Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
91/10.6TBMNC.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A obrigação de prestação de alimentos a cargo do FGADM é uma obrigação autónoma e independente, embora subsidiária da do devedor originário dos alimentos, configurando uma substituição subordinada à existência de pressupostos legalmente enunciados e, assim sendo, sujeitos ao escrutínio desta entidade por ser afectada pela decisão judicial que fixa em concreto essa obrigação.
2. Como tal, a respectiva decisão deve conter minimamente os fundamentos de facto e de direito que possibilitem a sua impugnação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Apelante: Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP;
Apelado(s): I… e A…

*****
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social IP, como interveniente acidental e na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, vem interpor o presente recurso da decisão que constitui este último na obrigação legal de pagar alimentos à menor R… , nos autos de regulação das responsabilidades parentais, em que é requerente o Ministério Público e requeridos I… e A… .

Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões que se transcrevem:
I. A douta decisão proferida nos autos a fls. 119 e segs. - na qual se considera que se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a fixação de prestação substitutiva a pagar pelo FGADM, e determina que o mesmo preste alimentos ao menor, no valor de D 250,00 mensais - é omissa quanto aos pressupostos legais subjacentes à intervenção do FGADM e à aplicação ou não do preceituado no DL n.º 70/2010, de 16/06.
II. O FGADM desconhece qual a data em que foi, ou se alguma vez foi, fixada a prestação do progenitor incumpridor;
III. Não existe na decisão qualquer menção aos rendimentos do agregado familiar em que se encontra inserido o menor, nem foram remetidos quaisquer documentos dos quais tal se possa extrair (art. 1.º, in fine, da Lei n.º 75/98, de 19/11, e art. 3.º, n.ºs 1, al. b), 2, e 3 do D.L. n.º 164/99, de 13/05).
IV. Desconhece-se qual o critério pelo qual foi aferido o valor da prestação a assegurar pelo FGADM.
V. O FGADM ignora de igual forma, se o doutamente decidido teve em conta o DL n.º 70/2010, de 16 de Junho, que lhe é aplicável por força do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, alínea c), e 16.º, no que concerne ao conceito de agregado familiar, aos rendimentos a considerar e à forma de ponderação de cada elemento do mesmo para efeitos de capitação de rendimentos (art. 5.º).
VI. Face à escassez de elementos, o FGADM deveria presumir, sem mais, que se encontram preenchidos os pressupostos legais para que assegure a prestação de alimentos fixada ao menor.
VII. A obrigação do Fundo é meramente subsidiária face à obrigação do devedor.
VIII. Enquanto interveniente acidental, todo o processado decorre sem o conhecimento do FGADM e sem qualquer intervenção da sua parte até à notificação da decisão do tribunal (vide Ac. TRG, proc. n.º 2585/07-1, de 01.02.2008).
IX. Quando chamado à demanda o FGADM não é apenas uma entidade pagadora de uma prestação de cariz social determinada judicialmente, mas também parte legítima no processo no qual intervém.
X. A actuação do Fundo não poderá basear-se na mera presunção da correcção e justeza das decisões judiciais.
XI. A douta decisão recorrida incide sobre o mérito da causa, motivo pelo qual devia ter sido fundamentada, mediante a subsunção dos factos ao direito, de harmonia com os artigos 158.º e 668.º, n.º 1, al. b), ambos do CPC,
XII. Pelo que se invoca a sua nulidade, por omissão, nos termos do art. 201.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC.
XIII. O entendimento ora defendido tem acolhimento jurisprudencial, nomeadamente, do Tribunal da Relação do Porto, em situação semelhante, no Processo n.º 6168/07-2, de 05/12/2007 e, mais recentemente, o Ac. do T.R. Porto, Agravo 171/10, de 10.05.2010; o Ac. do T.R. Guimarães, Proc. 1928/09.8TBBCL-A.G1, de 02.12.2010; e o Ac. do T.R. de Lisboa, Proc. 6749/08TBCSC-A.L1, de 21.06.2011.
XIV. Face ao exposto, a douta decisão violou o disposto nos artigos 158.º, n.ºs 1 e 2 e 668.º, n.º 1, al. b), ambos do CPC.
XV. Nestes termos e demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade da decisão recorrida que constitui para o FGADM da obrigação de prestar alimentos ao menor, por falta de fundamentação quanto à verificação dos pressupostos subjacentes à sua intervenção, nos termos e com os efeitos do disposto nos artigos 158.º e 668.º, n.º 1, al. b), e 201.º, n.º 1, 2.ª parte, todos do CPC.

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões a apreciar podem sintetizar-se no seguinte:
- omissão quanto aos pressupostos legais subjacentes à intervenção do Fundo de Garantia e a aplicabilidade do disposto no DL 70/2010, de 16 de Junho;
- nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e respectiva subsunção jurídica, nos termos artºs 158.º e 668.º, n.º 1, al. b), e 201.º, n.º 1, 2.ª parte, todos do CPC.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;

1. De facto;

É relevante a seguinte realidade fáctico-processual:
· O Ministério Público, em representação do menor R… , veio propor acção especial de regulação das responsabilidades parentais contra os seus pais I… e A… .
· Na acta de conferência de 19.04.2010 foi o menor confiado à guarda da mãe e fixados ao alimentos no montante mensal de €: 250,00, sendo que então o progenitor se encontrava ausente em parte incerta.
· A Requerente veio solicitar, em 09.09.2010, que seja deferido o pagamento das pensões alimentícias ao FGADM ao menor em substituição do progenitor, uma vez que este ainda não pagou qualquer prestação.
· Foi efectuado pedido de cooperação judiciária às autoridades francesas, solicitando-se a notificação da decisão de fls. 28 e 29 ao requerido, bem como a elaboração de relatório social sobre as condições sociais e económicas para a eventualidade da cobrança coerciva dos alimentos, conforme despacho de fls. 37 dos autos, sendo tal relatório realizado conforme fls. 95 a 114.
· Realizada nova conferência em 30.06.2011, foi proferido o despacho ora sob recurso, nos seguintes termos:
«1. O menor R… fica confiado à guarda de sua mãe;
2. O exercício das Responsabilidades Parentais fica a cargo unicamente da progenitora, uma vez que o exercício conjunto seria de todo prejudicial ao superior interesse do mesmo, uma vez que o seu pai, tendo conhecimento da sua existência, se ausentou para França indiferente ao destino do mesmo (art.º 1906º, nº 2 do C. C.);
3. Fixa-se a residência do menor junto da sua mãe;
4. Não se fixa regime de visitas pelos motivos supra-indicados na cláusula 2ª;
5. A título de alimentos fixa-se a quantia mensal de € 250, quantia essa que será suportada pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, por estarem reunidos os pressupostos previstos no art.º 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e no art.º 3º do D.L. nº 164/99, de 13 de Maio. O Fundo de Garantia deverá proceder ao depósito da quantia antes estipulada na conta com o N.I.B. 0045 1424 4015 0552 8804 6.»



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2. De direito;
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- omissão quanto aos pressupostos legais subjacentes à intervenção do Fundo de Garantia e a aplicabilidade do disposto no DL 70/2010, de 16 de Junho;
- nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e respectiva subsunção jurídica, nos termos artºs 158.º e 668.º, n.º 1, al. b), e 201.º, n.º 1, 2.ª parte, todos do CPC.

Essencialmente o recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por falta de fundamentação e por omissão dos critérios pelos quais foi aferido o valor da prestação a assegurar pelo FGADM.
Comecemos por indagar da invocada nulidade da decisão recorrida, nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 668º, do CPC.
Tal normativo refere-se às causas da nulidade da sentença, sendo que a dita alínea se reporta à não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [al.b).
As nulidades da decisão previstas no artº. 668º do C.P.C. são deficiências da sentença ( ou dos despachos – artº 666º, nº3 ) que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).
Como se resumiu no Ac. RL de 10.5.95 (in CJ, 1995, t. 3, pág. 179), “As nulidades da sentença estão limitadas aos casos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 668º do C.P.C.. Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.”
Assim, a sentença será nula apenas: “a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d)Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.” (art. 668, nº 1, do C.P.C., na redacção aplicável).
O artº 668º reporta-se exclusivamente às causas de nulidade da sentença, uma das quais consiste precisamente na ausência total de fundamentação [caso da citada al.b)].
Ora, no caso sub judice a sentença recorrida não enumera os factos que considera provados e que estão na base da decisão proferida, no sentido de o dito FGADM se substituir ao devedor da prestação de alimentos.
Muito embora esta obrigação seja subsidiária, ante a aludida obrigação do devedor, sendo a sua intervenção acidental, uma vez que é directamente afectado pela decisão e, como tal, pode recorrer dela, assiste-lhe o direito de se pronunciar sobre o decidido, designadamente sobre a não discriminação dos elementos de facto e de direito que conduziram à decisão final.
Não está em causa que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurará o pagamento das prestações previstas nos termos da Lei 75/98 de 19 de Novembro e do DL 164/99, de 13 de Maio (diplomas que regem a garantia dos alimentos devidos a menores, bem como o seu respectivo regulamento naqueles diplomas legais), até ao início do efectivo cumprimento, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 189º, da OTM, nem tendo o alimentado rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie, nessa medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
Ainda assim, o DL 70/2010, de 16 de Junho, que deu nova redacção ao n.º3 do art.º 3 do DL 164/99, de 13 de Maio, estatui que o conceito de agregado de familiar, os rendimentos a considerar e a capitação a ter em linha de conta quanto à insuficiência prevista no n.º2, da mesma disposição legal, deverão ser calculados segundo os termos previsto no mencionado DL 70/2010.
Logo, as referidas prestações serão fixadas pelo tribunal, devendo para tanto atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor, procedendo para tanto às diligências tidas por convenientes e a inquérito sobre as necessidades do menor, mantendo-se a respectiva satisfação até que se verifiquem as circunstâncias que alicerçaram tal atribuição e até que cesse a obrigação a que o devedor estava obrigado, ficando o Fundo sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso.
Deste modo, a obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação autónoma, e independente, embora subsidiária da do devedor originário dos alimentos, pois não se vincula ao pagamento do montante inicialmente estipulado e incumprido, mas ao atendido de novo. Trata-se, assim, de uma substituição subordinada à existência de pressupostos legalmente enunciados e, como tal, escrutináveis pela entidade adstrita à satisfação da nova prestação definida.
Para tanto, a decisão que estabelece essa nova prestação tem de permitir essa sindicância por quem é juridicamente prejudicada pela mesma (artº 680º, nº2, do CPC).
Em suma, deve apresentar os seus fundamentos de facto e de direito, discriminando minimamente os factos apurados que foram determinantes na interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, observando-se o dever de fundamentar, constitucionalmente previsto no n.º 1 do art.º 205, da CRP e processualmente estabelecido no art.º 158º, do CPC.
Esse dever de fundamentação traduz-se numa exigência legal e concreta de conter a discriminação dos factos considerados provados, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas à realidade fáctica apurada, que justificam a decisão proferida.
A sua omissão consubstancia uma nulidade da decisão judicial (sentença ou despacho), nos termos do art.º 668º, n.º 1, b) e 666º, n.º 3, do CPC.
“Compreende-se a imposição de tal dever, pois só indicando as premissas que levaram à conclusão consubstanciada na decisão proferida, poderá a mesma ser entendida em toda a sua extensão, permitindo, aferir da sua legalidade, mas também da sua justeza e adequação à situação em análise, na devida ponderação da factualidade dada como apurada e respectiva subsunção jurídica” Neste sentido, vide Ac. da RL de 21.06.2011, Proc. 6749/08.2TBCSC-A.L1-7P, in dgsi.pt..
In casu, a decisão recorrida não enumera a factualidade que deva ser considerada como provada, ferindo-a de nulidade, por falta de fundamentação de facto, e correspondente subsunção jurídica.
Estamos perante nulidade que este Tribunal não pode suprir Veja-se o Ac. TG de 06.01.2011, Proc. 1318/08.0TBFAF-C.G1, in dgsi.pt, nos termos do art.º 715º, do CPC, e atento o disposto no art.º 712º, do mesmo diploma legal, tanto mais que a determinação do montante das prestações pressupõe que o tribunal atenda à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor – artº 2º, nº 2 da Lei 75/98, de 19 de Novembro.
Desta forma, sendo nula a decisão proferida, importa que o tribunal a quo desde já, ou realizando-se previamente as diligências tidas por convenientes, profira decisão que, discriminando os factos provados, avalie, de forma crítica e justificada, a verificação dos pressupostos da intervenção do Recorrente.
Sumariando:
(Obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM em substituição do devedor; dever de fundamentação da decisão que fixa tal obrigação).
1. A obrigação de prestação de alimentos a cargo do FGADM é uma obrigação autónoma e independente, embora subsidiária da do devedor originário dos alimentos, configurando uma substituição subordinada à existência de pressupostos legalmente enunciados e, assim sendo, sujeitos ao escrutínio desta entidade por ser afectada pela decisão judicial que fixa em concreto essa obrigação.
2. Como tal, a respectiva decisão deve conter minimamente os fundamentos de facto e de direito que possibilitem a sua impugnação.




IV – Decisão;

Em face do exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, anulando a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir nos termos acima definidos.

Não são devidas custas.

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Guimarães, 6 de Dezembro de 2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira