Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1878/17.4T8BRG.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: COOPERATIVA AGRÍCOLA
ESTATUTOS
NULIDADE
PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA
ORGANIZAÇÃO POR SECÇÕES
ASSEMBLEIAS SECTORIAIS
ELEIÇÃO DE DELEGADOS ÀS ASSEMBLEIAS GERAIS
REGIME DE SUBSTITUIÇÃO
VOTO VINCULADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da relatora):

I. Quer a lei geral (o C.Coop., o actual como o anterior), quer a lei especial (Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas), permitem a organização das cooperativas agrícolas por sector, de actividade ou de área geográfica; e fazem-no por pressuporem que a identidade de interesses de cooperadores exercentes de uma mesma actividade, ou a maior facilidade de reunião de cooperadores residentes ou exercentes na mesma área geográfica, facilitam a efectiva discussão dos assuntos que a todos interessam, bem como o posterior e mais eficaz funcionamento da assembleia geral.

II. O direito que a lei consagra aos cooperadores, de participação activa na vida da cooperativa, é o de «tomar parte na assembleia geral, apresentando propostas, discutindo e votando os pontos constantes da ordem de trabalhos», e não o de o fizerem directamente, de per se, com necessária exclusão da sua representação por delegados eleitos em prévias assembleias sectoriais, desde que o tenham sido de forma democrática e sejam efectivamente representativos do universo base em causa.

III. Competindo, legal e estatutariamente, às assembleias sectoriais da cooperativa deliberar, não apenas sobre os assuntos de interesse limitado à secção a que digam respeito, como ainda deliberar sobre assuntos de interesse da cooperativa no seu todo, os delegados que depois elejam ficarão necessariamente vinculados ao sentido de voto expresso pelos cooperadores da secção que representem (sobre as matérias relativamente às quais estes se pronunciaram).

IV. Quando as assembleias gerais da cooperativa sejam, necessária e totalmente, compostas por delegados de cooperadores, eleitos em prévias assembleias sectoriais, o delegado ausente naquelas far-se-á representar por outro delegado, assim se adaptando o regime legal previsto para a representação de cooperadores ausentes na assembleia geral; mas quando se esteja perante a realização de uma assembleia sectorial, valerá de novo a regra de que o cooperador ausente se fará representar por outro, ou por um seu familiar.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Augusto (aqui Recorrido), residente na Praça (...), em Amares, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X - Cooperativa Agrícola, C.R.L. (aqui Recorrente), com sede no (...), em Braga, pedindo que

· fosse declarada nula a deliberação da Ré que alterou a redacção dos artigos 31º e 39º dos respectivos Estatutos e, em consequência, fossem declarados nulos os ditos artigos 31º e 39º, na sua actual redacção.

Alegou para o efeito, em síntese, que, estando qualquer cooperativa sujeita ao princípio da gestão democrática pelos seus membros, a Ré, por deliberação de 25 de Maio de 2010, o violou, por ter então deixado: de permitir a participação directa dos seus cooperadores na respectiva assembleia geral, restringindo esse direito aos delegados eleitos para o efeito nas suas diversas secções (desse modo alterando a redacção do artigo 31º, nº 2 dos seus Estatutos); e de permitir que cooperadores, não representados por delegados, se fizessem representar na sua assembleia geral, para efeito de voto, por outros cooperadores (desse modo alterando a redacção do artigo 39º dos seus Estatutos).

Defendeu o Autor que as alterações estatuárias realizadas por aquela deliberação afastam e impedem os cooperantes de se apresentarem, participarem e votarem nas assembleias gerais da Ré, desse modo se violando o princípio inderrogável da gestão democrática pelos seus membros; e, por isso, sendo nulas (conforme art. 56º, nº 1, al. d), do C.S.Com., aplicável ex vi do art. 9º do C.Coop.).

1.1.2. Regularmente citada, a (X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, que em 14 de Junho de 2010, quando as alterações estatuárias em causa foram aprovadas, encontrava-se em vigor o anterior C.Coop., de 1996 (aprovado pela Lei nº 51/96, de 7 de Setembro), e não o actual, de 2015 (aprovado pela Lei nº 119/2015, de 31 de Agosto), sendo por isso à luz daquele primeiro diploma que teria que ser apreciada a validade das ditas alterações.

Mais alegou que, autorizando qualquer dos sucessivos Códigos Cooperativos a existência de assembleia sectoriais (por actividade, ou por área geográfica), estas contribuiriam para um aumento da participação dos cooperadores na vida da cooperativa, através dos delegados nelas eleitos (estes com efectiva presença nas assembleias gerais, ao contrário da generalizada ausência dos cooperadores); e ter sido essa possibilidade de organização sectorial das cooperativas especialmente consagrada no Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas (aprovado pelo Decreto-Lei nº 335/99, de 20 de Agosto), aplicável a si própria, face à respectiva natureza.

Alegou ainda a Ré que o voto por representação em delegados seria apenas uma consequência lógica do facto de as suas assembleias gerais serem doravante compostas por eles, e já não por cooperadores de per se.

Defendeu, por isso, a Ré que, não deixando os cooperadores de participar na tomada de decisão da cooperativa (embora já não de forma directa, mas através de delegados por si eleitos), não existiria qualquer violação do princípio da respectiva gestão democrática; e, consequentemente, qualquer nulidade que afectasse os seus Estatutos, nomeadamente os artigos 31º e 39º impugnados pelo Autor.

1.1.3. Considerando que o processo permitiria a prolação, de imediato, de uma decisão de mérito, foram as partes convidadas a proceder à discussão escrita da causa; e cada uma delas reiterou as suas prévias pretensões e alegações, tendo o Autor defendido, em acréscimo, que a deliberação da Ré em causa seria sempre inválida, em face de qualquer um dos sucessivos Códigos Cooperativos considerados.

1.1.4. Foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e declarando nulos os artigos 31º, nº 2 e 39º dos Estatutos da Ré, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
Julgo a acção parcialmente procedente, e, consequentemente:

- Declaro nula e de nenhum efeito, e consequentemente, como não escrito o artigo 31°, n." 2 dos Estatutos da autora X - Cooperativa Agrícola, CRL.
- Declaro nula e de nenhum efeito, e consequentemente, como não escrito o artigo 39° (in to tum) dos Estatutos da autora X - Cooperativa Agrícola, CRL.
- Absolvo a ré do pedido formulado na alínea a) do petitório final.
4°- Condeno as partes no pagamento das custas processuais, ficando 40% a cargo do autor e 60% a cargo da ré.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a (X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, e revogada a sentença recorrida, na parte em que declarou nulos e de nenhum efeito os artigos 31º, nº 2 e 39º dos seus Estatutos.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis):

a) O presente recurso tem por objecto a sentença que declarou a nulidade das cláusulas 31ª, n.º 2, e 39ª dos Estatutos da X, cuja redacção havia sido devidamente aprovada por deliberação validamente tomada a 14 de Junho de 2010 (Doc. n.º 1 da Contestação e facto 1 dado como assente pela sentença), que desde então vinham vigorando (foi julgado improcedente o pedido de que tal deliberação fosse considerada nula).

b) O n.º 2 da cláusula 31ª dos Estatutos dispõe que «A assembleia geral é constituída pelos delegados dos cooperadores eleitos nas secções da Cooperativa» e a cláusula 39ª diz o seguinte: «1- É admitido o voto por representação) devendo o mandato atribuído a outro delegado constar de documento escrito e assinado) dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral. 2- Cada delegado não pode representar mais de um outro delegado à assembleia geral».

c) Os fundamentos apresentados pelo Tribunal para justificar a sua decisão prendem-se com a sua visão relativamente ao princípio da gestão democrática pelos cooperantes (art. 3.°, n.º 2 do CCOOP), ao seu direito e dever a tomar parte nas assembleias gerais (al. b) do n.º 1 do art. 21.° e al. a) do n.º 2 do art. 22.° do CCOOP) e ao disposto n.º 2 do art. 33.° do CCOOP («Participam na assembleia geral todos os cooperadores e membros investidores no pleno gozo dos seus direitos").

d) Contudo, e erradamente, a sentença confunde «participação directa» (que não vem referida em lado algum do CCOOP) dos cooperantes com «gestão democrática» (para a qual não obsta a participação indirecta, tal como aliás se encontra prevista no CCOOP).

e) Com efeito, o CCOOP não exige a participação directa dos cooperantes nas assembleias gerais (antes pelo contrário), tendo outrossim previsto (tanto na versão vigente como nas anteriores) a possibilidade de realização das assembleias gerais por delegados (art. 33.°, n.º 3 - «Os estatutos da cooperativa podem prever assembleias gerais de delegados, os quais são eleitos nos termos do art. 44.º do presente Código»).

f) Por isso o argumento utilizado na sentença com base na letra do n.º 2 do art. 33.° do CCOOP não merece acolhimento, porquanto é o próprio n.º seguinte do mesmo artigo que expressamente prevê a possibilidade de os estatutos das cooperativas preverem que a realização das assembleias gerais seja efectuada por delegados.

g) Na sentença fez-se uma interpretação inflexível da letra de alguns preceitos legais, esquecendo-se outros, falhando-se redondamente na tarefa de alcançar o espírito da lei e, consequentemente, catalogando-se a linha condutora que o legislador consolidou durante décadas como incongruente, o que não faz grande sentido nem pode manter-se.

h) A leitura que se deveria ter feito dos artigos supra citados (e a única possível) deveria antes ter ido no sentido de que, de facto, os cooperadores podem e devem tomar parte nas assembleias gerais, a não ser que, nos casos em que o CCOOP admite a existência de cooperativas polivalentes e a funcionar por secções, os estatutos consagrem que as assembleias gerais são constituídas por delegados.

i) Assumindo a interpretação constante da sentença, também o art. 43.º do CCOOP seria, por si só, ilegal, ao prever o voto por representação, pois que também esse seria um obstáculo ao princípio da gestão democrática (que confunde com participação directa).

J) Posto isto.

Com a alteração dos Estatutos aprovada por deliberação de 25 de Maio de 2010, ficou claramente esclarecido que a X se organizava em secções, por força das fusões que estiveram na base da sua constituição, pela diversidade de actividades a que se dedicava, para que nenhuma área da cooperativa pudesse controlar as restantes (assegurando o seu equilíbrio e democraticidade) e para contornar os obstáculos associados à sua dispersão territorial e elevado número de cooperantes: essa deliberação é plenamente válida e nem a sentença de que se recorre a pôs em causa (tendo improcedido aí o pedido formulado pelo Autor).

k) Nesse sentido, e tendo sempre como objectivo último salvaguardar o funcionamento democrático das cooperativas e o direito de participação nas assembleias gerais dos cooperantes, articulado com as pretensões de cada sector, foi atribuído direito de voto nas assembleias gerais aos delegados dos cooperantes, eleitos por estes nas assembleias sectoriais.

l) No cumprimento das disposições legais aplicáveis (n.º 2 do art. 44.° do actual CCOOP e do n.º 2 do art. 18.° do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas), a eleição dos delegados de cada sector é proporcional ao número de cooperantes inscritos (conforme plasmado no n.º 5 do art. 31.° dos estatutos da Recorrente).

m) Por outra via, e desenvolvendo o que atrás se vinha a dizer, desde meados do século passado que a hipótese de funcionamento das cooperativas em sectores, assim como a eleição, nas assembleias sectoriais, dos seus delegados à assembleia geral, encontrou acolhimento legal (tudo melhor desenvolvido nas alegações).

n) De entre outros diplomas relevantes, o Código Cooperativo de 1980 (em especial nos n.os 1 e 2 do art. 16.° e no art. 17.°) e o Código Cooperativo de 1996 (com particular destaque para os n.os 1, 2 e 4 do art. 54.°) previram a possibilidade de eleição pelos cooperantes, no seio das assembleias sectoriais, de delegados que os representassem e que exercessem o seu direito de voto nas assembleias gerais, sem que nunca tivesse sido levantada qualquer questão associada à legalidade destes comandos legais.

o) Também o CCOOP de 2015 (diploma em vigor) vai na linha dos anteriores Códigos (desta feita com relevo de maior nos arts. 44.° e 33.°, n.º 3), sem que, até esta decisão judicial sem par, quem quer que fosse tivesse levantado qualquer questão associada à sua conformidade legal.

p) E como assim é, não só este modelo de funcionamento e de representação por delegados nas assembleias gerais é comum a grande parte das cooperativas agrícolas nacionais, como nunca o CASES (Cooperativa António Sérgio para a Economia Social - Cooperativa de Interesse Público de Responsabilidade Limitada) apontou alguma irregularidade aos estatutos da Recorrente, tendo antes emitido anualmente a «credencial comprovativa da legal constituição e regular funcionamento das cooperativas» (nos termos da al. b) do n.º 4 do art. 4.° dos estatutos do CASES).

q) Paral além do CCOOP, também o Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas (em especial nos seus artigos 13.° a 18.°) admite a criação de sectores, o funcionamento com recurso a assembleias sectoriais e a representação dos cooperantes nas assembleias gerais por delegados, faculdades atribuídas apenas às cooperativas quando estas «o considerem conveniente», assim se fazendo jus ao «princípio basilar da livre constituição e funcionamento» (mencionado no seu preâmbulo).

r) Da leitura conjugada dos arts. 13.° e 14.° do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas, tem-se que as cooperativas polivalentes (como é o caso) podem funcionar com base nas assembleias sectoriais, onde se elegem os delegados que representam os cooperantes e votam nas assembleias gerais.

s) O seu n.º 4 do art. 18.° assume ainda especial relevo, porquanto estatui que «a cada delegado corresponde um voto caso os estatutos não decidam de outro modo».
t) No limite, por que motivo haveria o legislador de prever, ao longo de tantas décadas, o funcionamento das cooperativas assente num modelo sectorial e o das respectivas assembleias gerais por via dos delegados eleitos e depois considerar que isso seria contrário à gestão democrática e que, desse modo, constituiria uma nulidade ?!?

u) No fundo, com esta decisão há um total esvaziamento do efeito útil da solução prevista pelo legislador e plasmada no CCOOP.

v) Crê-se que o Tribunal não entendeu, de todo, a realidade das cooperativas em geral e da Recorrente em particular e também não soube ler e interpretar as disposições do CCOOP: na verdade, o princípio da gestão democrática e o direito de participação dos cooperantes são inteiramente acautelados (por via directa nas assembleias sectoriais e indirecta nas assembleias gerais, através dos delegados que elegeram nas primeiras), para além de que tal solução encontra amplo acolhimento no bloco normativo aplicável.

w) A instituição de um modelo sectorial com discussão dos assuntos da Recorrente nas assembleias sectoriais e a atribuição do exercício do direito de voto a delegados eleitos pelos cooperantes nas assembleias sectoriais incrementa a participação democrática dos elementos das cooperativas, em geral, e da Recorrente, em particular, mitigando as consequências associadas à vasta dispersão territorial e ao elevado número de cooperantes, que se alheavam dos assuntos das cooperativas.

x) Os delegados eleitos estão vinculados ao sentido de voto apurado nas assembleias sectoriais (como melhor e mais detalhadamente desenvolvido nas alegações).

y) O nº 2 do art. 3.° do CCOOP, que consagra o «princípio da gestão democrática pelos membros» (e no qual a sentença se baseou), não impõe qualquer modelo de participação directa, antes deixando a porta aberta a um modelo de representação / participação indirecta previsto em diversas disposições do CCOOP, como se tem vindo a esclarecer.

z) O modelo da Recorrente é, assim, um modelo misto, em que existe uma componente de democracia directa e uma outra de democracia indirecta: os cooperantes têm como seu direito e dever intervir nas assembleias sectoriais, onde fazem valer os seus postos de vista sobre os mais diversos assuntos atinentes à Recorrente e elegem os seus representantes e definem o seu sentido de voto, que aqueles estão vinculados a cumprir, pelo que os cooperantes não deixam - nem podiam deixar - de participar nas tomadas de decisões da Recorrente.

aa) A remissão operada na sentença para os artigos 379.°, 380.° e 381.° csc não tem qualquer cabimento, pois não existe qualquer lacuna jurídica (o direito de participação dos cooperantes nas assembleias gerais é regulado nos diplomas supra referidos) e a solução para a hipotética lacuna apresentada para o Tribunal é errada (uma vez que não se ancora na «legislação complementar aplicável aos diversos ramos do sector cooperativo», conforme prescrito no art. 9.° CCOOP, e porque recorre a uma norma que não trata de um caso análogo).

bb) No que diz respeito ao voto por representação em delegados, previsto no artigo 39.° dos Estatutos, que também foi declarado nulo, se as Assembleias Gerais são compostas por delegados, como permite o CCOOP, então o voto por representação só poderá ser exercido por outro delegado.

cc) O artigo 44.° do CCOOP, que regula as assembleias sectoriais, no seu número 4 é taxativo ao prever que «Aplicam-se às assembleias sectoriais) o disposto nos artigos 33.º a 43.º com as necessárias adaptações».

dd) De outro modo não faria sentido que o legislador previsse o funcionamento das cooperativas em sectores, com a hipótese de realização de assembleias gerais constituídas por delegados, se depois o voto por representação só pudesse ser exercido por outro cooperador ou familiar maior do mandante.

ee) Por tudo quanto ficou dito, a sentença a sentença faz errada interpretação e aplicação dos artigos 3.°, n.º 3, 16.°, n.º 2, al. d), 21.°, n.º 1, al. b), 22.°, n.º 2, al. a), 33.°, n.ºs 2 e 3, 43.°, nºs 1 e 2, e 44.°, nºs 1,2, 3 e 4, todos do CCOOP, dos artigos 13.° a 18.° do DL. 335/99, bem como dos artigos 379.°, 380.° e 381.° do Código das Sociedades Comerciais (embora estas disposições não relevem minimamente para o que aqui se discute), e do artigo 10.° do Código Civil, devendo ser substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente.
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1.2.2. Contra-alegações

O Autor (Augusto) contra-alegou, pedindo que o recurso da Ré fosse julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui reproduzidas ipsis verbis):

A) As cooperativas atuam em conformidade com os seus estatutos e de acordo com a vontade expressa dos seus membros: «As cooperativas são organizações democráticas geridas pelos seus membros, os quais participam activamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres que exerçam funções como representantes eleitos são responsáveis perante o conjunto dos membros que os elegem. Nas cooperativas do primeiro grau, os membros têm iguais direitos de voto (um membro, um voto), estando as cooperativas de outros graus organizadas também de uma forma democrática» - Princípio: Gestão democrática pelos membros - Art. 3º, nº 2, do Código Cooperativo, aprovado pela Lei nº 119/2015, de 31 de agosto (doravante designado por CCoop).

B) Este princípio é imperativo e respeita à própria substância da cooperativa: a participação directa dos seus membros nas tomadas de decisão que competem ao órgão no qual participam: a assembleia geral.

C) Os cooperadores têm direito a «tomar parte na assembleia geral, apresentando propostas, discutindo e votando os pontos constantes da ordem de trabalhos» - Art. 21º, nº 1, al. b), do CCoop e o dever de «tomar parte nas assembleias gerais» - Art. 220, nº 2, al. a) do CCoop.

D) Nos termos do Art. 330, nº 2 do CCoop. participam na «assembleia geral todos os cooperadores no pleno gozo dos seus direitos».

E) Têm, pois, os cooperadores o direito de participar directamente nas tomadas de decisão que são da competência legal (Art. 380 do CCoop.) da assembleia geral.

F) Com a alteração estatutária, nomeadamente ao Art. 310, nº 2, os atuais estatutos da Recorrente violam flagrantemente este princípio.

G) Princípio este estruturante do direito cooperativo e que, por defender interesses indisponíveis dos cooperantes, não pode ser derrogado, nem sequer por vontade unânime dos cooperantes.

H) A redacção actual do Art. 310, nº 2 dos Estatutos (Cfr. Doc. Nº 5, junto com PI) consagra que «A assembleia geral é constituída pelos delegados dos cooperadores eleitos nas secções da Cooperativa».

I) Ao impor que as assembleias gerais sejam constituídas só por delegados dos cooperadores eleitos nas seções da Cooperativa Recorrente, impedem-se os cooperadores de exercer o seu direito mais basilar: participar directamente na tomada de deliberações que cabem à assembleia geral.

J) Nessa medida, a actual redacção do n° 2, do Art. 31 ° dos Estatutos é ilegal, pois viola os Arts. 3°, 33°, n° 1, al. a) e 34°, n° 2, al. a), todos do CCoop.

K) Não está em causa o facto de os cooperadores poderem ser representados por delegados, desde que, em assembleia sectorial, tendo em conta a ordem de trabalhos de determinada assembleia geral, os cooperadores considerem conveniente, naquela assembleia geral, em concreto, serem representados por delegados.

L) A representação dos cooperadores por delegados decidida em assembleia sectorial, específica para representação em determinada assembleia geral, não confere um mandato geral de representação para todas as restantes assembleias que se venham a realizar.

M) Os atuais estatutos não asseguram o direito dos cooperantes de participação ativa e direta na formulação das políticas e na tomada de decisões da cooperativa Recorrente, tomando parte na assembleia geral e não exclusivamente na respectiva assembleia sectorial.

N) Princípio imperativo que o Art. 31°, n° 2 dos estatutos viola, sendo, consequentemente, nulo.

O) Não são questões de operacionalidade - número de cooperantes, número de sectores, distância para os centros de decisão da cooperativa, etc - que podem restringir este direito de participação directa, substituindo-o por um regime de participação indirecta.

P) Está instituído um modelo misto de participação, sendo esta directa nas assembleias sectoriais, nas quais os cooperantes podem participar, com direito de intervir e de eleição dos seus representantes e indirecta nas assembleias gerais, nas quais os cooperantes, mesmo que o queiram, não podem pura e simplesmente participar.

Q) Tal restrição - que é total - não se compadece com o invocado princípio e direito de participação directa na assembleia geral dos cooperantes- Art. 33°, n° 2 do CCoop.

R) A redacção actual do Art. 39°, afasta a possibilidade dos cooperadores, quando não representados por delegados, poderem ser representados por outros cooperadores, aliás como assegura o Art. 43°, n° 1 do CCoop.

S) Esta regra imperativa de representação, quando aplicada aos delegados, não pode ser decalcada daqueloutra aplicada aos cooperadores, pois a natureza da representação é distinta.

T) Pois, enquanto nos cooperadores essa natureza é originária, decorre da sua adesão (filiação) à cooperativa, nos delegados a sua representação é sempre derivada, decorre de um mandato conferido pelos cooperadores em assembleia sectorial para o efeito convocada.

U) Mas se os cooperadores não elegerem delegados para determinada assembleia geral, se não quiserem estar representados por terceiros para o efeito mandatados, podem ser representados por outro cooperador ou familiar, nos termos definidos no Art. 43°, n° 1 do CCoop.

V) Este direito foi suprimido, pois os atuais Estatutos (Art. 39°) só permitem o voto por representação atribuído por delegado a outro delegado, violando dessa forma o referido Art. 43°, n° 1 do CCoop.

X) O alcance do n° 4 do Art. 44° do CCoop., na actual redacção dos Estatutos da Recorrente, foi mal aplicado ao voto por representação, pois o legislador ao determinar a adaptabilidade às assembleias sectoriais dos Arts. 33° a 43° do CCoop, artigos que respeitam à assembleia geral, não permite que sejam criadas regras novas, mas somente que as existentes possam ser adaptadas a outra realidade, sem que sejam alterados os seus princípios e alcance.

Z) Nos termos do disposto no Art. 43°, n° 1 do CCoop, «É admitido o voto por representação, devendo o mandato, apenas atribuível a outro cooperador ou a familiar maior do mandante, constar de documento escrito e datado dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral, cabendo aos estatutos assegurar a autenticidade do instrumento de representação».

AA) A adaptação desta norma às assembleias sectoriais, significaria tão-somente a possibilidade de o cooperador ser representado na assembleia sectorial, por outro cooperador ou familiar maior do mandante, devendo o mandato constar de documento escrito e datado dirigido ao presidente da mesa da assembleia sectorial para o efeito eleita. O que não sucede.

BB) É assim que, o Art. 39° dos Estatutos ao permitir o voto por representação, em assembleia geral, atribuído a delegado por outro delegado, viola o princípio consagrado no Art. 43° do CCoop, que não prevê tal possibilidade.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão única - Os artigos 31º, nº 2 e 39º dos Estatutos da Ré, na sua redacção actual, violam o princípio imperativo da gestão democrática da cooperativa pelos seus membros (sendo, por isso, nulos) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Considerou o Tribunal de 1ª Instância que, relevando «para o conhecimento da causa as alterações efectuadas na assembleia geral e o conteúdo dos novos estatutos», esta «matéria está assente pelo que inexiste prova a produzir»; e deu, assim, como provados os seguintes factos («com relevo para a causa»):

1 - No dia 14 de Junho de 2010 teve lugar, na sede de X - Cooperativa Agrícola, C.R.L. (aqui Ré) uma sessão ordinária da sua assembleia geral, a qual contemplava na respectiva ordem de trabalhos um ponto III relativo à «Discussão e votação da proposta da Direcção para uma nova redacção dos artigos 31º, 32º, 35º, 38° e 39° dos Estatutos da X».

2 - Foi apresentada pela Direcção uma «Proposta de Alteração Estatutária», por intermédio do seu Presidente (como consta da respectiva acta).

3 - Esta proposta principiava com uma nota justificativa, da qual constavam os Considerandos, constando dessa nota que as alterações propostas justificavam-se em virtude: (i) da natureza polivalente da cooperativa; (ii) de muitas das disposições contidas nos Estatutos e Regulamento Interno se encontrarem repetidas; (iii) e da possibilidade de existirem dúvidas interpretativas no articulado vigente.

4 - Mais se referia que «após consulta a especialistas no Código Cooperativo, foram os mesmos unânimes na verificação da conformidade dos estatutos actuais face ao normativo legal, sugerindo-nos no entanto a conveniência de uma redacção mais esclarecedora».

5 - Nesse sentido, propunham-se as alterações aos aludidos artigos estatutários, todos inseridos na Secção II do Capítulo IV, correspondente às «Assembleias Gerais e Sectoriais», discriminadas infra.

6 - O artigo 31.°, de epígrafe «Definição e Composição», tinha antes a seguinte redacção:

«1 - A assembleia geral é o órgão supremo da Cooperativa e as suas deliberações, tomadas nos termos legais e estatutários, são obrigatórias para os restantes órgãos a Cooperativa e para todos os membros desta.
2 - A assembleia geral é constituída pelos cooperadores que estejam no pleno gozo dos seus direitos.
3 - Em cada secção funcionará uma assembleia sectorial, na qual participam todos os cooperadores inscritos nessa secção, que será dirigida por uma mesa composta por três membros com mandato cuja duração será igual à prevista para os órgãos sociais da Cooperativa.
4 - A cada assembleia sectorial compete:
a) Pronunciar-se acerca das actividades, contas e rendibilidade de cada secção a apresentar à assembleia geral da Cooperativa.
b) Tomar conhecimento do relatório e contas a apresentar à assembleia geral da Cooperativa.
5 - No regulamento interno será indicado o número de delegados das secções às assembleias gerais da Cooperativa».

7 - O artigo 31.°, de epígrafe «Definição e Composição», passaria a apresentar a seguinte redacção:

«1-………………………………………………………………………………………..
2 - A assembleia geral é constituída pelos delegados dos cooperadores eleitos nas secções da Cooperativa.
3-……………………………………………………………………………………….
4 - A cada assembleia sectorial compete:
a) Eleger a mesa da assembleia sectorial;
b) Eleger os delegados que representam a secção na assembleia geral da Cooperativa;
c) Pronunciar-se sobre o orçamento e o plano de actividades anuais a submeter à aprovação da assembleia geral;
d) Pronunciar-se sobre o balanço, o relatório e as contas anuais, a submeter à aprovação da assembleia geral;
e) Pronunciar-se sobre as actividades e a rentabilidade da secção;
j) Pronunciar-se sobre quaisquer propostas de alteração dos Estatutos e do Regulamento Interno da Cooperativa, a submeter à aprovação da assembleia geral;
g) Pronunciar-se sobre quaisquer propostas de fusão, cisão ou dissolução da cooperativa, a submeter à aprovação da assembleia geral;
h) Pronunciar-se sobre quaisquer outros assuntos que lhe sejam submetidos pela Direcção da Cooperativa.
5 - O regulamento interno fixa o número de delegados das secções às assembleias gerais da Cooperativa, em função do número de cooperados inscritos em cada secção».

8 - O artigo 32.°, de epígrafe «Sessões ordinárias e extraordinárias», tinha antes a seguinte redacção:

«1 - A assembleia geral reúne em sessões ordinárias e extraordinárias.
2 - A assembleia geral ordinária reunirá obrigatoriamente duas vezes em cada ano, uma até 31 de Março, para apreciação e votação do relatório, balanço e contas da direcção, bem como do parecer do conselho fiscal, referentes ao ano anterior, outra até 31 de Dezembro, para apreciação e votação do orçamento e plano de actividades para o ano seguinte.
3 - A assembleia geral extraordinária reunirá por iniciativa do seu presidente, a pedido da direcção ou do conselho fiscal ou a requerimento de pelo menos 15% dos cooperadores».

9 - O artigo 32.°, de epígrafe «Sessões ordinárias e extraordinárias», passaria a apresentar a seguinte redacção:

«1-………………………………………………………………………………………..
2-………………………………………………………………………………………….
3 - A assembleia geral extraordinária reúne por iniciativa do seu presidente, a pedido da direcção ou do conselho fiscal, ou a requerimento de delegados das secções que representem, pelo menos, 15% dos cooperadores».

10 - O artigo 35.°, de epígrafe «Quórum», tinha antes a seguinte redacção:

«1 - A assembleia geral reunirá à hora marcada na convocatória, se estiver presente mais de metade dos cooperadores com direito a voto, ou os seus representantes devidamente credenciados.
2 - Se à hora marcada para a reunião não se verificar o número de presenças previsto no número anterior, a assembleia reunirá com qualquer número de cooperadores uma hora depois.
3 - No caso de a convocatória da assembleia geral ser feita para sessao extraordinária e a requerimento dos cooperadores, a reunião só se efectuará se nela estiverem presentes, pelo menos, três quartos dos requerentes.
4 - Será lavrada acta de cada reunião da assembleia geral, assinada pelos cooperadores que constituam a mesa».

11 - O artigo 35.°, de epígrafe «Quórum», passaria a apresentar a seguinte redacção:

«1 - A Assembleia geral reúne à hora marcada na convocatória, se estiverem presentes ou representados mais de metade dos delegados eleitos nas assembleias sectoriais.
2 - Se à hora marcada para a reunião não se verificar o número de presenças previsto no número anterior, a assembleia geral reúne, com qualquer número de delegados, uma hora depois.
3 - No caso da convocatória da assembleia geral ser feita para a sessão extraordinária a requerimento de delegados, a reunião só se efectua se nela estiverem presentes, pelo menos, três quartos dos requerentes.
4-………………………………………………………………………………………»

12 - O artigo 38.°, de epígrafe «Votações», tinha antes a seguinte redacção:

«1 - Nas assembleias gerais, cada cooperador dispõe de um voto, qualquer que seja a sua participação no capital social.
2 - Os cooperadores menores serão sempre representados pelo seu representante legal.
3 - É exigida maioria qualificada de, pelo menos, dois terços dos votos expressos na aprovação das matérias constantes das alíneas j), g), h), i), l) e n) do artigo 360 ou quaisquer outras para cuja votação os estatutos prevejam uma maioria qualificada.
4 - No caso da alínea g) do artigo 36º a dissolução não terá lugar se, pelo menos, 10 cooperadores se declararem dispostos a assegurar a permanência da Cooperativa, qualquer que seja o número de votos contrários».

13 - O artigo 38.°, de epígrafe «Votações», passaria a apresentar a seguinte redacção:

«1 - Nas assembleias gerais cada delegado dispõe de um voto.
2 - (anterior n.º 3).
3 - (anterior n.º 4)».

14 - O artigo 39.°, de epígrafe «Voto por representação», tinha antes a seguinte redacção:

«1 - É admitido o voto por representação, devendo o mandato atribuído a outro cooperador ou a familiar maior do mandante que com ele coabite constar de documento escrito e dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral, devidamente assinado.
2 - Cada cooperador não poderá representar mais de um membro da cooperativa».

15 - O artigo 39.°, de epígrafe «Voto por representação», passaria a apresentar a seguinte redacção:

«1- É admitido o voto por representação, devendo o mandato atribuído a outro delegado constar de documento escrito e assinado, dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral.
2 - Cada delegado não pode representar mais de um outro delegado à assembleia geral».

16 - Nesta reunião de 14 de Junho de 2010 da assembleia geral da Ré foram prestados todos os esclarecimentos solicitados, não tendo mais ninguém pedido a palavra para se pronunciar contra as alterações propostas.

17 - O ponto III, relativo à «Discussão e votação da proposta da Direcção para uma nova redacção dos artigos 31º, 32º, 35º, 38° e 39° dos Estatutos da X», foi submetido a votação, tendo sido aprovadas as alterações por maioria, com treze votos a favor, um voto contra e nenhuma abstenção.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Direito aplicável - Determinação e interpretação

4.1.1. Cooperativas - Definição

Lê-se no art. 2º do actual C.Coop. (aprovado pela Lei n.º 119/2015, de 31 de Agosto, depois alterada pela Lei n.º 66/2017, de 09 de Agosto) - tal como já antes se lia no art. 2º do anterior C.Coop. (aprovado pela Lei n.º 51/96, de 7 de Setembro) - que as cooperativas «são pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles».

«Conforme decorre da sua definição legal, as cooperativas não têm fins lucrativos, uma vez que elas não se constituem para que se obtenham dividendos a repartir pelos associados, mas sim para satisfazer as necessidades daqueles ou outorgar-lhes vantagens directamente repercutíveis na sua esfera jurídica, designadamente, para permitir-lhes produzir, trabalhar, vender, comprar, obter créditos ou empréstimos, adquirir casas..., tudo em condições económicas mais vantajosas relativamente à economia de mercado em que se inserem» (Ac. da RG, de 25.05.2016, Maria Amália Santos, Processo nº 860/13.5TJVNF.G1, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).

Logo, e sem prejuízo do aspecto empresarial, da vertente económica, das cooperativas, acentua-se que as mesmas prosseguem «exclusivamente objectivos mutualistas e nunca comercialistas e lucrativos»: aquela sua outra faceta «é inseparável da sua função social, com vista à exacta e solidária satisfação das necessidades dos cooperadores», conferindo-lhes um estatuto diferenciado das sociedades (Pedro Pereira, Código Cooperativo Anotado e Comentado, 1997, Almedina, p. 13.

No mesmo sentido, Rui Namorado, Introdução ao Direito Cooperativo, Abril de 2000, Almedina, p. 15-19, e 181-185, lendo-se nomeadamente a p. 19 que a «não-lucratividade, que não implica qualquer desvalorização da empresarialidade, situa-se na convergência dos valores de mutualidade e de democraticidade, para cujo conteúdo pleno contribui, significando, no essencial, que o motor de qualquer actividade cooperativa se situa fora do objecto da reprodução do capital». Ainda, elencando diversas definições doutrinais, acentuadoras da especificidade da figura da cooperativa, face nomeadamente à sociedade comercial e à associação civil, José António Rodrigues, Código Cooperativo Anotado e Comentado, 4ª edição actualizada e aumentada, Quid Juris, 2011, p. 11-18).

Compreende-se, assim, a imediata precisão, no art. 3º do C.Coop. (como já antes se fazia no art. 3º do anterior C.Coop.) que as «cooperativas, na sua constituição e funcionamento, obedecem» a princípios cooperativos, «que integram a declaração sobre a identidade cooperativa adotada pela Aliança Cooperativa Internacional», criada em 1895, e que taxativamente se enumeram como: princípio da adesão voluntária e livre; princípio da gestão democrática pelos membros; princípio da participação económica dos membros; princípio da autonomia e independência; princípio da educação, formação e informação; princípio da intercooperação; e princípio do interesse pela comunidade.

Estes princípios, que enformam o direito cooperativo, «encontram o seu suporte nos valores que lhe estão subjacentes, como sejam o de entreajuda dos seus membros (cooperação, unidade, acção colectiva, solidariedade, paz); o do desinteresse (conservação de recursos, eliminação do lucro como força condutora, responsabilidade social, objectivos utilitários, “não aproveitamento do trabalho dos outros”); valor democrático (igualdade, participação, equidade); valor de esforço voluntário (empenhamento, poder criativo, independência, pluralismo); valor de universalidade (perspectivas globais, abertura); valores educacionais (conhecimento, compreensão, discernimento); valores propositados (benefício aos membros, etc), valores de cooperação que não se perdem com o tempo nem com as novas realidades sociais».

Reitera-se «que as cooperativas, contrariamente às sociedades comerciais, baseiam-se em valores de ajuda, equidade e solidariedade. Na tradição dos seus fundadores, os membros das cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência, responsabilidade social e preocupação pelos outros sendo os princípios cooperativos as linhas orientadoras através das quais as cooperativas levam à prática os seus valores» (Ac. da RG, de 25.05.2016, Maria Amália Santos, Processo nº 860/13.5TJVNF.G1).

Relativamente aos ramos de actividade a que as cooperativas se podem dedicar, lê-se no art. 4º do C.Coop. (como já antes se lia no art. 4º do anterior C.Coop.) que, sem «prejuízo de outros que venham a ser legalmente consagrados, o sector cooperativo compreende os (…) ramos» agrícola, artesanato, comercialização, consumidores, crédito, cultura, ensino, habitação e construção, pescas, produção operária, serviços e solidariedade social» (nº 1), sendo «admitida a constituição de cooperativas multissectoriais, que se caracterizam por poderem desenvolver atividades próprias de diversos ramos do sector cooperativo (nº 2); e caberá à «legislação complementar» regular «os diversos ramos cooperativos» (nº 3).

Já quanto às espécies de cooperativas possíveis, lê-se no art. 5º do C.Coop. (como já antes se lia no art. 5º do anterior C.Coop.) que as «cooperativas podem ser do primeiro grau ou de grau superior» (nº 1), sendo as primeiras «aquelas cujos cooperadores sejam pessoas singulares ou colectivas», e as segundas «as uniões, federações e confederações de cooperativas» (nº 2).

Por fim, e quanto aos órgãos que lhe sejam próprios, lê-se no art. 27º do actual C.Coop. (como antes se lia no art. 39º do anterior C.Coop) que são «órgãos das cooperativas» a «assembleia geral», o «órgão de administração» e os «órgãos de fiscalização» (nº1); e que os «estatutos podem ainda consagrar outros órgãos, bem como dar poderes à assembleia geral ou ao órgão de administração, para constituírem comissões especiais, de duração limitada, destinadas ao desempenho de tarefas determinadas» (nº 2).

Dir-se-á, porém, na esteira do art. 33.º do C.Coop. (como já antes do art. 44º do anterior C.Coop.) que a «assembleia geral é o órgão supremo da cooperativa, sendo as suas deliberações, tomadas nos termos legais e estatutários, obrigatórias para os restantes órgãos da cooperativa e para todos os seus membros».

Compreende-se, por isso, que a assembleia geral não só possua competências exclusivas, como nelas se contenham as matérias fundamentais para a vida de qualquer cooperativa, conforme art. 38º do C.Coop. (art. 49º do anterior C.Coop.), nomeadamente:

a eleição e destituição dos «titulares dos órgãos da cooperativa, incluindo o revisor oficial de contas»; a apreciação e votação anual do «relatório de gestão e documentos de prestação de contas, bem como o parecer do órgão de fiscalização»; a apreciação da «certificação legal de contas, quando a houver»; a apreciação e votação do «orçamento e do plano de atividades para o exercício seguinte»; a «fixação das «taxas dos juros a pagar aos membros da cooperativa»; a aprovação da «forma de distribuição dos excedentes»; a alteração dos «estatutos, bem como aprovar e alterar os regulamentos internos»; a aprovação da «fusão e da cisão da cooperativa»; a aprovação da «dissolução voluntária da cooperativa»; a aprovação da «filiação da cooperativa em uniões, federações e confederações»; a deliberação «sobre a exclusão de cooperadores e sobre a destituição dos titulares dos órgãos sociais, e ainda funcionar como instância de recurso, quer quanto à admissão ou recusa de novos membros, quer em relação às sanções aplicadas pelo órgão de administração»; a fixação da «remuneração dos titulares dos órgãos sociais da cooperativa, quando os estatutos o não impedirem»; a deliberação «sobre a proposição de ações da cooperativa contra os administradores e titulares do órgão de fiscalização, bem como a desistência e a transação nessas acções»; e a apreciação e votação das «matérias especialmente previstas neste Código, na legislação complementar aplicável ao respetivo ramo do sector cooperativo ou nos estatutos».
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4.1.2. Princípio da gestão democrática

Particularizando o princípio da gestão democrática, afirma-se na lei (art. 3º do C.Coop., actual e anterior) que as «cooperativas são organizações democráticas geridas pelos seus membros, os quais participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres que exerçam funções como representantes eleitos são responsáveis perante o conjunto dos membros que os elegeram. Nas cooperativas do primeiro grau, os membros têm iguais direitos de voto (um membro, um voto), estando as cooperativas de outros graus organizadas também de uma forma democrática».

«Este princípio continua a consagrar uma intrínseca democraticidade das cooperativas, impregnada pela ideia da necessidade de participação dos cooperadores. Por isso se mantém explicitamente a regra de “um homem – um voto” para as cooperativas de 1º gau e se impõe que as cooperativas de grau superior se organizem de forma democrática. Não é, pois, possível respeitar este princípio e, simultaneamente, aceitar qualquer forma de voto plural nas cooperativas de 1º grau, isto é, aceitar que qualquer cooperador tenha direito a mais do que um voto» (Rui Namorado, Introdução ao Direito Cooperativo, Abril de 2000, Almedina, p. 189, com bold apócrifo).

Perpassa aqui o reconhecimento de que o «fim da cooperação é o de humanizar as relações económicas. O acréscimo do sentido de responsabilidade que da associação cooperativa resulta em relação aos factos económicos só será verdadeiro se as decisões económicas forem tomadas por todos os interessados em regime de liberdade e de igualdade» (Sérvulo Correia, «Elementos de um Regime Jurídico da Cooperação» Separata de Estudos Sociais e Cooperativos, Ano V, nº 17, 1966, p. 23).

Esta exigência surge reafirmada no princípio da Autonomia e independência, quando no mesmo se afirma que as «cooperativas são organizações autónomas de entreajuda, controladas pelos seus membros. No caso de entrarem em acordos com outras organizações, incluindo os governos, ou de recorrerem a capitais externos, devem fazê-lo de modo a que fique assegurado o controlo democrático pelos seus membros e se mantenha a sua autonomia como cooperativas».

Compreendem-se, por isso, diversas outras disposições do C.Coop., nomeadamente: os arts. 21º, nº 1, al. b), e 22º, nº 2, al. a) (arts. 33º, nº 1, al. a) e 34º, nº 2, al. a), do anterior C.Coop.), segundo os quais constituem simultâneo direito e dever dos cooperadores o «tomar para nas assembleias gerais», «apresentando propostas, discutindo e votando os pontos constantes da ordem de trabalhos»; ou o art. 33º, nº 2 (art. 44º, nº 2, do anterior C.Coop.), segundo o qual participam «na assembleia geral todos os cooperadores e membros investidores no pleno gozo dos seus direitos; ou o art. 40º, nº 1 (art. 51º, nº 1 do anterior C.Coop.), segundo o qual nas «assembleias gerais das cooperativas de primeiro grau cada cooperador dispõe de um voto, qualquer que sejam a sua participação no respectivo capital social».

Tendo presente que a «assembleia geral é o órgão supremo da cooperativa» (conforme já referido supra), a inequívoca consagração legal destes direitos dos cooperadores assume particular importância, por desse modo ficar inequivocamente afirmado o seu carácter igualmente indisponível (isto é, tal como o princípio da gestão democrática que concretizam).

Com efeito, sendo o princípio da gestão democrática necessariamente de carácter imperativo, as formas próprias de organização, os métodos ou processos de funcionamento, que cada cooperativa entenda estatutariamente adoptar (ao abrigo do princípio da autonomia e independência) não poderão deixar de o assegurar; ou, mesmo, de melhor o assegurar. Ora, a particularização legal de alguns dos mais importantes direitos dos cooperadores, à sua luz (como garantia mínima), previne a consagração de soluções estatuárias que o pudessem comprimir ou violar.
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4.1.3. Organização por secções (de actividade, ou de área geográfica)

4.1.3.1. Código Cooperativo (em geral)

Lê-se no art. 44º do C.Coop. (como antes se lia no art. 54º do anterior C.Coop., que precisamente o consagrou então como matéria nova) que os «estatutos podem prever a realização de assembleias sectoriais, quando as cooperativas o considerem conveniente, quer por causa das suas atividades, quer em virtude da sua área geográfica» (nº 1), aplicando-se «às assembleias sectoriais, o disposto nos artigos 33.º a 43.º, com as necessárias adaptações» (nº 4), isto é, as regras de constituição e funcionamento previstas para a assembleia geral.

Com efeito, desde cedo se assumiu a preocupação de que, para «preservar o valor moral e social da cooperativa, que reside no seu carácter associativo, o legislador terá (…) de elaborar uma armação jurídica que não só permita mas fomente a intervenção dos membros na respectiva gestão, sem que contudo ela se torne num obstáculo ao seu bom funcionamento» (Sérvulo Correia, «Elementos de um Regime Jurídico da Cooperação» Separata de Estudos Sociais e Cooperativos, Ano V, nº 17, 1966, p. 24).

Compreende-se, assim, que se afirme que para «o aumento da participação na vida da cooperativa poderá ser de grande alcance o funcionamento a cooperativa por assembleias sectoriais, (…) organizadas ou com base nas actividades desenvolvidas pela cooperativa ou com base nas áreas geográficas em que vivem os cooperadores.

Atendendo à escassa participação normalmente verificada nas assembleias-gerais das cooperativas, esta possibilidade de reunir os cooperadores ou pelas actividades que mais lhes dizem respeito ou nos lugares mais próximos da sua habitação, pode modificar para melhor essa participação. O importante é utilizar todas as formas para conseguir que haja uma presença interessada e responsável na vida da cooperativa» (Manuel Canaveira de Campos, Boletim Informativo do INSCOOP, no 15, nº 5, Outubro/Dezembro 1996, p, 4, com bold apócrifo, citado por José António Rodrigues, Código Cooperativo Anotado e Comentado e Legislação Cooperativa, 4ª edição actualizada e aumentada, Quid Juris, 2011, p. 153).

Precisa-se, porém, que estas assembleias sectoriais não se limitam necessariamente a deliberar sobre temas que possam interessar ou contender apenas com o sector (de actividade, ou geográfico) onde radica a sua constituição, podendo ainda fazê-lo sobre temas que interessam à cooperativa como um todo.

Com efeito, lê-se no art. 33º do C.Coop. (como antes se lia no art. 44º do anterior C.Coop.), com a epígrafe «Definição, composição e deliberações da assembleia geral» -, e depois de nele se afirmar que participam «na assembleia geral todos os cooperadores e membros investidores no pleno gozo dos seus direitos» (nº 2) -, que os «estatutos da cooperativa podem prever assembleias gerais de delegados, os quais são eleitos nos termos do artigo 44.º do presente Código» (nº 3).

Logo, estas «assembleias gerais de delegados» correspondem a assembleias gerais da cooperativa (e não às suas assembleias sectoriais), compostas então, já não por cooperadores directos, mas sim por delegados eleitos por aqueles (em prévias assembleias sectoriais realizadas para o efeito); e, sendo assembleias gerais da cooperativa, caber-lhes-á, naturalmente, pronunciar-se sobre todas as matérias da competência da assembleia geral, incluindo as da sua competência exclusiva.

Compreende-se, por isso, a preocupação de, no mesmo art. 44º citado supra, se esclarecer que o «número de delegados à assembleia geral a eleger em cada assembleia sectorial é estabelecido, conforme disposto nos estatutos, em função do número de cooperadores ou do volume de atividade de cada secção ou de ambos» (nº 2), e «deve ser anualmente apurado pelo órgão de administração da cooperativa, nos termos do número anterior» (nº 3).

Encontramos, de novo, aqui a preocupação com o cumprimento do princípio da gestão democrática, no caso da necessária e correcta representativa dos cooperadores de cada sector, face ao universo total dos cooperadores da mesma e única cooperativa.

Compreende-se, ainda, que se defenda que, embora «a lei não seja explícita neste domínio, entendemos que as assembleias sectoriais não se limitam a eleger delegados à assembleia geral, com liberdade de votos destes», já que elas «devem discutir e votar os pontos agendados para a assembleia-geral, vinculando os delegados eleitos ao sentido de voto expresso nas assembleias sectoriais, incluindo a devida ponderação dos votos que não fizeram vencimento»; e «era este, aliás, o sentido do funcionamento das assembleias de delegados das cooperativas estabelecido no Decreto-Lei n.º 45.933, de 19 de Setembro de 1964» (José António Rodrigues, ibidem.

Reconhecendo a pertinência da dúvida sobre a extensão do poder dos delegados, face ao texto da lei - serão «um mero porta-voz da respectiva assembleia sectorial, estando o seu sentido de voto previamente definido», ou, «pelo contrário, não têm um voto vinculado, podendo votar como tiverem por conveniente, face ao que se venha a discutir na assembleia geral de delgados» -, Pedro Pereira, op. cit., p 55, defende que, na «dúvida, deverão os estatutos esclarecer tudo quanto seja necessário ao funcionamento das assembleias sectoriais e seus delegados»).
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4.1.3.2. Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas (em particular)

Lê-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 335/99, de 20 de Agosto (que aprovou o Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas) que, constituindo o «ramo agrícola do sector cooperativo (…) o maior e o mais diversificado conjunto de cooperativas do País em função do seu peso no número total de cooperativas existentes, pelo volume de vendas e pelo nível de emprego por que é responsável e pelo número de agricultores membros que representa nos sectores produtivos e estrategicamente mais relevantes», se viam então as mesmas confrontadas com «um esforço decisivo para sobreviverem com eficácia na dupla qualidade de empresas e associações específicas, num sector também dotado de particularidades» (com bold apócrifo).

Relembrando ainda a recente aprovação do Código Cooperativo, e reconhecendo que «esta legislação complementar não carece de repetir, mas antes acatar», «os valores essenciais do cooperativismo e das cooperativas», ali reafirmados, pretendia-se com a mesma criar «as condições para que as cooperativas agrícolas possam, a um tempo, responder às necessidades específicas dos agricultores e dos territórios e, por outro lado, desenvolver os seus próprios meios de adaptação às regras económicas prevalecentes, modernizando-se e mobilizando os mecanismos que lhes permitam ser cada vez mais fortes aos níveis empresarial e associativo e capazes de responder aos renovados apelos da organização do mundo agrícola e rural» (com bold apócrifo).

Contudo, expressamente se esclarecia no mesmo Preâmbulo que o «apelo a uma maior responsabilização das cooperativas agrícolas deve ser entendido também como um apelo decisivo à plena vinculação dos seus membros a direitos e obrigações expressamente consignados nos respectivos estatutos, afinal o primeiro e determinante factor para o seu eficaz funcionamento, sem o qual a função associativa não é exercida e a de índole empresarial se vê fortemente condicionada, com os consequentes resultados negativos, a todos os níveis».

Assim, e depois de se esclarecer logo no seu art. 1.º o carácter de lei especial, prevalente, deste Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas («As cooperativas agrícolas do primeiro grau e as suas organizações de grau superior regem-se pelas disposições do presente diploma e, nas suas omissões, pelas do Código Cooperativo»), definem-se no seu art. 2.º, al. a), como «cooperativas agrícolas as que tenham por objecto principal, designadamente, a produção agrícola, agro-pecuária e florestal» (com bold apócrifo).

Contudo, prevendo-se no art. 13º, nº 1 a possibilidade de constituição de cooperativas agrícolas polivalentes, «que se caracterizam por abranger mais de uma área de actividade do ramo agrícola ou com ela directamente relacionada ou conexa e por adoptarem uma organização interna por secções», desde logo se esclareceu no art. 15º que a sua criação e extinção seria «da competência da assembleia geral, sob proposta da direcção, em deliberação tomada por maioria qualificada de dois terços dos votos expressos».

Estando-se, efectivamente, perante uma cooperativa polivalente, pressupõe-se no art. 14º (com a precisa epígrafe «Assembleia geral em cooperativa polivalente») «a existência de assembleias sectoriais», que deverá «ser prevista nos estatutos e o seu funcionamento estabelecido em regulamento interno»; e discrimina-se no art. 17º, nº 2 que à «assembleia sectorial compete, nomeadamente: a) Pronunciar-se sobre as actividades, orçamento, contas e gestão da secção; b) Pronunciar-se sobre o plano de actividades, orçamento, gestão e relatório e contas da cooperativa a apresentar à assembleia geral c) Eleger a mesa da assembleia de secção em ano de eleições dos órgãos sociais; d) Eleger os seus delegados à assembleia geral».

Logo, e de forma bem mais clara do que a que igualmente se retirava do art. 54º do Código Cooperativo então em vigor (e depois se reafirmou no art. 44º do actual C.Coop.), às assembleias sectoriais das cooperativas compete, não apenas deliberar sobre os assuntos de interesse limitado à secção a que digam respeito, como ainda deliberar sobre assuntos de interesse da cooperativa no seu todo.

Fazendo-o, os delegados que depois elejam ficarão necessariamente vinculados ao sentido de voto expresso pelos cooperadores da secção que representem, sobre as matérias relativamente às quais se pronunciaram.

Por fim, lê-se no art. 18º deste Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas que: o «número de delegados a eleger por cada secção é proporcional ao respectivo número de inscritos, no mínimo de um delegado por secção, e deve ser anualmente apurado, pela direcção, nos temos dos n.os 2 e 3 do artigo 54.º do Código Cooperativo» (nº 2); os estatutos definirão «a proporção dos delegados a eleger, em função de cada um dos critérios referidos no número anterior, sendo maior o peso dos delegados eleitos com base no número de membros» (nº 3); a «cada delegado corresponde um voto caso os estatutos não decidam de outro modo» (nº 4); e nenhum «membro pode ser delegado de mais de uma secção» (nº 5).

É, assim, inequívoca a preocupação com o cumprimento do princípio de gestão democrática, incluindo a efectiva representatividade dos delegados eleitos, face ao universo de cooperadores considerado (sectorial, e global).

Contudo, a redacção do nº 3 do art. 18º citado viria ainda a ser alterada, pelo Decreto-Lei n.º 23/2001, de 30 de Janeiro, eliminando-se da sua parte final a expressão «sendo maior o peso dos delegados eleitos com base no número de membros»; e essa nova reacção foi consagrada sem prejuízo de se relembrar no Preâmbulo deste diploma que «participação dos cooperadores na vida das cooperativas é uma das condições básicas» para «a dinâmica própria do sector cooperativo agrícola assente em princípios de modernização e mobilidade».

Dir-se-á assim, e de forma especial para o ramo agrícola, que a lei não só considera que o funcionamento de cooperativas polivalentes por secções (incluindo assembleias sectoriais, em cujas competências se contêm não só as matérias que directamente lhes digam respeito, como aquelas que afectam a vida da cooperativa como um todo, e em cuja assembleia geral os cooperadores se fazem representar por delgados) é consentâneo com «a dinâmica própria do sector cooperativo agrícola assente em princípios de modernização e mobilidade», como reforça a «participação dos cooperadores na vida das cooperativas».

Reconhece-se, deste modo, que a extensão geográfica que potencialmente permitem (com o aumento das distâncias entre as residências e/ou os locais de trabalho, bem como entre aqueles e o local único de realização da assembleia geral), ou a diversidade de áreas de actividade que envolvem (cada uma delas colocando questões próprias, distintas e sem necessários pontos de contacto com as colocadas pelas demais), dificilmente permitiriam o seu regular e eficaz funcionamento noutros modelos, nomeadamente o de necessária participação directa do universo global dos seus cooperadores.

Com efeito, aquelas características (de dispersão geográfica, e/ou de pluralidade de área de actividade, com desconhecimento das questões que digam directamente respeito a outra que não a sua própria região ou actividade) seriam idóneas: ou a desmobilizarem os cooperadores, nomeadamente no sentido de aparecerem regularmente nas assembleias gerais convocadas, e/ou de nelas se pronunciarem com utilidade sobre todos os temas ali discutidos (e, por isso, inviabilizando a pretendida «participação dos cooperadores na vida das cooperativas»); ou, na hipótese inversa (de comparência em massa do universo global de cooperadores), tonaria não raro ingeríveis os trabalhos das assembleias gerais em causa, nomeadamente pela legítima pretensão de uso da palavra e de exercício de voto singular e directo (e, por isso, inviabilizando a pretendida «dinâmica própria do sector cooperativo agrícola assente em princípios de modernização e mobilidade»).
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4.1.4. Consequência da violação (do princípio de gestão democrática)

Lê-se no art. 56º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (C.S.Com), diploma aplicável ex vi do art. 9º do C.Coop. (actual e anterior), que «são nulas as deliberações dos sócios: Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados (alínea a); Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito a voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto (alínea b); Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios (alínea c); Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios (alínea d)», (com bold apócrifo).

Têm-se, nomeadamente, «como normas imperativas, interpretadas teleologicamente: as que visam proteger o interesse público, os interesses de terceiros (sócios actuais, ou que se apresentem perante a sociedade sem esta qualidade, os futuros sócios e os credores sociais) e os irrenunciáveis dos actuais sócios». Logo, a sua violação consubstancia nulidade típica» (Ac. do STJ, de 04.05.1999, Torres Paulo, Processo nº 99A333, in www.dgsi.pt, como qualquer dos demais citados sem indicação de origem).

Mais se lê, no art. 58º, nº 1 do mesmo diploma, que «são anuláveis as deliberações que: Violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do art. 56º, quer do contrato de sociedade (alínea a); Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos (alínea b); não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação (alínea c)».

Face ao exposto, é desde já «de salientar que, segundo o art. 58º, nº 1, alínea a) do CSC, a nulidade se aplica apenas aos casos taxativamente enumerados no art. 56º do CSC (ou, obviamente, noutros preceitos legais expressos – como os arts. 27º, nº 1, 69º, nº 3, 385º, nº 4 e 414º, nº 5 - que, por estatuírem a nulidade, não podem ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios), enquanto a anulabilidade se aplica, como regra geral, aos demais casos de invalidade.

Note-se também que a generalidade dos vícios do processo de deliberação acarretam apenas anulabilidade, ressalvada a falta de convocação ou consulta de sócios que na participem na deliberação.
Deve notar-se ainda que, em regra, as deliberações anti-estatutárias são meramente anuláveis» (Luís Brito Correia, Direito Comercial, 3º Volume - Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1989, p. 288 e 289).

Compreende-se, por isso, que se afirme que «só há nulidade da deliberação quando a ilegalidade - o desrespeito de normas inderrogáveis, de carácter imperativo ou cogente - se traduz no conteúdo daquela, isto é, quando, com a deliberação, se estatui um regime diverso da norma violada. Se o desrespeito de normas daquela natureza se verifica, não no conteúdo, mas no processo que, para a formação da deliberação, foi efectivamente seguido no caso concreto, já esta não será nula, mas apenas anuláveis» (Ac. do STJ, de 01.02.2002, Santos Bernardino, Processo nº 02B2465. No mesmos sentido, Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, Almedina, Coimbra 1993, pág. 346., onde se lê que «a violação de uma norma imperativa, para acarretar nulidade, deve situar-se no conteúdo, em si, da deliberação. A inobservância de uma norma imperativa no simples processo formativo da deliberação, fora dos casos das als. a) e b) deste art. 56º, envolverá apenas a anulabilidade»).

«A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal» (art. 286º do C.C.); tem «efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente» (art. 289º, nº 1 do C.C.).

Logo, a produção dos efeitos jurídicos do negócio nulo tem-se por excluída ab initio, desde a origem do mesmo, ou seja, à data da sua formação. Este princípio do regresso à situação inicial funciona tanto em relação às partes no negócio, como relativamente a terceiros (in rem, e não somente in personam).

O facto dos efeitos da declaração de nulidade operarem retroactivamente «está em perfeita coerência com a ideia de que a invalidade resulta de um vício intrínseco do negócio e, portanto, contemporâneo da sua formação. (...) Em consonância com a retroactividade, haverá lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1). Tal restituição deve ter lugar, mesmo que não se verifiquem os requisitos do enriquecimento sem causa, isto é, cada uma das partes é obrigada a restituir tudo o que recebeu e não apenas aquilo com que se locupletou» (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, p. 616-617).

Por outras palavras, «o regime jurídico da nulidade reflecte a intenção, pelo menos de princípio, de fazer desaparecer as consequências a que o negócio directamente se dirige (...). Portanto, uma vez declarado nulo o negócio, a produção dos seus efeitos é excluída desde o início, ex tunc, a partir do momento da formação do negócio, e não ex nunc, a contar da data da declaração da nulidade. O carácter retroactivo da nulidade leva à repristinação da situação criada pelo negócio nulo, voltando-se ao statu quo ante» (Diogo Leite de Campos, A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir no Enriquecimento, 1974, p. 196).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.2.1. Cooperativa agrícola polivalente - Organizada por secções

Concretizando, resulta do artigo 1º dos Estatutos da Ré (X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.) que a mesma resultou «da fusão da Y - Cooperativa Agrícola e Leiteira, C.R.L., com a Adega Cooperativa, C.R.L.»; e resulta do artigo 4º, nº 1 dos mesmos Estatutos que a «Cooperativa tem por objecto efectivar, quaisquer que sejam os meios e as técnicas por ela utlizados, as operações respeitantes à natureza dos produtos provenientes das explorações dos cooperadores e a prestação de serviços diversos, que se concretizam em cada uma das secções».
Logo, e de forma incontornável, a Ré consubstancia uma cooperativa com diferentes áreas de actividade, nomeada e obviamente leiteira e vinícola.

Justificar-se-ia assim, e plenamente, que se organizasse em conformidade, isto é, por secções, face às reconhecidas diferenças e especificidades desde logo de cada uma daquelas áreas de actividade.

Compreende-se, por isso, que se leia no artigo 4º já citado dos seus Estatutos que: sem «prejuízo da unidade da pessoa jurídica, a Cooperativa funciona por secções distintas, as quais terão regulamentos internos, devendo a contabilidade evidenciar os resultados de cada uma delas» (nº 2); as «secções existentes na Cooperativa são» «Compra e venda», «Pecuária», «Vinícola», «Agrupamento de Defesa Sanitária / Organização de Produtos Pecuários» (nº3); e isto sem prejuízo de poderem «ser criadas outras» secções, «desde que aprovadas em assembleia geral, sob proposta da direcção».

Compreende-se, ainda, que logo na versão inicial do artigo 31º, nº 3 dos seus Estatutos (inalterada) se lesse (como ainda se lê) que em «cada secção funcionará uma assembleia sectorial, na qual participam todos os cooperadores inscritos nessa secção».

Não se estranha, igualmente, que tenha sido precisamente o reconhecimento desta realidade que foi invocado na «Nota Justificativa» da «Proposta de Alteração estatutária», isto é, apresentando-a com causa de justificação desta última, ao referir-se a «natureza polivalente da cooperativa» (reitera-se, simultaneamente dispersa por uma área geográfica significativa, e incluindo diversas área de actividade, muito distintas entre si).

Assim (e de forma não contestada nos autos pelo Autor), pela deliberação de 14 de Junho de 2010 alargou-se a inicial competência das assembleias sectoriais, cujo elenco se continha e contem no nº 4 do art. 31º dos Estatutos da Ré: se antes lhes competia pronunciarem-se «acerca das actividades, contas e rendibilidade de cada secção a apresentar à assembleia geral da Cooperativa» e tomar «conhecimento do relatório e contras a apresentar à assembleia geral da Cooperativa», passaram depois, não só a pronunciarem-se «sobre as actividades e rentabilidade da secção» a que respeitassem, como ainda a pronunciarem-se sobre assuntos de primordial importância para a vida de toda a cooperativa, como «o orçamento e o plano de actividade anuais a submeter à aprovação da assembleia geral», «o balanço, o relatório e as contas anuais, a submeter à aprovação da assembleia geral», «quaisquer propostas de alteração dos Estatutos e do Regulamento Interno da Cooperativa, a submeter à aprovação da assembleia geral», «quaisquer propostas de fusão, cisão ou dissolução da cooperativa, a submeter à aprovação da assembleia geral», e «quaisquer outros assuntos que lhe sejam submetido pela Direcção da Cooperativa».

Deste modo, a Ré tornou claro (evitando a redacção menos assertiva a este respeito, quer do art. 44º do actual C.Coop., quer do art. 54º do anterior, e na esteira do art. 17º, nº 2 do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas), que os delegados eleitos nas suas assembleias sectoriais expressarão na posterior assembleia geral um voto vinculado, por o mesmo traduzir o sentido da prévia pronúncia dos cooperadores sobre as matérias discutidas por eles antes, e destinadas a serem ali objecto de deliberação.
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4.2.2. Participação dos cooperadores na assembleia geral

Concretizando novamente, verifica-se que, reproduzindo a redacção inicial do artigo 31º, nº 2 dos Estatutos da Ré o disposto no art. 44º, nº 2 do C.Coop. então em vigor, correspondendo hoje ao art. 33º, nº 2 do actual - «A assembleia geral é constituída pelos cooperadores que estejam no pleno gozo dos seus direitos» -, viria depois a ser alterada, por deliberação de 14 de Junho de 2010, lendo-se agora na mesma disposição que a «assembleia geral é constituída por delegados dos cooperadores eleitos nas secções da Cooperativa».

Consagra-se aqui, já não apenas a possibilidade de organização interna da Ré por secções, mas doravante o seu funcionamento integral por meio destas, com a necessária e única realização das suas assembleias gerais por meio de delegados de cooperadores (eleitos previamente nas diferentes secções de actividade).

Concorda-se, assim, com o Tribunal a quo, quando o mesmo ajuizou que não «há dúvidas de que os novos estatutos substituíram uma representatividade directa (a presença do cooperante na Assembleia Geral) por uma representatividade indirecta (esses cooperadores passaram a estar presentes através da representação pelos delegados)».

Ora, foi precisamente face à constatação desta realidade que o Autor veio defender que que, «ao impor que as assembleia gerais sejam constituídas só por delegados dos cooperadores eleitos nas secções da Cooperativa Ré, impede-se que os cooperadores exerçam o seu direito mais basilar: participar directamente na tomada de deliberações que abem à assembleia geral».

Contudo, e aqui ao contrário do também ajuizado pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, dir-se-á enfaticamente que o direito que o art. 21.º, nº 1, al. b), do C.Coop. consagra aos cooperadores, é o de «tomar parte na assembleia geral, apresentando propostas, discutindo e votando os pontos constantes da ordem de trabalhos», e não o de o fizerem directamente, de per se, com necessária exclusão da sua representação por delegados eleitos para o efeito.

De outro modo, dificilmente se compreenderia a sucessão de soluções legislativas contrárias, isto é, admitindo expressamente a possibilidade daquele direito ser exercido por meio de delegados, quer ao nível dos Códigos Cooperativos que foram sendo editados, quer ao nível do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas (em cujo expressivo Preâmbulo se tem inclusivamente uma tal solução como reforçando «participação dos cooperadores na vida das cooperativas», pelo motivos detalhados supra).

Defendeu ainda o Autor, face aquela alteração estatuária, não «estar em causa o facto de os cooperadores poderem ser presentados por delegados, desde que, em assembleia sectorial e tendo em conta a ordem de trabalhos de determinada assembleia geral, os cooperadores considerem conveniente, naquela assembleia geral, em concreto, serem representados por delegados».

Contudo, dir-se-á que o art. 33º, nº 3 do actual C.Coop. (como já antes o art. 44º, nº 3 do anterior), quando autorizou que os «estatutos da cooperativa» pudessem «prever assembleias gerais de delegados», não limitou de qualquer modo a matéria sobre a qual as mesmas pudessem vir a deliberar; e o art. 17º, nº 2 do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas (aplicável de forma prevalente à aqui Ré, como lei especial que é, face àquela outra), deixou bem claro que caberia às assembleias sectoriais pronunciarem-se previamente «sobre o plano de actividades, orçamento, gestão e relatório e contas da cooperativa a apresentar à assembleia geral», matéria de deliberação exclusiva desta.

Por fim, defendeu o Autor que os «atuais estatutos não asseguram o direito dos cooperantes de participação ativa na formulação das políticas e na tomada de decisões da cooperativa Ré».

Contudo, dir-se-á que esta afirmação não só consubstancia um juízo subjectivo e é conclusiva, como de facto assim não sucede, uma vez que:

. a nova redacção das disposições estatutária da Ré apenas concretiza o que previamente lhe foi autorizado pela lei aplicável (quer a especial, do Regime Jurídico das Cooperativas Agrícolas, quer a geral, dos sucessivos C.Coop.);
. a pretendida «participação activa» na vida da Ré não tem de ser necessariamente concretizada por meio de «participação directa» nas suas assembleias gerais, podendo até ser mais eficazmente conseguida por meio de participação mediada por delegados previamente eleitos em assembleia sectoriais, desde que o tenham sido de forma democrática e sejam efectivamente representativos do universo base em causa;
. e o extenso elenco de matérias que o artigo 31º, nº 4 do Estatutos da Ré comete à pronúncia das assembleia sectoriais, contem as mais importantes para a vida da Cooperativa, de entre as que o art. 38º do actual C. Coop. (art. 49º do anterior) reserva à competência exclusiva da assembleia geral, ficando por isso o voto dos delegados eleitos em assembleias sectoriais vinculado ao que nestas tenha sido previamente decidido.

Por outras palavras, a identidade de interesses de cooperadores exercentes de uma mesma actividade, ou a maior facilidade de reunião de cooperadores residentes ou exercentes na mesma área geográfica, facilitam a efectiva discussão dos assuntos que a todos interessam, o apuramento da sua vontade colectiva, e a proporcional e vinculada representação desta na assembleia geral da cooperativa a que todos pertencem, bem como o posterior e mais eficaz funcionamento da dita assembleia geral.

A «participação activa na formulação de políticas e na tomada de decisões» não fica, assim, postergada, por esta representação por delegados, tanto mais que se acredita que estes serão eleitos de entre os cooperadores com maior disponibilidade, ou mais habilitados, a fazerem valer os pontos de vista dos demais que representam.

Acresce que, mantendo-se necessariamente nas assembleias sectoriais a regra de «todos membros têm iguais direitos de voto (um membro, um voto)», e que o art. 44º, nº 2 e nº 3 do actual C.Coop. (art. 53º, nº 2 e nº 3 do anterior) impõe que se assegure essa representativa no número de delegados a eleger por cada sector, inexiste qualquer violação do princípio da gestão democrática.

Por fim, dir-se-á que, tendo a Ré assegurado estatutariamente que as assembleias sectoriais teriam, por competência própria, que se pronunciar previamente sobre as principais matérias com relevância para a sua vida, objecto de futura deliberação na respectiva assembleia geral, ficaram desde logo os delegados ali eleitos vinculados, quanto a elas, à vontade previamente manifestada pelos cooperadores que ali representariam.

Face ao exposto, seria de todo incompreensível que um qualquer cooperador, regularmente notificado para comparecer e tomar parte na assembleia sectorial a que pertence, para discutir e votar os assuntos inscritos para o efeito, tendo ou não tendo comparecido à mesma, pretendesse depois comparecer na assembleia geral da Ré, ali discutindo e votando os mesmos assuntos (ou reiterando inutilmente o já veiculado pelo delegado eleito na assembleia sectorial a que não compareceu, ou fazendo-o de forma desconforme com a sua pretérita vinculação, face ao ali decidido).

Inexiste assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, qualquer causa de nulidade que afecte a redacção actual do art. 31º, nº 2 dos Estatutos da Ré, nomeadamente não violando o mesmo qualquer preceito legal de carácter imperativo.
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4.2.3. Voto por representação

Concretizando novamente, verifica-se que, reproduzindo a redacção inicial do artigo 39ºdos Estatutos da Ré o disposto no art. 53º, nº 1 do C.Coop. então em vigor, a que corresponde o art. 43º, nº 1 do actual - «É admitido o voto por representação, devendo o mandato, apenas atribuível a outro cooperador ou a familiar maior do mandante, constar de documento escrito e datado dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral, cabendo aos estatutos assegurar a autenticidade do instrumento de representação» -, viria depois a ser alterada, por deliberação de 14 de Junho de 2010, lendo-se agora na mesma disposição que é «admitido o voto por representação, devendo o mandato atribuído a outro delegado constar de documento escrito e datado dirigido ao presidente da mesa da assembleia geral».

Defende, porém, o Autor que a distinta natureza da representação em causa obstaria à solução consagrada estatutariamente pela Ré, uma vez que «nos cooperadores essa natureza é originária, decorre da sua adesão (filiação) à cooperativa», enquanto que «nos delegados a sua representação é sempre derivada, decorre de um mandato conferido pelos cooperadores em assembleia sectorial para o efeito convocada».

Contudo, dir-se-á que o art. 44º, nº 4 do actual C.Coop (art. 54º, nº 4 do anterior), ao determinar a adaptação às assembleias sectoriais dos arts. 33º a 43º do mesmo diploma (arts. 44º a 53º do anterior), não só permite, como impõe esta solução, quando - como é o caso já certificado - as assembleias gerais sejam necessária e totalmente compostas por delegados de cooperadores, eleitos em prévias assembleias sectoriais.

Acresce que, quando assim não suceda - isto é, quando se esteja perante a realização de uma assembleia sectorial da Ré -, valerá de novo a regra, adaptada, do art. 43º, nº 1 do actual C.Coop. (art. 53º, nº 1 do anterior), isto é, do cooperador ausente se fazer representar por outro, ou por um seu familiar.

Defendeu ainda o Autor que «se os cooperadores não elegerem delegados para determinada assembleia geral (o que é legalmente possível), isto é, se não quiserem estar representados por terceiros para o efeito mandatados, podem ser representados por outro cooperador ou familiar, nos termos definidos no Art. 43º, nº 1 do CCoop».

Contudo, dir-se-á que este raciocínio assenta no (já demonstrado) falso pressuposto de que, no caso da Ré, poderão coexistir assembleias gerais com participação directa de cooperadores e com representação destes por delegados.

Inexiste assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, qualquer causa de nulidade que afecte a redacção actual do art. 39º dos Estatutos da Ré, nomeadamente não ofendendo o mesmo qualquer preceito legal de carácter imperativo.
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela total procedência do recurso interposto pela Ré (X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.).
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Ré (X - Cooperativa Agrícola, C.R.L.), e, em consequência, em

· revogar integralmente a sentença recorrida, substituindo-a por decisão julgando a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido nela formulado contra si.
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Custas da acção e da apelação pelo Autor (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
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Guimarães, 18 de Outubro de 2018.

Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Martins Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha