica em ambas as decisões.
Ora, no artigo 2º da contestação, que supra se reproduziu, o Réu invoca expressamente que a obrigação está prescrita, porque o último pagamento ocorreu em 16-9-2011.
Enfim, o Réu alegou para fundar a prescrição factos que a afastam.
E, mesmo que assim não fosse, a mera análise dos factos dados como provados no acórdão não permitem que se conclua pela prescrição da obrigação.
Não basta ao Réu provar a data de pagamento de uma parcela da indemnização satisfeita pelo Autor, para demonstrar a prescrição. Tem que demonstrar a data da última parcela do pagamento efetuado.
Ora, tal não está provado nos autos.
Sabe-se a data de pagamento de uma das prestações (a de € 4.048,05 ocorrida entre 16.02.2011 e 01.04.2011). Sabe-se que foram pagas outras prestações, atento o teor dos pontos 15, 16, 17 e 18, primeira parte, da matéria de facto provada e o valor total dos pagamentos efetuados pelo Autor. O direito só se podia considerar prescrito se se encontrasse provado que todos os pagamentos das demais quantias que o Autor realizou no âmbito deste sinistro (referidas nos pontos 15, 16, 17 e parte inicial do ponto 18 da matéria de facto provada) ocorreram pelo menos em data anterior a 16.11.2011.
O Réu não o alegou no local próprio (a contestação), antes pelo contrário, fixou o último pagamento nesse dia; também não se provou esse facto (que estaria, aliás, contrariado pelo alegado por ambas as partes). Apreendo, pois, e com todo o respeito por entendimento oposto, que o direito invocado pelo Autor não está prescrito.

A Juíza Desembargadora
Sandra Melo

1. Cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 10/2/2015, processo 446/11.dgsi.net
2. Cfr. Acórdão do STJ, de 24/5/2007: CJ/STJ, 2007,2º,85
3. Crf. Acórdão da Relação do Porto, de 12/11/2008 , processo 0855376, in dgsi.net
4. Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, volume I, 2017, Almedina, pág 71
5. Cfr. também Fernandes, Luís Carvalho, coord e Proença, José Brandão, coord., Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág 124, onde se esclarece “Parece elementar e avisado iniciar esta anotação ao artigo 45º dando conta de que o correspondente âmbito de aplicação se encontra significativamente cerceado em razão da prevalência, sobre ele, das regras contidas no Reg. (CE) nº 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11de junho de 2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (“Roma II”)”.
6. Acórdão da Relação de Guimarães de 9/6/2016, processo 3077/15.0T8BRG.G1, in dgsi.net
7. Ac. da Relação de Coimbra de 7/2/2018, processo: 549/16.3T8LRA.C1, in dgsi.net
8. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, Almedina, págs 155-156
9. Acórdãos RC de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
10. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
11. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
12. Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
13. Ac. do STJ de 10/1/2013, Processo 157-E/1996 Sumários.2013, p.6, citado in Código Civil Anotado, 20ª Edição actualizada, 2018, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda, pág 554
14. Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, vol I, 2017, Almedina, pág 651
15. Ac. do STJ de 13/11/2014, Processo 1235/12, Sumários, 2014, p. 603, citado in Abílio Neto Código Civil Anotado, 19ª Edição reelaborada, 2016, Ediforum, pág 556
16. Domingos de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico”, Coimbra, 1983, vol. II, pág.
17. Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil”, vol. V, 2011, Almedina, págs. 159 e segs.
18. Vaz Serra, BMJ, n.º 105º, págs. 32 e 33. Ac. RL de 25/03/2010, Proc. 1227/08.2TVLSB.L1-6, in base de dados da DGSI.
19. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 503.
20. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 649.
21. Ac da Relação de Guimarães de 28/6/2018, processo 4077/17.1T8GMR.G1, Relator: José Alberto Moreira Dias, disponível in dgsi.net
22. Ac. do STJ de 25/3/2010, Processo 2195/06.0TVLSB.S1.dgsi.net e CJ/STJ, 2010, 1º,146
23. Ac. do STJ de 18/10/2012, Processo 56/10.dgsi.net, citado in Código Civil Anotado, 20ª Edição actualizada, 2018, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda, pág 554
24. Dário de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2.ª edição, 1980, pág. 277
25. Ac. do STJ de 21/9/2017, processo 900/13.8TBSLV.E1.S1, in dgsi.net;
26. Ac. da RL de 16/6/2015, Processo 21090/13.0T2SNT-A.L1-7.dgsi.Net, citado in Código Civil Anotado, 20ª Edição actualizada, 2018, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda, pág 557
27. Acs. do STJ de 10/1/2013, Processo 157-E/1996 Sumários.2013, p.6, e de 21/3/2013, processo 1163/09, Sumários, 2013, p. 207, citados in Código Civil Anotado, 20ª Edição actualizada, 2018, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda, pág 554
28. Ac. da Rel de Guimarães de 21/6/2012, processo 157-E/1996.G1, in dgsi.net
29. Ac. do STJ de 18/1/2018, processo 1195/08.0TVLSB.E1.S1, in dgsi.net, onde se escreve “Nos termos do art. 21º, n.º 2, al. b), do D.L. n.º 522/85, de 31 de Dezembro, o Fundo de Garantia Automóvel responde pelas indemnizações decorrentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz. Por sua vez, dispõe-se no nº 1, do art. 25º, do Dec. Lei nº 522/85, de 31/12 na redação dada pelo Dec. Lei nº 122-A/86, de 30/5, que "satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança". Configura-se, assim, uma verdadeira sub-rogação legal, que coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido. Nesta medida, tendo o “FGA” adiantado ao lesado, e/ou a terceiro, o correspondente ao montante dos danos por aquele sofridos, ficou, legalmente, sub-rogado nos direitos do mesmo. Qual é, porém, o prazo (prescricional) de que dispõe o sub-rogado para exercer o direito ao reembolso, sob pena da sua extinção? (…) O nº 3 do art. 498º, do CC, tem em vista compatibilizar os prazos de prescrição previstos na lei civil e na lei penal, já que, por força do chamado «princípio de adesão», a dedução da indemnização civil tem lugar, em regra, no processo criminal. Na verdade, não faria sentido que se extinguisse, por prescrição, o direito à indemnização civil - conexa com o crime – se ainda estivesse a decorrer o prazo de prescrição do procedimento criminal. Ora, sendo aquelas, no essencial, as razões que estão na origem da consagração do alongamento do prazo previsto no nº 3 do art. 498º, do CC, as quais têm plena justificação quando se está (ainda) no âmbito da definição do direito do lesado, o mesmo não se pode dizer quando se trata do direito de reembolso (seja exercido por via do direito de regresso ou da sub-rogação), cujo fundamento se encontra completamente dissociado do ilícito criminal. (citando os Acórdãos do STJ de 19.5.2016, de 18/10/2012, de 29/11/2011, de 16/11/2010, de 27/10/2009 e de 4/11/2008, e, muito concretamente, em situações de sub-rogação legal no direito do lesado, dos acórdãos de 3/12/2015, de 5/06/2012 e de 7/05/2014, disponíveis em www.dgsi.pt). (…) Como argumento final, afigura-se-nos ser ainda de trazer à colação o regime jurídico atualmente consagrado pelo DL nº 291/2007, de 21/8, em cujo art. 54º, nº 6, se estatui expressis verbis que aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel (previstos nos números anteriores) é aplicável o nº 2 do art. 498º, do CC, relevando para o efeito, em caso de pagamentos fracionados, a data do último pagamento efetuado. Tal só pode significar que o legislador, ao excluir expressamente a possibilidade de o “FGA” se prevalecer do alongamento do prazo do nº 3 do art. 498º, do CC, quis dissipar quaisquer dúvidas que a este respeito ainda pudessem subsistir. É, assim, de concluir que em ação (como a dos autos) instaurada pelo Fundo de Garantia Automóvel visando obter o reconhecimento do seu direito ao reembolso e a condenação do responsável civil no pagamento da indemnização por ele satisfeita (como garante) ao lesado, o prazo de prescrição do exercício do direito do sub-rogado é o de três anos, por aplicação analógica do disposto no transcrito nº 2 do art. 498º, do CC.(citando, a título exemplificativo, os Acs. deste Supremo Tribunal de 9.6.2016, de 10.1.2013, de 25.3.2010 e de 22.10.2009, disponíveis em www.dgsi.pt.). Na verdade, o “direito de regresso" e o “direito de sub-rogação” desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efetivamente – na veste de garantes ou interessados diretos no cumprimento – a prestação devida. Por outro lado, como se estabelece no art. 498º, nº 2, do CC, o dies a quo da contagem deste prazo prescricional corresponde ao do pagamento, não relevando para este efeito, a data do acidente.(citando, neste sentido, os acs. do STJ de 12.9.2013, de 10.1.2013, de 13.4.2000, de 20.2.2001, de 17.12.2002, 21.1.2003, de 8.11.2005, de 10.9.2009 e de 16.3.2011, disponíveis em www.dgsi.pt). Efetivamente, antes de satisfazer a indemnização, o FGA não é titular de qualquer direito de crédito, pelo que não pode exercer qualquer direito em lugar do lesado (ou do terceiro). Como ensinava Vaz Serra (RLJ, 99, 360): “A sub-rogação supõe o pagamento... e, portanto, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento. Enquanto não o faz, não é sub-rogado e não pode, por isso, exercer os direitos do credor." E, mais adiante: "É que o eventual sub-rogado, enquanto não efetuar o pagamento, não tem crédito contra o terceiro responsável (crédito cujo montante será determinado pelo pagamento que fizer), e não tem sequer um crédito já existente mas ainda inexigível." Compreende-se, deste modo, que o início do prazo de prescrição do direito atribuído ao “FGA” pelo art.º 25 do DL 522/85, de 31 de Dezembro, deva ser estabelecido, por analogia, nos termos previstos no art.º 498, n.º 2, do CC. Neste domínio, assume ainda particular relevância a questão de saber se, relativamente a montantes que o sub-rogado tenha pago faseadamente ao lesado ou a terceiros, o prazo prescricional se começa a contar do momento em que é paga cada parcela, sem que tal obste a que venha, depois, exercer o seu direito de sub-rogação quanto a outras quantias que venha a pagar, ou se a contagem do prazo se inicia a partir da data em que tenha sido efetuado o último pagamento. A letra da lei (art. 498º, nº2, do CC), só por si, não permite resolver a situação. Sobre esta problemática, escreveu-se no ac. do STJ de 7/4/2011, disponível in www.dgsi.pt: “Não sendo a letra da lei - ao reportar-se apenas ao «cumprimento», como momento inicial do curso da prescrição - suficiente para resolver, em termos cabais, esta questão jurídica, será indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos: assim, importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efetuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil (arts. 562º e segs.) mas a cada recibo ou fatura apresentada pela seguradora no âmbito da ação de regresso, conduzindo a um - dificilmente compreensível - desdobramento, pulverização e proliferação das ações de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados. Pelo contrário, a opção pela tese oposta - conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado - poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da ação de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado (…). Por outro lado, a ideia base da unidade da «obrigação de indemnizar» poderá ser temperada pela possível autonomização das indemnizações que correspondam ao ressarcimento de tipos de danos normativamente diferenciados, consoante esteja em causa, nomeadamente: - a indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes ressarcidos fundamentalmente através de um juízo de equidade, e não da aplicação da referida teoria da diferença; - a indemnização de danos que correspondam à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens da personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas.” Em suma, e tal como se concluiu no mencionado aresto, “se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro.” Perfilhamos idêntico entendimento, afigurando-se-nos inteiramente aplicável ao caso em apreço a doutrina do referido aresto. (citando, a este respeito, os acórdãos do STJ de 14.7.2016, de 19.5.2016 e de 21.9.2017, disponíveis em www.dgsi.pt).