Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
59/08.2IDVRL.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
EXTINÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: I) A suspensão da execução da pena é uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão.
II) Como tal, e uma vez que não existem penas imprescritíveis (exceto as aplicadas por genocídio, contra a humanidade e de guerra - artº 7º da lei nº 31/2004, de 22 de Julho) também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, se encontram sujeitas a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo tal prazo o previsto na al. d) do nº 1 do artº 122º do Código Penal.
III) Com efeito, a extinção da pena suspensa não é automática, carecendo de ser declarada, o que apenas pode ser feito depois de decorrido o prazo de suspensão e desde que não haja motivos que possam conduzir à sua revogação (artº 57º, nº 1, do CP). Assim, findo o período de suspensão, deve o tribunal averiguar da existência de qualquer condenação que obste à extinção da pena ou de processo ou incidente pendentes que possam determinar a sua revogação, porque neste caso a pena só será declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão (nº 2 do mesmo artigo).
IV) Significa isto que, uma vez decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão e da eventual prorrogação que tenha sido decidida, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção social, ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderá evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão, mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO
1. Nos presentes autos com o NUIPC 59/08.2IDVRL, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, pelo Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua - J2 (extinta Secção de Competência Genérica - J2, da Instância Local de Peso da Régua), em 12-07-2016 foi proferido despacho, a revogar, ao abrigo do disposto no art. 56º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal, a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido M. C. e a determinar o cumprimento da pena de um ano de prisão a que fora condenado.
2. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):
«CONCLUSÕES
I - O recurso é interposto do Douto Despacho datado 12.07.20 16, que revogou a suspensão da execução da pena de 1 ano de prisão aplicada ao recorrente, determinando o cumprimento da pena de 1 ano de prisão em que foi condenado, com fundamento no incumprimento da obrigação condicionante da suspensão.
II — O recurso versa sobre a matéria de direito, o que é legalmente admissível, pois os poderes de cognição deste Tribunal são de facto e de direito — artigo 428° do Código de Processo Penal.
III - Posto isto, por Douta Sentença proferida em 03.02.2012, transitada em julgado em 23.02.2012, o arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática, como autor material, de 1 crime de fraude fiscal qualificada, na pena de 1 ano de prisão, cuja execução foi declarada suspensa pelo período de 1 ano, sob condição de o condenado, no prazo de 1 ano, proceder ao pagamento do imposto em dívida nos autos, no montante de € 15.375,37.
IV - Em 03.03.2016, após o decurso do prazo prescricional de 4 anos, constatou-se que o recorrente não tinha procedido ao pagamento de qualquer quantia, conforme resulta informação junta a fis. 746, pela Autoridade Tributária.
V — Posteriormente, a fls. 761 e 761 V, o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena, terminando pedindo o cumprimento pelo arguido da pena de prisão de 1 ano.
VI — Em 28.04.2016, foi o recorrente notificado para se pronunciar sobre o teor da referida promoção do Ministério Público.
VII — Verificando-se o não cumprimento da obrigação condicionante da suspensão, só pelo sobredito despacho de 12-07-201 6, é que o tribunal a quo decidiu revogar a suspensão.
VIII — Ora, as penas de substituição constituem penas autónomas, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo elas mesmas suscetíveis de prescrição, se não forem cumpridas ou revogadas, o que vale tanto para multa de substituição e prestação de trabalho a favor da comunidade como para a pena suspensa, sendo o respetivo prazo prescricional de 4 anos — artigo 122°, n.° 1, alínea d), do Código Penal.
IX — Prescrição que, quanto à pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do artigo 122°, n.° 2, do Código Penal.
X — Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do Art.° 57°, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
XI — In casu, na data em que foi proferido o despacho recorrido (12-07-2016), já se encontrava extinta, por efeito da prescrição (que se operou no momento em que se completou o respetivo prazo — 23-02-2016), a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão.
XII — Assim, o Despacho impugnado violou o disposto nos artigos 50º, n.º 5, 56°, 57°, n°s 1 e 2, e 122 n.° 1, alínea d), e n.° 2, do Código Penal, pelo que deve ser revogado.
XIII — Nestes termos e, sobretudo, nos que serão objeto do douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se o despacho impugnado, declarando-se extinta, pelo decurso do prazo prescricional, a pena de substituição imposta ao arguido e, assim, definitivamente prejudicada a pena de prisão aplicada na sentença condenatória.»

3. A Exma. Procuradora Adjunta respondeu no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, porquanto o prazo prescricional da pena suspensa, que é de quatro anos, se conta da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125° e 126° do Código Penal, nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão, pelo que, atenta a data em que transitou em julgado a sentença (23-02-2012) e a data em que se completou o período da suspensão fixado (23-02-2013) a pena não está prescrita.
4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, emitiu parecer, entendendo que o recurso não merece provimento, uma vez que, no caso, sendo o prazo prescricional da pena de 4 anos e tendo-se o período de suspensão completado a 23-02-2013, torna-se evidente que à data do despacho de revogação aqui em questão (12-07-2016), não havia ainda decorrido aquele prazo.
5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do mesmo diploma, não houve resposta.
6. Efetuado exame preliminar, foram os autos submetidos à conferência, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. A decisão recorrida é do seguinte teor (transcrição):
«Por sentença proferida em 03/02/2012, transitada em julgado em 23/02/2012, o arguido M. C. foi condenado como autor material de um crime de fraude fiscal qualificada na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, condicionada ao pagamento, no mesmo prazo de um ano, do imposto em dívida nos autos, no montante de €15.375,37.
Na data de 03/03/2016 o arguido não tinha procedido ao pagamento de qualquer quantia, como resulta da informação junta a fls. 746, pela Autoridade Tributária.
Com vista nos autos, o MP promoveu a fls. 761-761v.º que se revogue a suspensão da execução da pena, determinando-se o cumprimento pelo arguido da pena de um ano de prisão.
Notificado para se pronunciar sobre o teor da referida promoção, em 28/04/2016 o arguido veio dizer que:
- em 18/04/2016 pagou ao Serviço de Finanças de Santa Marta de Penaguião a quantia de € 1.000;
- o sustento do seu agregado familiar é em boa parte assegurado pelo rendimento do trabalho da mulher, como professora, de aproximadamente € 1.100, sobre o qual incide uma penhora mensal de € 371,83;
- tem 2 filhos menores a seu cargo e paga mensalmente a quantia de € 340 de empréstimo para aquisição de habitação;
- a sua habitação está onerada com uma hipoteca voluntária e várias penhoras;
- o recheio da casa de morada de família está penhorado, o mesmo sucedendo com os veículos referidos;
- nos últimos anos procedeu ao pagamento de diversas multas penais;
- a sua situação financeira é inconstante e débil, razão pela qual não consegui pagar a quantia referida;
- se encontra a fazer um esforço para amealhar que lhe permitam cumprir a condenação, pretendendo entregar o remanescente do valor em dívida no prazo que prevê de 6 meses.
Termina, pedindo a prorrogação por mais 6 meses do prazo de suspensão para proceder ao pagamento da dívida nesse período.
Compulsados os autos, verifica-se, como se salienta na douta promoção referida, que:
- do relatório social de 06/01/2016, junto aos autos a fls. 719 e ss., consta que a manutenção dos elementos do agregado familiar do arguido é assegurada pelos rendimentos do trabalho da mulher, como professora (€1.300,00 mensais) e da ocupação regular do condenado na área da restauração, no contexto do estabelecimento comercial que a progenitora dispõe na Vila de Santa Marta de Penaguião; o agregado familiar do condenado vive numa moradia com muito boas condições de habitabilidade, possuindo o casal duas viaturas para utilização regular, pessoal e profissional; o condenado disse percepcionar viável disponibilizar entre €100,00 a €150,00 mensais para assunção dos encargos que decorrem com a sua ligação ao sistema da justiça;
- das declarações de rendimentos juntas aos autos resulta que o condenado, no ano de 2012, apresentou rendimentos no valor de €5.412,00, pagos por R. & F. Lda e, no ano de 2014, no montante de €4.192,20, pagos por J. Unipessoal Lda;
- da informação policial de fls. 759 resulta que o arguido conduz o veículo de matrícula …, da marca BMW; a mulher conduz o veículo da marca Mercedes Benz, de matrícula … e o companheiro da irmã do arguido conduz o veículo de matrícula …, da marca Renault, sendo que todos estão registados em nome da mulher do arguido.
Verifica-se também da análise dos autos que:
- os documento juntos pelo arguido no seu requerimento de 28/04/2016 comprovam que o arguido pagou, em 18/04/2016, ao Serviço de Finanças de Santa Marta de Penaguião a quantia de € 1.000; que a sua mulher, que é professora, aufere um vencimento mensal ilíquido de cerca de € 1.500, sobre o qual incidem os impostos e contribuições legais e uma penhora mensal de € 371,83; que a sua habitação está onerada com uma hipoteca voluntária e várias penhoras; e o recheio da casa de morada de família foi penhorado.
Entretanto, na sequência da notificação que lhe foi feita em 16/05/2016, o arguido veio informar e comprovar nos autos em 30/05/2016 o pagamento de mais € 500 nos Serviços de Finanças de Santa Marta de Penaguião e reafirmar o seu propósito de pagar o remanescente da dívida no prazo máximo de 6 meses.
De então para cá, o arguido não efectuou qualquer outro pagamento do remanescente da dívida.
Do exposto resulta que, não obstante os rendimentos que o arguido vem retirando das actividades que vem exercendo – apesar de dizer que vive dos rendimentos da mulher (em nome de quem estão os bens que possuem) e da ajuda que dá à mãe, no trabalho que presta no restaurante da mesma - e não obstante até ter dito que teria disponibilidade para pagar a quantia mensal entre €100,00 e 150,00 mensais o certo é que até hoje pagou apenas € 1.500 e, mesmo assim, apenas depois de ter conhecimento da promoção do MP no sentido de ser revogada a suspensão da pena de prisão.
Desde o trânsito em julgado da sentença em Fevereiro de 2012 até 18/04/2015, ou seja, durante mais de 4 anos, o arguido nada pagou, sendo certo que as suas condições económicas lhe permitiam, como o próprio afirmou, ter efectuado pagamentos parciais de, pelo menos, € 100 por mês.
Por outro lado, volvidos 2 meses desde o compromisso de proceder ao pagamento do remanescente da dívida em 6 meses, o arguido apenas pagou € 1.500 e nada mais, o que revela que pretende apenas ganhar tempo e que há um propósito sério de pagar e de cumprir a pena em que foi condenado e a condição que lhe foi imposta.
A conduta do arguido acima descrita revela que a razão subjacente à suspensão da execução da pena se mostrou inverificada e que o mesmo violou, de forma grosseira e culposa, a condição imposta na sentença.
Atento o exposto, ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal, revogo a suspensão da execução da pena, determinando o cumprimento pelo arguido da pena de um ano de prisão.
Notifique.»

2. De acordo com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respetivas motivações, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.
Assim, de acordo com as conclusões do recurso, a única questão suscitada é a da prescrição da pena de substituição.

3. Para a apreciação do recurso importa ter presentes os seguintes factos relevantes, que resultam dos autos:
- Por sentença de 03-02-2012, transitada em julgado em 23-02-2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo art. 105º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob condição de, nesse período, proceder ao pagamento do imposto em dívida nos autos, no montante de € 15.375,37 (fls. 557 a 571).
- Em 12-07-2016, foi proferido o despacho recorrido, a revogar essa suspensão da execução da pena, com fundamento em incumprimento grosseiro e culposo daquele dever.

4. Sendo a única questão suscitada no recurso a prescrição da pena de substituição, desde logo se constata que a mesma não foi apreciada na decisão recorrida, que apenas se pronunciou sobre a condição de pagamento imposta na sentença e, tendo considerado grosseira e culposa a infração desse dever, revogou a suspensão da execução da pena, sem se ter debruçado sobre a questão da prescrição.
Sucede que o recorrente não se insurge contra os fundamentos dessa decisão, não os questionando, pelo que não os impugna.
Na verdade, limita-se a invocar a prescrição da pena de substituição, alegando que esta constitui uma pena autónoma, a executar de imediato, em vez da pena principal, sendo ela mesma suscetível de prescrição, se não for cumprida ou revogada, sendo o respetivo prazo de quatro anos e contando-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, in casu, na data em que foi proferido o despacho recorrido, que revogou a suspensão da execução da pena (12-07-2016), já a pena suspensa decretada em substituição da pena de prisão se encontrava prescrita, pelo que se impõe declará-la extinta, por prescrição, não sendo, pois, possível a sua revogação.
Trata-se de uma questão nova que não foi suscitada na primeira instância nem foi objeto de conhecimento oficioso, pelo que sobre ela não existe decisão a reapreciar, tendo sido colocada pela primeira vez no recurso.
Salvo os casos restritos de questões de conhecimento oficioso, os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não criar novas decisões sobre matérias ou questões que não foram suscitadas ou conhecidas pelo tribunal recorrido.
Com efeito, é entendimento pacífico que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas pelos tribunais inferiores, visando apenas apurar a adequação e legalidade das mesmas, extraindo daí as consequências atinentes, e não a obter decisões sobre questões novas. O tribunal superior, tendo como missão apenas reapreciar questões colocadas anteriormente e não outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal recorrido(1).
Porém, sendo a prescrição de conhecimento oficioso, a verificar-se, deverá este tribunal da relação apreciá-la e declará-la, daí retirando os atinentes efeitos.
Sustenta o recorrente que, aquando da prolação do despacho recorrido, a revogar a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, aquela pena de substituição já se encontrava prescrita, pelo decurso do prazo de quatro anos previsto no artigo 122º, n.º 1, al. d), do Código Penal.
Vejamos se lhe assiste razão:
É indiscutível que a suspensão da execução da pena é, ela própria, uma pena autónoma, de substituição, distinta da pena principal de prisão.
Como tal, e uma vez que não existem penas imprescritíveis (exceto as aplicadas por crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra - art. 7º da Lei n.º 31/2004, de 22 de julho), também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, se encontram sujeitas a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo tal prazo o previsto na al. d) do n.º 1 do art. 122º do Código Penal (quatro anos)(2).
Com efeito, a extinção da pena suspensa não é automática, carecendo de ser declarada, o que apenas pode ser feito depois de decorrido o prazo da suspensão e desde que não haja motivos que possam conduzir à sua revogação (art. 57º, n.º 1, do Código Penal). Assim, findo o período de suspensão, deve o tribunal averiguar da existência de qualquer condenação que obste à extinção da pena ou de processo ou incidente pendentes que possam determinar a sua revogação, porque neste caso a pena só será declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou prorrogação do prazo de suspensão (n.º 2 do mesmo artigo).
Significa isto que, uma vez decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão e da eventual prorrogação que tenha sido decidida, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção social, ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderá evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão, mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional.
Conquanto não se estabeleça qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da execução da pena, o certo é que o condenado não pode ficar, indefinidamente, à espera que se declare a extinção da pena ou que a pena de substituição seja revogada.
Na situação vertente, a sentença condenatória foi proferida a 03-02-2012 e dela não foi interposto qualquer recurso, pelo que transitou em julgado em 23-02-2012 (art. 411º, n.º 1, na redação vigente à data).
De acordo com o disposto no art. 50º, n.º 5, do Código Penal, a execução da pena suspensa e o respetivo período de suspensão iniciaram-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, em 23-02-2012.
Concluindo pelo incumprimento grosseiro e culposo do dever estabelecido como condição da suspensão da pena, o tribunal a quo, em 12-07-2016, proferiu o despacho recorrido, a revogar a suspensão da execução da pena.
Sustenta agora o recorrente que não o devia ter feito, uma vez que nessa data já tinha decorrido o prazo de prescrição (quatro anos) da pena de substituição, contado desde o trânsito em julgado da sentença condenatória (23-02-2012).
Não restam dúvidas que, quanto à pena suspensa, a prescrição se conta a partir da data do trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 122º, n.º2, do Código Penal).
Porém, contrariamente ao que faz o recorrente, não podemos olvidar as causas de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição previstas nos art.s 125º e 126º do Código Penal.
Nos termos da al. a) do n.º 1 deste último artigo, constitui causa de interrupção da prescrição da pena a sua execução, o que, no caso de penas suspensas, se traduz no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão. E de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
Significa isto que a pena suspensa prescreve decorridos quatro anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado e o eventual período de prorrogação, sem que a suspensão tenha sido revogada ou a pena tenha sido extinta nos termos do artigo 57º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
No caso vertente, apesar do tempo que demorou a tramitação do incidente relativo ao incumprimento do dever condicionante, o certo é que o despacho recorrido, a revogar a suspensão da execução da pena, foi proferido ainda antes do decurso do prazo de prescrição, uma vez que este apenas se iniciou com o termo do período de suspensão (em 23-02-2013).
Nestes termos, não se encontra prescrita a pena de substituição.
Refira-se que o mesmo sucede com a pena principal de prisão, uma vez que o decurso do respetivo prazo de prescrição, in casu, também de quatro anos (art. 122º, n.º 1, al. d), do Código Penal), não pode ocorrer enquanto se mantiver a suspensão (pena de substituição).
Com efeito, só a revogação da suspensão da execução da pena determinará o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (pena principal).
Apesar de a revisão do Código Penal operada pelo DL n.º 48/95, de 15 de março, ter eliminado da al. c) do n.º 1 do atual art. 125º (correspondente à anterior al. b) do n.º 1 do art. 123º), a referência à “suspensão da execução da pena” como causa de suspensão da prescrição, com essa alteração o legislador não quis eliminar tal causa de suspensão da prescrição da pena principal, mas apenas a considerou desnecessária, por se tratar de um caso de cumprimento de pena, cabendo, por isso, na previsão da al. a) do preceito(3).
Assim, tendo presente que a suspensão da execução é uma verdadeira pena de substituição, entre o momento da prolação da sentença condenatória e o da revogação da suspensão da pena, a execução da pena (principal) de prisão não pode ser legalmente iniciada, pelo que, durante tal período de tempo, o prazo prescricional se mantém suspenso, nos termos do artigo 125.º, n.º1, al. a), do Código Penal. Consequentemente, só com a decisão que revogue a pena substitutiva e determine a execução da prisão é que se inicia o prazo de prescrição desta pena principal.(4)
No caso em apreço, tendo o despacho que revogou a suspensão da execução da pena sido proferido em 12-07-2016 (despacho recorrido), claramente se constata que a pena principal também ainda não prescreveu.
Improcede, pois, o recurso.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo condenado M. C..

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (art.s 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 20 de fevereiro de 2017
_______________________________________
(Jorge Bispo)
_________________________________
(Pedro Cunha Lopes)


(1) - Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 25-11-2009 (processo n.º 397/03.0GEBNV.S1) e de 25-03-2010 (processo n.º 76/10.2YRLSB.S1), disponíveis em http//www.dgsi.pt.
(2) - Cf. acórdão do STJ de 13-02-2014 (processo n.º 1069/01.6PCOER-B.S1), disponível em http//www.dgsi.pt.
(3) - Vd. Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª ed., p. 466.
(4) - Cf. acórdãos do STJ de 19-04-2007 (processo n.º 07P1431) e de 09-10-2013 (processo n.º 263/07.0PTALM-A.S1); e do TRE de 10-07-2007 (processo n.º 912/07-1), disponíveis em http//www.dgsi.pt.