Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
141/14.7T8VCT.G2
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: BALDIOS
USUCAPIÃO
REGISTO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (do relator):

I – Não tendo sido provado que o tracto de terreno em questão sempre foi possuído e gerido pela comunidade local, integrando um baldio, lograram os réus demonstrar, formulando o respectivo pedido, a aquisição da propriedade sobre a dita parcela de terreno, por usucapião, constituindo domínio privado
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrente: - Assembleia de Compartes dos Baldios de X (autora/reconvinda);
Recorridos: - António e Maria (réus/reconvintes);

Pedido:

- Que se reconheça que o terreno referido em 11º da p.i. é terreno baldio da freguesia de X, hoje União de Freguesias de X e Y;
- Que se condenem os RR. a entregar-lhe de imediato o referido imóvel.

Causa de pedir:

A parcela de terreno, objecto de litígio, faz parte do baldio da freguesia de o terreno referido em 11º da p.i. é terreno baldio da freguesia de X, hoje União de Freguesias de X e Y Britelo, possuída pela respectiva comunidade, querendo os RR. apoderar-se da mesma, ao ocupá-la ilegitimamente, sendo que nunca o povo da freguesia de X e nunca os Compartes dos baldios de X reconheceram os direitos de posse dos RR. ou seus antecessores, já que, nunca nenhuma instituição pública fez qualquer negócio com os RR. ou seus antecessores.

Alega ainda a A. que foi a Tapada do Monte C. quem ilegalmente negociou com os antecessores dos RR.; todos os negócios de aquisição da referida Tapada do Monte C. foram julgados nulos, porquanto versaram sobre direitos indisponíveis; qualquer negócio de aquisição de baldios é nulo, sendo que a aquisição pelo sogro e pai dos RR. terá ocorrido em 1987; resulta das decisões judiciais juntas aos autos que os terrenos que os RR. ocupam no Chão P. estão dentro da área dos baldios de X.

Os Réus contestaram, impugnando a versão dos réus, e reconviram, pedindo que se reconheça que são donos e legítimos possuidores do prédio identificado nos arts. 16° e 17° da contestação.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu:

- julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo os RR. do pedido;
- julgar a reconvenção totalmente procedente, por provada e, consequentemente, condenar a A. a reconhecer que os RR. são donos e legítimos proprietários do prédio identificado nos artigos 16º e 17º da contestação.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a autora, de cujas alegações se extrai, em síntese, as seguintes conclusões:

A. Na Audiência de julgamento dos presentes autos foram juntos aos autos vários processos que desde a década de 40 do século XX vêm sendo intentados a propósito dos Baldios da Freguesia de X.
Nomeadamente foram juntos aos autos e mereceram especial atenção os autos nº 41/94.
B. Da sentença e acórdão tirados em tal processo é forçoso concluir porque são os factos provados e a fundamentação que já transitaram em julgado e têm força de caso julgado:

a. Em 15 de Março de 1920 foi inscrito na Conservatória do Registo Predial – inscrição nº 645 – o seguinte prédio:

a. Setecentos e vinte e seis hectares de terreno inculto municipal, no planalto da B., também conhecido pelo nome de Chão PS, Serra da B. e Chão P., situado na freguesia de X a confrontar de nascente, poente e sul com o monte baldio e do norte com a linha divisória dos concelhos de Monção e Paredes de Coura;
b. Da escritura outorgada em 8 de Março de 1920, exarada a fls. 14v. a 18 do Livro de notas para actos e contratos entre vivos nº 63, do Notário que foi da vila de Paredes de Coura, J. B., consta que a Câmara Municipal aforou ao K – Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, com sede na cidade do Porto: o terreno do planalto da B., conhecido também, pelo nomes de Chão PS e Chão P. situado na referida freguesia de X, com a área de setecentos e vinte e seis hectares (726 ha), que segue pelo Norte da linha divisória dos concelhos de Paredes de Coura e Monção, delimitado com um traço carmim na respectiva planta (docs. de fls. 21 e seguintes
c. Da escritura outorgada em 3 de Março de 1947, lavrada de fls. 29 a 34 do Livro de notas para actos e contratos entre vivos nº 82, da Secretaria Notarial de Paredes de Coura consta que o K vendeu à Tapada de Monte C.: todos os direitos que disse ter no aforamento que fora remido por deliberação da mesma Câmara Municipal, tomada em sua reunião de 14 de Novembro de 1946 (doc. de fls. 29 e seguintes) – ref. Doc. nº 1.
d. Os moradores da freguesia de X já quando em 8/3/1920 se outorgou a escritura referida no ponto 2 da matéria assente, havia mais de 80, 90 e até 100 anos que estavam na posse do terreno em que, dentro dos limites da freguesia de X, incidira tal contrato de aforamento
e. Sempre se aproveitando de todas as suas utilidades, designadamente aí cortando os matos, as lenhas, as madeiras e apastorando os gados, actos estes que foram praticados à vista de toda a gente e com intenção de exercerem os poderes correspondentes ao direito do uso comum e na convicção de que esses terrenos estavam afectos ao logradouro comum da freguesia (2º da base instrutória)
f. Ora, no caso concreto, defluindo da matéria de facto provada que os terrenos objecto da transacção apresentam a natureza de baldios paroquiais e não havendo deliberação da Junta a dispensá-los do logradouro comum da freguesia da junta de X, forçoso é concluir pela sua inalienabilidade ou pela sua indisponibilidade, o que necessariamente se repercute no acordo celebrado pela Autora e Ré, gerando a sua nulidade.
g. É relevante constatar que o Tribunal da Relação do Porto considera na sua fundamentação que no caso vertente, e o mesmo caso vertente é o dos presentes autos, os baldios de X eram – e portanto, são-no, inalienáveis e indisponíveis.
“… forçoso é concluir pela sua inalienabilidade ou pela sua indisponibilidade…”
h. Obviamente que tal inalienabilidade e indisponibilidade afecta não só o acordo de 1963 (julgado nulo) como outrossim todos os negócios sobre tais baldios realizados desde 1920, data do registo de tal área de 726 ha de terrenos, até hoje que signifiquem venda, alienação ou oneração de tais baldios.
C. Definitivamente o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a área de terrenos em questão – os referidos 726 ha registados em 1920 são baldios da freguesia de X e inalienáveis e indisponíveis pelo que menos 100 anos antes de 1920
D. E outrossim na acção nº 118/10.1TBPCR foram dados como provados os seguintes factos:

A) Na freguesia de X, no local designado por B., Planalto da B. ou Chão PS, Serra da B. e Chão P., há uma vasta área de terreno constituída por aproximadamente 726 hectares, que confronta do norte com os limites dos concelhos de Valença e Monção, do sul com diversos proprietários da freguesia de X, do nascente com a linha divisória das águas com o concelho de Arcos de aldevez e do poente com limites da freguesia de Y.
B) Por sentença transitada em julgado, proferida nos autos de acção ordinária n.º 41/94 do extinto Tribunal Judicial de Paredes de Coura, os terrenos referidos em A) foram tidos com a natureza de baldios paroquiais, e considerados inalienáveis e indisponíveis.
C) Tendo-se na mesma sentença declarado nulo o termo de transacção de 9 de Dezembro de 1963, homologado na acção ordinária n.º 24/60, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Paredes de Coura, com base na simulação e na indisponibilidade dos direitos.”
E. Dúvidas não restam que o pai e sogro dos Réus na presente acção comprou o terreno em questão nos presentes autos à sociedade “Tapada de Monte C. SARL” assim tendo adquirido terreno baldio da freguesia de X.
F. E que tal terreno é baldio paroquial de X dizem-nos as sentenças e os acórdãos referidos. E que tal terreno baldio já o era havia mais de 100 anos antes do referido registo de 1920 foi provado em Tribunal por sentença do Tribunal de Paredes de Coura e acórdãos da Relação do Porto e do Supremo Tribunal de Justiça. E que tal terreno era baldio indisponível e inalienável nos termos do Código Administrativo em vigor ao tempo está provado e transitado em julgado nos termos das referidas sentença e acórdãos proferidos nos autos nº 41/94 e 118/10.7TBPCR.
E por tal facto todos, mas todos os actos de disposição dos baldios referidos não nulos é óbvio e está decidido e transitado em julgado.
G. O Tribunal andou mal na sua decisão que é errada não tendo tido em conta os documentos a provar que os terrenos eram baldios e atentou tão só no facto de os Réus terem adquirido (por si e seus antecessores) uma área de terreno por usucapião.
H. Ora tal terreno, era e sempre foi baldio e mesmo nos termos da lei ao tempo eram baldios inalienáveis e imprescritíveis, como o foram sempre até hoje.
I. Ao decidir como decidiu a sentença faz uma errada interpretação da lei, não valora a prova produzida em audiência correctamente e viola o princípio do caso julgado formal e material.

Pede que revogue a sentença e que se declare que os Réus adquiriram terreno baldio, que tal negócio é nulo devendo o terreno em poder dos Réus reverter a favor do baldio da freguesia de X.

Houve contra alegações, pugnando-se pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-B, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pela Recorrente são as seguintes:

a) Errada interpretação da lei;
b) Incorreta valoração da prova produzida em audiência;
c) Violação de caso julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1.Factos provados:

1) A A. intentou contra os RR. o procedimento cautelar que correu termos no Tribunal Judicial de Paredes de Coura sob o na 79/14.8 TBPCR.
2) Na freguesia de X, concelho de Paredes de Coura, há uma vasta área de terrenos baldios com a área aproximada de 700 ha.
3) O prédio rústico, sito no lugar de B., da freguesia de X (agora X e Y), concelho de Paredes de Coura, composto de terreno de cultivo, pastagens, mato e pinhal, englobando os campos de (…) e armazém para recolha de gados e casa de fomo anexa, a confrontar do norte com montes de Monção e Valença, do sul com Artur e outros e do nascente e poente com Tapada de Monte C. está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n." 36 - Freguesia de X, com registo de aquisição a favor de Artur, casado com Ana sob o regime da comunhão geral de bens.
4) A referida Ana faleceu no dia 1 de agosto de 1989, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros legitimários o marido Artur e a filha Maria, aqui R., habilitados por escritura pública de 28 de Abril de 2004, lavrada no Cartório Notarial de Ponte de Lima.
5) O mencionado Artur faleceu no dia 13 de Março de 2005, tendo-lhe sucedido como única herdeira a sua filha, aqui R., habilitada por escritura pública de 29 de Abril de 2005, lavrada no Cartório Notarial de Viana do Castelo da Licenciada M. M..
6) No dia 16 de Fevereiro de 1920, no Diário do Governo, III Série, n." 37, foi publicado um Edital, com o seguinte teor: "11. José, presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal do concelho de Paredes de Coura, faz público que no dia 8 do próximo mês de Março, pelas doze horas e no edifício da Câmara Municipal, se há-de proceder à arrematação, em hasta pública, do domínio útil de 700 hectares, aproximadamente, de terreno inculto municipal, conforme deliberação da Comissão Executiva da Câmara, tomada em sessão ordinária de 5 do corrente. ( ... )
Paredes de Coura, 6 de Fevereiro de 1920- - O Presidente da Comissão Executiva, José".
7) N a sessão extraordinária da Comissão Executiva da Câmara Municipal de 8 de Março de 1920, "Depois de aprontada a praça verificou¬se que o maior lanço oferecido foi de dez escudos por hectare, ou seja, o foro anula de sete mil duzentos e sessenta escudos feito pelo K, sociedade anónima de responsabilidade limitada".
8) Na mesma sessão extraordinária de 8 de Março de 1920, "( ... ) foi resolvido fazer a adjudicação ao dito K".
9) No mesmo dia 8 de Março de 1920, no Cartório Notarial de J. B., sito na vila de Paredes de Coura, foi outorgada a escritura de aforamento de baldios, que a Câmara Municipal fez ao K.
10) A escritura teve por objecto o terreno inculto municipal que a Câmara Municipal, em reunião de 28 de Agosto de 1919, havia deliberado aforar, que se situava no planalto da B., conhecido também pelos nomes de Chão PS, Serra da B. e Chão P., com a medição de 726 hectares.
11) Em reunião ordinária de 14 de Novembro de 1946, a Câmara Municipal, por unanimidade, aprovou a remissão do referido foro, sendo que a K ficou dona em propriedade plena do terreno.
12) Por escritura pública de 3 de Março de 1947, lavrada na Secretaria Notarial de Paredes de Coura, a sociedade Anónima "K" vendeu à sociedade anónima "Tapada do Monte C.", com sede na vila de Paredes de Coura, o mencionado terreno, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o na 13.708, com todas as suas pertenças, servidões e acessões.
13) A aquisição do prédio a favor da sociedade anónima "Tapada do Monte C." foi registada na dita Conservatória no dia 8 de Março de 1947, sob a inscrição na 10.755.
14) Após a aquisição do prédio, em 1947 e nos anos seguintes, a sociedade anónima "Tapada do Monte C." fez no terreno, nomeadamente:

- A consolidação da sua demarcação;
- Arroteamento para o cultivo de batata;
- Plantação de batata em extensas áreas, alternada com sementeiras de cereais, designadamente, centeio e trigo.
15) No terreno não cultivado, pastoreavam rebanhos de ovelhas.
16) As áreas impróprias para o cultivo de batata e cereais foram utilizadas como pinhais, cujas madeiras foram sendo vendidas ao longo dos anos pela sociedade anónima "Tapada do Monte C.".
17) Trabalhavam diariamente na exploração agrícola da sociedade anónima "Tapada do Monte C.", além de encarregados e tractoristas, mais de 50 jornaleiros, muitos da freguesia de X e outros de freguesias vizinhas, Y, M e C e até de outros concelhos; este número aumentava na época do arranque de batata.
18) A sociedade anónima "Tapada do Monte C." edificou várias casas no terreno comprado, para habitação, escritórios, armazém de máquinas agrícolas e currais.
19) Todos os actos acima referidos foram praticados pela sociedade anónima "Tapada do Monte C.", de forma pública, à vista e com o conhecimento de toda a gente, com exclusão de outrem e sem oposição de quem quer que seja, sem interrupções no tempo e na fé de quem exerce direito próprio, correspondente ao direito de propriedade.
20) O direito de propriedade da sociedade anónima "Tapada do Monte C." foi reconhecido por sentença de 7 de Fevereiro de 1991, transitada em julgado, proferida no processo ordinário n." 43/1986, do extinto Tribunal Judicial de Paredes de Coura.
21) Por escritura pública de 29 de Junho de 1987, lavrada no Cartório Notarial de Paredes de Coura, a sociedade anónima "Tapada do Monte C." vendeu a Artur, casado com Ana, o seguinte imóvel:

Prédio rústico denominado Campos e Pinhal do Chão P., constituído por terreno de cultivo, de pastagens, mato e pinhal, englobando os campos (...) e armazém para recolha de gados, com casa de fomo anexa, com as áreas de 399636 m2 de parte descoberta e 364 m2, de parte coberta, a confrontar do norte com os concelhos de Monção e Valença, do sul com Artur e outros e do nascente e poente com a Tapada do Monte C., parte do descrito na Conservatória do Registo Predial sob o na (...) e inscrito no artigo (...) de X.
22) O prédio referido no número anterior corresponde ao prédio referido em 3) dos factos provados.
23) As negociações para a compra do prédio decorreram no ano de 1985.
24) Artur tomou posse material efectiva do prédio comprado em meados do ano de 1985.
25) No Verão de 1985 houve um grande incêndio, que consumiu uma vasta área do pinhal existente no prédio comprado.
26) Com o auxílio dos Bombeiros Voluntários de Paredes de Coura, Artur combateu esse incêndio.
27) Não obstante, o incêndio propagou-se e o pinhal foi queimado.
28) Entre os meses de Junho e Novembro de 1986, Artur vendeu à PC a madeira ardida.
29) No mesmo ano de 1986, o referido Artur plantou batata e semeou centeio nos campos comprados.
30) Após a realização da escritura, Artur vedou o prédio, com vigas de cimento e malhasol, recorrendo a jornaleiros, alguns da freguesia de X.
31) A obra de vedação decorreu durante vários meses, atenta a extensão do prédio.
32) Artur continuou a cultivar batata e cereais, como antes era feito.
33) E plantou eucaliptos e pinheiro bravo, nas parcelas não cultivadas, que adquiriu, nomeadamente, nos Viveiros do F., de O. e à PC.
34) Plantações feitas com a autorização da Câmara Municipal.
35) E que foram realizadas ao longo dos anos, recorrendo a jornaleiros, alguns da freguesia de X.
36) Com o objectivo de proteger de incêndios as parcelas florestadas, Artur abriu aceiros e instalou um sistema de distribuição de água ao longo de toda a área florestada, abrindo valas e enterrando tubos de plástico, com saídas de água a cada 100 metros.
37) Artur plantou também castanheiros, nogueiras e árvores de fruto, bem como uma vinha.
38) Quando o cultivo da batata deixou de ser rentável, Artur iniciou a actividade pecuária no prédio, reconvertendo gradualmente os terrenos para pastagens e produção de forragens.
39) Artur procedeu ainda à:

- Limpeza florestal;
- Electrificação da exploração agrícola;
- Abertura de furos artesianos e instalação de electrobombas;
- Reconstrução e ampliação da casa para recolha de animais e máquinas agrícolas, adaptando-a para uma vacaria.
40) Todos os actos praticados pelo Artur no prédio comprado, há mais de 20, 30 e 50 anos, por si e seus antecessores, foram feitos de forma pública, à vista e com o conhecimento de toda a gente, com exclusão de outrem e sem oposição de quem quer que seja, sem interrupções no tempo e na fé de quem exerce direito próprio, correspondente ao direito de propriedade.
41) E continuaram e continuam a ser praticados pela sua sucessora, a R., nos mesmos termos.
42) Nomeadamente, a R.:

- Conserva e renova as vedações do prédio;
- Mantém a exploração pecuária;
- Compra, cria e vende gado bovino;
- Cultiva os campos de cultivo com milho;
- Vende madeiras;
- Limpa os aceiros existentes;
- Vigia e defende a floresta contra incêndios.
43) A R. usufrui de todos os frutos e produtos que o prédio é susceptível de produzir e fá-lo de forma pública, à vista e com o conhecimento de toda a gente, com exclusão de outrem e sem oposição de quem quer que sej a, sem interrupções no tempo e na fé de quem exerce direito próprio, correspondente ao direito de propriedade.
44) Nos autos de acção ordinária na 24/60 que a Junta de Freguesia de X intentou contra a Tapada de Monte C. foi celebrado termo de transacção em 9 de Dezembro de 1963, que se encontra junto a fls. 524 ss e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
45) Nos autos de acção ordinária na 43/86 que a Tapada de Monte C. intentou contra a Junta de Freguesia de X, a acção foi julgada parcialmente procedente e a A. foi declarada dona, em propriedade plena, do prédio identificado no art. 1 ° da p.i., com exclusão dos terrenos identificados nas alíneas a) a e) do termo de transacção cuja certidão se encontrava junta a fls. 281 e 282 dos ditos autos; também a reconvenção foi julgada parcialmente procedente, tendo sido declarado que os terrenos identificados no referido termo de transacção, nas alíneas a) a e) constituem terreno baldio da freguesia de X e fazem parte integrante dos baldios paroquiais dessa freguesia.
46) Esta decisão foi alvo de recurso e o Tribunal da Relação do Porto, na parte que aqui interessa, julgou procedente a excepção peremptória de caso julgado, sem prejuízo do decidido na procedência da reconvenção, relativamente às parcelas das als. a) a e) do falado termo de transacção.
47) Nos autos de acção ordinária na 41/94 que a Junta de Freguesia de X intentou contra a Tapada de Monte C., foi declarado nulo o termo de transacção de 09/12/1963, quer por ser acto simulado, quer por versar sobre direitos de que a Autora não podia dispor.
48) Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto com fundamento apenas na indisponibilidade de direitos.
49) Nos autos de acção ordinária na 118/10.1 TBPCR que a Assembleia de Compartes dos Baldios de X intentou contra a Tapada do Monte C. e Cooperativa Agrícola das Serras (...) considerou-se na sentença que "... tendo a Tapada ... provado o seu direito de propriedade, por usucapião ... " na acção na 43/86, por decisão transitada em julgado " seria contraditório que a aqui A. (que não representa um interesse relevante autónomo relativamente ao da Junta de Freguesia de X na qualidade em que actuou na acção na 43/86) pudesse, agora, fazer valer nesta acção de reivindicação, contra o mesmo adversário, um direito incompatível com aquele definitivamente reconhecido relativamente às mesmas parcelas de terreno."
50) Em face da verificação da excepção dilatória do caso julgado, as RR. foram absolvidas da instância.
51) Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
52) Na acção ordinária na 119/10.0 TBPCR em que é A. o Conselho Directivo dos Compartes dos Baldios de X e R. a Tapada de Monte C., pedia o primeiro que se declarasse nulo o registo predial efectuado pela R.
53) Essa acção foi julgada totalmente improcedente por infundada e a R. foi absolvida do pedido.
54) Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
*
2.Factos não provados:

Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a justa decisão da causa.

Nomeadamente, não resultou provado o seguinte facto:

a) Todos os negócios de aquisição da Tapada do Monte C. foram julgados nulos por versarem sobre direitos indisponíveis.

2. De direito;

a) Errada interpretação da lei;
b) Incorrecta valoração da prova produzida em audiência;
c) Violação de caso julgado.

Por uma questão de sistematologia, começando-se por abordar a decisão de facto, dir-se-á que inexiste qualquer erro na apreciação da prova,

A matéria de facto provada e não provada alicerçou-se na análise crítica e valoração do conjunto dos meios probatórios, a saber a documentação junta ao procedimento cautelar, o Tribunal considerou ainda os documentos juntos de fls. 32 a fls. 219, de fls. 337 verso, a fls. 367 e de fls. 407 a fls. 667 (certidão das decisões proferidas nas seguintes acções ordinárias: 24/60,43/86,41/94, 118/10.1 TBPCR e 119/10.0 TBPCR), nos documentos 1 a 9 juntos a fls. 32 ss. e no teor dos documentos 11 e 12 juntos com a contestação, nas declarações de parte e no depoimento global das testemunhas ouvidas.

A apelante não observou o ónus imposto pelo artº 640º, do CPC, para impugnar a decisão relativa à matéria de facto, nomeadamente não especificou os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados.

O que implica a rejeição da modificabilidade da decisão de facto – nº1, al. a) e nº 2, al. a), do supracitado preceito.

De igual modo, o conteúdo das decisões judiciais acima assinaladas não permite concluir que houve erro de julgamento quanto à decisão de facto.
*
A recorrente invoca ainda erro na interpretação da lei, relativamente à sentença recorrida, com o fundamento de que o pai e sogro dos réus compraram o terreno em causa à sociedade “Tapada de Monte C. SARL”, assim tendo adquirido terreno baldio da freguesia de X e, consequentemente, tal negócio é nulo, como o foram as anteriores transmissões, em face do decidido nos processos judiciais 41/94 e 118/10.7TBPCR.

Ora, pese embora a apelante não ter indicado a norma ou normas jurídicas eventualmente violadas na sentença recorrida, certo é que não se descortina qualquer erro na subsunção jurídica dos factos nem tão pouco errada valoração da prova produzida em audiência.

O pedido da autora de condenação dos réus na entrega do terreno e causa tem como pressuposto o reconhecimento de que o terreno em causa é terreno baldio da freguesia de X, hoje União de Freguesias de X e Y.

Só que, atenta a factualidade provada e não provada, não logrou a mesma autora demonstrar, como era seu ónus, que a referida parcela é terreno baldio.

Ou seja, que se trata de um terreno possuído e gerido por comunidade local.

Aliás, a expressão “baldio” é um conceito de direito, não sendo, por isso, bastante a utilização da mesma para, por si só, se considerarem os baldios como bens inseridos no domínio público ( vide Ac. RP de 10.05.1984, in CJ IX, III, 262).

Ao invés, apurou-se que os réus adquiriram originariamente tal prédio por via de usucapião.

O argumento da recorrente é o de que tal terreno, comprado pelo pai e sogro dos réus à sociedade “Tapada de Monte C. SARL”, é um terreno baldio da freguesia de X e, como tal, esse negócio é nulo, como o foram as anteriores transmissões.

Porém, salvo o devido respeito, tal premissa não se verifica.

Com efeito, a apelante escuda-se no genérico argumento de que os baldios são imprescritíveis e inalienáveis, sendo nulos os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento que tenham como objecto terrenos baldios – cfr. artº 4º da Lei 68/93, de 04.09, entretanto revogada pela Lei nº 75/2917 de 17.08.

Todavia, importa não descurar que, em 08.03.1920, um terreno municipal inculto foi aforado pela Câmara Municipal à sociedade “K” em hasta pública, sendo vendido por esta à sociedade “Tapada do Monte C.”, em 03.03.1947, aquisição esta objecto de registo predial em 08.03.1947.

Por sua vez, em 29.06.1087, esta última sociedade aliena tal terreno ao pai e sogro dos réus, registando esse acto na CRP sendo que estes, por si e antecessores, vêm, desde 1920, exercendo actos matérias de posse, cultivando-o, melhorando-o, limpando-o, florestando-o, vedando-o, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer seja e na convicção de serem os sus donos.

Trata-se de uma forma originária de aquisição - por usucapião, portanto – invocável a favor de quem andou na posse de tais terrenos na altura em que entrou em vigor o Dec.Lei nº 39/76, de 19.01 – como é o caso dos réus e seus antecessores, desde 1920.

Neste sentido, vide Comentário à Nova Lei dos Baldios, Jaime Gralheiro, pág. 80 e o Acórdão deste TRG de 14.01.2016, proc. 509/13.6TBCBC.G1, in dgsi.pt, onde se sumariou que: «1 - Apenas com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/76 de 19 de Janeiro, os baldios passaram a constituir propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas e, nunca, bens do património das autarquias locais.
2 – Dispondo o seu artigo 2.º que «os terrenos baldios encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo, no todo ou em parte ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluindo a usucapião.»
3 – Anteriormente, os baldios puderam ser objecto de alienação e apropriação e entrar no domínio privado, uma vez que, sendo o artigo 2.º daquele Decreto-Lei n.º 39/76, uma norma inovatória que, como tal, só dispõe para o futuro, a aquisição da propriedade de terreno baldio, desde que ocorrida antes da entrada em vigor deste diploma, como válida terá de ser reconhecida.».

A isto acresce o facto de os réus beneficiarem da presunção derivada do registo, tendo resultado provado que “o prédio rústico, sito no lugar de B., da freguesia de X (agora X e Y), concelho de Paredes de Coura, composto de terreno de cultivo, pastagens, mato e pinhal, englobando os campos de (...) e armazém para recolha de gados e casa de forno anexa, a confrontar do norte com montes de Monção e Valença, do sul com Artur e outros e do nascente e poente com Tapada de Monte C. está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n." 36 - Freguesia de X, com registo de aquisição a favor de Artur, casado com Ana sob o regime da comunhão geral de bens. A referida Ana faleceu no dia 1 de agosto de 1989, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros legitimários o marido Artur e afilha Maria, aqui R., habilitados por escritura pública de 28 de Abril de 2004, lavrada no Cartório Notarial de Ponte de Lima. O mencionado Artur faleceu no dia 13 de Março de 2005, tendo-lhe sucedido como única herdeira a sua filha, aqui R., habilitada por escritura pública de 29 de Abril de 2005, lavrada no Cartório Notarial de Viana do Castelo da Licenciada M. M..

Resultou ainda provado que por escritura pública de 29 de Junho de 1987, lavrada no Cartório Notarial de Paredes de Coura, a sociedade anónima "Tapada do Monte C. " vendeu a Artur, casado com Ana, o seguinte imóvel: Prédio rústico denominado Campos e Pinhal do Chão P., constituído por terreno de cultivo, de pastagens, mato e pinhal, englobando os campos de (...) e armazém para recolha de gados, com casa de forno anexa, com as áreas de 399636 m2 de parte descoberta e 364 m2, de parte coberta, a confrontar do norte com os concelhos de Monção e Valença, do sul com Artur e outros e do nascente e poente com a Tapada do Monte C., parte do descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° (...) e inscrito no artigo 3052° de X. Apurou-se ainda que este prédio corresponde ao prédio referido em 3) dos factos provados”.
Presunção registral essa de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define – artº 7º do CRP.
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Aduz ainda a apelante a violação de caso julgado, o que não se verifica.

Ao invés, a sentença recorrida observou o caso julgado, designadamente o resultante da sentença proferida na acção n.º 43/86, ao concluir que “Além de beneficiarem da presunção resultante do registo, os RR. provaram a aquisição derivada do prédio em causa (adquiriram do seu pai e sogro, o qual, por sua vez, adquiriu à Tapada de Monte C.), mas também a sua aquisição originária, por usucapião (vejam-se os factos provados contidos nos nºs 24 a 43).

Já a A. não provou (nem sequer alegou) matéria de facto tendente a que se pudesse concluir que o terreno reivindicado era baldio, por forma a afastar a presunção resultante do registo.

Limitou-se a A. a dizer que todos os negócios de aquisição da referida Tapada do Monte C. foram julgados nulos, pelo que não poderia a mesma ter transmitido qualquer direito de propriedade ao antecessor dos RR.

Resultou provado que a Tapada do Monte C. provou o seu direito de propriedade, por usucapião, na acção nº 43/86, direito esse reconhecido por decisão transitada em julgado. Assim a A. não provou a sua alegação, que se viu infirmada pela junção aos autos das várias certidões que foram pedidas ao Juízo de Competência Genérica de Valença. Na acção nº 43/86 a Tapada de Monte C. provou o seu direito de propriedade, por usucapião e por compra e venda, por decisão transitada em julgado (veja-se que isto mesmo já se disse na sentença proferida no âmbito da AO nº 118/10.1 TBPCR – antepenúltima página da sentença junta a fls. 626 ss, bem como no Acórdão da Relação de Guimarães proferido no âmbito desses mesmos autos – última página do acórdão junto a fls. 643 ss)”.

Porquanto se deixa expendido, não procede a apelação.

Sintetizando:

I – Não tendo sido provado que o tracto de terreno em questão sempre foi possuído e gerido pela comunidade local, integrando um baldio, lograram os réus demonstrar, formulando o respectivo pedido, a aquisição da propriedade sobre a dita parcela de terreno, por usucapião, constituindo domínio privado.

IV – Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.
Guimarães, 18-10-2018

ANTÓNIO SOBRINHO
JORGE TEIXEIRA
JOSÉ AMARAL