Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
157/13.0TACBT.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÕES A APRECIAR
CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PROCESSUAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário: I) A omissão de pronúncia significa a ausência de atitude ou de posicionamento pelo tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa.
II) As questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessadas submetam à apreciação do tribunal (artº 660º, nº 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
III) A "pronúncia" cuja falta ou "omissão" determina a consequência prevista no artº 379º, nº 1,, al. c), do CPP - a nulidade da sentença – deve incidir sobre problemas ou questões em sentido técnico e não sobre os motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas.
Decisão Texto Integral: 14
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Processo 157/13.0TACBT.G1



Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Após a realização da audiência de julgamento, o tribunal singular da Instância Local de Celorico de Basto da Comarca de Braga condenou o arguido Fernando C. pelo cometimento de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 107º, nº 1, com referência ao artigo 105º, nº 5, e artigo 6º, nº 1, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e 30º, nº 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.

Na procedência do pedido de indemnização civil o arguido-demandado foi condenado no pagamento ao demandante Instituto de Segurança Social, I.P. da quantia de € 88.189,15 (oitenta e oito mil cento e oitenta e nove euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados de acordo com o disposto no artigo 16º, do D.L. nº 411/91, de 17/10, e no artigo 3º, do D.L. nº 73/99, contados desde a data de vencimento de cada prestação até efetivo e integral pagamento;

O arguido interpôs recurso, concluindo que deve revogar-se a sentença, substituindo-a por outra decisão que fixe a pena a aplicar ao arguido numa pena de multa ou numa pena de prisão suspensa na sua execução.

O Ministério Público, por intermédio da procuradora-adjunta na Instância Local de Celorico de Basto, formulou resposta ao recurso, concluindo que a sentença deve ser mantida.

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a procuradora-geral adjunta emitiu fundamentado parecer no sentido da improcedência do recurso.

Recolhidos os vistos do juiz desembargador presidente da secção e do juiz desembargador adjunto e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. O objecto e o âmbito do recurso definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal - naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

As questões suscitadas no recurso são as seguintes, pela ordem lógica de conhecimento:

1- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

2- Escolha e medida concreta da pena.

3. A decisão recorrida

O tribunal julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição) :

1. A sociedade “…, Lda.” foi constituída em 05 de abril de 2005 e tinha como objeto social a atividade de construção civil e empreitadas de obras públicas;
2. Desde a data da constituição da sociedade referida em 1. que o arguido Fernando C. foi o gerente designado da mesma, e, nessa qualidade, procedia ao pagamento dos salários aos vários trabalhadores empregues e ao pagamento das retribuições devidas aos membros dos órgãos estatutários, sendo ainda responsável pela realização dos descontos das cotizações/contribuições devidas à Segurança Social no montante dos salários pagos aos trabalhadores e ao gerente (cargo que ocupava), de acordo com as taxas legalmente estabelecidas e, bem ainda, pelo preenchimento e entrega das respetivas declarações de remuneração e pela entrega efetiva dos montantes assim retidos;
3. No período compreendido entre novembro de 2005 a dezembro de 2009, o arguido Fernando C., por conta e no interesse da sociedade referida em 1., deduziu do valor das remunerações pagas aos seus trabalhadores e no vencimento do membro do órgão estatutário o montante global de € 88.189,15 (oitenta e oito mil cento e oitenta e nove euros e quinze cêntimos), relativo às contribuições legalmente devidas por estes à Segurança Social, conforme descriminado seguidamente:

