Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
311/15.0T9BCL-C.G1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: LIQUIDAÇÃO DA PENA DE PRISÃO
COMPETÊNCIA DO TEP
REGIME MAIS FAVORÁVEL AOS CONDENADOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) Compete ao tribunal de julgamento apenas determinar e enunciar a medida concreta da pena e informar os períodos de detenção a descontar em tal medida, nos termos dos artºs 80º e 82º do CP, competindo depois ao Tribunal de Execução das Penas a decisão última e única juridicamente relevante, sobre as datas concretas para a apreciação da eventual concessão da liberdade condicional.
II) Na liquidação da pena de prisão a que o arguido se mostra condenado, os períodos de privação de liberdade deverão ser descontados no cumprimento da pena e não na pena concreta, ou seja, é preferível ficcionar um dia, como o da data de início de cumprimento de uma pena para proceder ao seu cômputo, do que por mero despacho, e, sem qualquer fundamento legal expresso, efectuar uma alteração na medida concreta da pena, determinada por uma decisão já transitada em julgado.
III) Tal regime mostra-se sempre concretamente mais favorável aos condenados, por permitir sempre uma apreciação da liberdade condicional mais próxima da data do início do cumprimento efectivo da pena.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES:

I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, com o nº 311/15.0T9BCL-C, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 2, o arguido R. A., mostra-se condenado por decisão transitada em julgado, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
A Magistrada do Ministério Público junto deste Juízo Central Criminal de Braga procedeu, nos autos à liquidação desta pena de prisão em que foi condenado o arguido R. A., com indicação das datas em que serão atingidos o meio, os dois terços e o fim e, promoveu que, fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 477º, nº 1, do Código de Processo Penal, comunicando-se ao Tribunal de Execução de Penas competente, à Direcção-Geral de Reinserção Social e aos Serviços Prisionais.
Conclusos os autos o Senhor Juiz, proferiu o seguinte despacho:
“Fls. 1030/92 – Por merecer inteira concordância quanto aos pressupostos e cálculos realizados, homologa-se a liquidação da pena efetuada pelo Ministério Público a fls. 1029 — art. 477°, n° 4, do C.P.P.
Notifique — art. 477°, n°4, do C.P.P.
Comunique ao TEP, à DGRS e aos Serviços Prisionais, nos termos promovidos (art. 477°, n° 1, do C.P.P), observando-se o disposto no art. 35°, da Portaria n° 280/2013, de 26 de agosto.

Deste despacho interpôs o arguido R. A. recurso formulando, na respectiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
1. O arguido concorda que o desconto a efectuar no cumprimento da pena totaliza 7 meses e 16 dias.
2. Todavia, não concorda com a forma de contagem da pena efetuada pelo Ministério Publico e homologada no despacho ora recorrido,
3. Não foi bem descontado o período de privação de liberdade que o arguido já cumpriu nos presentes autos (7 meses e 16 dias) e, sendo assim não está devidamente efetuada a liquidação da pena.
4. Atendendo ao disposto no art. 80º do C. Penal, os períodos de detenção que o arguido sofreu devem ser descontados por inteiro no cumprimento da pena.
5. Assim, dos 5 anos e 6 meses de prisão que o arguido tem que cumprir, quando iniciou o cumprimento efectivo de pena à ordem dos presentes autos, este já tinha cumprido 7 meses e 16 dias da pena, correspondentes aos períodos de detenção, prisão preventiva, e obrigação de permanência na habitação a que esteve sujeito e, como tal, em que esteve efectivamente privado de liberdade.
6. Isto posto, e atendendo ao que dispõe o art. 80º do C.P., esse período (7 meses e 16 dias) deverá ser descontado por inteiro no cumprimento da pena, o que equivale por dizer, no início do cumprimento (21-02-2017).
7. Assim, no entendimento do arguido, à data do inicio do cumprimento da pena – 21-02-2017 - este já tinha cumprido 7 meses e 16 dias correspondentes ao período em que ficou privado de liberdade,
8. Pelo que, para atingir o meio da pena apenas tem que cumprir mais 2 anos e 14 dias a contar desde 21-02-2017.
9. Nesta linha de raciocínio, e tal como vem sendo entendimento jurisprudencial e doutrinal nesta matéria, a liquidação da pena, nos presentes autos, deverá ser a seguinte:
– o meio da pena ocorrerá em 07-03-2019;
– o termo da pena ocorrerá em 07-11-2021.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogado o despacho ora recorrido, com as legais consequências, alterando-se assim a contagem da pena efectuada pelo Ministério Público, devendo ser efectuada a liquidação da pena nos termos ora apresentados pelo recorrente (isto é, o meio da pena ocorrerá a 07-03-2019 e o termo a 07-11-2021).
Com o que se fará Justiça.

Ao recurso interposto pelo arguido R. A., o Ministério Público notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, nº 1, do Código de Processo Penal, apresentou qualquer resposta, com as seguintes conclusões (transcrição):
A. Não houve qualquer violação do art. 80º do C.P. na liquidação da pena efectuada e homologada nos autos, a qual não enferma de qualquer erro nem padece de qualquer ilegalidade, perfilando-se como certa e correcta, e a não suscitar qualquer observação ou reparo.
B. A liquidação em causa não padece dos vícios nem suporta as críticas que o arguido lhe aponta, sendo que deve ser mantida nos seus precisos termos, com o indeferimento total do presente recurso.
Vossas Excelências, no entanto, melhor ajuizando, farão como sempre a devida Justiça

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta de fls. 115 e 116.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

De acordo com o disposto no artigo 412º, do Código de Processo Penal e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19-10-95, publicado no D.R. I-A de 28-12-95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.

No caso em apreço, atendendo às conclusões, a questão que se suscita é a seguinte:

- Impugnação do despacho proferido, entendendo o arguido que a liquidação da pena por si efectuada deverá prevalecer.

2 – Apreciando e decidindo

Dito de outro modo, a questão a decidir no presente recurso é a de saber como é que se liquida em concreto, uma pena de prisão, quando exista um período de privação de liberdade a descontar, nos termos do disposto no artigo 80º, do Código Penal.
Dispõe o artigo 80º, do Código Penal:
1 – A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.
2 – Se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de 1 dia de privação da liberdade por, pelo menos, 1 dia de multa”.
Este “instituto do desconto, regulado nos artigos 80º a 82º, assenta na ideia básica segundo a qual privações de liberdade de qualquer tipo que o agente tenha sofrido em razão do facto ou factos que integram ou deveriam integrar o objecto de um processo penal, devem, por imperativos de justiça material, ser imputadas ou descontadas na pena a que, naquele processo, o agente venha a ser condenado.
Esta ideia vale para todas as privações da liberdade anteriores ao trânsito em julgado da decisão do processo: prisões preventivas, obrigações de permanência na habitação e quaisquer detenções (não só as referentes ao 254º mas também, v. g. as que resultem do artigo 116º, ambas do Código Processo Penal.”, Prof. Figueiredo Dias – Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – Notícias Editorial, pág. 297.
Resulta assim claro, não existir preceito legal expresso, sobre a correcta forma de proceder a este desconto da privação da liberdade, resultante da aplicação do artigo 80º, do Código Penal, sendo conhecidas duas correntes jurisprudenciais, na interpretação e aplicação de tal disposição legal, ou seja, a privação da liberdade sofrida pelo arguido deverá ser descontada na pena ou no cumprimento da pena.
Cumpre desde já afirmar, que relativamente, à aplicação do disposto no citado artigo 80º, do Código Penal, na determinação do cômputo do meio do cumprimento da pena, dos dois-terços, dos cinco-sextos e, respectivas antecipações, tudo nos termos do disposto nos artigos 477º, do Código de Processo Penal e, 61º, do Código Penal, por exclusivamente respeitar à apreciação da eventual concessão de liberdade condicional, matéria esta que nos termos do disposto no artigo 138º, alínea c), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, Lei nº 115/2009, de 15 de Outubro, é competência exclusiva do Tribunal de Execução das Penas, o cômputo destas datas de apreciação da liberdade condicional ou sua antecipação, é por maioria de razão da única responsabilidade e competência deste tribunal de execução das penas, não sendo para este mesmo efeito, vinculativa a liquidação efectuada pelo tribunal de julgamento.
Poderá então concluir-se que, nesta repartição de poderes, ao tribunal de julgamento cabe apenas determinar e enunciar a medida concreta da pena e informar os períodos de detenção a descontar em tal medida concreta de pena (nos termos dos artigos 80° a 82° do Código Penal), competindo depois ao Tribunal de Execução das Penas a decisão última e única juridicamente relevante, sobre as datas concretas para a apreciação da eventual concessão da liberdade condicional.
No presente recurso a divergência existente entre a liquidação da pena de prisão a que o arguido se mostra condenado, efectuada pelo Tribunal e pelo arguido, parece-nos apenas residir, não em qualquer divergência doutrinal, mas apenas na correcção das operações a efectuar.
Contudo, não existindo preceito legal concreto, conforme supra referido, que estabeleça uma forma vinculada de efectuar o desconto dos períodos de detenção, no cômputo das penas, nos termos do artigo 80º, do Código Penal, entendemos que deverá ser a fórmula que se mostre menos prejudicial ao arguido, a que deverá ser a aplicável.
Assim, entendemos que os períodos de privação de liberdade deverão ser descontados no cumprimento da pena e não na pena concreta, ou seja é preferível ficcionar um dia, como o do da data de início de cumprimento de uma pena para proceder ao seu cômputo, do que por mero despacho, e, sem qualquer fundamento legal expresso, efectuar uma alteração na medida concreta da pena, determinada por uma decisão já transitada em julgado, formalmente temos como juridicamente mais sustentável a primeira das possibilidade.
Por outro lado, o mesmo regime mostra-se sempre concretamente mais favorável aos condenados, por permitir sempre uma apreciação da liberdade condicional mais próxima da data do início do cumprimento efectivo da pena, pois que o período de privação de liberdade a descontar, conta como cumprimento efectivo da pena de prisão, o que determina uma apreciação da liberdade condicional, mais próxima da data do início do cumprimento da pena, para além de permitir uma outra certeza jurídica ao arguido e a todos os operadores de tal período de reclusão, serviços prisionais e de reinserção social, na verificação do cômputo da pena de prisão, pois em princípio a mesma será expressa em número de anos, meses e, dias exactos.
Neste contexto.
Data de início de cumprimento da pena: 21-02-2017.
Desconto de prisão preventiva e permanência na habitação (artigo 80º, do C.P.P. : 7 meses e 16 dias.
Data ficcionada de início de cumprimento 21-02-2017 - 7 meses e 16 dias = 05-07-2016.
Meio do cumprimento da pena: 05-07-2016 + 2 anos e 9 meses = 05-04-2019.
Dois-terços do cumprimento da pena: 05-07-2016 + 3 anos e 8 meses = 05-03-2020.
Termo do cumprimento da pena: 05-07-2016 + 5 anos e 6 meses = 05-01-2022.
Pelo exposto, temos como correcta a liquidação da pena efectuada nos autos pelo Ministério Público e homologada pelo despacho judicial, ora recorrido.
Não se consegue perceber no recurso interposto, qual a operação aritmética efectuada para efectuar a liquidação de pena proposta.
Nestes termos e sem necessidade de mais ou de outros considerandos, improcede pois, na sua globalidade o recurso interposto.

Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem, não pode deixar de julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente R. A., confirmando-se consequentemente na sua integralidade o despacho recorrido.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido R. A., ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e, 514º, nº 1, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do mesmo recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido R. A. e, em consequência, mantém-se na sua integralidade o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente que se fixam em 4 UC (quatro unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.

Guimarães, 05-06-2017
(Fernando Paiva Gomes M. Pina)

(Nazaré J. L. M. Saraiva)