Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
884/15.8T8BGC-E.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: FGADM
MENORES
INTERNAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O pagamento da prestação a que o Estado (através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores) se encontra obrigado cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos.
II - Os menores que estejam em situação de internamento em estabelecimentos de apoio social, públicos ou privados sem fins lucrativos, cujo funcionamento seja financiado pelo Estado ou por pessoas colectivas de direito público ou de direito privado e utilidade pública, bem como os internados em centros de acolhimento, centros tutelares educativos ou de detenção, não têm direito à prestação de alimentos atribuída pelo Fundo.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
O Centro Social e Paroquial S, em representação da jovem, Leandra P, veio suscitar incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra Lurdes P.
Para o efeito alegou, em síntese, que a progenitora não cumpriu o acordo quanto ao pagamento da pensão de alimentos devidos à jovem.
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A Requerida pronunciou-se, admitindo a falta de pagamento e alegando não possuir condições financeiras e económicas para pagar a pensão de alimentos devida à sua filha Leandra.
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Após relatório social para apurar a situação económica da requerida foi promovida a intervenção do FGADM até à maioridade, e proferida decisão que, pela verificação do incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, condenou, em consequência, a requerida, Lurdes P, no pagamento das pensões de alimentos vencidas e não pagas, no valor de € 525,00 (quinhentos e vinte e cinco euros) e fixou em € 75,00 (setenta e cinco euros) a prestação a assegurar pelo Fundo de Garantia do Alimentos devidos à jovem, Leandra P, até à maioridade desta (13.08.2016).
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II-Objecto do recurso
Não se conformando com o decidido veio a interveniente FGADM instaurar o presente recurso, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1.° A decisão judicial em crise parte de uma premissa de raciocínio erróneo, em matéria de facto e de direito.
2.° Por sentença judicial, datada de 11 de Novembro de 2015, a jovem Leandra P ficou confiada à guarda e cuidados do Lar de S. Francisco, ficando obrigado ao pagamento, por cada um dos progenitores, de uma pensão de alimentos, no valor de €75,00 mensais a depositar em conta bancária.
3.° Face ao incumprimento da progenitora, por decisão judicial, datada de 30 de Junho de 2016, foi determinado o pagamento pelo FGADM da quantia de € 75,00 até à maioridade de Leandra P, a qual ocorreu a 13 de agosto de 2016.
4.° Ora, é ao obrigado judicialmente a quem compete a prestação de alimentos dos menores residentes em território nacional, porém quando esse não satisfaz as quantias em dívida deve o Tribunal preferencialmente tornar efectiva a sua prestação e só recorrer à possibilidade de fixação de alimentos a pagar pelo Estado, através do FGADM, quando as mesmas se tornem totalmente inviáveis.
5.° Leandra P é uma jovem e não uma menor ... que tem 18 anos ... "nasceu a 13.08.1998", conforme reza a decisão judicial, em crise - decisão judicial, datada de 30 de Junho de 2016.
6.° A decisão judicial em crise é ilegal, por determinar que o FGADM assegure o pagamento, a título de prestação de alimentos, a Leandra P, não porque era menor e agora entretanto, maior mas porque os menores que estejam em situação de internamento em estabelecimentos de apoio social, públicos ou privados sem fins lucrativos, cujo funcionamento seja financiado pelo Estado ou por pessoas colectivas de direito público ou de direito privado e utilidade pública, bem como os internados em centros de acolhimento, centros tutelares educativos ou de detenção, não têm direito à prestação de alimentos atribuída pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
7.º A decisão judicial em crise é ilegal, por determinar que o FGADM assegure o pagamento, a título de prestação de alimentos, à jovem Leandra P, pelo que deverá ser anulado face ao todo anteriormente exposto, nomeadamente porque viola, o disposto nos arts.° 1.° e 2.° da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e art.º 1.° a 3.° do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio.
Pede, assim, a final, que o presente recurso seja considerado procedente, com as inerentes consequências legais.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - Fundamentação
Factos Provados
1. Por acordo firmado em 11 de Novembro de 2015, no âmbito dos presentes autos de alteração do exercício das responsabilidades parentais, a jovem Leandra ficou confiada à guarda e cuidados do Lar de S. Francisco, ficando cada um dos progenitores obrigado ao pagamento de uma pensão de alimentos devida à sua filha Leandra P no valor de 75,00€ mensais a depositar em conta bancária.
2. A requerida não procedeu ao pagamento da respectiva pensão de alimentos a que ficou obrigada por força da referida sentença, a partir de Dezembro de 2015 e até à presente data.
3. A requerida Lurdes P é mãe da jovem Leandra P nascida a 13.08.1998.
4. Por sentença proferida foi declarado verificado o incumprimento do pagamento da pensão de alimentos devida, no montante de 525,00€.
5. A jovem beneficia de uma bolsa de estudo no montante de 170,00€, recebe pensão de alimentos por parte do progenitor, no montante de 75,00€, não possuindo qualquer outro tipo de rendimento próprio.
6. Nem beneficia de rendimentos de outrem superiores ao indexante de apoios sociais.

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IV-O Direito
Como resulta do disposto nos arts.º 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apurar se o FGADM está obrigado a assegurar o pagamento, a título de prestação de alimentos, a Leandra P.
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Fundamentos de Direito
Como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, ‘o direito à vida traduz-se igualmente no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna’.
Assim, não podendo os alimentos ao filho menor ser cobrados, a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (alterada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 2013), veio atribuir ao Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a obrigação de garantir esse pagamento, até ao efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor, ficando aquela entidade subrogada em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a ser reembolsado do que pagou (artigos 1.º e 3.º da referida Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, diploma que regulamentou aquela lei).
A atribuição das prestações ao abrigo deste regime depende, no entanto, cumulativamente, dos seguintes pressupostos:
- o menor resida em território nacional (art.º 1.° da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro);
- a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 48.º do RGPTC;
- o menor não tenha rendimento líquido superior ao IAS;
- o menor não beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, sendo que tal se verificará, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior ao IAS (art.º 3.°, n.° 1, als. a) e b) e n° 2 do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio).
Assim, ainda que verificados tais requisitos, para que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores possa substituir-se ao progenitor obrigado a alimentos, é necessário que tenha sido homologado acordo ou proferida decisão fixando alimentos e, de igual modo, que a prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores seja tendencialmente igual à fixada a cargo do devedor originário que substitui (sobre o assunto, Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 9.ª edição, Quid Juris, pgs. 160-166).
Efectivamente, a intervenção da segurança social tem natureza subsidiária de acordo com “uma crescente socialização do risco do incumprimento de obrigações alimentares devidas a menores e, já de outro, uma maior responsabilização do devedor de alimentos, posto que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores se sub-roga em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações” (Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, 2.ª edição, Coimbra Editora, pg. 230).
O Acórdão n.º 400/2011 do Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, na interpretação de que a obrigação do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores de assegurar as prestações a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão.
Acontece que, o pagamento da prestação a que o Estado (através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores) se encontra obrigado cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos (artigo 1.º, n.º 2 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).
Por outro lado, há que ter em conta que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores apenas garante as prestações a partir da decisão que fixou a prestação a seu cargo e que o pagamento tem início no mês seguinte ao da notificação dessa entidade (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2009 publicado no Diário da República 1.ª série n.º 150 de 5 de Agosto de 2009).
Ora, in casu, como resulta dos autos, a sentença foi proferida a 30.6.2016 e remetida notificação dessa decisão ao CDSS/Bragança a 4.7.2016, pelo que a prestação a seu cargo só teria início no mês de Agosto de 2016.
Assim, como decorre da informação prestada no site do FGADM, sendo os pagamentos efectuados a partir do dia 21 de cada mês, a essa data – 21.8.2016 - já a jovem não teria direito a essas prestações por ser já maior de idade (art. 122.º, do Cód. Civil), dado ter nascido a 13.8.1998, como decorre dos factos tidos como provados.
Quando muito, apenas teria a requerente direito aos respectivos proporcionais correspondentes aos 13 dias do mês de Agosto de 2016, dado que, a partir da sua maioridade, cessa a obrigação do FGADM assegurar qualquer pagamento a título de prestação de alimentos em substituição do devedor.
Pois, como resulta dos diplomas citados, o Fundo de Garantia de alimentos visa garantir condições de subsistência única e exclusivamente aos menores, decorrente da especial protecção que essa menoridade exige, assente nas fragilidades e incapacidades inerentes à própria condição de criança e menor.
Através deste mecanismo, o Estado não pretendeu intervir, substituindo-se aos incumpridores, em todas as situações em que são devidos alimentos, mas apenas, e tão só, às crianças e jovens até aos 18 anos de idade.
Como tal, fácil se torna concluir que o regime de substituição do progenitor carenciado pelo FGADM na prestação de alimentos não se aplica ao filho maior.
Nesta medida, ainda que se pudesse entender ocorrer tal obrigação quanto ao valor residual correspondente aos referidos 13 dias do mês de Agosto, o facto é que sempre estaria o FGADM desobrigado de qualquer prestação por verificada a situação prevista no n.º 6, do art.3.º, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, que refere que ‘os menores que estejam em situação de internamento em estabelecimentos de apoio social, públicos ou privados sem fins lucrativos, cujo funcionamento seja financiado pelo Estado ou por pessoas colectivas de direito público ou de direito privado e utilidade pública, bem como os internados em centros de acolhimento, centros tutelares educativos ou de detenção, não têm direito à prestação de alimentos atribuída pelo Fundo’.
Ora, como resulta do art. 23.º, n.º 1, da Portaria n.º 135/2012, de 08 de Maio, ‘os estabelecimentos integrados têm por objecto a prestação de modalidades de acção social integrada, visando o apoio às populações, nomeadamente nas áreas da infância, juventude, reabilitação, idosos e família’, preceituando-se no seu n.º 3 que ‘os estabelecimentos integrados podem funcionar sob a gestão de outras entidades, designadamente de instituições particulares de solidariedade social, através de acordos de gestão’, sendo aqueles que se encontram sob a gestão de outras entidades identificados no anexo II aos estatutos, tal como ocorre com o Lar de São Francisco, em Bragança, a quem ficou confiada a guarda e cuidados da jovem Leandra, pelo que, verificada a situação prevista no referido n.º 6, do art.3.º, do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, não tem a requerente direito à prestação de alimentos atribuída pelo Fundo.
Como tal, tem, assim, de proceder o recurso interposto pelo recorrente FGADM.

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V - Decisão
Pelo exposto, nos termos supra referidos, os juízes da 2ª secção cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação interposta totalmente procedente, e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que fixou em € 75,00 (setenta e cinco euros) a prestação a assegurar pelo Fundo de Garantia do Alimentos devidos à jovem, Leandra P, até à maioridade desta (13.08.2016), por indevida
Sem custas.
Notifique.
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TRG, 7.12.2016
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)
Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida