Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA TEIXEIRA | ||
Descritores: | ACUSAÇÃO JUIZ JULGAMENTO IRREGULARIDADE REPARAÇÃO DEVOLUÇÃO DE PROCESSO AO MINISTÉRIO PÚBLICO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/11/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
Sumário: | Se após a dedução da acusação, o juiz verificar a existência de irregularidade, não pode devolver o processo ao Mº Pº para a reparação desse vício praticado no inquérito. | ||
Decisão Texto Integral: | O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES – SECÇÃO CRIMINAL Acórdão I - RELATÓRIO No processo Comum tribunal Singular supra identificado, foi proferido o seguinte despacho []: Conforme resulta de fls. 442, a sociedade arguida prestou Termo de Identidade e Residência subscrito pela sua legal representante, a igualmente aqui arguida CRISTINA RR.S. Ora, a sociedade arguida não se encontra regularmente notificada do teor da acusação contra si proferida, motivo pelo qual ainda não decorreu o prazo para a abertura de instrução. Com efeito, a sociedade arguida foi notificada por via postal registada e com prova de receção. Sucede que tal notificação foi recebida por um terceiro, desconhecendo este Tribunal se o mesmo é funcionário da sociedade arguida, porquanto nada consta do aviso de receção nesse sentido. No entanto, certo é que a sociedade arguida deveria ter sido notificada na pessoa da sua legal representante e, tendo sido prestado Termo de Identidade e Residência, através de via postal simples com prova de depósito remetido para a morada constante do Termo de Identidade e Residência de fls. 442, em obediência ao disposto no artigo 113.°, n.° 1, alínea c), e 283.°, n.° 6, ambos do Código de Processo Penal. Pelo exposto, declaro irregular a notificação da acusação por via postal registada à sociedade arguida…, LDA., e determino que os autos sejam devolvidos ao Ministério Público para que seja promovida a notificação da acusação à sociedade arguida na pessoa da sua legal representante e por via postal simples com prova de depósito, com integral respeito pelo legal formalismo.
Inconformado, o MP recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes CONCLUSÕES 1. Nesta instância, o Exmo. procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso [fls.53]. II – FUNDAMENTAÇÃO 3. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código. A este propósito importa ter presente: O inquérito é uma fase processual da competência do Ministério Público (cfr. arts. 219º da Constituição da República Portuguesa e 262º do Cód. Proc. Penal) e a intervenção do Juiz, nesta fase, é pontual e excecional, e com ele se pretende investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes, a responsabilidade deles, descobrir e recolher as provas. Tudo isto com uma finalidade: submeter ou não o arguido, ou o suspeito (autor da infração), a julgamento. Primeiro há que determinar se realmente houve crime, depois, tentar descobrir o agente. Depois de descoberto o agente, saber a responsabilidade que lhe cabe, saber se se trata de um indivíduo que agiu com dolo ou se porventura se trata de um inimputável, uma vez isto feito (art. 283º CPP) o Ministério Público deduz acusação. Com a acusação pretende-se submeter o arguido a julgamento (art. 262º CPP). Assim é por força da estrutura basicamente acusatória do nosso processo penal (consagrada no art. 32º, nº 5, da CRP) que significa, fundamentalmente, que a acusação – que define e fixa o objeto do processo, imputando um crime a determinada pessoa – tem que ser deduzida por um órgão distinto do julgador. De resto, a vinculação temática do tribunal, a garantia de que o juiz do julgamento não interveio na definição do objeto do processo e a garantia de independência do Ministério Público em relação ao juiz, constituem corolários decisivos do princípio do acusatório. Esta acusação é notificada ao arguido. E aqui, entre a decisão de submeter o arguido a julgamento – que é a acusação – e o julgamento propriamente dito, pode surgir uma fase intermédia, que é uma fase facultativa – a instrução. No caso em apreço o que importa discutir não é saber se a notificação foi feita de forma irregular, mas antes se o Juiz do processo tem poderes para determinar ao Ministério Público a prática de qualquer ato na fase anterior de Inquérito. O princípio do acusatório e o facto da direção do Inquérito competir ao Ministério Público, não significa que, ultrapassada a fase de inquérito, o juiz não possa sindicar a legalidade dos atos praticados nessa fase. Tendo sido deduzida acusação e não sendo requerida instrução, o processo segue para a fase de julgamento, cabendo, então, ao juiz (de julgamento) pronunciar-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, nos termos do art. 311º, nº 1, do Cód. Proc. Penal. E sendo pacífico que no despacho a que se refere aquele art. 311º “não é admissível ao juiz censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito e devolver o processo ao Ministério Público para prosseguir a investigação de forma a abranger outros factos e/ou outros agentes, ou, simplesmente, para reformular a acusação” (cfr. acórdão do TRE, de 11.07.1995, in CJ XX, tomo IV, p. 287), já se divergem as opiniões quando se procura saber se o juiz (de instrução ou de julgamento) pode determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para que proceda ao eventual suprimento de uma nulidade de inquérito ou para que seja sanada a irregularidade concretizada na falta de notificação da acusação ao arguido. De facto, já se defendeu que o juiz pode devolver os autos ao Ministério Público se entender que não foram efetuadas todas as diligências necessárias para a notificação da acusação ao arguido (assim, e para além do acórdão citado no despacho recorrido, cfr. o acórdão do TRP, de 09.05.2001, in CJ XXVI, tomo III, p. 230) com o argumento de que o processo penal deve assegurar todas as garantias de defesa e uma deficiente notificação é “suscetível de afetar o direito de defesa do arguido – na medida em que deste faz parte o direito conferido ao arguido de, uma vez deduzida acusação contra si, requerer a abertura da instrução, com vista a evitar a sua submissão a julgamento”, pelo que se imporia a “possibilidade da sua reparação oficiosa, nos termos do disposto no nº 2 do art. 123º do C. Penal” – no mesmo sentido cfr. o acórdão do TRC, de 24.11.1999, in CJ XXIV, tomo V, p. 51. Acontece que a falta de notificação da acusação ao arguido não afeta as suas garantias de defesa, já que, chegado o processo à fase de julgamento, e tendo o Tribunal conhecimento do paradeiro do arguido, será o mesmo notificado da acusação – podendo então requerer instrução, para o que disporá do prazo normal de 20 dias. Estamos, assim, perante uma irregularidade com previsão no nº 1 do art. 123º do Cód. Proc. Penal, e não no nº 2. Desta forma, a falta de notificação da acusação do Ministério Público ao arguido constitui uma irregularidade que tem de ser arguida pelos interessados no prazo de 3 dias, não sendo de conhecimento oficioso (neste sentido, cfr. o acórdão do TRE, de 14.04.2009, in CJ XXXIV, tomo II, p. 294). Mas ainda que seja entendimento do Juiz que é de reparar oficiosamente a irregularidade, tal não significa que possa ordenar ao Ministério Público essa reparação. Quando o nº 2 do art. 123º do Cód. Proc. Penal, prevê a possibilidade de “ordenar-se oficiosamente a reparação” quer dizer que a autoridade judiciária pode tomar a iniciativa de reparar a irregularidade, determinando que os respetivos serviços diligenciem nesse sentido, não ordenando a remessa dos autos ao Ministério Público, pois que tal situação contem implícita uma ordem para que proceda à notificação da acusação ao arguido – decisão que afronta os princípios do acusatório e da independência e autonomia do Ministério Público relativamente ao Juiz. De facto, sendo autónomas a intervenção do Ministério Público no inquérito e a do Juiz na fase da instrução e/ou do julgamento, “não tem fundamento legal qualquer «ordem», nomeadamente do juiz de instrução, para ser cumprida no âmbito do inquérito por quem não deve obediência institucional nem hierárquica a tal injunção” (cfr. o acórdão do STJ, de 27.04.2006 (pesquisado in www.dgsi.pt) – assim, também, Paulo Pinto de Albuquerque (“Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2ª edição atualizada, ps. 790/791) que, em anotação ao artigo 311º defende que “pelos motivos já expostos, atinentes ao princípio da acusação, o juiz de julgamento não pode censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito e devolver o processo ao Ministério Público (…) para reparar nulidades ou irregularidades praticadas no inquérito e reformular a acusação, incluindo irregularidades da notificação da acusação”. Pelo que tem que proceder o recurso. Decisão Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, ■ III – DISPOSITIVO Pelo exposto, os juízes acordam em: Conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido que será substituído por outro que ordene aos próprios serviços a reparação da irregularidade. · Não é devida tributação |