Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2355/12.5PBBRG.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: MENORES
SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO POR MULTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I – As medidas de correção previstas no art. 6 do Dec.-Lei 401/82 de 23-9 apenas são aplicáveis a jovens que na data da decisão sejam menores de 21 anos.
II – Na fixação da multa resultante da substituição da pena de prisão, só em casos excecionais se justifica a multa ter o mesmo tempo de duração da prisão substituída. Na sentença deverá demonstrar-se que essa coincidência resultou da aplicação dos critérios estabelecidos no nº 1 do art. 71 do Cod. Penal (nos termos indicados no acórdão de fixação de jurisprudência 8/2013) e não de mera operação de «correspondência» entre as duas penas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No 3º Juízo Criminal de Braga, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc. nº 2355/12.5PBBRG), foi proferida sentença que condenou o arguido Paulo R... pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e 2 por referência ao artº 132º, nº 2 al. l), do C.P na pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída pelo mesmo número de dias de multa, ou seja, 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), num total de € 780,00 (setecentos e oitenta euros).
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O arguido Paulo R... interpôs recurso desta sentença.

- argui a nulidade da sentença recorrida, por o tribunal não ter ponderado a aplicação das medidas de correção previstas no art. 6 do Dec.-Lei 401/82 de 23-9 – art. 379 nº 1 al. c) do CPP;

- subsidiáriamente, deveria ter sido aplicada ao arguido a obrigação de proibição de frequentar recintos desportivos, na qualidade de espetador, pelo período de 120 dias;

- ainda subsidiariamente, o número de dias de multa e o quantitativo diário fixado são excessivos.

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Respondendo a magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

Nesta instância, o sr. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido da taxa diária de multa ser alterada de € 6,50 para € 6,00, no mais improcedendo o recurso.

Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos cumpre decidir.


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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
1. No dia 2 de Dezembro de 2012, a partir das 10h00m, no campo de jogos Fernando C. pertencente ao Clube Desportivo M..., sito na Rua Padre L..., em M..., nesta cidade e comarca de Braga, realizou-se um encontro de futebol entre a equipa de iniciados do clube local e a do Grupo Recreativo de G..., a contar para o Campeonato Distrital de Iniciados da Associação de Futebol de Braga, 1ª Divisão, que foi arbitrado por um trio de árbitros afectos à Associação de Futebol de Braga, no qual se integrava o ofendido Bruno R..., na categoria de árbitro assistente.
2. Cerca das 11h15m, já no decurso da segunda parte do jogo, na sequência de um fora de jogo assinalado a um jogador do G... pelo árbitro Bruno R..., que nessa altura se encontrava a auxiliar a arbitragem do encontro na linha lateral do campo, do lado da bancada, o arguido Paulo R..., desagradado com aquela decisão, entrou no campo de jogo e, dirigindo-se a este árbitro, desferiu-lhe um soco na face, na zona temporal, do lado direito, após o que se pôs de imediato em fuga em direcção à bancada.
3. Mercê daquela agressão, o ofendido Bruno R... sofreu um discreto edema na zona malar direita, onde apresentava palpação dolorosa, lesão pela qual teve necessidade de receber tratamento hospitalar, e que demandou para a sua cura três dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral ou profissional.
4. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde do ofendido, bem sabendo, que o mesmo se encontrava naquele recinto desportivo no exercício das suas funções de árbitro de futebol sob a jurisdição de uma federação desportiva e por causa delas.
5. Sabia ainda que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou:
6. O arguido Paulo R... não tem antecedentes criminais.
7. Confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos de que estava acusado, mostrando-se arrependido.
8. É prestador de serviços, auferindo mensalmente €550,00, a que acresce o subsídio de alimentação.
9. É solteiro e não tem filhos.
10. Vive em casa dos pais.
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FUNDAMENTAÇÃO
A nulidade da sentença

Na data dos factos o arguido tinha 20 anos (nasceu em 12-2-1992), mas quando a sentença foi proferida já tinha completado 21 anos (a sentença foi proferida em 22-10-2013). Em vista disso, o tribunal aplicou o regime especial para jovens delinquentes, previsto no Dec.-Lei 401/82 de 23-9, tendo atenuado especialmente a pena, nos termos do seu art. 4.

No recurso o arguido alega que o tribunal “fundamentou convenientemente tal decisão”.

Todavia não fundamenta porque razão não emprega o previsto no art. 6 do mesmo diploma, uma vez que o disposto nesse artigo aplica-se ao caso sub judice, optando apenas por aplicar o art. 43 nº 1 do Cod. Penal”.

Em consequência, argui a nulidade prevista no art. 379 nº 1 al. c) do CPP – o tribunal deixar de se pronunciar sobre questão que devesse apreciar.

Porém, as medidas de correção previstas no art. 6 do Dec.-Lei 401/82 de 23-9 apenas são aplicáveis a jovens que na data da decisão sejam menores de 21 anos. Pela sua própria natureza, não são admissíveis relativamente ao indivíduo plenamente adulto.

Vejamos:

Os arts. 5 a 10 do Dec.-Lei 401/82 de 23-9 regulam a possibilidade de aplicação subsidiária da legislação relativa a menores aos jovens já penalmente responsáveis que tenham entre 16 e 21 anos.

O art. 5 trata dos jovens com mais de 16 anos e menos de 18. Remete expressamente para a aplicação das medidas tutelares previstas no art. 18 da Lei 314/78 de 27-10. No caso de ser aplicada uma medida de internamento, o nº 2 prevê a possibilidade de o menor poder permanecer no estabelecimento, mas nunca para além da data em que completar 21 anos.

Por sua vez, as «medidas de correção» previstas para os jovens entre os 18 e 21 anos estão elencadas no nº 2 do art. 6 Dec.-Lei 401/82. Entre essas medidas está o «internamento em centros de detenção». Mais à frente o art. 10 nº 3 esclarece em que consiste tal medida: no internamento em regime de internato ou semi-internato. São as medidas previstas nas als. i) e l) da Lei 314/78.

Em nenhum caso maiores de 21 anos podem cumprir medidas em estabelecimentos de reeducação.

Sendo assim, tem de se concluir que, em concreto, as normas dos arts. 5 e 6 do Dec.-Lei 401/82 foram pensadas para apenas terem aplicação a jovens que na data da decisão não tenham ultrapassado os 21 anos.

De tudo o exposto decorre que as medidas de correção elencadas no art. 6 do Dec.-Lei 401/82 de 23-9 não são aplicáveis a adultos com mais de 21 anos.

Não sendo abstratamente admissível a aplicação de uma medida de correção, não tinha o tribunal de ponderar a sua aplicação.

Improcede, pois, a arguida nulidade.

2 – Face ao decidido fica prejudicada a possibilidade de ao arguido ser aplicada a medida de correção prevista no art. 6 nº 2 al. b) do Dec.-Lei 401/82, concretamente a obrigação de proibição de frequentar recintos desportivos, na qualidade de espetador, pelo período de 120 dias.
3 – Os dias de multa fixados em substituição da prisão

O arguido foi condenado na pena de quatro meses de prisão substituídos por 120 dias de multa.
Esta “substituição” da pena de prisão por igual dias de multa constituiu uma prática judiciária que teve consagração legal no Código Penal de 1886, no qual se previa a possibilidade de a pena de prisão aplicada em medida não superior a seis meses ser sempre “substituída por multa correspondente” (art. 86). «Multa correspondente» é multa por tempo igual ao da prisão substituída.
Esta fórmula manteve-se na redação original do atual Código Penal. O art. 43 dispunha que “a pena de prisão não superior a 6 meses será substituída pelo número de dias de multa correspondente”.
Porém, o legislador de 1995 (Dec.-Lei 48/95 de 15-3) eliminou a “correspondência” entre a pena de prisão e a multa resultante da substituição daquela. O art. 44 passou a ter a seguinte redação: “A pena de prisão aplicada em medida não superior a 6 meses é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade…”. É esta redação que se mantém no atual art. 43 nº 1, com a diferença de que agora se prevê a substituição da pena de prisão não superior a um ano.
Foi uma alteração feita na sequência dos ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias. A revisão de 1995 consagrou, no essencial, as soluções preconizadas por este Mestre, que em 1993 escrevia a propósito da «medida da pena de multa de substituição» As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 367:
A solução deveria, pois, ser outra. Se o tipo legal cominasse multa em alternativa, o tribunal deveria remeter-se à moldura penal da multa daquele constante; se não cominasse pena de multa alternativa, o tribunal deveria remeter-se ao limite geral da multa constante do art. 46 nº 1 (…). Dentro da moldura penal da multa assim obtida, o tribunal mover-se-ia, em seguida, de acordo com os restantes critérios de medida da pena constantes do art. 46 (agora 47).
Acolhendo no essencial esta orientação, o STJ fixou jurisprudência no acórdão n.º 8/2013 DR 77 SÉRIE I de 2013-04-19 no sentido de que «A pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43.º, n.º 1, e 47.º do Código Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída».
É certo que na fixação da jurisprudência o STJ optou por uma redação aberta. Mas a razão foi a de deixar ao julgador a ponderação do caso concreto. Não pode é continuar-se a manter o velho sistema da “correspondência”, sob o pretexto de que “nada impede que a prisão seja substituída pelo mesmo número de dias”, como se escreveu na sentença recorrida.
No caso, a sentença limita-se a considerar que a substituição da prisão pelo mesmo número de dias é “adequada”, sem tentar demonstrar a razão de tal adequação. É uma justificação que roça a falta de fundamentação.
Como quer que seja, usando os critérios estabelecidos no nº 1 do art. 71 do Cod. Penal, o julgador, numa moldura de prisão de 1 mês a 2 anos e 8 meses, fixou uma pena concreta muito próxima do limite mínimo (4 meses de prisão). Não há razões para, usando os mesmos critérios (se efetivamente foram usados), numa moldura de 10 a 360 dias de multa, ter fixado uma multa próxima do meio da moldura (120 dias).
É certo que são inadequados juízos de mera “proporcionalidade” entre as molduras da prisão e da multa, já que as exigências de prevenção geral de integração e as de prevenção especial de socialização não podem ter a mesma expressão quantitativa nas duas penas. A eficácia varia, necessariamente, consoante esteja em causa a aplicação de uma pena de prisão ou de uma pena de multa. Há uma diferença objetiva de sacrifícios para o agente entre o cumprimento duma pena de prisão e o cumprimento duma pena de multa e há, igualmente, uma diferente capacidade objetiva da duração de cada uma dessas penas reforçar o sentimento comunitário de confiança na validade da norma violada.
No entanto, estando em causa o mesmo juízo de censura, dificilmente ocorrerão casos que justifiquem a aplicação duma pena de prisão próxima do mínimo legal e a fixação dos dias de multa, resultantes da substituição da prisão, em patamar próximo do máximo admissível.
No caso, afiguram-se corretos os juízos feitos na sentença sobre o dolo, o grau de ilicitude, as consequências do crime, a integração familiar, social e profissional do arguido, a confissão integral e sem reservas acompanhada de arrependimento, para os quais se remete.
No entanto, dada a apontada menor eficácia preventiva da pena de multa, esta não deve, ao contrário da pena de prisão, situar-se num patamar a roçar o limite mínimo, fixando-se em 80 (oitenta) os dias de multa.
4 – O montante de cada dia de multa
Ao referir o quantitativo de cada dia de multa à situação económica e financeira do condenado e aos seus encargos pessoais (art. 47 nº 2 do Cod. Penal), o legislador visou dar realização, também quanto à pena pecuniária, ao princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios – As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 128.
Na fixação do montante da multa ter-se-á ainda em consideração que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas. “É indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada” – ac. R.C de 5-4-00, CJ tomo II, pag. 61.
A cada dia de multa corresponde uma quantia diária entre € 5,00 e € 500,00.
Ponderando os referidos critérios, o valor de € 5,00 apenas é aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial ou abaixo dele. Salvo nos casos de situações de miséria, não pode a multa ser fixada em montante tão próximo do limite mínimo que a faça perder a sua eficácia penal.

No caso destes autos, o arguido tem um vencimento mensal modesto, pouco acima do salário mínimo nacional (aufere € 500,00, acrescidos de subsídio de alimentação).
Porém, vive em casa dos pais, é solteiro e não tem filhos. Não tendo encargos, para além dos que decorrem da gestão do seu dia a dia, não se justifica que se reduza o montante diário de € 6,50 fixados na sentença, que já é próximo do mínimo legal.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães concedendo provimento parcial ao recurso, fixam a pena do arguido Paulo R... em 4 (quatro) meses de prisão substituídos por 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos).
Sem custas.