Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1944/12.2TBBCL.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I--O direito à resolução do contrato previsto no art. 432.º do C.Civil, direito potestativo com eficácia extintiva, depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.
II--O devedor, segundo o art. 804.º, n.º 2 do C.Civil, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
III--Verifica-se incumprimento definitivo na hipótese de o credor perder o interesse na prestação, em consequência da mora, ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele-cfr. 808.º, n.º 1 do C.Civil.
IV--A mora pressupõe ter sido ultrapassado um termo essencial, estabelecido no contrato, ou posteriormente, e só se transforma em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede, através da interpelação admonitória, consagrada no citado artigo 808.º, n.º 1 do C.Civil.
Decisão Texto Integral:
Sumário
I--O direito à resolução do contrato previsto no art. 432.º do C.Civil, direito potestativo com eficácia extintiva, depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.
II--O devedor, segundo o art. 804.º, n.º 2 do C.Civil, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
III--Verifica-se incumprimento definitivo na hipótese de o credor perder o interesse na prestação, em consequência da mora, ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele-cfr. 808.º, n.º 1 do C.Civil.
IV--A mora pressupõe ter sido ultrapassado um termo essencial, estabelecido no contrato, ou posteriormente, e só se transforma em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede, através da interpelação admonitória, consagrada no citado artigo 808.º, n.º 1 do C.Civil.
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I-RELATÓRIO
M e mulher D e C e mulher, J, residentes em… Barcelos, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra "C, S.A.", com sede em Barcelos, pedindo que se declarem resolvidos os contratos promessa de cessão de quotas que celebraram com esta e que a mesma seja condenada a pagar-lhes as quantias de €130.000,00 e de €150.000,00, respectivamente, correspondentes ao dobro do sinal passado em cada um dos contratos, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Regularmente citada, a Ré contestou, e na reconvenção, pediu que se lhe reconheça o direito de fazer suas as quantias recebidas a título de sinal em consequência da resolução ilícita dos contratos promessa por si alegadamente celebrados com os AA. Mais suscitou a intervenção acessória de A.
Notificados, os AA replicaram pela forma constante de fls. 89 a 110, pugnando pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional deduzidos pela Ré.
Admitido o chamamento e efectuada a citação, o chamado contestou, reconhecendo que outorgou, na qualidade de gerente e em representação da Ré, os contratos promessa invocados como causa de pedir e recebeu para a sua representada, em cuja esfera jurídica ingressaram, as quantias entregues pelos AA a título de sinal, nos valores de € 65.000,00 e € 75.000,00, respectivamente.
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Proferiu-se sentença que julgou improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos Autores e julgou igualmente improcedente a reconvenção, absolvendo os Autores Reconvindos.
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Inconformados com a sentença, os Autores interpuseram recurso, terminando com as seguintes
Conclusões
1. A necessidade do presente recurso surge na sequência da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que julgou totalmente improcedente a acção intentada pelos Autores, onde estes peticionavam a restituição do sinal pago, por eles, em dobro, em virtude do incumprimento de dois contratos-promessa de cessão de quotas.
2. Fundando-se a sentença de que ora se recorre que não se provou que anteriormente a Janeiro de 2012 os AA. tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos.
3. Facto esse que resulta inequivocamente provado, não só através da prova testemunhal, designadamente das testemunhas L prestado em 01 de Março de 2016 das 11:19:52 às 11:43:52 e J prestado a 26 de Abril de 2016 das 10:33:12 às 10:50:31.
4. Mas também, por prova documental - interpelação para realização da escritura dos contratos prometidos - vide a este propósito documentos juntos aos autos a fls.34 a 38, que conduziu ao facto provado n.º11 da sentença.
5. Tornando-se, assim, evidente que os AA. não ficaram durante cerca de 9 anos impassíveis no que respeita à recusa da Ré a celebrar os contratos definitos para a cessão de quotas, até porque o valor pago a título de sinal é bastante elevado - €140.000,00 (cento e quarenta mil euros).
6. Grande maquia que face às condições financeiras os Autores/Recorrentes não lhes permitiria descuido, como não permitiu, em reaver esse montante, na eventual, não celebração dos contratos prometidos.
7. Facto que, sem prescindir, se não pode catalogar de notório, pode e deve resultar para o julgador de inevitável presunção judicial.
8. Sabido como é que as presunções judiciais se alcançam através de juízos baseados nas regras da experiência de vida que revestem natureza geral.
9. E que o tribunal deve, também, apoiar-se na factualidade instrumental que gravita em torno dos factos essenciais (Cfr. A Anotação de Maria José Capelo ao Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/06/2010, in Revista de Legislação de Jurisprudência, Ano 143.º, Março-Abril de 2014, n.º 3985, págs. 286 e ss.).
10. Na conformidade de todo o supra alegado há que salientar que se deu como provado no ponto 13 dos factos provados da sentença de que ora se recorre que a Ré respondeu às missivas enviadas por cartas de 12 de Março de 2013 recebidas pelos AA. continuando, contudo, sem realizar os contratos definitivos e com dinheiro que não lhe pertence e que lhe foi entregue pelos AA. a título de sinal.
11. O que significa que a Ré/Recorrida se encontra numa situação de incumprimento definitivo conducente ao direito de resolução por parte dos AA. e à consequente exigência do sinal em dobro, e à conducente procedência total da presente acção intentada pelos AA., aqui Recorrentes.
12. Por outro lado, a sentença recorrida também, de igual modo, deu, sem qualquer fundamento, como não provado "que a Autora D tivesse a expetativa de associar a sua carreira profissional de técnica de radiologia com a vertente empresarial".
13. Facto que seria conseguido com a aquisição da quota da "Clínica Particular de Barcelos" com a qual, após a escritura definitiva, passaria a colaborar".
14. E, da mesma forma, como não provado, "que intimamente ligada à promessa celebrada com o Autor C, estivesse a perspetiva de progressão profissional da sua mulher", a também A. J.
15. É que, na verdade, tais factos alegados pelos AA. na sua petição inicial têm de ser considerados como provados face à prova produzida no processo.
16. E, desde logo, porque uma das AA. é médica radiologista e a outra é gestora, tendo até trabalhado com um dos RR. como consta, do facto provado no ponto 19 da recorrida sentença.
17. Os AA. tinham a expetativa de construírem o seu futuro na clínica, motivo pelo qual pretenderem adquirir participações sociais e não pretenderam, apenas fazer um puro e simples investimento.
18. O que resulta, também, do depoimento das testemunhas L, J e M prestado em 15 de Junho de 2016 das 16:21:23 às 16:50:26.
19. Anote-se a este propósito que é tal a ausência de boa-fé, que sempre norteou a Ré que ela alega e está provado que de todos os movimentos das quantias que lhe foram entregues pelos AA. na pessoa do seu então gerente num total de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), apenas se encontram relevados na contabilidade dela os movimentos relativos aos cheques n.º 0600000033 e 7448333787 do montante respetivamente de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), num total de €37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros).
20. Nesta sede, há que concluir e decidir como V/Exas. com toda a certeza o farão, realizando a Justiça Material, que está provado que teve lugar a celebração de dois contratos¬promessa de aquisição de quotas por parte dos AA., tal como consta dos factos provados n.º 3 e 6 da sentença e do depoimento de parte de M.
21. E está provado que a Ré recebeu tais valores, ou para a sua própria conta ou para as contas particulares dos sócios e dos familiares destes, o que tem o mesmo relevo, como, além do mais, resulta manifesto do depoimento da testemunha A prestado em 01 de Março de 2016 das 10:41:14 às 10:57:19 e do depoimento da testemunha R, prestado em 26 de Abril de 2016 das 11:30:44 às 12:10:13, e também nesse sentido o depoimento prestado pela testemunha J e depoimento de parte de M.
22. Tudo isto, a determinar, a alteração dos factos não provados infra para factos provados:
"-que, anteriormente às missivas referidas nos itens 10 e 11 do elenco dos factos provados, os AA M e C tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré, questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos;"
«: que, a A. D tivesse a expectativa de associar a sua carreira profissional de técnica de radiologia com a vertente empresarial, o que seria conseguido com a aquisição da quota da "Clinica” que, intimamente, ligada à promessa celebrada pelo A. C, estivesse a perspetiva de progressão profissional da sua mulher a também A. J;".
23. E, assim, revogar a sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência julgar totalmente procedente a presente acção, e se assim não se entender, o que não se concebe, sempre deveriam os Recorrentes serem condenados a devolver, o sinal em singelo aos Recorrentes.
24. No que concerne à Matéria de Direito, antes de tudo se alegará que o Tribunal a quo não fez a devida e necessária articulação dos depoimentos prestados uns com os outros e, também, com as outras provas, nomeadamente, documental junta a fls. 34 a 38 dos autos.
25. Desvalorizando ou esquecendo também, os factos instrumentais, indiciários, circunstanciais ou probatórios existentes no caso presente não cumprindo o preceituado nos artigos 5.º e 607.º do C.P.C.
26. Impõem isso os preceitos processuais aplicáveis e também as pertinentes normas substantivas e, principalmente, a boa-fé, a lisura e a honestidade que sempre têm de estar presentes nas relações contratuais sinalagmáticas.
27. Boa-fé essa que a todas as luzes se vê que os Réus não cumpriram, limitando-se a dar a desculpa esfarrapada de que não tinha conhecimento algum da existência dos contratos promessa que celebraram, mas tinham conhecimento das entradas de cheques, conforme provado nos factos 8 e 15, alguns deles até em contas particulares dos Réus.
28. Logo, não podiam estes desconhecer a existência dos contratos-promessa, pois os Autores/Recorrentes nenhuma relação tinham, para além da profissional, com os Recorridos.
29. Sendo de salientar também que provado está que a Ré não cumpriu em prazo razoável as promessas que fez, a que se obrigou, e como já supra se alegou está há nove anos com dinheiro que recebeu de sinal no bolso e com a quotas em seu poder.
30. Assim, apesar de estar provada a existência de dois contratos promessa de cedência de quotas (facto provado item 3 e 6 da sentença), tal sentença não contêm qualquer fundamento válido sobre o regime e requisito de tais contratos-promessa, e olvida por completo o relacionamento que existe entre estes e o instituto da cedência de quotas prescrito no Código das Sociedades Comerciais.
31. Provado, que está, que tal aquisição tinha em vista, como já supra se aflorou, a carreira profissional de técnica de radiologia com a vertente empresarial da Autora D e a progressão profissional da Autora J mulher do Autor C.
32. E a Ré tinha perfeito conhecimento disso ao celebrar com os Autores os contratos promessa, contratos esses que negou com a desculpa irrealista de ter havido mudança dos detentores das suas participações sociais.
33. Como se isso tivesse qualquer relevo para a boa decisão da presente causa, sendo certo que a Ré ainda hoje existe, labora e tem, e sempre teve, atividade aberta, mantendo-se a sua capacidade e personalidade jurídica e judiciária.
34. A Ré só não tem, dada a sua má-fé, abertura para cumprir os contratos promessa a que se obrigou para com os Autores.
35. Saliente-se que o Tribunal a quo até conclui na motivação da sentença que:
"De qualquer modo, importa sublinhar que resultou da prova produzida que os AA e o chamado, ainda no tempo em que este era gerente da CIEDA, terão "acertado desistir" dos contratos, o que, consubstanciando uma revogação por mútuo acordo, é incompatível com a exigência ulterior de cumprimentos e de uma indemnização pelo incumprimento de tais contratos e conferiria aos AA apenas o direito à devolução em singelo das quantias entregues." (negrito e sublinhado nosso)
36. Ou seja, provado ficou, e dúvidas não restam, de que os AA por diversas vezes contactaram a Ré no sentido de realização dos contratos prometidos, e de que esta, por sua vez, incumpriu os contratos,
37. E, nessa conformidade, haveria lugar à devolução do sinal em singelo,
38. Porém, o Tribunal a quo "remata" a sua decisão julgando totalmente improcedente a presente acção.
39. Ora, a parca fundamentação aplicada na rasurada sentença aponta para a devolução do sinal em singelo, e o Tribunal a quo decide julgar totalmente improcedente a lide.
40. Tudo isto a significar que a diminuta fundamentação da sentença ora recorrida conduziu até à errada aplicação do direito ao caso sub judice, uma vez que compulsada a factualidade dada como provada pela primeira instância verifica-se que a mesma resulta dos factos alegados pelos Recorrentes e provados na sentença (factos n.ºs 3, 5,6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19),
41. Factos esses que no seu conjunto são suficientes para dar como provados que as partes celebraram entre si um contrato-promessa de cessão de quotas, o qual foi incumprido pelos Recorridos,
42. E a assim não se entender, o que não se concebe, sempre teriam os M/Recorrentes direito a receber o sinal em singelo,
43. Facto esse que não fazia incorrer a sentença da primeira instância em excesso de pronúncia e menos ainda extravasaria a causa de pedir, a qual não está subtraída à cognição do Tribunal.
44. Cabe ainda alegar, antes de mais, a patente oposição entre a factualidade dada como provada e a decisão e sobretudo que o que importa essencialmente para efeitos práticos é a atuação concreta da lei e não a sua formulação abstrata.
45. Ou seja, a boa interpretação da lei tem de ser feita no sentido judicativo decisório, não se tratando de uma pura hermenêutica e sempre na afirmação de que é o caso e não a norma o prius dessa interpretação, (Cfr. Assento do STJ de 27/09/1995 in Diário da República de 14/12/1995).
46. Nessa conformidade, a afirmação de que cada caso é um caso que deve ser resolvido não com a justiça formal mas, com a justiça material (Cfr. Acórdão do STJ de 15/10/1996, Pleno n.º 86153).
47. E a sentença recorrida, de modo algum, tomou isso em consideração, chegando a uma decisão infundada e irrealista face ao comprovado circunstancialismo existente no caso sub judice.
48. E também, puramente, formal, de que é exemplo paradigmático o afirmar-se nela que "o direito de resolução pressupunha a constituição da Ré em mora e a subsequente conversão desta em incumprimento definitivo através do mecanismo previsto no art.v 808 n.º 1, 2.ª parte CPC".
49. E dizemos formal porque tal sentença em vez de tomar um bom caminho atualista da Lei preferiu um mau caminho de calvário burocrático no seio do Direito Civil que não tem em conta a prossecução de quaisquer interesses subjacentes aos contratos, máxime os da presente ação.
50. Em face de tudo isso é momento de alegar que a má-fé se revela pelo pensamento e conduta da Ré no sentido de que atenta a existência da cláusula constante dos contratos em que se estipulou que "a escritura do contrato prometido teria lugar em data a designar pela Ré ( .. .)" não teria de cumprir nunca,
51. Ora, como é bem sabido a cláusula cum voluerit só se verifica quando a celebração da escritura do contrato fica ao puro arbítrio do promitente vendedor, o que não sucede no caso presente atento todo o provado circunstancialismo, que aponta para que tal celebração tivesse de ser realizada em prazo razoável. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/01/1992), e não para ficar ad eternum por realizar.
52. E, foi por isso, que, efetivamente, os AA. interpelaram a Ré no sentido de exigir o cumprimento do contrato contrariamente ao que se sugere e até se diz na sentença de que ora se recorre - facto provado 11 e doc. juntos a fls. 34 a 38 dos autos.
53. É que, como bem se decidiu no Acórdão do STJ de 15/10/1980, BMJ, 300.º-364.º, "desde que no contrato promessa de compra e venda se não convencionou o dia da outorga do contrato definitivo basta a interpelação para se fixar o dia em que tal contrato deve ter lugar, não sendo caso da sua fixação caber ao Tribunal nos termos do art.s 777.º, n.º 2 c. c. "
54. E, no caso sub júdice mais se acentua a desnecessidade da fixação do prazo através do tribunal quando os contraentes não estão em desacordo quanto a tal fixação, mas sim quando uma das partes já se recusa a cumprir, como na mesma conformidade se decidiu nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 12/07/1983 (CJ, 1983, 4.º-99), de 29/03/84 (CJ, 1984, 2.º-119) e de 09/03/1987 (CJ, 1987, 2.º-154).
55. Como de forma lapidar se decidiu no Ac. da Relação de Lisboa de 19/10/1979 (CJ, 1979, IV) ainda que não tenha sido fixado prazo para a celebração da escritura do contrato de compra e venda prometido, ante a decisão inabalável do promitente comprador de não a outorgar, não tem qualquer sentido útil a fixação do prazo para tal efeito. E acrescentaremos nós de acordo com o preceituado no citado art.v 777.º, n.º 2 do c.c.
56. Tudo isto a significar, além do mais, que a própria Ré, como se encontra provado no processo se constituiu numa situação de incumprimento definitivo com relação aos contratos promessa que realizou com os AA., não querendo, sem válida razão, sem justa causa outorgar as competentes escrituras públicas do contrato prometido.
57. E esse incumprimento definitivo a que alude o art.º 808.º do c.c. existe efetivamente dada a comprovada perda de interesse na prestação por parte dos AA., aqui Recorrentes, analisada objetivamente, atenta a inqualificável conduta da Ré até ao momento presente.
58. E, por isso é que a sentença recorrida se mostra em oposição entre fundamentos e decisão, ao concluir que a perda do interesse na aquisição das quotas por parte dos AA. não se operou, quando dá como provado que os AA interpelaram os RR para a celebração do contrato prometido- facto provado 11 da sentença.
59. E aqui se tem de trazer à colação outra vez a necessidade de o julgador fazer funcionar as presunções judiciais e, também, a necessidade de se tirarem, assim, as devidas conclusões de um ponto de vista fáctico, e o pertinente, bom e justo enquadramento jurídico da matéria de facto.
60. E dele resulta aquilo que constitui o cerne da pretensão dos AA. constante da sua Petição Inicial,
61. Ou seja, declaração de resolução dos contratos, condenação da Ré a pagar-lhes a quantia total de €280.000,00 (duzentos e oitenta mil euros) a título de sinal em dobro como determina o art.v 442.º, n.º 2 do c.c. - e juros face à recusa total e injustificada, de má-fé da Ré em cumprir os contratos prometidos.
62. Estando nós perante um caso paradigmático de condenação do incumpridor no sinal em dobro, que a não verificar-se, o que não se concede, conduzirá a um manifesto enriquecimento sem causa da Ré à custa dos AA. (art.º 473.º do c.c.).
63. E um abuso de direito por parte da mesma ao exceder, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, os limites normativo-jurídicos, como acentua o Professor Castanheira Neves in Questão de Facto e Questão de Direito, 526 e Nota 46 (Artigo 334.º do c.c.);
64. Com efeito, resulta provado nos autos que por escrito datado de 31 de Outubro de 2003, denominado "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", o chamado A, agindo na qualidade de sócio-gerente e em representação da Ré, prometeu ceder ao A. M, que, por sua vez, declarou aceitar, uma quota no valor nominal de €18.704,92 que a sua representada detinha no capital social da firma "Clínica Particular de Barcelos, l.da", mediante uma contrapartida pecuniária de €75.000,00 - facto provado 3.
65. Que nos termos da cláusula terceira desse acordo, a escritura correspondente ao contrato prometido seria marcada pela Ré, devendo esta avisar o A. M do dia, hora e local da outorga da mesma através de carta registada com aviso de recepção, enviada com a antecedência mínima de quinze dias - facto provado 4.
66. O A. M entregou à Ré, por conta da contrapartida pecuniária ajustada, as seguintes quantias:
- em 11 de Novembro de 2003, as quantias de €20.000,00 e €30.000,00, a primeira através do cheque n.º 2100000024, sacado sobre o Banco Totta & Açores, e a segunda através do cheque n.º 9841367855;
- em 20 de Julho de 2004, a quantia de €l5.000,00, por meio de transferência bancária para a conta com o NIB 0036 0096 9910003230726 - facto provado 5.
67. Por escrito datado de 31 de Outubro de 2003, denominado "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", o chamado A, agindo na qualidade de sócio¬gerente e em representação da Ré, prometeu ceder ao A. C, que, por sua vez, declarou aceitar, uma quota no valor nominal de €18.704,92 que a sua representada detinha no capital social da firma "Clínica Particular de Barcelos, l.da", mediante uma contrapartida pecuniária de €75.000,00 - facto provado 6.
68. Nos termos da cláusula terceira desse acordo, a escritura correspondente ao contrato prometido seria marcada pela Ré, devendo esta avisar o A. C do dia, hora e local da outorga da mesma através de carta registada com aviso de recepção, enviada com a antecedência mínima de quinze dias -facto provado 7;
69. O A. C entregou à Ré, em diversas parcelas, a totalidade da contrapartida pecuniária ajustada, a saber:
- em 15 de Novembro de 2003, a quantia de €17.500,OO, através do cheque n.º 732835278, sacado sobre o Banco Nova Rede;
- em 30 de Dezembro de 2003, a quantia de €20.000,OO, através do cheque n.º 4948333779, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos;
em 09 de Novembro de 2004, a quantia de €12.500,OO, através do cheque n.º 7448333787, igualmente sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos;
- em 28 de Dezembro de 2004, a quantia de €25.000,OO, através do cheque n.º 0600000033, sacado sobre o Banco Totta & Açores - facto provado 8;
70. A Ré jamais marcou as escrituras públicas que titulariam os contratos prometidos - facto provado 9;
71. Por carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Janeiro de 2012, recebida pela Ré no dia 13 desse mês, o ilustre mandatário dos AA, invocando o tempo até então decorrido desde a celebração dos contratos e que entretanto os seus constituintes "haviam perdido o interesse na aquisição das referidas quotas", instou aquela a transmitir-lhe a sua "posição quanto à resolução" do diferendo - dr. doc. de fls. 32, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - facto provado 10;
72. Por cartas registadas com aviso de recepção datadas de 7 de Março de 2012, os AA M e C fixaram à Ré o prazo de quinze dias, contados da recepção de tais cartas, para proceder à marcação das escrituras públicas referentes aos contratos prometidos- dr. doc.s de fls. 34 a 38, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos - facto provado 11;
73. Em ambas as referidas missivas os M M e C advertiram a Ré para as consequências a que se expunha se, por motivos que não lhes fossem imputáveis, a escritura prometida não se realizasse no prazo fixado, a saber: "a) Em consequência da referida mora de mais de 8 anos perdeu o ora signatário, objectivamente, o interesse na realização da escritura e no contrato prometido; b) Considerará assim o contrato promessa como incumprido pela "Carvalho, Inácio, Esteves, Duarte e Araújo, S.A."; c) Considerará esse incumprimento como definitivo; d) Considerará o referido contrato promessa resolvido, sem necessidade de qualquer interpelação adicional; e) Exigirá o pagamento da indemnização que lhe compete nos termos do n.º 2 do artigo 442º do Código Civil" - facto provado 12;
74. A Ré respondeu a essas missivas por cartas enviadas aos AA no dia 12 de Março de 2012, sustentando desconhecer a existência dos contratos promessa e dos pagamentos alegadamente feitos em cumprimento dos mesmos, por entretanto ter ocorrido uma transmissão de participações sociais e os actuais detentores destas não terem recebido a esse respeito qualquer informação por parte dos transmitentes - facto provado 13;
75. O prazo fixado pelos AA expirou há muito, sem que tenha havido da parte da Ré qualquer interesse em regularizar a situação - facto provado 14;
76. As quantias entregues pelos AA à Ré, na pessoa daquele seu gerente, tiveram o seguinte destino:
- o cheque n.º 2100000024, no montante de €20.000,00, sacado sobre o Banco Totta & Açores, foi depositado numa conta da Clinica Particular de Barcelos e o respectivo montante foi levantado à boca de cofre e afectado ao pagamento de salários aos funcionários dessa Clínica;
- o cheque n.º 9841367855, no montante de no.ooo,OO, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, foi depositado numa conta titulada por D, mulher do chamado, junto do Banco Espírito Santo;
- o cheque n.º 0732835278, no montante de n7.500,00, sacado sobre o Banco Nova Rede, foi depositado numa conta titulada por J, sogro do chamado, junto do Montepio Geral;
- o cheque n.º 4948333779, no montante de €20.000,00, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, foi depositado numa conta titulada pelo chamado e pela sua mulher no Banco Santander Totta;
- o cheque n.º 7448333787, no montante de n2.500,00, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, foi depositado na conta que a Clínica do Senhor da Cruz de Barcelos, Lda possuía junto do Banco Santander Totta;
- o cheque n.º 0600000033, no montante de €25.000,00, sacado sobre o Banco Totta & Açores, foi depositado na conta bancária de que a Clínica do Senhor da Cruz de Barcelos, Lda era titular junto da mesma instituição de crédito;
- o valor de n5.000,00, movimentado por transferência bancária no dia 20 de Julho de 2004, foi creditado numa conta titulada por J, sogro do chamado, junto do Montepio Geral- facto provado 15;
77. Desses movimentos, apenas se encontram relevados na contabilidade da Ré os relativos aos cheques números 0600000033 e 7448333787, tendo sido movimentadas as seguintes contas:
- A débito - 41137 - Suprimentos Clínica Senhor da Cruz;
- A crédito - 25512 - Empréstimos do Chamado A à CIEDA - facto provado 16;
78. Ora, atenta a factualidade dada como provada na sentença recorrida, e ainda a factualidade provada resultante dos depoimentos das testemunhas supra transcritas jamais o tribunal a quo poderia julgar totalmente improcedente a presente acção,
79. Assentando essa improcedência num eventual "acordo de desistência do negócio", o que consubstancia uma revogação por mútuo acordo,
80. Ora, mesmo que assim se entendesse, que os AA teriam "desistido do negócio", o que não se concede, sempre teriam estes direito a receber o sinal em singelo,
81. Sinal esse que a sentença da primeira instância olvida por completo.
82. Por outro lado, resultando inequivocamente provado dos autos a realização de um contrato promessa para cessão de quotas e a interpelação para a realização de escritura (vide documentos a fls. 34 a 38 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) ¬facto provado 11 - e o consequente incumprimento pela Ré,
83. Dúvidas não restam de que a lei culmina esse incumprimento com a restituição do sinal em dobro,
84. Por último, saliente-se, a este propósito, que se estabelece no art. 441.º do c.c. uma presunção "legal de sinal" no contrato promessa de compra e venda relativamente a toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.
85. Presunção essa, iuris et iuris mas que, no caso sub júdice, não foi ilidida por qualquer prova em contrário.
86. Por tudo o exposto nesta sede de matéria de direito (com natural conjugação com o que se alegou em sede de matéria de facto) se tem de concluir, pela revogação da sentença recorrida e pela procedência da ação e do presente recurso.
*
A Ré apresentou contra-alegações, concluindo que:
I. Apresentaram os Autores Recurso de Apelação da decisão do Tribunal a quo.
II. Colocando em crise a decisão sobre a matéria dada como não provada na Douta Sentença,
- que, anteriormente às missivas referidas nos itens 10 e 11 do elenco dos factos provados, os AA M e C tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré, questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos;
- que a A. D tivesse a expectativa de associar a sua carreira profissional de técnica de radiologia com a vertente empresarial, o que seria conseguido com a aquisição da quota da "Clínica Particular de Barcelos", com a qual, após a escritura definitiva, passaria a colaborar;
- que, intimamente ligada à promessa celebrada pelo A. C, estivesse a perspectiva de progressão profissional da sua mulher, a também A. J;
- que, em Maio de 2007/ essa A./ terminada a comissão de serviço no Centro de Saúde de Barcelos, tivesse pretendido retomar as suas funções na Clínica Particular de Barcelos;
- que, por ter sido recusada a sua readmissão nessa Clínica, se tivesse extinto o interesse adicional que pudesse ter no negócio.
III. Para tal, alicerçaram o Recurso numa leitura enviesada das declarações tomadas em Tribunal,
IV. Sustentando e fazendo cair o leitor num conjunto de erros, valorizando depoimentos de uma testemunha que é familiar dos AA, como o caso de L (mãe das AA. D e J e sogra dos AA. M e C).
V. Ainda pretendendo que o Tribunal valorize as Declarações de Parte da A. J e do A. M, como se de testemunhas se tratassem (ver artigos 6.0, 24.0; 25.0; 34.0, 36.0, 39.0)
VI. E por fim, fazendo tábua rasa das cessões de quotas da Ré, e da transformação do seu tipo de sociedade de tipo por quotas em sociedade de tipo anónima, com alteração, conhecida pelos AA., dos titulares dos seus órgãos de administração e accionistas.
VII. Ora, dúvidas não restam à ora Recorrida que a sentença da P instância não merece reparo, nomeadamente na matéria de facto dada como provada e como não provada, e no seu enquadramento com a decisão proferida.
VIII. Os AA. defendem ter mantido diversos contactos "com os legais representantes da Ré"(sublinhado nosso)
IX. Referindo, para sustentar essa posição, os relatos da testemunha L (mãe das Autoras e sogra dos Autores)
X. E com que pessoas refere ter falado a mãe das Autoras e sogra dos Autores?
"Falei com o Dr A, com o Dr. J e falei com o Dr. C" (minuto 09.18).
XI. Referem, ainda, as declarações de parte da Autora J,
XII. Tentando fazê-Ias passar como se fossem de uma testemunha com conhecimento do caso, quando são da própria Autora!
XIII. E diz a Autora nas suas declarações de parte tomadas no dia 26 de Abril de 2016: Que "durante, entre 2007 e 2010, eu ia abordando o Dr. A para saber do andamento do negócio (. . .) [em junho ou julho de 2011] procurei novamente o Dr. A (. . .) e cheguei à conclusão que as coisas não iam ser resolvidas" (minuto 12.00)
XIV. Resultou da matéria provada, que se baseou, note-se, em documentação junta quer pelos AA. quer pela ora Recorrida, que entre 2003 e 2005 se deu a transmissão das quotas da ora Ré, e a sua transformação em Sociedade Anónima,
XV. Tendo, desde essa data, que se concluir que as pessoas que os AA. referem expressamente ter interpelado verbalmente não mais representavam a Ré, seja a que título for.
XVI. De notar que os AA. não desconheciam, de todo, o negócio acima referido.
XVII. Não é, assim, de estranhar que não se tenha como provado "que, anteriormente às missivas referidas nos itens 1 O e 11 do elenco dos factos provados, os AA M e C tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré,questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos." (sublinhado nosso).
XVIII. Tal resulta, como se disse, quer da factualidade provada em termos de cessão de quotas e transformação da Ré, quer de todos os testemunhos e declarações de parte produzidos em Julgamento.
XIX. A expressão "projecto de vida" foi sendo referida quase como uma pedra de toque das declarações de parte e das testemunhas (familiares) arroladas pelos AA, quando lembradas de tal.
XX. Referiu a testemunha L (mãe das Autoras e sogra dos Autores),
XXI. E referiram a A. J e o A. M.
XXII. Esteve bem o tribunal a quo na forma como valorou este testemunho e as declarações de parte, ao não considerar provada a existência de qualquer "projecto de vida".
XXIII. Até porque, se atentarmos nas declarações de parte dos AA., os mesmos, por mais do que uma vez, se contradizem na explicação da motivação do negócio.
XXIV. O Chamado A, assinou os contratos promessa, no seu depoimento, categoricamente afastou a ideia de existência ou constituição de um qualquer "projecto de vida" assente na contratação por parte das AA., nomeadamente sobre a Autora D,
XXV. Referindo que nunca sobre tal falou com ela ou com o A. M e mais referindo que a "imeçiotoçie estava preenchida".
XXVI. De notar que o negócio terá sido sempre apresentado como um investimento, nomeadamente ao A. M, que assim o apresentou aos familiares, uma vez que as clínicas eram altamente rentáveis à data.
XXVII. Seja como for, ficou assente - e bem - que o desinteresse no negócio não se prendeu com a falência de um qualquer "projecto de vida", mas com o desinteresse de entrar para o capital social da Clínica Particular de Barcelos, Lda
XXVIII. Considerando a alienação das participações sociais da Ré e a sua transformação em Sociedade Anónima,
XXIX. Como resulta provado, com base no depoimento da testemunha L,
XXX. E nas declarações de parte da A. J.
XXXI. A actual administração da Ré sempre norteou a sua actuação no presente processo pelos ditames da boa-fé, e da cooperação processual,
XXXII. Como se verifica pela ausência de alteração dos argumentos que sempre defendeu desde o primeiro momento. Quer o desconhecimento efectivo e absoluto do negócio que se discute, quer a não verificação da entrada efectiva na sua esfera (em 2003 e 2004) dos valores identificados no processo,
XXXIII. Ficou, ainda, provado, com relevância para a decisão, que o grupo que adquiriu as participações sociais da Ré não foi informado, em momento algum, dos negócios em discussão no presente processo.
XXXIV. Nos termos previstos nos artigos 615.º, n.º 1, alínea c) e 617.°, n. 1, ambos do Código de Processo Civil, já veio o agora Venerando Desembargador, que foi o Juiz do processo na P instância, se pronunciar,
XXXV. Concluindo, e muito bem, que a decisão recorrida não enferma de qualquer nulidade, nomeadamente aquela que os AA. e Recorrentes apontam: que os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
XXXVI. Os AA./Recorrentes discorrem, ainda, sobre qual o sentido da decisão caso tivessem tido sucesso a provar a matéria que alegaram e que se propunham ou tinham o ónus de provar.
XXXVII. Matéria sobre a qual os Recorrentes já apresentaram contra-alegações e conclusões.
XXXVIII. Ora, como não conseguiram aquele desiderato, nem, salvo melhor opinião, conseguirão,
XXXIX. Alegam, então, de forma pouco sub-reptícia, que o Tribunal recorrido deveria ter oficiosamente promovido uma alteração da causa de pedir na decisão.
XL. Mas, como refere a Sentença ora recorrida, tal matéria encontra-se subtraída à cognição do Tribunal, no que diz respeito à desistência do negócio.
XLI. Os AA. nunca, em momento algum, alegaram ou aceitaram ter desistido do negócio.
XLII. Toda a sua estratégia processual foi no sentido de provaram, além do mais, a perda de interesse no negócio por se ter gorado um alegado "projecto de vida", que se viu e provou não existir.
XLIII. Isto por bem saberem que em momento algum haviam cumprido com a necessidade e o formalismo de interpelação da Ré.
XLIV. De facto nunca contactaram a Ré, até 2013, verbalmente ou por escrito, como ficou amplamente provado e dúvidas não há desse facto.
XLV. Os únicos contactos referidos pelos AA. em declarações de parte e pela testemunha L são posteriores à cedência de quotas e transformação da Ré e sempre, note-se, sempre com pessoas que bem sabiam já não representar a Ré.
XLVI. É um facto que é impossível os AA. desconhecerem essa não representatividade.
XLVII. Só em 2013, como se referiu, foram estabelecidos contactos com a Ré, ainda que sem qualquer contextualização ou necessário rigor formal.
XLVIII. Sem que fosse estabelecido, em rigor, um prazo essencial para cumprimento, como resultou provado.
XLIX. Acresce que a Ré, em momento algum, se recusou a cumprir.
L. Levanta, isso sim, um conjunto de questões, já discutidas no processo e que serão, a seu tempo, objecto de discussão noutras instâncias,
LI. Decorrentes quer da cedência de quotas e transformação da Sociedade, recebimentos das quantias e transformação da Sociedade para alienação.
LII. Quer de não existirem provas e elementos contabilísticos que permitissem verificar que as quantias alegadamente entregues para pagamento do preço teriam entrado na sua esfera.
LIII. Do exposto, como melhor decorre da Sentença do Tribunal a quo, resulta não estarem reunidos os pressupostos para a resolução dos contratos promessa e a consequente exigência do sinal (em dobro), pois não existe uma situação de incumprimento definitivo.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes :
--Da nulidade da sentença;
--Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto indicada pelos Apelantes;
--Da devolução do sinal em singelo.
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Da nulidade da sentença
Os Apelantes invocaram a nulidade da sentença, em resultado da oposição entre a factualidade dada como provada e a decisão, por se ter concluído que a perda do interesse na aquisição das quotas por parte dos AA. não se operou, dando como provado que os AA interpelaram os RR para a celebração do contrato prometido; defendendo ainda que a sentença recorrida chegou a uma decisão infundada e irrealista face ao comprovado circunstancialismo existente no caso sub judice.
É nula a sentença quando nomeadamente não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão, os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse pronunciar-se—cfr. artigo 615.º, n.º 1, als.b), c) e d), do C.P.Civil.
Nesta matéria, é importante realçar que estamos perante vícios de natureza meramente formal, que não se confundem com a incorrecta análise critica ou valoração dos meios de prova que conduziram o juiz a decidir, a matéria de facto, num determinado sentido.
Relativamente ao vício consubstanciado na oposição entre os fundamentos e a decisão, A. dos Reis Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141. conclui que estamos perante um vício lógico que compromete a sentença pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Ora, os argumentos aduzidos pelos Recorrentes, para fundamentar o pedido de nulidade da sentença, revelam, essencialmente, uma discordância quanto à solução jurídica, e não um vício meramente formal, pelo que não se verifica qualquer contradição entre a fundamentação fáctica e a decisão final.
Bem pelo contrário.
Com base nos factos dados como provados, a sentença concluiu que não ocorreu incumprimento definitivo por parte da Ré, razão pela qual não assistia aos Autores o direito de resolverem os contratos-promessa de cessão de quotas e de receberem o sinal em dobro.
Assim sendo, improcedem as alegações recursivas nesta parte.
*
Da modificabilidade da decisão de facto
Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. (negrito nosso)
Assim, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal Cfr. Geraldes, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 256. e ainda de outros que se mostrarem pertinentes, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Os Apelantes pretendem a alteração da decisão que considerou não provados os seguintes factos:
"-que anteriormente às missivas referidas nos itens 10 e 11 do elenco dos factos provados, os AA M e C tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré, questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos;"
«: que, a A. D tivesse a expectativa de associar a sua carreira profissional de técnica de radiologia com a vertente empresarial, o que seria conseguido com a aquisição da quota da "Clinica” que, intimamente, ligada à promessa celebrada pelo A. C, estivesse a perspetiva de progressão profissional da sua mulher a também A. J;".
Após se ter procedido à reavaliação das declarações de parte (J e M) e do depoimento prestado pela mãe das Autoras/Apelantes D e J, a testemunha L, não há dúvida que a decisão, relativamente à factualidade em causa, revela-se absolutamente correcta.
Com efeito, o Mmo. Juiz explicou, de forma muito clara, as razões pelas quais não ficou minimamente convencido sobre as referidas alegações do Autores, consignando que :
Não se deu como provado que, anteriormente às missivas referidas nos itens 10 e 11 do elenco dos factos provados, os AA M e C tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré, questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos, porque os elementos probatórios recolhidos, mormente por iniciativa dos próprios AA, desmentem essa alegação.
Senão vejamos.
Apesar de o seu depoimento ter suscitado algumas reservas, a testemunha L, mãe das AA D e J e sogra dos AA M e C, referiu que, em 2005, estes, confrontados com a projectada alienação das participações que o chamado e os demais sócios da CIEDA, J e C, detinham nessa sociedade, "acertaram desistir do negócio".
Acresce que essa desistência foi igualmente mencionada pela J e é reportada na carta registada com aviso de recepção que o marido desta, o A. C, enviou ao dito J em Maio de 2011, reproduzida a fls. 774.
Neste contexto, é evidente que o que estava em causa desde essa altura era a recuperação das quantias entregues por conta do preço ajustado e não o cumprimento dos contratos promessa, mediante a celebração dos correspondentes contratos definitivos. (sublinhado e negrito nossos)
Não se deu como provado que os contratos promessa tivessem sido celebrados tendo como pressuposto o "projecto de vida", em termos profissionais, que a aquisição das quotas na Clínica Particular de Barcelos pretensamente representaria para as AA D e J porque o chamado negou peremptoriamente essa alegação e os depoimentos a esse propósito recolhidos, mormente os prestados pela mãe e sogra dos AA e pelo seu tio D, não se mostraram convincentes. (sublinhado nosso)
Importa ainda salientar que o chamado admitiu que não informou o grupo "Nova Saúde", aquando das negociações que culminaram com a venda da quota que detinha na CIEDA, dos contratos anteriormente celebrados com os aqui AA.
No mesmo sentido militou o depoimento da testemunha A, que representou a compradora nessas negociações.

Como bem salienta a Apelada, para além do compreensível interesse no desfecho favorável aos Autores por parte da testemunha L, decorrente da sua ligação familiar com aqueles e do comprometimento, por ser parte, da própria Autora, J, a verdade é que, no ano de 2005, altura em que a Ré foi transformada em sociedade anónima,a ideia era no sentido de desistirem do negócio.
Os documentos invocados pelos Apelantes para sustentarem a sua posição, juntos a fls. 34 a 38, são duas missivas, remetidas posteriormente a Janeiro de 2012, às quais a Ré respondeu, revelando desconhecimento sobre a celebração desses contratos-promessa (cfr. pontos 10 a 13 dos factos provados).
Relativamente ao “projecto de vida” alegado pelos Autores para fundamentarem o “desinteresse na prestação”, acompanhamos o raciocínio e análise do Mmo. Juíz quando observou que o Chamado, A, promitente-cedente das quotas da Ré, negou tal ideia, transmitindo, ao invés, que o negócio constituía, na altura, um bom investimento atendendo à rentabilidade das clínicas; não sendo credíveis, pela ligação familiar, os depoimentos da mãe e sogra dos AA e do seu tio D.
Em suma, e sem necessidade de esclarecimentos adicionais, mantém-se na íntegra a decisão proferida sobre a matéria de facto.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS
1 - Em 2003, a Ré era uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, sendo que, em termos estatutários, era suficiente a assinatura do gerente para a obrigar;
2 - Posteriormente, já no ano de 2005, foi transformada em sociedade anónima, facto que foi levado a registo comercial em 10 de Agosto de 2005, inicialmente lavrado como provisório e que veio a ser convertido em definitivo em 03 de Novembro de 2005, altura em que a sociedade assumiu a designação "C & A, S.A.", que ainda hoje mantém;
3 - Por escrito datado de 31 de Outubro de 2003, denominado "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", o chamado A, agindo na qualidade de sócio-gerente e em representação da Ré, prometeu ceder ao A. M, que, por sua vez, declarou aceitar, uma quota no valor nominal de €18.704,92 que a sua representada detinha no capital social da firma "Clínica Particular de Barcelos, Lda", mediante uma contrapartida pecuniária de €75.000,00;
4 - Nos termos da cláusula terceira desse acordo, a escritura correspondente ao contrato prometido seria marcada pela Ré, devendo esta avisar o A. M do dia, hora e local da outorga da mesma através de carta registada com aviso de recepção, enviada com a antecedência mínima de quinze dias;
5 - O A. M entregou à Ré, por conta da contrapartida pecuniária ajustada, as seguintes quantias:
- em 11 de Novembro de 2003, as quantias de €20.000,00 e €30.000,00, a primeira através do cheque n..º 2100000024, sacado sobre o Banco Torta & Açores, e a segunda através do cheque n." 9841367855;
- em 20 de Julho de 2004, a quantia de €15.000,00, por meio de transferência bancária para a conta com o NIB 0036 0096 9910003230726;
6 - Por escrito datado de 31 de Outubro de 2003, denominado "Contrato Promessa de Cessão de Quotas", o chamado A, agindo na qualidade de sócio-gerente e em representação da Ré, prometeu ceder ao A. C, que, por sua vez, declarou aceitar, uma quota no valor nominal de €18.704,92 que a sua representada detinha no capital social da firma "Clínica Particular de Barcelos, Lda", mediante uma contrapartida pecuniária de €75.000,00;
7 - Nos termos da cláusula terceira desse acordo, a escritura correspondente ao contrato prometido seria marcada pela Ré, devendo esta avisar o A. C do dia, hora e local da outorga da mesma através de carta registada com aviso de recepção, enviada com a antecedência mínima de quinze dias;
8 - O A. C entregou à Ré, em diversas parcelas, a totalidade da contrapartida pecuniária ajustada, a saber:
- em 15 de Novembro de 2003, a quantia de €17.500,00, através do cheque n.º 732835278, sacado sobre o Banco Nova Rede;
- em 30 de Dezembro de 2003, a quantia de €20.000,00, através do cheque n.º 4948333779, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos;
- em 09 de Novembro de 2004, a quantia de €12.500,00, através do cheque n.º 7448333787, igualmente sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos;
- em 28 de Dezembro de 2004, a quantia de €25.000,00, através do cheque n.º 0600000033, sacado sobre o Banco Totta & Açores;
9 - A Ré jamais marcou as escrituras públicas que titulariam os contratos prometidos;
10 - Por carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Janeiro de 2012, recebida pela Ré no dia 13 desse mês, o ilustre mandatário dos AA, invocando o tempo até então decorrido desde a celebração dos contratos e que entretanto os seus constituintes "haviam perdido o interesse na aquisição das referidas quotas", instou aquela a transmitir-lhe a sua "posição quanto à resolução" do diferendo - cfr. doc. de fls. 32, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
11 - Por cartas registadas com aviso de recepção datadas de 7 de Março de 2012, os AA M e C fixaram à Ré o prazo de quinze dias, contados da recepção de tais cartas, para proceder à marcação das escrituras públicas referentes aos contratos prometidos - cfr. doc.s de fls. 34 a 38, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos;
12 - Em ambas as referidas missivas os AA M e C advertiram a Ré para as consequências a que se expunha se, por motivos que não lhes fossem imputáveis, a escritura prometida não se realizasse no prazo fixado, a saber:
a) Em consequência da referida mora de mais de 8 anos perdeu o ora signatário, objectivamente, o interesse na realização da escritura e no contrato prometido;
b) Considerará assim o contrato promessa como incumprido pela "C, S.A.";
c) Considerará esse incumprimento como definitivo;
d) Considerará o referido contrato promessa resolvido, sem necessidade de qualquer interpelação adicional;
e) Exigirá o pagamento da indemnização que lhe compete nos termos do n. º 2 do artigo 442º do Código Civil";
13 - A Ré respondeu a essas missivas por cartas enviadas aos AA no dia 12 de Março de 2012, sustentando desconhecer a existência dos contratos promessa e dos pagamentos alegadamente feitos em cumprimento dos mesmos, por entretanto ter ocorrido uma transmissão de participações sociais e os actuais detentores destas não terem recebido a esse respeito qualquer informação por parte dos transmitentes;
14 - O prazo fixado pelos AA expirou há muito, sem que tenha havido da parte da Ré qualquer interesse em regularizar a situação;
15 - As quantias entregues pelos AA à Ré, na pessoa daquele seu gerente, tiveram o seguinte destino:
- o cheque n.º 2100000024, no montante de €20.000,00, sacado sobre o Banco Totta & Açores, foi depositado numa conta da Clinica Particular de Barcelos e o respectivo montante foi levantado à boca de cofre e afectado ao pagamento de salários aos funcionários dessa Clínica;
- o cheque n.º 9841367855, no montante de €30.000,00, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, foi depositado numa conta titulada por D, mulher do chamado, junto do Banco Espírito Santo;
- o cheque n.º 0732835278, no montante de €17.500,00, sacado sobre o Banco Nova Rede, foi depositado numa conta titulada por José da Costa Araújo, sogro do chamado, junto do Montepio Geral;
- o cheque n.º 4948333779, no montante de €20.000,00, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, foi depositado numa conta titulada pelo chamado e pela sua mulher no Banco Santander Totta;
- o cheque n.º 7448333787, no montante de €12.500,00, sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos, foi depositado na conta que a Clínica do Senhor da Cruz de Barcelos, Lda possuía junto do Banco Santander Totta;
- o cheque n.º 0600000033, no montante de €25.000,00, sacado sobre o Banco Totta & Açores, foi depositado na conta bancária de que a Clínica do Senhor da Cruz de Barcelos, Lda era titular junto da mesma instituição de crédito;
- o valor de €15.000,00, movimentado por transferência bancária no dia 20 de Julho de 2004, foi creditado numa conta titulada por José da Costa Araújo, sogro do chamado, junto do Montepio Geral;
16 - Desses movimentos, apenas se encontram relevados na contabilidade da Ré os relativos aos cheques números 0600000033 e 7448333787, tendo sido movimentadas as seguintes contas:
- A débito - 41137 - Suprimentos Clínica Senhor da Cruz;
- A crédito - 25512 - Empréstimos do Chamado A à CIEDA;
17 - No ano 2004, a A. D, mulher do A. M, era técnica de radiologia, profissão que ainda exerce actualmente;
18 - Por sua vez, a mulher do A. C, a também A. J, era licenciada em Gestão de Empresas e trabalhava nos serviços administrativos da "Clínica Particular de Barcelos";
19 - Em Maio de 2004, o chamado foi nomeado Director do Centro de Saúde de Barcelos e convidou a A J para o acompanhar e, em comissão de serviço, exercer funções como Coordenadora da Unidade de Gestão Administrativa daquele Centro.
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IV-DIREITO
Os Autores, através da presente acção, pretendem que os contratos-promessa de cessão de quotas, celebrados com a Ré, sejam declarados resolvidos, e esta condenada no pagamento correspondente ao dobro do sinal entregue, acrescido de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Por conseguinte, com fundamento na celebração de dois contratos-promessa de cessão de quotas (cuja qualificação jurídica não é questionada) e no seu incumprimento por parte da Ré, estruturaram a presente acção no disposto no artigo 442.º, n.º 2 do C.Civil.
Com efeito, segundo o disposto no referido preceito legal “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou ( ...)”.
Os contratos-promessa de cessão de quotas celebrados entre as partes, devem ser, nos termos do artigo 406.º do C.Civil, pontualmente cumpridos, ou seja, honrando todas e cada uma das cláusulas neles previstas, só podendo ser extintos, por mútuo consentimento dos contratantes, ou nos casos admitidos na lei.
O instituto da resolução como forma de desvinculação unilateral concedida ao contraente lesado Cfr. Proença, José Carlos Brandão, A Resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, 1996, pág. 64 e segs. surge na lei motivada por factores supervenientes e exteriores ao próprio “corpo” negocial, que geram situações violadoras da disciplina contratual originária (a hipótese típica e mais relevante do não cumprimento por uma das partes das obrigações integradas num contrato bilateral) ou estados de desequilíbrio entre as prestações Ob. cit., pág. 64..
Portanto, o direito à resolução do contrato previsto no art. 432.º do C.Civil, direito potestativo com eficácia extintiva, como se nota no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/12/2013 Disponível em www.dgsi.pt., entre muitos outros, depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.
O devedor, segundo o art. 804.º, n.º 2 do C.Civil, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
Verifica-se incumprimento definitivo na hipótese de o credor perder o interesse na prestação, em consequência da mora, ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele-cfr. 808.º, n.º 1 do C.Civil.
A mora só se transforma em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede, através da interpelação admonitória, nos termos do citado preceito legal.
A mora, como se observa na sentença, pressupõe ter sido ultrapassado um termo essencial, estabelecido no contrato, o que não sucedeu neste caso uma vez que as partes não fixaram qualquer prazo para a realização dos contratos prometidos.
E, por esse motivo, as interpelações admonitórias em que se consubstanciam as missivas, datadas de 7 de Março de 2012, que os Autores remeteram à Ré, fixando-lhe um prazo de 15 dias, para proceder à marcação das escrituras públicas, não têm a virtualidade de transformar a mora (que ainda não se verificara) em incumprimento definitivo.
Por outro lado, como bem se salientou na sentença, alicerçada na jurisprudência pacífica sobre esta matéria, o mero decurso do tempo, não determina, por si só, a perda de interesse na prestação, a qual terá de ser apreciada, segundo o art. 808.º, n.º 2 do C.C., de forma objectiva.
No caso concreto, apenas consta das missivas endereçadas pelos Autores à Ré a invocação genérica da “perda de interesse” mas não ficou demonstrada qualquer factualidade que permitisse ao Tribunal concluir nesse sentido.
Da parte da Ré, a manifestação de desconhecimento no que concerne à existência dos contratos promessa e dos pagamentos feitos em cumprimento dos mesmos, por entretanto ter ocorrido uma transmissão de participações sociais e os actuais detentores destas não terem recebido a esse respeito qualquer informação por parte dos transmitentes, o que ficou provado, afasta, por um lado, qualquer recusa categórica de cumprimento e a apontada actuação desconforme com a boa-fé, por outro.
Acresce, na linha argumentativa do Acórdão do STJ de 10/01/2008 Disponível em www.dgsi.pt., que o retardamento da prestação (mora) do devedor, implica que tal lhe seja imputável, situação não apurada no caso concreto.
Numa palavra, não tendo ficado demonstrado o incumprimento definitivo dos contratos-promessa pela Ré, não assiste aos Autores o direito de os resolverem, com esse fundamento, e de receberem o sinal em dobro ou em singelo.
Nem se nos afigura correcta a censura de que, desta forma, a Ré enriquece à custa dos Autores na medida em que ainda existe a possibilidade de os contratos serem cumpridos ou, extintos, por mútuo consentimento.
Os Apelantes, apesar de declararem não concordar com a tese de que teriam desistido do negócio, resultante da instrução da causa, consideram que sempre teriam direito a receber o sinal em singelo, e que a sentença, se tivesse optado por essa via, não incorria em excesso de pronúncia.
Na petição o autor deve observar determinados requisitos, entre os quais a exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e a formulação do pedido-cfr. art. 552.º, n.º 1, als. d) e e) do C.P.Civil.
Assim sendo, cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas-cfr. artigo 5.º, n.º 1 do C.P.Civil.
A sentença, no estrito respeito pelo dispositivo, não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir -cfr. art. 609.º, n.º 1 do C.P.Civil.
Como sublinha assertivamente Luso Soares Cfr. Direito Processual Civil, Almedina, 1980, pág. 485.
, entre a sentença e o pedido haverá um paralelismo completo. O pedido, acrescenta, limita objectivamente a sentença. Esta não pode incorrer em ultrapetição (quantidade superior à pedida), nem em extrapetição (objecto diverso do que se pedir), sob pena de nulidade. (sublinhado nosso)
Constituindo a pronúncia ultra petitum uma violação do princípio do dispositivo, a lei determina, em consequência, a nulidade da sentença-cfr. 615.º, n.º 1, al. e) do C.P.Civil.
Os Autores, como já foi acima salientado, estruturaram a acção no incumprimento, por parte da Ré, dos contratos-promessa que celebraram, pedindo, em consequência, a sanção legal constituída pela devolução do sinal, em dobro.
Esta foi a causa de pedir alegada pelos Autores e não a revogação daqueles contratos por mútuo acordo e a necessária devolução do sinal em singelo.
A desvinculação do acordo, por mútuo consentimento dos contraentes, consubstancia um motivo totalmente diferente daquele que foi invocado pelos Autores na petição: o incumprimento culposo da Ré e a consequente devolução do sinal em dobro.
Nesta conformidade, a sentença, ao concluir que essa matéria extravasa os poderes cognitivos do tribunal, obedeceu às diposições legais aplicáveis pois, como se explica no mencionado Acórdão do STJ, o princípio dispositivo que vigora no nosso ordenamento jurídico impede o juiz de decidir com fundamento numa causa de pedir não alegada (por isso se diz que tem de exisitir coincidência entre a causa de pedir e a cauda de julgar).
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V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pelos Apelantes.
Notifique e registe.
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Guimarães, 26 de Janeiro de 2017


Anabela Andrade Miranda Tenreiro
Com o voto de conformidade da Exma. Juiza Desembargadora Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira, que não assina por não estar presente.
Fernando Fernandes Freitas