Mês/Ano
Taxa
Cotizações efetivamente retidas e não pagas
Nov-05
11,00%
527,51 €
10,00%
76,70 €
Dez-05
11,00%
1.081,32 €
10,00%
121,44 €
Jan-06
11,00%
1.134,11 €
10,00%
76,70 €
Fev-06
11,00%
1.258,68 €
10,00%
76,70 €
Mar-06
11,00%
1.379,72 €
10,00%
76,70 €
Abr-06
11,00%
1.178,11 €
10,00%
76,70 €
Mai-06
11,00%
1.399,25 €
10,00%
76,70 €
Jun-06
11,00%
1.421,35 €
10,00%
76,70 €
Jul-06
11,00%
1.364,45 €
10,00%
76,70 €
Ago-06
11,00%
1.303,73 €
10,00%
76,70 €
Set-06
11,00%
763,44 €
10,00%
41,30 €
Out-06
11,00%
1.004,00 €
10,00%
76,70 €
Nov-06
11,00%
1.205,71 €
10,00%
76,70 €
Dez-06
11,00%
2.326,00 €
10,00%
105,02 €
Jan-07
11,00%
1.249,70 €
10,00%
76,70 €
Fev-07
11,00%
1.684,97 €
10,00%
76,70 €
Mar-07
11,00%
1.709,92 €
10,00%
76,70 €
Abr-07
11,00%
1.956,92 €
10,00%
76,70 €
Mai-07
11,00%
2.123,40 €
10,00%
76,70 €
Jun-07
11,00%
1.964,11 €
10,00%
76,70 €
Jul-07
11,00%
2.775,35 €
10,00%
153,40 €
Ago-07
11,00%
2.842,36 €
10,00%
76,70 €
Set-07
11,00%
2.393,57 €
10,00%
76,70 €
Out-07
11,00%
2.077,11 €
10,00%
76,70 €
Nov-07
11,00%
2.219,04 €
10,00%
76,70 €
Dez-07
11,00%
4.061,50 €
10,00%
153,40 €
Jan-08
11,00%
2.450,49 €
10,00%
76,70 €
Fev-08
11,00%
2.764,52 €
10,00%
76,70 €
Mar-08
11,00%
2.612,81 €
10,00%
76,70 €
Abr-08
11,00%
2.764,99 €
10,00%
76,70 €
Mai-08
11,00%
2.580,07 €
10,00%
76,70 €
Jun-08
11,00%
2.577,70 €
10,00%
76,70 €
Jul-08
11,00%
3.428,90 €
10,00%
153,40 €
Ago-08
11,00%
2.964,36 €
10,00%
76,70 €
Set-08
11,00%
2.998,89 €
10,00%
150,00 €
Out-08
11,00%
2.741,02 €
10,00%
120,00 €
Nov-08
11,00%
2.591,21 €
10,00%
120,00 €
Dez-08
11,00%
3.360,48 €
10,00%
240,00 €
Jan-09
11,00%
1.087,83 €
10,00%
120,00 €
Fev-09
11,00%
1.087,39 €
10,00%
120,00 €
Mar-09
11,00%
813,00 €
10,00%
97,85 €
Abr-09
11,00%
323,22 €
10,00%
-----------
Mai-09
11,00%
266,00 €
10,00%
27,69 €
Jun-09
11,00%
329,22 €
10,00%
120,00 €
Jul-09
11,00%
409,98 €
10,00%
240,00 €
Ago-09
11,00%
459,68 €
10,00%
120,00 €
Set-09
11,00%
300,86 €
10,00%
120,00 €
Out-09
11,00%
62,11 €
10,00%
120,00 €
Nov-09
11,00%
35,49 €
10,00%
27,69 €
Dez-09
11,00%
------------
10,00%
154,81 €
TOTAL
88189,15

4. O arguido Fernando C., no período de tempo referido em 3., entregou à Segurança Social as declarações de remuneração dos trabalhadores e membro do órgão estatutários ao seu serviço referentes aos salários processados;
5. Porém, não procedeu à entrega dos montantes respetivos e supra referidos à Segurança Social, nem até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam, nem nos 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega de cada uma das contribuições retidas;
6. O arguido Fernando C. não efetuou o pagamento da referida quantia nos 30 dias seguintes ao da notificação prevista no artigo 105º, nº 4, alínea b), do RGIT, efetuadas em 14/08/2014;
7. Bem sabia o arguido Fernando C. que o produto do desconto nos salários dos trabalhadores e no vencimento do órgão estatutário se traduzia na contribuição por eles devida à Segurança Social e que, por esse motivo, não pertenciam à sociedade referida em 1.; apesar disso, o referido arguido não se absteve de utilizar tais montantes em proveito da dita sociedade, consciente de que esta era uma mera depositária das referidas contribuições e de que estava obrigada, por lei, a entregar os respetivos montantes à Segurança Social;
8. O arguido Fernando C. agiu de forma livre, voluntária e consciente ao longo do período referido em 3., tendo resolvido fazê-lo, sucessivamente em cada um dos meses aí referidos, mercê de não ter sido sujeito a inspeção regular por parte dos serviços de fiscalização, convencendo-se, assim, de que a sua atuação estava a ser bem sucedida, o que, motivou a instalação de um ambiente favorável à reiteração na prática descrita, que, de forma homogénea, levou a cabo ao longo do período mencionado;
9. O arguido Fernando C. sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Provou-se ainda que:
10. O arguido está emigrado no Luxemburgo, onde reside com a sua esposa e dois filhos, uma de 12 anos de idade e o outro de 4 anos de idade, em casa arrendada, pela qual paga a renda mensal de € 950,00;
11. O arguido trabalha como maquinista para a empresa “…”, sita em 10, Rue …, auferindo cerca de € 2.300,00 mensais;
12. A esposa do arguido não trabalha;
13. Não há registo de o arguido ter qualquer incidente criminal no Luxemburgo;
14. O arguido suporta mensalmente a quantia de € 370,00 para aquisição de um automóvel, de marca Mercedes E280, com a matrícula …, que é propriedade da sua esposa;
15. A sociedade referida em 1. foi declarada insolvente em 18/01/2010, tendo a respetiva matrícula sido cancelada em 15/01/2014;
16. Por sentença datada de 14/10/2004, transitada em julgado em 29/10/2004, proferida no âmbito do Processo nº /02.7IDBRG, deste tribunal, foi o arguido condenado pela prática, em 1999, de um crime de abuso de confiança fiscal na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, com a condição de, no prazo de 18 meses, comprovar documentalmente nos autos ter pago ao Estado a quantia de € 25.202,93 e respetivos acréscimos legais; o período de suspensão da pena foi prorrogado por 9 meses, por despacho de 04/05/2006, para cumprimento da condição de que dependia a suspensão da execução da pena de prisão;
17. Por sentença datada de 06/04/2005, transitada em julgado em 26/04/2005, proferida no âmbito do Processo nº /03.2IDBRG, deste tribunal, foi o arguido condenado pela prática, em 03/10/2003, de um crime de fraude fiscal e de um crime de abuso de confiança fiscal nas penas parcelares de 11 meses de prisão suspensa na sua execução por 24 meses e de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 24 meses, respetivamente, e na pena única de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 24 meses sob a condição de neste prazo comprovar documentalmente nos autos ter pago ao Estado a quantia de € 23.296,40; a pena parcelar aplicada pela prática do crime de fraude fiscal foi declarada extinta por sentença datada de 30/04/2009, transitada em julgado em 05/06/2009, proferida no Processo nº /05.2IDBRG, que correu termos neste tribunal, por se mostrar despenalizada a conduta apurada;
18. No âmbito do Processo nº /05.2IDBRG, que correu termos neste tribunal, foi proferida sentença datada de 30/04/2009, transitada em julgado em 05/06/2009, em que se aplicou uma pena única ao arguido pela prática dos factos em causa nos Processos nºs /02.7IDBRG e /03.2IDBRG, tendo-se condenado o arguido pela prática de um único crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, praticado no período compreendido entre o 3º trimestre de 1999 e o quarto trimestre de 2004, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sujeita à condição de, nesse prazo, proceder ao pagamento da quantia de € 52.913,06 e acréscimos legais, ficando o arguido obrigado a fazer prova do pagamento nos autos, nesse prazo;
19. Por sentença datada de 14/01/2009, transitada em julgado em 14/10/2009, proferida no âmbito do Processo nº 95/04.8GACBT, deste tribunal, foi o arguido condenado pela prática, em 04/04/2004, de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, com a condição de, no período da suspensão, pagar ao assistente a indemnização arbitrada, já liquidada e a que eventualmente venha a ser liquidada nesse período, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova a elaborar pela DGRS;
20. No processo referido em 18., o arguido não pagou a quantia estabelecida como condição da suspensão da pena de prisão nem apresentou qualquer justificação, não tendo ainda sido determinada a prorrogação nem a revogação da suspensão da referida suspensão da pena de prisão, nem a extinção desta, decorrendo ainda neste processo diligências com vista a esse fim;
21. O regime de prova homologado no processo referido em 19. não foi cumprido pelo arguido, tendo este se ausentado para o estrangeiro em março de 2010 e se furtado a fornecer a sua morada e a da sua família à DGRS; não foi ainda determinada a prorrogação nem a revogação da suspensão da referida suspensão da pena de prisão, nem a extinção desta, decorrendo ainda neste processo diligências com vista a esse fim, designadamente para apurar o paradeiro do arguido.”

3. O recorrente suscitou a verificação de uma nulidade processual de omissão de pronúncia. Se bem entendemos a motivação e as conclusões do recurso, o recorrente fundamenta a arguição de nulidade na circunstância de o tribunal não se ter pronunciado sobre a situação económica concreta do arguido, nem ter aferido da possibilidade de cumprimento das condições de suspensão da execução da pena fixadas em outras condenações.

Como tem sido salientado, a omissão de pronúncia significa a ausência de atitude ou de posicionamento pelo tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. As questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

A “pronúncia” cuja falta ou “omissão” determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas ou questões em sentido técnico e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou razões alegadas.

Para apreciação desta questão, importa ter presente que a propósito da suspensão da execução da pena consta na sentença recorrida o seguinte (transcrição, cfr. fls. 500) :

“A suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e circunstâncias do facto.

No caso dos autos, os elementos de facto atinentes ao comportamento e personalidade do arguido não nos permitem formular um juízo de prognose favorável. É certo que as referências que existem nos presentes autos são no sentido de que o arguido tem atualmente uma vida restabelecida no Luxemburgo, onde trabalha e vive com a sua família, sem que haja registo de qualquer incidente criminal. No entanto, nos processos em que foi condenado em penas de prisão suspensa sujeitas a condições e regime de prova, constata-se que o arguido não tem cumprido as condições de suspensão, deixou de dar notícias nos autos e não apresentou qualquer justificação. Ademais, resulta que o arguido nem sequer comunicou à DGRS a sua morada, impossibilitando a intervenção desta e o cumprimento do regime de prova que lhe foi imposto.

Será, assim, possível concluir que o condenado reconheceu o desvalor das suas condutas com a simples ameaça da execução das penas de prisão, moldou o seu comportamento de tal forma que estejamos seguros de que não voltará a delinquir se suspendermos a pena de prisão aqui aplicada?

Não.

Com efeito, as anteriores suspensões das penas de prisão não têm surtido o efeito pretendido: o arguido desligou-se do seu cumprimento, o que fez voluntariamente. Não respeitou nem cumpriu as condições impostas, furtou-se ao contacto da DGRS e ao cumprimento do regime de prova. Tal é bastante para nos levar à conclusão de que a simples ameaça da execução da pena de prisão já não basta para fazer face às exigências preventivas que no caso se fazem sentir.”

Pela leitura deste segmento da sentença recorrida se pode concluir que o tribunal não só apreciou os aspectos relevantes da questão referente à possibilidade de formulação de um juízo favorável à suspensão da execução da pena, como teve presente o conjunto dos elementos disponíveis sobre o cumprimento das condições estabelecidas nas anteriores condenações, em conformidade com as informações recolhidas dos outros processos e de relatórios da DGRS e se evidencia nos pontos 16 a 21 do elenco da matéria de facto provada, acima transcrita.

Nestes termos, improcede a arguida nulidade processual por omissão de pronúncia e/ou falta de fundamentação.

Ainda assim sempre se dirá que o arguido sempre dispôs da possibilidade de apresentar os elementos que entendesse úteis para habilitar o tribunal a aferir da situação económica.

4. O recorrente não impugna o enquadramento jurídico dos factos provados, aceitando que incorreu no cometimento de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada, agravado pelo valor superior a 50.000 € das entregas não efectuadas, previsto e punido nos artigos 107.º e 105.º n.º 5 do RGIT e abstractamente punível com uma pena de um a cinco anos de prisão.

Como se encontra adquirido pela doutrina e jurisprudência, na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve atender, em primeira linha, à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar, sob pena de, ultrapassando-o, se afrontar a dignidade humana do delinquente. Por seu turno, o limite mínimo da moldura concreta há-de ser dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e pretende corresponder a exigências de prevenção positiva ou de integração.

Assim, esse limite inferior decorrerá de considerações ligadas às exigências de prevenção geral, não como prevenção negativa ou de intimidação, mas antes como prevenção positiva ou de integração, já que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos com um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas.

Estão em causa a integração e reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face às ocorridas violações das normas.

Finalmente, o tribunal deve fixar a pena concreta de acordo com as exigências de prevenção especial, quer na vertente da socialização, quer na advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente Dias, Jorge de Figueiredo As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1995, págs. 228 e segs, Rodrigues, Anabela Miranda, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora pag. 570 a 576 Jescheck, HH Tratado, Parte General , II, pag. 1189 a 1199.

.

Nesta tarefa de individualização, o tribunal dispõe dos módulos de vinculação na escolha da medida da pena constantes do artigo 71.º do Código Penal, consignando os critérios susceptíveis de “contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar” ” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008, Rel. Souto Moura, cit. por Martins, A. Lourenço, Medida da Pena, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 242).

Os elementos fácticos provados que devem ser tidos em conta na determinação da medida concreta da pena são os seguintes:

- No que diz respeito às circunstâncias referentes ao modo de execução do facto e das suas consequências, impõe-se considerar que o arguido agiu sob resolução de vontade de intensidade mediana, mas denotando uma significativa persistência ao longo de um período de tempo de mais de quatro anos e que a sua conduta causou prejuízo para o sistema público da Segurança Social num valor bem superior a oitenta mil euros.

- Entre as circunstâncias que integram a conduta do arguido anterior e posterior ao facto, releva considerar que os antecedentes criminais, nestes se incluindo o cometimento de dois crimes de abuso de confiança fiscal;

-Como elementos das condições pessoais e económicas há que ter presente que presentemente o arguido se encontra inserido familiar e profissionalmente.

Sopesando em conjunto as enunciadas circunstâncias, entendemos justo e equitativo fixar a pena para o crime cometido pelo arguido em dois anos de prisão, ou seja, na exacta medida fixada pelo tribunal recorrido.

Quanto à pretensão de suspensão da execução da pena:

Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena de prisão, ainda que sob a obrigação de cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou sob regime de prova (artigos 50º a 54º do Código Penal).

Para este efeito, verificado o pressuposto formal de que a pena de prisão previamente determinada não seja superior a cinco anos, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime e sopesando em conjunto as circunstâncias do facto e da personalidade, atendendo às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto, possa fazer uma apreciação favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de antecipar ou prever que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, o mesmo é dizer, para garantir a tutela dos bens jurídicos e a reinserção do agente na sociedade, entendida aqui como perspectiva que o condenado não volte a delinquir no futuro.

Uma vez que a função da culpa se esgotou no momento da determinação da medida da pena de prisão, o juízo de prognose necessário para eventual aplicação de pena de substituição, designadamente da suspensão de execução, depende em exclusivo de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva. Por isso se conclui sempre que, desde que aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias.

Aplicando agora as considerações gerais na situação dos presentes autos:

A consciência social de intensa reprovação dos crimes tributários têm-se expandido na nossa sociedade, multiplicando-se a percepção de que a evasão constitui um comportamento que atinge a justiça contributiva, conduz a iniquidade e introduz factor de distorção da competitividade na vida económica. Cada vez mais se afirma que uma diminuição efectiva da fraude e da evasão permitiria uma atenuação das taxas de esforço individual e uma vantagem generalizada para os contribuintes cumpridores.

Estas considerações levam-nos a concluir que as exigências de reposição da confiança e de tranquilização da consciência jurídica são muito relevantes, apesar do longo período de tempo entretanto decorrido.

Ao mesmo tempo, os factos provados não permitem descortinar a mínima inflexão de comportamento ou a preocupação em minorar os prejuízos causados. Sendo incontestável que o arguido nunca poderá ser prejudicado se não colaborar para a descoberta da verdade, também é verdade que não poderá o mesmo arguido beneficiar de uma valoração positiva da assunção plena e responsável dos factos que cometeu ou o ressarcimento dos prejuízos causados.

Por fim, o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro não pode deixar de ter presente o comportamento anterior: o arguido persistiu ao longo de quatro anos no cometimento dos factos destes autos, depois de ter sido condenado em duas penas de prisão de execução suspensa, pelo cometimento de crimes tributários.

Acresce ainda decisivamente que nos processos anteriores, o arguido não cumpriu as condições impostas para a suspensão de execução da pena, nem aí indicou qualquer argumento susceptível de justificar essa omissão.

Neste âmbito, a matéria de facto provada não permite concluir por qualquer “arrependimento” ou reflexão do arguido em relação aos factos cometidos, mas a simples saída do país e a indiferença perante as obrigações decorrentes das anteriores condenações: num dos processos, o arguido não pagou a quantia estabelecida como condição da suspensão da pena de prisão nem apresentou qualquer justificação, e no outro o regime de prova homologado no processo referido em 19. não foi cumprido pelo arguido, tendo este se ausentado para o estrangeiro em março de 2010 e se furtado a fornecer a sua morada e a da sua família à DGRS

Diante este conjunto de circunstâncias, ou seja, considerando a danosidade social própria dos crimes de abuso de confiança contra a segurança social, concluímos que uma reacção institucional de Justiça que se limitasse, novamente, a uma mera censura do facto e a ameaça da prisão, ainda que sob regime de prova, não satisfaria adequadamente os sentimentos de reprovação social pela conduta do arguido, consistindo antes numa mensagem de falência do regime penal e um mero convite à reincidência.

Dito de outra forma: temos como certo que a suspensão de execução da pena, ainda que sob um regime de prova, não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, impondo-se a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, para corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas.

Conclui-se assim que a pena a aplicar não deve ser suspensa na execução e improcede o recurso.

5. Em consequência do decaimento, o arguido será responsabilizado pelas custas do recurso (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro). De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC. Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC.

6. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso do arguido e em manter a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça.

Guimarães, 16 de Maio de 2016.

Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.