Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
246/17.2T8MNC.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
SUBSIDIARIEDADE
ACÇÃO DE CUMPRIMENTO
EMPREITADA – ACEITAÇÃO DA OBRA
VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DO PREÇO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário da Relatora:

I – Sob pena de rejeição da impugnação, o recorrente deve fazer uma clara enunciação dos pontos de facto visados e uma assunção clara do resultado pretendido relativamente às concretas questões de facto sobre que versam os concretos pontos impugnados, constituindo tal ónus “uma garantia fundamental para o exercício de um contraditório esclarecido por banda da contraparte e para manter o julgador numa posição de imparcialidade ante a delimitação do objeto do recurso, que impende sobre o recorrente”;

II – Não se pode falar de carência de tutela jurídica justificadora do recurso ao enriquecimento sem causa, nem sequer considerar verificado o pressuposto deste instituto concernente à ausência de causa jurídica, quando o enriquecimento do réu resulta da integração no respetivo património de construção realizada pelo autor e por este àquele entregue no cumprimento da obrigação de prestação integrada no âmbito de um contrato de empreitada;

III – Na empreitada, não havendo acordo nem uso em contrário, a obrigação de pagamento vence-se com a aceitação da obra, podendo a aceitação ser expressa ou tácita, mas a mera entrega da obra é um menos em relação à aceitação, sendo, pois, insuficiente para efeito do vencimento da dita obrigação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

J. P. instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra L. C. e P. D. peticionando que se condenem os Réus no pagamento ao Autor da quantia de € 24.776,59, acrescida de juros de mora a contar desde a data da citação até integral pagamento, por incumprimento contratual e, se assim não se entender, por enriquecimento sem causa.

Alegou para tanto, e em síntese, que Autor e Réus celebraram um contrato de empreitada, através do qual o primeiro se obrigou a construir uma moradia para os segundos, mediante o pagamento da mão-de-obra - para pagamento da qual pactuaram que os réus pagariam ao autor o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) acrescido de iva (23%), caso o mesmo fosse devido – e dos materiais de construção – na compra dos quais o autor despendeu € 71.898,46. Mais alegou que a pedido dos réus, no verão de 2016, o autor pagou o fornecimento e aplicação de estores Brisa solar C80 motorizados, o que importou em € 2.726,81, que custeou a aquisição de diverso material para realização de obras e trabalhos não previstos na empreitada, no total de € 1.805,83, bem como pagou diversos consumos e taxas municipais no total de € 336,47 e serviços prestados pelo arquiteto da obra no valor de € 1.165,19. Por último, alegou, a pedido dos réus, realizou, ainda, no logradouro exterior da casa diversos trabalhos não compreendidos na empreitada da casa de moradia. Esse trabalho desenvolvido pelo autor e por trabalhadores a quem pagou, importa no valor de € 6.000,00 (seis mil euros), neste caso, isento de iva.

Alegou, ainda, que efetuou a construção da referida moradia, tendo os Réus pago o total de € 80.900,00, encontrando-se em falta o valor de € 24.776,59, desde Setembro de 2014, dívida que nunca negaram existir.

Subsidiariamente, para a hipótese de o Tribunal não considerar provada a existência da empreitada e o seu incumprimento pelos Réus, alegou ainda que a casa de moradia que o edificou, tal como ficou concluída, incluindo os trabalhos realizados no logradouro exterior e muros de vedação, na data em que a mesma ficou concluída, considerando os materiais incorporados na mesma e a mão-de-obra necessária para a sua edificação, tinha, pelo menos, o valor de € 150.000,00 e que, considerando que os réus despenderam, desse valor, na aquisição dos materiais para a edificação e com as demais diligências mencionadas, a importância de € 79.676,59, resultou para eles um ganho da diferença, ou seja, um enriquecimento de € 70.323,41.

Citados, vieram os Réus contestar, arguindo a exceção de ilegitimidade passiva da Ré P. D. e defendendo que o Réu celebrou com o Autor um contrato de empreitada para construção de uma moradia, tendo este último dado um orçamento ao primeiro no valor de € 85.000,00, com IVA incluído e “chave na mão”, ou seja, entregar-lhe-ia a moradia pronta a habitar e que aquando da entrega da casa em Agosto de 2014, apenas faltava pagar a quantia de € 9.100,00, porém, devido ao atraso da entrega, as partes chegaram a acordo em reduzir, ao preço, € 4.100,00, remanescendo por pagar o montante de 5.000 €.

Alegaram, ainda, que o Réu não procedeu logo ao pagamento desta quantia, de forma a pressionar o Autor a acabar a obra e a reparar os defeitos, porque a casa apresentava humidades interiores provenientes do terraço de cobertura, passeios exteriores partidos, entre outros; que ainda se encontravam a decorrer os trabalhos para eliminação dos defeitos e o Autor exigiu ao Réu o pagamento do valor em falta, tendo o mesmo anuído a tal pedido – e procedido ao pagamento da dita quantia - no dia 20.06.2016.

Deduziram pedido reconvencional, alegando para tanto e em síntese, que após os trabalhos para eliminação dos defeitos da moradia e já depois da entrada da presente ação, devido a fortes chuvadas, se verificaram novamente infiltrações no imóvel e estes defeitos, por terem sido objeto de reparação em 2016, gozam do prazo legal de garantia, estando os Réus em tempo de proceder à sua denúncia e exigir a reparação.

Concluíram, pugnando pela improcedência da ação, pela absolvição da Ré, da instância, e do Réu, do pedido, e pela condenação do Autor/Reconvindo a eliminar os defeitos existentes na moradia, a reparar os danos causados e no pagamento de uma multa e indemnização no valor não inferior a € 2.500,00, a favor dos Réus, por litigância de má fé.
O Autor veio replicar, arguindo a exceção de ineptidão do pedido reconvencional e nulidade do processo, pugnando pela legitimidade da Ré.
Realizou-se a audiência prévia e foi elaborado despacho saneador, no qual o tribunal julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, admitiu a reconvenção e fixou o valor da causa.
Em fase de julgamento, houve lugar a requerimento de ampliação do pedido reconvencional por parte dos Réus, no qual alegaram um agravamento das humidades na moradia, que agora se estendem ao mobiliário existente na mesma, que se encontra inutilizado.
Tal requerimento foi objeto de resposta por parte do autor e foi admitido por despacho de fls. 185 e ss..

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença contendo a seguinte decisão:

I – Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e em consequência, absolvo os réus L. C. e P. D. dos pedidos;

II - Julgo a reconvenção parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

a) Condeno o autor, J. P., na reparação dos defeitos existentes na moradia do réu L. C., designadamente os que resultam do último relatório pericial junto aos autos a fls. 195 e ss., uma vez que se provou um agravamento dos defeitos no decurso da presente acção;
b) Condeno o autor a proceder à reparação dos móveis de cozinha, da cama de madeira e à lavagem do sofá existentes na moradia do réu, absolvendo-o da sua substituição ou do pagamento do valor;
c) Absolvo o autor dos restantes pedidos;
d) Absolvo o autor do pedido de condenação em multa e de pagamento de indemnização por litigância de má-fé.

Inconformado com a sentença proferida, o Autor interpôs recurso, apresentando as respetivas alegações e enunciando as seguintes conclusões:

1. O Tribunal “a quo” fez incorrecta análise e valoração da prova produzida, errando na decisão sobre o ponto 17 (dezassete) da Fundamentação de Facto, A – Factos provados, no qual vem considerado estar provado que: 17. O Autor deu um orçamento total de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com IVA à taxa legal então em vigor incluído, orçamento “chave na mão”, ou seja, tudo incluído de forma a permitir, aquando da conclusão da obra, a entrada imediata do Réu na mesma e no seu gozo e fruição. Este concreto ponto de facto está incorrectamente julgado.
2. Os meios probatórios apontados para justificar a decisão recorrida encontram-se, como a sentença recorrida refere (No título C – Motivação, penúltima página desse título (pagina 17 do texto da sentença), nos depoimentos de parte do autor e do réu, no depoimento da testemunha J. C., mãe do Réu, e nos relatórios periciais dos autos. Não há outros meios probatórios no processo para dar resposta àquela matéria – que é a de determinar o valor pelo qual o autor e o réu ajustaram a edificação da moradia.
3. Mas, diversamente do que a sentença concluiu, tais meios probatórios apontam claramente, para decisão diversa daquela que foi tomada.
4. Sobre esta questão concreta, o réu L. C. no seu depoimento de parte, gravado (ficheiro 20180605095303_1446053_2871859, minuto 02’ 00’’ a 04’ 45’’), declarou, no essencial, que em 2011 pediu orçamento para fazer a obra. O autor revelou que não estava muito interessado porque a obra estava longe. Fez-lhe um orçamento e disse por alto quanto ficava mais ou menos. O depoente foi para França e depois o autor telefonou-lhe a dizer que já estava interessado, o réu disse-lhe então que estava bem e que lhe entregava a obra. Depois como o réu estava em França foi tudo tratado com a mãe que estava cá. A mãe foi a casa do autor e até lhe pediu um contrato escrito e um orçamento, mas o autor disse- lhe que não era preciso orçamento porque eles afinal eram como família. Na verdade, o depoente também tinha confiança porque afinal tinham trabalhado juntos muitos anos. Mais adiante, a instâncias do seu próprio mandatário, mesmo ficheiro - Minuto 09’ 19’’ a 09’ 27’’ já referiu que o preço acertado para a obra foi de € 85.000,00 mas sem esclarecer se esse valor era com ou sem iva incluído.
5. No seu depoimento gravado (ficheiro 20180605103036_1446053_2871859, Minuto: 01’30’’ a 03’ 30’’ o autor afirmou que em setembro de 2011, o réu foi a casa dele pedir-lhe para construir-lhe a casa e que gostaria que lhe desse um orçamento. O autor que o conhecia de longa data e tinha amizade com ele, aconselhou-o a fazer a casa por administração directa, ou seja, comprava ele os materiais directamente e só pagaria a mão de obra ao autor. O réu pediu que lhe desse então um orçamento. O autor disse-lhe que assumia a mão de obra por € 20.000,00.
Mais adiante Minuto 04’ 00’’ a 04’ 20’’ - a instâncias da Mmª Juiz que lhe perguntou se não lhe deu um orçamento ou estimativa de quanto gastaria no total (com os materiais e a mão de obra) o autor referiu que a obra não andaria longe dos € 100.000,00, deu-lhe essa ideia, mas não contrataram nesse sentido.
6. Sobre esta mesma questão concreta, depôs uma única testemunha J. C., que é a mãe do réu.
No seu depoimento gravado (ficheiro 20180605150730_1446053_2871859 Minuto 05’ 06’’ a 06’ 30’’) referiu que o filho pediu orçamento ao autor chave na mão. O réu entregou- lhe o projeto para o autor fazer o orçamento. Em seguida disse: O Sr. J. P. (o autor) deu-lhe preço. Não sei que preço lhe deu, mas sei que chave na mão foi € 85.000,00.
7. Por fim, há o relatório do Senhor Perito que foi designado com o acordo de ambas as partes e os esclarecimentos que esse Senhor Perito prestou em julgamento. No relatório que ficou nos autos a fls. 129 a 149, em resposta ao que se perguntava: Qual o valor dos materiais e mão de obra a preços de mercado, este Senhor perito é peremptório ao afirmar (fls. 129 dos autos) Ponto 2 ”Após medir e orçamentar a obra, cheguei a um valor total de : construção 103.091,75 acrescido de iva (23%) € 23.7121,10, no total de € 126.802,85. Este mesmo Senhor perito nos esclarecimentos em audiência de julgamento gravados no ficheiro 20180605110904_1446053_2871859, Minuto 05’ 42” a 08’ 00’’ e Minuto 12’ 00’’ a 12’ 45’’, concretiza o afirmado no seu relatório. Sobre este concreto facto reafirma que o custo dos materiais incorporados na moradia e da mão de obra atinge € 103.091,75 (valor sem iva).
Mais à frente, Minuto 17’ 10’’ a 17’ 30’’ reconhece que um lucro industrial de € 20.000,000 não anda distante do valor correcto.
8. São estes, e só estes, os meios probatórios que podem sustentar a resposta àquela matéria de facto – qual o valor contratado para a edificação da casa do réu.
9. A sentença entendeu que daqui podia concluir – como concluiu – que o valor contratado, foi de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com IVA à taxa legal então em vigor incluído, orçamento “chave na mão”. O recorrente entende que ocorre erro flagrante nesta apreciação e julgamento sobre tal facto.
10. Os depoimentos de parte do autor e do réu com o teor assinalado, só por si, desacompanhados de qualquer outra prova, não são suficientes para a prova dos factos que cada uma das partes alega. São dois depoimentos em discordância total. Nenhum deles é confessório – logo, desacompanhados de outros meios probatórios são, um e outro, irrelevantes. Importa, por isso, averiguar que outros meios probatórios podem suportar uma e outra das duas versões antagónicas.
11. Do lado do réu, temos o depoimento da testemunha J. C., que afirmou O Sr. J. P. deu-lhe preço. Não sei que preço lhe dera mas sei que chave na mão foi € 85.000,00.
12. Do lado do autor, temos o relatório pericial e os esclarecimentos que esse Senhor Perito prestou em julgamento. No relatório que ficou nos autos a fls. ....e seguintes, em resposta ao que se perguntava: Qual o valor dos materiais e mão de obra a preços de mercado, este Senhor perito é peremptório ao afirmar (fls. 129 dos autos) Ponto 2 ”Após medir e orçamentar a obra, cheguei a um valor total de: construção 103.091,75 acrescido de iva (23%) € 23.7121,10, no total de € 126.802,85.
Este mesmo Senhor perito nos esclarecimentos em audiência de julgamento gravados no ficheiro 20180605110904_1446053_2871859, Minuto 05’ 42” a 08’ 00’’ e Minuto 12’ 00’’ a 12’ 45’’, concretiza o afirmado no seu relatório. Sobre este concreto facto diz que o custo dos materiais incorporados na moradia e da mão de obra atinge € 103.091,75 (valor sem iva). Mais à frente, Minuto 17’ 10’’ a 17’ 30’’ reconhece que um lucro industrial de € 20.000,000 não anda distante do valor correcto.
13. Estão em confronto antagónico directo o depoimento da testemunha, que é a mãe do réu, necessariamente, menos imparcial e por isso com interesse moral no desfecho favorável da lide para o réu seu filho; e do outro lado, em contraposição, está o relatório técnico do perito designado por acordo de ambas as partes, por isso, alheio a quaisquer interesses no desfecho da lide, que aponta para valores que ultrapassam os valores que o autor sustenta na acção. Neste confronto, o recorrente entende que, perde o depoimento da testemunha (mãe do réu) e deve merecer acentuada credibilidade o relatório pericial e esclarecimentos do Senhor perito, em tudo e por tudo alheio aos interesses da lide. Por isso, deve considerar-se que a edificação da casa de moradia do réu implicou aqueles valores, objectivos, apontados na perícia.
14. Em consequência aquele ponto concreto 17 da matéria de facto deverá ser alterado, em sua substituição passando a considerar-se provado que: o valor de edificação da moradia “chave na mão”, tudo incluído de forma a permitir, aquando da conclusão da obra, a entrada imediata do réu na mesma é de € 126.802,85 (construção 103.091,75 + iva € 23.711,10).
15. Da alteração deste concreto ponto da matéria de facto, resulta que tendo o réu pago ao autor os valores fixados nos pontos 13 e 14 da matéria de facto, ou seja € 80.900,00 (III - Fundamentação de Facto. A. Factos Provados) estaria a dever ao autor a diferença entre o valor do que este construiu e o efectivamente pago, ou seja (€ 126.802,85 – €80.900,00) € 45.902,85.
16. O pagamento que o autor reclama fica, mesmo, muito abaixo deste valor. O autor reclama a título total, empreitada geral e obras a mais, a quantia de € 24.7765,59.
17. A sentença considerou não haver trabalhos a mais do contratado de início – Facto Não Provado h).
18. Ou seja, o valor reclamado pelo autor está muito abaixo do valor real da obra que realizou.
19. Como dizia Confúcio, uma imagem vale mais que mil palavras - o documento fotográfico 133 (que está nos autos a fls. 78), mostra uma moradia que, na pretensão do réu, acolhida na sentença, expurgada do valor do iva, importaria, com materiais, custo de mão de obra incorporada e lucro industrial (chave na mão), o valor de € 69.105,69 (€85.000,00 com iva) – quem pode acreditar!!!!!
20. Em consequência, o réu deverá ser condenado a pagar este valor peticionado na acção; ou seja o valor de € 24.776,59 com juros legais moratórios desde a citação.
21. Subsidiariamente, mesmo que o valor contratado tivesse sido aquele de € 85.000,00, tendo o autor pago € 80.900,00 (factos provados 13 e 14); tendo sido considerados não provados os factos inventariado em qq), rr) e ss) do ponto B-Factos Não Provados, ainda assim, o réu seria devedor da diferença, ou seja, sempre teria de ser condenado a pagar ao autor a quantia de € 4.100,00.
22. Pede-se, pois, subsidiariamente essa condenação do réu no pagamento ao autor de € 4.100,00, com os mesmos juros moratórios.
23. A douta sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto.

Concluiu pedindo seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte impugnada, decidindo-se em conformidade com as alegações e suas conclusões.

Ainda dentro do prazo legal para apresentação do recurso, o recorrente veio aditar às conclusões das suas alegações, as seguintes que alinhou sob a numeração: 18-A, 18-B e 24.
18-A. Ao não ter ficado provado o valor contratado entre o autor e réu, o certo é que este ficou indevidamente enriquecido à custa do correspondente empobrecimento do réu. O enriquecimento do réu reside na diferença entre o que ele pagou ao autor – factos provados 13 e 14 - e o valor da casa construída de acordo com o relatório pericial, que é de € 126.802,85 (construção 103.091,75 + iva € 23.711,10); o empobrecimento do autor está nessa mesma dimensão valorativa - no seu trabalho e em todos os custos que suportou com materiais e mão de obra para a edificação e conclusão da casa do réu.
18-B. Por isso, tal como formulado no pedido 2 da petição desta acção, subsidiariamente, com fundamento no instituto jurídico do enriquecimento sem causa, deve o réu ser condenado a entregar ao autor € 24.776,59 (vinte e quatro mil setecentos e setenta e seis euros e cinquenta e nove cêntimos), que é o correspondente à quantia com que indevidamente se enriqueceu à custa do empobrecimento do autor, com juros de mora a contar da citação.
(…)
24. A douta sentença, violou, ainda, por não a ter aplicado, a norma do artigo 473º do Código Civil.
O Réu não contra-alegou.
***
II. QUESTÃO PRÉVIA

- Da rejeição da impugnação da matéria de facto

A questão que, neste momento, se coloca é a de saber se a impugnação da matéria de facto não deverá ser rejeitada.

Vejamos.

Nos termos do art. 640º, nº 1, do Cód. Proc. Civil:

“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

O incumprimento de tal ónus implica, portanto, a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.

A propósito da razão de ser destas imposições, diz Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 128 e 129: “Pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. (…) Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Sublinha o citado Autor, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 165: “Os aspectos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido”.

A orientação predominante no Supremo Tribunal de Justiça é a de considerar que, não obstante a literalidade do preceito em análise, o cumprimento do ónus ali consagrado – exceção feita, por razões de objetividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação (Acórdão do STJ de 19.02.2015) – pode efetuar-se no corpo das alegações, devendo evitar-se a exponenciação de tal ónus ou uma interpretação demasiado rigorista do mesmo, devendo, na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC, os aspetos de ordem formal ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. entre outros, Acórdão do STJ de 28.04.2016 – Relator Abrantes Geraldes – e de 12.07.2018 – Relator Ferreira Pinto).

Assim, embora seja efetivamente mais curial que a especificação dos pontos de facto impugnados e mesmo a indicação da decisão a proferir sobre cada facto constem das conclusões do recurso, pendemos, inclusive, para admitir como aproveitável a especificação que seja feita no corpo das alegações.
Mas desde que tal especificação se mostre “provida do recorte e clareza necessária à delimitação do objeto do recurso, nessa parte” (Acórdão do STJ de 17.03.2016 – Relator Tomé Gomes).

Na verdade, não se pode esquecer que “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto” (Acórdão do STJ de 19.12.2015) e que a importância da indicação do exato sentido decisório que decorreria da correta apreciação dos meios de prova em causa está ligada à necessidade de ser claramente mostrado onde está o invocado erro de julgamento (Acórdão de 29.10.2015 – Relator Lopes do Rego).
As formalidades referidas, já entendidas nos termos latos que acima deixamos explanados, constituem “uma garantia fundamental para o exercício de um contraditório esclarecido por banda da contraparte e para manter o julgador numa posição de imparcialidade ante a delimitação do objeto do recurso, que impende sobre o recorrente”, só assim se podendo “lograr obter uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos em causa” (citado Acórdão do STJ de 17.03.2016 – Relator Tomé Gomes).
Sustenta o Recorrente que houve erro na apreciação da prova relativamente ao ponto 17 da matéria de facto considerada provada pela primeira instância.

É o seguinte o teor do referido ponto:

O Autor deu um orçamento total de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com IVA à taxa legal então em vigor incluído, orçamento “chave na mão”, ou seja, tudo incluído de forma a permitir, aquando da conclusão da obra, a entrada imediata do Réu na mesma e no seu gozo e fruição.

E é a seguinte a decisão que o Recorrente diz considerar ser imposta pela prova produzida:

O valor de edificação da moradia “chave na mão”, tudo incluído de forma a permitir, aquando da conclusão da obra, a entrada imediata do réu na mesma é de € 126.802,85 (construção 103.091,75 + iva € 23.711,10).

Ora, sendo certo que, como se viu, o recorrente deve indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, no caso, confrontando o teor do ponto impugnado com a decisão para o mesmo propugnada pelo aqui Recorrente, desde logo se constata que a última não versa sobre a questão de facto decidida no dito ponto impugnado, como se impunha.

Com efeito, tal ponto concerne à questão do preço acordado e não ao valor da edificação, sendo claro que a única questão relativa ao valor da edificação foi objeto de decisão específica inserida em alínea da matéria de facto considerada não provada – a alínea bb) –, cujo teor é o seguinte: Que a casa de moradia que o autor edificou, tal como ficou concluída, incluindo os trabalhos realizados no logradouro exterior e muros de vedação, na data em que a mesma ficou concluída, considerando os materiais incorporados na mesma e a mão de obra necessária para a sua edificação, tivesse, pelo menos, o valor de € 150.000,00.
Analisando o recurso, constata-se que, não só a aludida alínea referente ao valor da edificação não foi indicada como objeto da impugnação pretendida, como, pelo contrário, o Recorrente sublinhou expressamente nas suas conclusões e no próprio corpo das alegações que o recurso relativo à matéria de facto visava um único ponto – o 17 dos Factos provados –, não sendo a propugnada decisão, repete-se, resposta à questão de facto sobre a qual tal ponto versa.
Por outro lado, face ao que se expôs, verifica-se que, apesar de, nas conclusões elencadas, melhor dizendo, nas conclusões aditadas, pelo Recorrente, aparentemente decorrer que o mesmo parece admitir que não se provou o, por ele alegado, sobre a questão do preço – na medida em que, na aditada conclusão 18-A, refere que Ao não ter ficado provado o valor contratado entre o autor e réu –, certo é que o Recorrente, nem nas conclusões apresentadas, nem no próprio corpo das alegações, faz qualquer indicação da decisão que, sobre a concreta questão de facto decidida no ponto 17 (relativa ao preço orçamentado), deveria ter sido proferida.
Da análise do recurso na sua globalidade, resulta, pois, não ter o Recorrente feito uma clara enunciação dos pontos de facto visados pela impugnação nem uma assunção clara do resultado pretendido relativamente a tais pontos, o mesmo é dizer ter aquele incumprido o ónus que nesta matéria sobre ele recaía.
Não obstante, deverá a Relação inferir que, ao contrário do expressamente referido pelo Recorrente, o mesmo pretende impugnar não um mas dois pontos da matéria de facto, mais inferindo que, relativamente ao único ponto indicado para efeito de impugnação, a decisão deverá ser a de o considerar não provado, sendo a decisão a tomar que o Recorrente refere relativa ao aludido ponto 17 dos “Factos provados”, por aquele não indicado?

A resposta é negativa.

“Com efeito, pretender que seja o tribunal de recurso a inferir os pontos de facto pretensamente impugnados pelo recorrente (…) não só colide com o princípio do contraditório, na medida em que não permite sequer à parte contrária divisar previamente o resultado dessa inferência, mas também atenta contra a própria imparcialidade devida ao tribunal, por intromissão numa esfera claramente da incumbência do recorrente, como é a do seu poder dispositivo sobre a delimitação do objeto do recurso.
O desrespeito de tais princípios estruturantes do processo civil é que se traduziria, aqui sim, em evidente deslealdade e falta de transparência violadoras do princípio do processo equitativo (…)”.
Concluindo, no caso presente, tal como naquele que foi objeto de apreciação no último dos citados arestos, é de afirmar que “a forma como o Recorrente deduziu a sua impugnação sobre a decisão de facto desrespeitou manifestamente os requisitos formais exigidos pelas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC não numa dimensão meramente superficial mas no alcance profundo do seu enraizamento nos princípios do contraditório e da imparcialidade do julgador.”
Abrindo parênteses, deve, aliás, dizer-se que, no caso concreto, a questão de facto a que a primeira instância respondeu na alínea bb) dos Factos não provados se reporta ao valor que a edificação da moradia em causa tinha à data em que a mesma ficou concluída e não ao valor atual da edificação de uma moradia com aquelas características, pelo que a única decisão relativa à matéria de facto que o Recorrente diz, agora, impor-se (o valor de edificação da moradia… é de € 126.802,85), em rigor, se refere a uma questão de facto que tampouco foi objeto de qualquer decisão pela primeira instância, estando, pois, o Recorrente, ao propugnar a tomada de decisão que indica, a introduzir nos autos uma matéria nova, que nem sequer foi alegada, sendo certo que ao tribunal de recurso está vedado conhecer de questões novas.
Acresce que, como infra melhor se verá, ainda que a impugnação em causa não fosse – como é – de rejeitar, sempre se imporia, face aos termos do recurso e, em particular, ao teor das conclusões aditadas, a conclusão no sentido de ser inócua, para efeito da pretensão recursiva apresentada, a factualidade que o Recorrente aparentemente pretende ver aditada, certo que, mesmo que viesse a deferir-se ao suposto aditamento e se excluísse o impugnado ponto 17, a dita pretensão do Recorrente nele assente – com recurso ao enriquecimento sem causa – forçosamente estaria, no restante quadro apurado e não impugnado, votada ao insucesso, não devendo, pois, também por essa razão, conhecer-se a dita impugnação.
Fechando parênteses e retomando o raciocínio que se estava a expor, cabe concluir que o Recorrente não procedeu em conformidade com o que lhe era imposto pelos normativos contidos no art. 640º, nº 1, a) e c), do CPC, devendo, pois, a impugnação ser objeto de rejeição, o que se decide.

III. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:

- Saber se, tendo o enriquecimento sido gerado pelo cumprimento de obrigação decorrente de um contrato celebrado entre o prestador e o accipiens, mas tendo a pretensão em tal contrato assente improcedido por falta de demonstração dos respetivos pressupostos, se pode afirmar a necessidade de tutela jurídica com recurso ao enriquecimento sem causa e a própria inexistência de causa justificativa pressuposta pelo referido instituto;
- Saber se a mera entrega da obra objeto de empreitada traduz a sua aceitação, com o consequente vencimento da obrigação de proceder ao pagamento do preço.
*
IV. FUNDAMENTOS:

Os Factos

A. É a seguinte a factualidade considerada provada pela primeira instância:

1. Os réus são emigrantes em França, onde desenvolvem a sua actividade laboral e permanecem a residir durante o ano. Regressam a Portugal, normalmente, no verão, em gozo de férias;
2. O autor exerce a actividade da construção de edifícios (residenciais e não residenciais);
3. O autor e o réu são naturais da mesma aldeia, conhecem-se e vêm mantendo relações de amizade e confiança recíprocas;
4. Em Setembro de 2011, o réu pretendia edificar uma moradia em …, no concelho de Caminha;
5. Autor e réu celebraram um acordo, por via do qual o autor se obrigou a executar a construção da casa de moradia e o réu se obrigou a pagar o preço;
6. O autor obrigou-se a executar todos os trabalhos de edificação, pagando a mão de obra necessária para finalização da obra;
7. Ele próprio desenvolveu na obra o seu trabalho de mão de obra;
8. Os réus residem em França;
9. Por ser total a confiança recíproca entre autor e réu, o acordo não foi reduzido a escrito assinado pelas partes contratantes;
10. O autor iniciou a construção da casa de moradia em Janeiro de 2012;
11. Contratou a execução das canalizações de águas, rede eléctrica, carpintaria, pinturas e outros trabalhos especializados;
12. O autor fez entrega da casa pronta e das chaves ao réu no mês de agosto de 2014;
13. O réu transferiu para a conta bancária do autor os seguintes valores nas seguintes datas:
a) em 09-03-2012, € 5.000,00
b) em 10-04-2012, € 11.000,00
c) em 07-05-2012, € 12.900,00
d) em 19-04-2013, € 15.000,00
e) em 15-10-2013, € 11.000,00
f) em 21-06-2014, € 21.000,00
g) em 20-06-2016, € 5.000,00
14. Transferências que totalizaram o valor de € 80.900,00;
15. No verão de 2016, o autor aplicou estores Brisa solar C80 motorizados na habitação do réu;
16. O autor realizou trabalhos no logradouro exterior da moradia que consistiram no seguinte: construção de dois muros de vedação do logradouro exterior (o muro frontal e um muro lateral), a construção de uma vedação metálica no lado traseiro; colocação de uma rede complexa de tubos subterrâneos, condutores de água, condutores de saneamento, condutores de telecomunicações e de energia eléctrica, nivelamento dos solos, revestimento do solo com mosaicos e construção de passeios;
17. O Autor deu um orçamento total de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), com IVA à taxa legal então em vigor incluído, orçamento “chave na mão”, ou seja, tudo incluído de forma a permitir, aquando da conclusão da obra, a entrada imediata do Réu na mesma e no seu gozo e fruição;
18. O autor não tinha alvará de construção e foi um terceiro que o forneceu;
19. Os trabalhos foram decorrendo, a construção avançando, e o réu ia fazendo os pagamentos, na forma acordada, sem que nunca o autor lhe tenha emitido e entregue qualquer factura e/ou recibo, quer por si emitidos quer por terceiros;
20. O réu não procedeu de imediato ao pagamento do valor em falta, de forma a pressionar o acabamento da obra e a reparação dos defeitos;
21. E isto porque a casa, ou seja a construção, apresentava já diversos defeitos, como eram humidades interiores provenientes do terraço de cobertura, um peitoril exterior da parte posterior da casa desalinhado, passeios exteriores partidos, quer ao nível do cimento quer ao nível do revestimento de cobertura:
22. Entretanto manifestava-se um outro problema que consistia a nível interno com a entrada de água num quarto, mas que na parte exterior, na empena lateral da casa, apresentava uma enorme fissura e o decaimento do corpo superior da casa que se encontrava balançado;
23. O Autor comprometeu-se a colocar “capoto” em todo o corpo superior da casa, de forma a tornar imperceptível o deslocamento que uma das empenas apresentava, sendo por isso necessária uma espessura significativa de nova parede de forma a lograr tal desiderato;
24. Depois da reunião em obra, o Autor comprometeu-se perante os técnicos a reparar os defeitos existentes e a implementar as soluções preconizadas e que o Réu aceitou;
25. Assim, em Abril/Maio de 2016, o Autor iniciou os trabalhos para eliminar os defeitos e acabar a obra, sendo que para o acabamento da mesma faltava a colocação das persianas;
26. Nestes trabalhos, o Autor teve que desfazer o tecto falso que se encontrava por baixo da laje que havia cedido, colocar a viga em ferro, cortar tijolo para no topo colocar um pilar, remover os passeios partidos, sendo que, colocou efectivamente a estrutura metálica de suporte, betonou o pilar no topo, substituiu o peitoril no alçado posterior, colocou o capoto e pintou o corpo superior, eliminou humidades provenientes do terraço de cobertura, colocou as persianas;
27. E voltou a betonar os passeios e a assentar o pavimento, sendo que, inclusivamente, solicitou à mãe do autor que fosse escolher o material ao seu fornecedor em Monção;
28. O autor teve que desfazer todo o tecto falso do exterior da casa, ficando o mesmo totalmente inaproveitável;
29. Sendo que foi o réu, a expensas suas, que comprou o “forro” em França e pagou o seu transporte para Portugal;
30. A casa do autor não tem aplicada telha, sendo a cobertura e telhado da casa feito através de terraço;
31. Já depois da entrada da presente acção, foram verificadas novamente as mesmas infiltrações, que o autor, sem sucesso, tentou resolver;
32. Estando agendada a audiência de discussão e julgamento, os réus, emigrantes em França, deslocaram-se ao nosso país;
33. E nessa medida, no dia 03/06/2018 foram ao imóvel em discussão nestes autos, e depararam-se com infiltrações e humidades em todas as divisões da casa, quer ao nível do rés-do-chão, quer ao nível do primeiro andar;
34. Bem como como o piso exterior todo danificado;
35. Como consequência das humidades e infiltrações, as paredes da casa apresentam enormes manchas negras, sendo que as paredes interiores, atento o facto de serem em “pladur”, estão apodrecidas, com generalizadas manchas de caruncho causada pela água das infiltrações de que foram alvo;
36. As manchas de humidade manifestam-se e são visíveis na generalidade das divisões da casa, nomeadamente na cozinha, sala, despensa e nos quartos, ao nível da paredes, tectos, pavimentos, rodapés, portas e respectivos aros;
37. Os armários de cozinha, as portas, sofá, e demais mobiliário e material em madeira está danificado e com manchas de bolor;
38. Os móveis da cozinha, em face da humidade originada pelas infiltrações de que foram alvo, apresentam já empeno na sua estrutura e nas portas, e dificuldade na abertura e fecho das mesmas;
39. Também, como consequência das infiltrações verificadas no interior do imóvel, uma cama em madeira de pinho e envernizada, apresenta grandes manchas de bolor, sendo que, aparentemente não possui problemas estruturais, mas a exposição prolongada a este fungo, trará consequências na madeira e vernizes;
40. As infiltrações acima descritas têm origem na deficiente impermeabilização da placa de cobertura do imóvel e das paredes/fachadas exteriores;
41. Na zona exterior, a base de suporte do pavimento cedeu/aluiu o que causou que o material cerâmico de revestimento do pavimento também cedesse, causando-lhe pronunciadas rachadelas;
42. Os níveis de humidade comprometem, seriamente, a sua saúde e bem-estar dos réus, facto que coloca o imóvel em situação de insalubridade.

B. E a seguinte a considerada “não provada” pela primeira instância:
a) Que a ré tenha celebrado qualquer acordo com o autor;
b) Que os réus sejam casados entre si;
c) Que o réu se tenha comprometido a pagar directamente os materiais de construção;
d) Que porque os réus residem em França durante o ano, tenham acordado que seria o autor a comprar para eles todos os materiais necessários e que os réus iriam transferindo para conta bancária do autor, à medida que os materiais iam sendo comprados, os valores de dinheiro necessários para cobrir essas compras;
e) Que para pagamento da prestação da realização de toda a mão de obra da construção assumida pelo autor, tenham pactuado que os réus pagariam ao autor o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) acrescido de iva (23%), caso o mesmo fosse devido;
f) Que o valor de todas as licenças administrativas para a construção, tenha ficado a cargo dos réus;
g) Que tenham pactuado, também, que o fornecimento e custos inerentes de energia eléctrica e água para os trabalhos ficaria a cargo dos réus;
h) Que tenha ficado excluído da empreitada a construção da vedação do espaço envolvente da moradia, a construção do muro de frontal, um muro lateral, a vedação da traseira com rede, o arranjo exterior de terras, a construção de passeios, pavimentação do exterior e todos os outros trabalhos a realizar no exterior da casa de moradia;
i) Que os réus tenham pedido ao autor para este os representar junto do arquitecto responsável pela obra e pagar serviços a prestar por este;
j) Que tenham pedido ao autor para este requerer todas as licenças municipais para a execução das obras, para os representar junto de todas as entidades administrativas, junto da Câmara Municipal e … (Electricidade de …), solicitando e requerendo tudo quanto necessário à execução e finalização da construção, designadamente, todas as vistorias necessárias;
k) Que os réus tenham ficado a residir, pela primeira vez, durante todo o verão de 2014;
l) Que desde então, todos os anos, pelo menos, durante o verão, os réus tenham voltado a instalar-se na casa durante a época balnear;
m) Que os réus tenham transferido as quantias referidas em 13) para pagar os materiais que o autor ia comprando para os mesmos;
n) Que na compra dos materiais para construção total da casa de moradia, o autor tenha despendido € 71.898,46;
o) Que o autor tenha pago, relativamente ao fornecimento e aplicação de estores Brisa solar C80 motorizados, o valor de € 2.726,81;
p) Que o descrito em 15) tenha sido a pedido dos réus;
q) Que o autor tenha efectuado os seguintes pagamentos de trabalhos executados por terceiros e encargos não compreendidos na empreitada:

- Pelo arranjo do terreno do jardim, a quantia de € 350,00.
- Para execução da baixada de energia eléctrica para ligação à moradia o autor, a quantia de € 617,46;
- Para a execução do ramal de ligação à rede geral de saneamento, a quantia de € 400,97;
- Para a execução do ramal de ligação da água, a quantia de € 375,40,
r) O que totaliza o valor de € 1.743,83;
s) Que o autor tenha custeado a aquisição de diverso material para realização de obras e trabalhos não previstos na empreitada, designadamente:
- Com aquisição de material para os móveis de cozinha, € 311,53;
- Com aquisição de material para a vedação posterior, € 37,67;
- Com aquisição de mosaicos e material de pavimento exterior, € 648,14;
- Com aquisição de material para a ligação subterrânea das águas pluviais para o exterior, € 101,43;
- Com aquisição de material para ligação à rede exterior de saneamento de águas, € 22,29;
- Com aquisição de material diverso (blocos, cimento, areia) para execução dos muros de vedação exterior frontal, e um lateral; material para o pavimento exterior, rede para uma das vedações, € 684,77;
t) O que totaliza o valor de € 1.805,83;
u) Que o autor tenha pago diversos consumos e taxas municipais, designadamente:
- Por consumos de água na obra, a quantia de € 95,49;
- Por consumos de electricidade na obra, a quantia de € 67,63;
- Com taxas para pedido de ligação e ligação de ramal de saneamento à Câmara Municipal, a quantia de € 6,08;
- Com taxas de diversos requerimentos: de contrato de água para obras, pedidos de extensão de prazos de licença de obra e averbamentos e alterações do projecto, uma certidão de registo predial, a quantia de € 167,27;
v) Totalizando a importância de € 336,47;
w) Que o autor tenha pago com serviços prestados pelo arquitecto da obra a quantia de € 1.165,19;
x) Que os trabalhos descritos em 16) não estivessem compreendidos na empreitada da casa de moradia;
y) Que os trabalhos descritos em 16) desenvolvidos pelo autor e por trabalhadores a quem pagou, importe o valor de € 6.000,00 (seis mil euros) isento de iva;
z) Que os réus nunca tenham negado que devem dinheiro ao autor, mas se esquivem a pagar o que este lhes vem reclamando desde Setembro de 2014;
aa) Que o autor tenha aguardado que os réus efectuassem o pagamento para, nesse acto, emitir factura;
bb) Que a casa de moradia que o autor edificou, tal como ficou concluída, incluindo os trabalhos realizados no logradouro exterior e muros de vedação, na data em que a mesma ficou concluída, considerando os materiais incorporados na mesma e a mão de obra necessária para a sua edificação, tivesse, pelo menos, o valor de € 150.000,00;
cc) Que o réu tenha ido com a sua família, na companhia do Autor, ao local onde a obra seria executada, tendo-lhe o Autor referido da necessidade de fazer um muro lateral e outro a na parte posterior da casa com vista a vedar o terreno, e da sua vontade que no valor indicado a construção desse muro (em bloco) já se encontrasse incluído;
dd) Que o autor tenha manifestado relutância, alegando que o preço já era baixo e que além do mais ainda teria as despesas com as deslocações;
ee) E que em face disso, o Autor tenha sugerido fazer as paredes interiores em “pladur” e que as paredes exteriores, pelo seu interior, não fossem “cheias” e estucadas e fossem forradas a gesso cartonado, que era uma solução mais económica e também eficaz, e que aí “uma coisa dava para a outra”;
ff) Que o autor tenha afirmado que lhe mandava para lá umas “carradas de terra” e que se a obra corresse bem ainda lhe comprava uma mobília de quarto ou lhe descontava € 1.000,00;
gg) Que tenha ficado acordado que o prazo para a conclusão da obra era de dois anos, contados da data do levantamento da licença de construção, que deveria ocorrer por parte do Autor logo que o Réu fosse notificado do deferimento final e que a licença se encontrava a pagamento, o que teria obviamente de informar o Autor;
hh) Que o autor tenha sugerido ao Réu que este encontrasse um empreiteiro que estivesse na disposição de levantar em seu nome (do terceiro) a licença de construção e utilizando para tal o respectivo alvará;
ii) Que tal facto tenha obrigado o Réu a vir, propositadamente, a Portugal, onde permaneceu cerca de 7 dias, para resolver este assunto;
jj) Que o réu tenha encontrado alguém que se disponibilizou a fazê-lo, sendo que, para tal, exigiu uma contra partida pecuniária, pois a detenção e manutenção de um alvará de construção civil implica custos, desde logo os decorrentes de ter um engenheiro civil responsável pelo mesmo;
kk) Que para o efeito, tenha sido solicitado ao Réu o pagamento de € 2,400,00;
ll) Que o réu tenha transmitido esse facto ao autor, que lhe disse para aceitar, uma vez que o valor era muito razoável e que depois seria levado em contas entre eles, reconhecendo que essa era uma responsabilidade sua, pelo que o R. concordou e pagou aquela quantia;
mm) Que os trabalhos decorressem a um ritmo muito mais lento do que aquele que estava acordado e contratado;
nn) Que a obra devesse ser entregue ao Réu, totalmente concluída, mais tardar, em Janeiro de 2014, isto é, dois anos depois da celebração do contrato;
oo) Que pelo atraso na execução dos trabalhos, e à medida que o mesmo era perceptível, o Réu tenha protestado junto do autor, desde logo, por se ver impedido de vir a fruir da casa na data acordada e que era prevista, frustrando-se, assim, a sua expectativa em gozar daquele bem:
pp) Que o Autor tenha dito sempre que nas contas finais o Réu seria compensado por esse facto;
qq) Que aquando da entrega da casa em Agosto de 2014, o réu apenas tivesse por pagar, de acordo com o inicialmente contratado, a quantia de € 9.100,00 (nove mil e cem euros), mas tenham chegado a acordo em reduzir ao preço € 4.100,00 (quatro mil e cem euros);
rr) Que tal redução do preço se destinasse a compensar o Réu pelos € 2.400,00 que este teve que pagar ao empreiteiro que levantou a licença de construção, sendo que o remanescente era para o compensar pela sua deslocação a Portugal, pelo tempo que esteve sem trabalhar, pelo atraso na conclusão da obra, com os transtornos daí decorrentes, e pelo facto de ainda estarem por colocar as persianas e o vidro temperado na guarda da escada interior, e por existirem pequenos defeitos a reparar, defeitos esses que o A. assumiu e se comprometeu a reparar;
ss) Que tenham acordado um valor certo para o remanescente em falta, € 5.000,00, daí o valor de € 4.100,00;
tt) Que depois de sucessivamente ter adiado a reparação dos defeitos, o autor tenha começado por alegar que tal se devia a um erro do projecto de especialidades (betão armado) que deveria marcar para a laje que suportava aquele corpo que se tinha dado uma laje maciça e que entretanto marcaria uma laje aligeirada, o que ele fez…
uu) Que o Réu tenha confrontado o Autor, na própria obra, com o processo de betão armado, e este tenha constatado que marcava precisamente uma laje maciça, reconhecendo que “leu” mal o projecto, comprometendo-se a resolver o problema, pois este defeito punha em causa a segurança estrutural da casa;
vv) Que o Autor tenha proposto ao réu uma solução alternativa, que consistia na colocação de uma estrutura metálica a suportar o corpo suspenso;
ww) Que embora a solução cause prejuízo estético à casa, o Réu, depois de tal solução ser aceite pelos técnicos da obra, tenha acabado por anuir, pela consideração que tinha pelo autor;
xx) Que em 2016 faltasse a colocação de vidro na guarda da escada interior;
yy) Que quando se encontravam a decorrer os trabalhos para reparar os defeitos, e bem assim para acabar a obra, o autor tenha solicitado o pagamento do valor ainda em falta, ou seja, dos € 5.000,00 (cinco mil euros);
zz) Que o réu, vendo que o autor estava a fazer um esforço para resolver os problemas da obra, e um era mesmo grave, e bem assim para acabar o trabalho em falta, tenha anuído ao pagamento, o que fez em 20/06/2016, pouco tempo antes de os trabalhos estarem concluídos;
aaa) Que o descrito em 31) tenha ocorrido após dois dias de fortes chuvadas intermitentes;
bbb) Que a cama descrita em 39) tenha o valor de € 1.000,00 e o sofá dos réus o valor de € 1.325,00.

O Direito

- Do erro na subsunção dos factos ao direito

Na medida em que foi rejeitada a impugnação e, por isso, se mantém intocada a decisão relativa à matéria de facto proferida pela primeira instância, em cuja alteração o Recorrente assentava a pretensão da alteração da decisão de direito por ele enunciada a título principal, sempre seria de julgar improcedente a apelação em tal fundamento assente.
Não obstante, não deixará de se dizer que, ainda que se conhecesse e viesse a deferir-se à impugnação apresentada, forçoso seria concluir pela improcedência da referida pretensão recursiva do Recorrente, assente na aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.
Senão vejamos.
O instituto do enriquecimento sem causa mostra-se consagrado como fonte autónoma de obrigações no art. 473º, nº 1, do Código Civil, que preceitua: “Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
O enriquecimento sem causa assume, porém, natureza subsidiária, como se frisa na sentença recorrida.

Com efeito, nos termos do artigo 474.º do mesmo Código, “não há direito à restituição por enriquecimento sem causa, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio legal de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
De acordo com este princípio, o empobrecido só pode recorrer à ação de enriquecimento à custa de outrem, quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízos.
Assim, não o poderá fazer “se o enriquecimento puder e dever ser destruído mediante simples acção (contratual) destinada a exigir o cumprimento do contrato” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 459).
Também Menezes Leitão, in “O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil”, Centro de Estudos Fiscais, pág. 948, refere que, “relativamente ao enriquecimento por prestação, a aplicação do artigo 473.º é naturalmente excluída sempre que exista uma pretensão fundada num negócio jurídico.”
Para este autor, o estatuído no art. 474.º do CC não consagra aliás, uma subsidiariedade geral do enriquecimento sem causa, mas “uma incompatibilidade de pressupostos entre as situações referidas e essa acção.” (obra citada, pág. 921).
Na mesma linha Vaz Serra afirmava que a ação de enriquecimento não pode concorrer com a ação de cumprimento de um contrato, nem quando, p.ex., o comprador não paga o preço, nem quando o vendedor não entrega a coisa, porque tanto num caso como no outro não há enriquecimento porque a contraparte continua a dever. (in RLJ, Ano 102, págs. 374 e 375).
“A subsidiariedade da acção de enriquecimento tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 460).
Isto porque, como salientam os autores referidos no antecedente parágrafo, “pode originariamente a lei não permitir o exercício da acção de enriquecimento, em virtude do interessado dispor de outro direito e, posteriormente, facultar o recurso àquela acção, em consequência da caducidade deste direito”, podendo ainda suceder, em casos de alegação de factos que integram um caso de responsabilidade civil, ter o tribunal de “curar primeiro da existência do dano reparável e só na falta dele ou na sua insuficiência para cobrir todo o montante do enriquecimento, poderá ordenar a restituição deste” (obra citada, pág.’s 460 e 461).
Refere também Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3ª edição, pág. 338, que a ausência de ação apropriada pode ser originária ou superveniente, situação, esta última, que, para este e outros autores, se configuraria, por exemplo, no caso da prescrição da responsabilidade civil baseada num facto ilícito (posição sobre a qual, no entanto, há divergências jurisprudenciais).
Seguindo ainda os ensinamentos de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 12.ª Edição, pág.´s 501-503, em princípio estará vedado o recurso ao enriquecimento sem causa, em todos os casos em que “a ordem jurídica regula as consequências económicas de uma atribuição patrimonial impondo ao beneficiado uma obrigação com objecto diverso da fundada no enriquecimento sem causa”, o mesmo é dizer, “sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado”.
Nesses casos, prossegue o referido autor, “só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex.: em hipóteses de responsabilidade civil)”.
Face às apontadas posições doutrinais, em princípio, a improcedência de uma ação assente numa outra causa de pedir não impede a formulação de pedido de reembolso de determinada quantia com fundamento no enriquecimento sem causa, nada obstando, pois, por igualdade de razão, a que, na mesma ação, se sustente subsidiariamente o pedido, no referido instituto, para a hipótese de não obtenção, em razão de uma ausência superveniente de causa, do resultado pretendido à luz do instituto invocado a título principal ou para o caso de necessidade de tutela jurídica complementar face à factualidade apurada.
Sempre sem esquecer que, se o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa não pode ser entendido de forma absoluta, “também não pode ir ao ponto de permitir lançar mão daquele instituto perante o mero insucesso do meio de tutela específico utilizado, sob pena de se fazer letra morta do artigo 474.º do CC”, devendo prevalecer “uma interpretação na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma meramente genérica.” (Acórdão do STJ de 28.06.2018 – Relator Tomé Gomes).
Face ao exposto, dando-se o caso de a ação existente soçobrar por ausência de demonstração dos pressupostos do direito invocado numa hipótese em que as normas diretamente predispostas para a resolução do concernente problema jurídico tutelam juridicamente de forma suficiente a situação, sem necessidade de recurso complementar ao instituto do enriquecimento, não poderá o recurso a este instituto servir de panaceia para a ineficiência da ação proposta (neste sentido, ver os acórdãos do STJ de 02.05.1978 e de 10.11.1981, in, respetivamente, BMJ 287, pág. 204, e BNJ 311, pág. 353, citados por Moitinho de Almeida, em “Enriquecimento sem causa”, 2ª edição, pág. 92).
É o que sucede no caso em apreço em que estamos perante uma ação de cumprimento de uma obrigação alegadamente decorrente da celebração entre Autor e Réu de um, segundo a qualificação aceite por ambas as partes, contrato de empreitada, tendo o alegado credor recorrido ao instituto do enriquecimento sem causa para a hipótese, subsidiária, de, como o mesmo refere, o Tribunal “não considerar provada a existência da empreitada e o seu incumprimento pelos Réus”.
Na verdade, numa hipótese destas, como no caso tratado no citado acórdão do STJ de 28.06.2018, o não reconhecimento do direito invocado com fundamento, a título principal, na violação de determinado contrato, “não se deve à carência de meio de tutela próprio para o efeito (nem sequer, acrescentamos nós, à necessidade de meio complementar de tutela jurídica) ou à existência de obstáculo legal”, mas sim ao facto de o Autor “não ter recorrido a ele de forma eficiente, nem tão pouco demonstrando, na sede própria, os respetivos fundamentos”, pelo que, “admitir o recurso ao enriquecimento sem causa, nestes moldes, mais não seria do que permitir (…) recuperar o insucesso da ação de cumprimento, desvirtuando a finalidade daquele instituto que o citado artigo 474.º tende a salvaguardar e a confinar como subsidiário e residual.”
Nestes casos, tendo presente que, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, é ao autor que reclama determinada quantia com base no enriquecimento do réu à sua custa sem causa justificativa que cabe o ónus de alegação e prova dos pressupostos do enriquecimento sem causa, nomeadamente, o ónus da prova da ausência de causa do dito enriquecimento, a inaplicabilidade do instituto em causa reside, na realidade, no facto de não se poder considerar inexistir causa justificativa do enriquecimento do réu à custa do empobrecimento do autor.
E, apesar deste conceito – de inexistência de causa – ser controvertido e difícil de definir, há alguns pontos que tem vindo a ser sedimentados, considerando, em regra, a doutrina, como se frisa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.2009 (Relator – Serra Baptista), “que o enriquecimento não terá causa justificativa quando, segundo os princípios legais, não haja razão de ser para ele; quando, segundo o sistema jurídico, deve pertencer a outrem e não ao efectivo enriquecido”; “acontecendo a falta de causa justificativa do enriquecimento quando não existe uma relação ou um facto que, à luz do direito, da correcta ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento, por dever pertencer a outra pessoa, por se tratar de uma vantagem que estava reservada ao titular do direito”; “verificando-se a falta de causa justificativa do enriquecimento quando, segundo a lei, este não deve pertencer àquele que dele beneficia, mas a outrem”; “devendo o enriquecimento ser reputado sem justa causa quando o direito o não consente ou aprova e quando no caso concreto se não configure uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial operada”; “traduzindo-se, em suma, a falta de causa justificativa na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento ”.

Aplicando estas considerações ao caso em apreço, logo se conclui que, de acordo com os factos provados e ainda que deles excluída a matéria contida no ponto 17 – relativa ao preço orçamentado –, encontrando-se provado, nomeadamente, que o Autor e réu celebraram um acordo, por via do qual o autor se obrigou a executar a construção da casa de moradia e o réu se obrigou a pagar o preço, que o autor obrigou-se a executar todos os trabalhos de edificação, pagando a mão de obra necessária para finalização da obra, e que fez entrega da casa pronta e das chaves ao réu no mês de agosto de 2014, nunca se poderia falar de uma ausência de causa jurídica para a integração no património do Réu, com o consequente enriquecimento deste, da construção que foi realizada pelo Autor e que pelo mesmo àquele foi entregue, certo que tal construção se apresenta como o resultado do cumprimento da obrigação de prestação integrada no âmbito de um contrato de empreitada.
E, isto, independentemente da circunstância de os restantes pressupostos necessários ao preenchimento do direito invocado a título principal de exigir o pagamento do preço reclamado com fundamento na referida relação contratual não terem eventualmente ficado demonstrados e de não ser, por essa razão, viável a pretensão principal naquela relação assente.

Em conclusão, como acima já se disse, ainda que a impugnação não tivesse sido rejeitada, de acordo com a matéria de facto provada e não impugnada sempre haveria que julgar improcedente a pretensão do Autor fundada no enriquecimento sem causa.

Encerrada a questão do enriquecimento sem causa, importa atentar que, no seu recurso, subsidiariamente, defende ainda o Autor que, mesmo que o valor contratado tivesse sido aquele de € 85.000,00, tendo o autor pago € 80.900,00 (factos provados 13 e 14); tendo sido considerados não provados os factos inventariado em qq), rr) e ss) do ponto B-Factos Não Provados, ainda assim, o réu seria devedor da diferença, ou seja, sempre teria de ser condenado a pagar ao autor a quantia de € 4.100,00, pelo que pede, pois, subsidiariamente essa condenação do réu no pagamento ao autor de € 4.100,00, com os mesmos juros moratórios.
Urge, por isso, indagar agora, se, não obstante se manter intocada – por rejeitada a impugnação – a decisão da primeira instância relativa à matéria de facto, outra deverá ser a decisão de mérito atendendo à causa de pedir principal invocada e aos apurados factos a ela atinentes.
Desde logo, é inquestionável que, não tendo o Réu logrado demonstrar que aquando da entrega da casa em Agosto de 2014, o réu apenas tivesse por pagar, de acordo com o inicialmente contratado, a quantia de € 9.100,00 (nove mil e cem euros), mas tenham chegado a acordo em reduzir ao preço € 4.100,00 (quatro mil e cem euros), do valor orçamentado considerado provado, remanesce por pagar a aludida quantia de 4.100 €, o que a própria sentença recorrida reconhece.
Cabe, porém, saber se tal obrigação de pagamento, inserida num contrato de empreitada – qualificação jurídica do acordo celebrado entre as partes que não se mostra controvertida – se mostra vencida, isto é, se se deve considerar que, na apurada situação sub judice, ocorreu aceitação da obra e, consequentemente, se venceu a obrigação de proceder ao pagamento do preço em questão.
De acordo com a sentença recorrida, “deverá o réu ser absolvido do pedido principal, porquanto não houve aceitação incondicional da obra, atenta a existência de defeitos, motivo pelo qual apenas deverá pagar o remanescente quando a reparação for efectuada e existir aceitação definitiva.”

Estará a conclusão firmada correta?

Como se sabe, a aceitação da obra – que corresponde a um ato de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada a seu contento, ao mesmo tempo que reconhece a obrigação de a receber e de pagar o preço, e que pode ser expressa, tácita (art. 217º) ou presumida por lei (art. 1218º, nº 5) – define, de acordo como o disposto no art. 1211º, nº 2, do Código Civil, na falta de convenção ou uso em contrário, o momento do vencimento da obrigação de pagamento do preço (entre outros, acórdão da Relação de Évora, de 2.06.2011, proferido no Processo n.º 307619/09.3YPRT.E1).
Diferente era, como recorda Pedro Martinez, pág. 476, nota 118, a solução preconizada no art. 1406º do Código Civil de 1867 em que se estabelecia que o preço era pago com a entrega da obra, tal como continua a suceder nos sistemas jurídicos em que a figura da aceitação não está autonomizada (cfr. Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, pág. 153).
“A aceitação pode ser feita com reserva ou sem reserva. Se o comitente detectar vícios aparentes ou desconformidades com o convencionado, poderá aceitar a obra com reserva, indicando essas deficiências; é uma aceitação condicional (…)”.
Mas não só nesses casos: na verdade, “pode considerar-se que há sempre uma reserva implícita em relação a vícios ocultos.” (Pedro Martinez, Dto das Obrigações, Contrato de Empreitada, pág. 501).
Segundo o citado autor, havendo aceitação com reserva os normais efeitos da aceitação podem não se verificar na sua totalidade, sendo uma questão a apreciar caso a caso. Pedro Martinez dá precisamente como exemplo da não verificação de todos os efeitos, a hipótese de o dono da obra recusar o pagamento de parte do preço, como decidido em Acórdão do STJ de 10.12.1987, TJ, pág.’s 18 e 19 (obra citada, pág. 502).

No caso em apreço, sendo o dever de pagar o preço consequência da aceitação e não tendo sido alegada na petição inicial uma aceitação expressa, há que indagar se, face ao apurado, terá ou não havido uma aceitação tácita da obra que tenha determinado o vencimento da totalidade do preço, devendo, por isso, o Réu ser, desde já, condenado a pagar o montante do preço correspondente à aludida diferença de 4.100 € ainda em falta.
São de considerar casos de aceitação tácita aqueles em que há uma receção material da obra, como por exemplo se o comitente vai buscar à oficina o veículo que lá foi reparado (Pedro Martinez, obra citada, pág. 499).
Decidiu-se também, no Acórdão da Relação de Coimbra de 11.07.2012 (Relator - Carlos Querido), que, “do facto de a ré (dona da obra) ter obtido a licença de utilização e se encontrar a laborar no edifício construído (obra), sem ter denunciado quaisquer defeitos nem exigido a sua eliminação, só se poderá concluir que aceitou a obra”.
Aí se tendo concluído que, “tendo a ré (dona da obra) procedido à sua recepção sem reservas, não pode posteriormente invocar a excepção de não cumprimento, por uma razão muito simples: a partir do momento em que recebeu a obra sem reservas, ficou constituída em mora quanto às prestações finais (…),
Sucede, porém, que, no caso em apreço, tendo o Autor alegado que os Réus tomaram posse da casa e das chaves nesse mês de Agosto de 2014, onde ficaram a residir, pela primeira vez, durante todo esse verão e que, desde então, todos os anos, pelo menos, durante o verão, voltam a instalar-se na casa durante a época balnear de verão – o que, face ao já exposto, seria suscetível de configurar uma aceitação tácita da obra entregue –, a verdade é que do alegado apenas logrou demonstrar que fez entrega da casa pronta e das chaves ao réu no mês de agosto de 2014.
Ora, como se viu, a mera entrega da obra é um menos em relação à aceitação, sendo, pois, insuficiente para efeito do vencimento da obrigação de pagamento do preço.
É certo que face ao preceituado no artigo 1218.º do Código Civil, a falta da verificação dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer importa aceitação da obra.
Todavia, não estando o prazo para efetuar a verificação estipulado no contrato ou nos usos, para que esta sanção se aplique, necessário se torna que o mesmo seja determinado pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias de cada caso (cfr. obra e autor citados, pág. 496), nada tendo sido diligenciado, no caso em apreço, pelo credor no sentido de obter tal decisão judicial.
Face ao exposto, impõe-se concluir que o Autor não demonstrou ter havido da parte do Réu aceitação (nem definitiva, nem condicional) da obra executada, não tendo, pois, demonstrado estar a prestação parcelar em causa já vencida, isto é, já ser devida. Como tal, não se pode condenar o Réu a proceder ao respetivo pagamento.
Improcede, pois, na sua totalidade, a apelação.

Sumário:

I – Sob pena de rejeição da impugnação, o recorrente deve fazer uma clara enunciação dos pontos de facto visados e uma assunção clara do resultado pretendido relativamente às concretas questões de facto sobre que versam os concretos pontos impugnados, constituindo tal ónus “uma garantia fundamental para o exercício de um contraditório esclarecido por banda da contraparte e para manter o julgador numa posição de imparcialidade ante a delimitação do objeto do recurso, que impende sobre o recorrente”;
II – Não se pode falar de carência de tutela jurídica justificadora do recurso ao enriquecimento sem causa, nem sequer considerar verificado o pressuposto deste instituto concernente à ausência de causa jurídica, quando o enriquecimento do réu resulta da integração no respetivo património de construção realizada pelo autor e por este àquele entregue no cumprimento da obrigação de prestação integrada no âmbito de um contrato de empreitada;
III – Na empreitada, não havendo acordo nem uso em contrário, a obrigação de pagamento vence-se com a aceitação da obra, podendo a aceitação ser expressa ou tácita, mas a mera entrega da obra é um menos em relação à aceitação, sendo, pois, insuficiente para efeito do vencimento da dita obrigação.

V. DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Recorrente.
Guimarães, 19.09.2019

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues