Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
489/17.9T8AVV.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: SEGURO DESPORTIVO OBRIGATÓRIO
INDEMNIZAÇÃO POR INCAPACIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO DE AUTOR E RÉ
Decisão: IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DO AUTOR E PROCEDENTE A APELAÇÃO DA RÉ
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O Dec.-Lei nº 10/2009 de 12 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico do Seguro Desportivo Obrigatório, tem como fundamento a necessidade de proteger o praticante desportivo que se enquadra no seu âmbito em caso de acidente pelo que tal contrato contem elementos necessários impostos por normas imperativas e elementos negociais estabelecidos no quadro da autonomia das partes.
II- O seguro desportivo está configurado como um misto de seguro de pessoas e de bens.
III- Neste seguro, na fixação da atribuição patrimonial concreta devida em caso de invalidez permanente parcial, não se deve atender aos critérios usualmente utilizados na jurisprudência para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, antes tal atribuição patrimonial deve ser apurada mediante cálculo matemático em função do grau de incapacidade fixado, único critério previsto no art. 16º nº 1 d) desse diploma.
IV- Do referido diploma não se retira a obrigatoriedade de ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pelo praticante desportivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

L. P. instaurou contra Seguradoras ..., S.A. (ex-Companhia de Seguros X, S.A.) e Rede Nacional de Assistência, S.A. (R.N.A, S.A.) a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia global de € 39.935,83, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, contados desde citação até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, que no dia 21 de Outubro, de 2014, sendo praticante amador de “rugby”, no decurso de um treino que estava a decorrer no recinto desportivo do “Clube de Rugby ...” (CR...), sofreu um choque de um seu colega do clube que lhe provocou a rotura do LCA (ligamento cruzado anterior), a rotura do LCP (ligamento cruzado posterior) e rotura do PAPL do joelho esquerdo e que em virtude deste acidente desportivo sofreu vários prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial, cujo ressarcimento reclama.
Mais refere que os responsáveis pelo pagamento da indemnização peticionada são a ré seguradora uma vez o “Clube de Rugby ...” tinha contratado com esta última um seguro de acidentes pessoais que cobria sinistros como o verificado e a ré Rede Nacional de Assistência, S.A., neste caso porque foi com esta ré que manteve todos os contactos necessários para levar a cabo todos tratamentos a que foi submetido e também porque foi esta que pagou as reabilitações e parte das despesas que teve com os tratamentos, isto sem que jamais, e apesar de solicitado, quer a 1ª, quer a 2ª ré, lhe tenham facultado a apólice do seguro em causa.
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A ré Rede Nacional de Assistência, S.A. alegou, antes de mais, ser parte ilegítima na acção uma vez que nem a Federação Portuguesa de Rugby, por intermédio da respectiva associação, inscrevem os seus atletas naquela entidade, nem o CR... celebrou consigo qualquer tipo de contrato. Esta ré não é seguradora, mas apenas a entidade responsável pela gestão de sinistros contratada pela 1ª R. Mais alegou que os danos não patrimoniais peticionados não são devidos uma vez que o ressarcimento dos mesmos se encontra excluído do contrato de seguro celebrado entre o CR... e a 1ª ré. Quanto aos danos patrimoniais, algumas das despesas cujo reembolso vem peticionado – como as despesas decorrentes de deslocações de táxi, as despesas com a avaliação isocinética, etc. – também não têm cobertura no âmbito do citado contrato de seguro.
Conclui pedindo que seja considerada parte ilegítima na acção com a consequente absolvição da instância ou que, assim não se entendendo, que seja a acção julgada improcedente, sendo absolvida do pedido.
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A ré seguradora reiterou o referido pela 2º ré quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais. Mais referiu que a resultar provado que o autor sofre de alguma incapacidade para o trabalho, apenas terá direito à parte do capital seguro que couber no caso em função da percentagem da incapacidade que se vier a apurar, com o limite de € 30.000,00.
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Notificado para o efeito, veio o autor, ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº 3 do CPC, responder à matéria de excepção (quer a dilatória, quer a que se prende com o mérito da causa), mantendo, no essencial, o alegado na p.i..
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Procedeu-se a audiência prévia sendo que na mesma foi proferido despacho saneador (no âmbito do qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela 2ª ré), foi identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os requerimentos probatórios.
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Após audiência de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos em parte:

“Pelo exposto, na procedência parcial da acção, o Tribunal decide:
- Condenar a R. Seguradoras ..., S.A. a pagar ao A. L. P. a quantia de 6.675,00 € (seis mil seiscentos e setenta e cinco euros), a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento;
- Absolver a R. Rede Nacional de Assistência, S.A. do pedido. (…)
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Não se conformando com esta sentença veio o autor dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1ª – O recorrente tem como incorretamente julgados, no cumprimento do disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 640º, do C.P.C., os factos dados como não provados sob os itens 3, 4 e 10, dos factos dados como não provados:
2ª – Existindo, todavia, concretos meios probatórios constantes no processo e no registo de gravação que impunham que os mesmos sejam dados como provados, pelo que se deixam expressamente impugnados;
3ª – Como resulta das declarações de parte do recorrente - 00:00:01 a 00:39:53 (10h13m48s a 10h53m42s, e das testemunhas, J. M., passagens 00:00:01 a 00:23:41 (das 11h06m30s às 11h30m10s), G. B. passagens 00:00:01 a 00:17:16 (das 11h48m19s às 11h53m59s), e C. L., passagens 00:00:01 a 00:06:13 (das 12h18m34s às 12h24m47s;
4ª – Com a particularidade, quanto ao facto dado como não provado sob o nº 4, há uma manifesta concatenação, que escapou à sentença recorrida, com o relatório pericial, no que respeita à Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer que fixou no grau 4/7, o que, na prática, significa que o recorrente não pode praticar desporto;
5ª – No que respeita ao facto sob o nº 10, devem os indicados depoimentos concatenar-se com o doc. nº 3, da p.i. e o período das viagens de táxi documentadas;
6ª – E, tendo ainda em conta as regras da experiência e a prova por presunções, prevista no artigo 349º, do Código Civil, tudo conjugado, os factos dados como não provados deverão ser dados como provados;
7ª – Considerada, assim, a matéria de facto, dada como provada, a sentença do Tribunal a quo, que condenou a recorrida, Seguradoras ..., SA, a pagar ao recorrente a indemnização de € 6.675,00 é escassa;
8ª – Sendo-o desde logo, o valor a título de danos não patrimoniais, de € 6.000,00, porquanto, atentos os factos dados como provados – 3, 4, 5, 9, 10, 11, 12, 3, 15, 16, 21 a 27, sobretudo, bem como os dados como não provados e que o recorrente considera devendo sê-lo e, bem assim, o considerado na motivação da decisão recorrida, são substrato suficiente para a quantia pedida de € 8.000,00, assim devendo fixar-se;
9ª – Já quanto ao dano biológico – danos patrimoniais, não é defensável o cálculo puramente aritmético vertido pela sentença recorrida de aplicação, sem mais, da percentagem de 2% sobre o capital de € 30.000,00, atribuindo a esse título, € 600,00;
10ª – É que, como é jurisprudência maioritária, de que se exemplifica com os acórdãos do STJ de 09 de Julho, de 2018, e o acórdão deste Tribunal, de 03/10/2019 – Procº 225/17.0T8CBC.G1, “O apuramento do montante de capital devido ao segurado é determinado pela extensão do dano e não apenas pela extensão da incapacidade decorrente do dano”;
11ª – Por osso, andou mal a sentença recorrida, quando considerou que “…a fórmula de alcançar a indemnização devida em caso de “invalidez permanente” (no caso apenas parcial) está devidamente plasmada no clausulado do contrato de seguro celebrado entre a 1ª R. e o “Clube de Rugby ...”, designadamente no ponto 2 do artigo 3º das Condições Gerais da Apólice”.
12ª – Tal cláusula, se interpretada em conformidade com a sentença recorrida é nula, por contrariar norma imperativa, como é o D.L. nº 10/2009, de 12/01, que versa sobre um seguro obrigatório para todos os agentes desportivos, na sequência do previsto na Lei de Bases nº 5/2007, de 16 de Janeiro, assim devendo declarar-se;
13ª – Ora, tendo o recorrente à data do sinistro, 20 anos de idade e sendo estudante universitário, não possuindo atividade economicamente remunerada, há que considerar como bitola o salário mínimo mensal nacional à data, que era de € 580,00, bem assim como os anos de esperança de vida, que era de 50 anos, atento que hoje se considera 70 anos como limite de esperança média de vida;
14ª – Pelo que, € 580,00X14X50X2% = € 8.120,00 (Oito mil, cento e vinte euros);
15ª - Somando este valor, a título de danos patrimoniais, com o valor dos danos não patrimoniais, teria o recorrente direito a ser indemnizado pelo valor global de € 16.120,00, o que cabe no seio, quer do valor contratado (€ 30.000,00) quer, naturalmente, no legalmente obrigatório, que é menor - € 25.000,00 (artigo 16º, do D.L. nº 10/2009, de 12/01);
16ª - Todavia, como se diz no acórdão de referência, no que se respeita e concorda, há que recorrer à equidade, uma vez que o recorrente recebe o quantum de uma só vez;
17ª - Pelo que se tem por equitativo, a título de dano biológico, € 6.500,00, a que acrescem os danos não patrimoniais, no valor de € 8.000,00, tudo totalizando, incluindo as despesas ainda por pagar, € 14.575,00 (Catorze mil quinhentos e setenta e cinco euros), acrescida dos juros de mora em conformidade com a decisão recorrida;
18ª - A sentença recorrida violou, assim, o D.L. nº 10/2009, no seu preâmbulo e os artigos 4º, 5º, 6º e 16º, al. c), e incorreu em erro de interpretação e em erro de julgamento.”
Pugna pela revogação da sentença que deve ser substituída por acórdão em conformidade, maxime a indemnização referida.
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A 1ª ré apresentou contra-alegações e recurso subordinado formulando as seguintes conclusões:

“1-A ora recorrida conforma-se de todo com a douta Sentença proferida pelo douto Tribunal recorrido, no que concerne ao valor arbitrado a título de Incapacidade Parcial Permanente
2-Tendo em atenção o contrato de seguro celebrado estavam garantidos, entre outros, em caso de sinistro e até ao respectivo limite os seguintes capitais e coberturas:
Invalidez Permanente: 30 000,00€
Despesas de Tratamento: 10 000,00€.
3-0ra, ficou provado que o autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 2 (dois) pontos, o autor terá direito à parte do capital seguro em função da percentagem da incapacidade de que ficou portador tudo nos termos do disposto no art°3, 2.3 e 2.5 das condições gerais da apólice juntas ao autos.
4-0 valor a receber pelo autor é o fixado na douta sentença, ou seja, 600 €, resultantes da multiplicação do valor do capital garantido (30.000€) pelo grau de Incapacidade (2 pontos) de que ficou a padecer, razão pela qual a ora recorrente pugna pela manutenção na íntegra da Sentença recorrida.
5-0 contrato de seguro celebrado não tem qualquer cobertura para pagamento de danos morais ou não patrimoniais.
6-0 pedido formulado pelo recorrente a título de dano não patrimonial, deverá improceder totalmente, na medida em que, o douto tribunal a quo fez errada interpretação da apólice em causa e dos pressupostos para a condenação por indemnização decorrente de danos não patrimoniais.
7-0 seguro de acidentes pessoais e apólice em causa nos autos prevê e estipula coberturas bem específicas e delimitadas, nomeadamente a cobertura de morte ou invalidez permanente com um limite de 30.000,00€.
8-As condições gerais aplicáveis ao contrato de seguro em causa nos autos definem claramente a forma de cálculo da indemnização a atribuir nestes casos e o que se prevê é que - verificados todos os pressupostos enunciados na cláusula em questão, " a SEGURADORA pagará a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorizações anexa a estas Condições Gerais"
9-A interpretação do contrato de seguro que é feita na douta Sentença ora recorrida extravasa, completamente, o âmbito do contrato de seguro em causa e das coberturas nele contidas, não tendo no texto do contrato de seguro qualquer correspondência, pelo que é um interpretação abusivamente extensiva e contrária à índole do contrato em causa.
10-A fundamentação da Sentença ora recorrida parte desde logo de um pressuposto errado, que é o da aferição da motivação que está por detrás do pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais.
11-0 contrato de seguro de acidentes pessoais é isso mesmo um contrato de seguro que prevê o pagamento de despesas médicas, medicamentosas, e de uma indemnização no caso de morte ou invalidez permanente nos expressos termos e limites definidos na condições particulares.
12-Assim que, e ainda que se esqueçam as limitações e coberturas do contrato de seguro em causa, e se queira fazer uma interpretação supra extensiva ao mesmo, jamais poderia a ora recorrente ser condenada a pagar qualquer indemnização que não aquela que contratualmente seja definida, por ausência de responsabilidade civil da ora ecorrente e da sua segurada.
13-A fundamentação da Sentença ora recorrida parte desde Jogo de um pressuposto errado que é a questão de a indemnização por danos patrimoniais estar ou não excluída da cobertura da apólice.
14-Essa questão não está prevista nas exclusões da apólice porque a índole do contrato de seguro de acidentes pessoais não tem uma natureza indemnizatória como têm os contratos de seguro de responsabilidade civil.
15-Posto isto, não assiste ao recorrente o direito a receber qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais, pelo que, também nesta sede, o seu recurso terá forçosamente que improceder e ser a ora recorrida absolvida do valor reclamado a título de dano não patrimonial.
Pugna pela alteração da decisão recorrida nos termos referidos.
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Os recursos foram admitidos como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto ao dar como não provados os factos aí constantes sob os nº 3,4 e 10.
B) E apurar se ocorreu erro na subsunção jurídica, aqui apreciando, quer o recurso principal, quer o recurso subordinado.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. O autor foi praticante amador de rugby no “CR... – Clube de Rugby ...”, que tem a sua sede na Piscina Municipal de …, em ….
2. No dia 21/10/2014, entre as 20 e as 22, 22h30m, no decurso de um treino no recinto desportivo do “CR...”, também situado em …, o autor sofreu um choque de um seu colega do clube que lhe provocou rotura do LCA, rotura do LCP e rotura do PAPL do joelho esquerdo.
3. Em consequência do referido em 2, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica no Hospital da Prelada, na cidade do Porto, em 05/11/2014, que consistiu numa Ligamentoplastia do LCA com O-T-O com STG com via astroscópica e reconstrução do PAPE do joelho esquerdo.
4. O autor teve alta em 08/11/2014, tendo-lhe sido recomendado tratamento fisiátrico urgente, para o que as rés, ou uma delas, pelo menos, deveriam enviar um termo de responsabilidade para a entidade dirigida pelo Sr. Dr. G. B., médico fisiatra.
5. Em 16/03/2015, apesar de cumprir plano de reabilitação funcional na Fisiatria, com melhoria clínica gradual, ainda era previsível um tempo global de tratamento nunca inferior a 9 meses.
6. Em 01/04/2015 o autor questionou a 2ª ré sobre a necessidade de emissão do termo de responsabilidade para o médico fisiatra e sobre o pagamento da ortótese de bloqueio do arco articular, cujo custo ele suportara.
7. A 2ª ré respondeu em 15/04/2015 informando que havia solicitado ao Dr. G. B. o envio da prescrição de fisioterapia por forma a assumir directamente com este último o pagamento das sessões.
8. Em 11/12/2014 a 2ª ré informou o Clube de Rugby ... que, caso o autor pretendesse efectuar as sessões de fisioterapia fora da sua rede, as primeiras sessões, com o limite de 15 a 20, se encontravam autorizadas, e que no final das mesmas seria necessário novo relatório clínico com evolução clínica do autor e pedido de continuação da fisioterapia com indicação do número de sessões necessárias.
9. Para o efeito o autor efectuou um exame de Avaliação da Força através do dinamómetro Isocinético Humac Norm, pelo qual pagou € 75,00.
10. E, posteriormente, em 14/10/2016, efectuou um exame de Avaliação Isocinética.
11. Realizados os referidos testes concluiu-se que o autor “manifestou um défice funcional na execução do teste para excentricidade dos Isquiotibiais no MIE (involved), por manifesta limitação estrutural/articular…”, e que “…o atleta apresenta défices patológicos (15% 15,8%) do Pek Torque no MIE e verifica-se uma assimetria ainda maior (19,4%-48,2%) na produção de trabalho muscular…O Índice de Fadiga é marcadamente elevado para os Isquiotibiais do MIE (involved);”, “Por isso…consideramos que existe um risco elevado de lesão”.
12. O autor continuou a frequentar as sessões de fisioterapia.
13. O autor, em consequência do sinistro sofrido, ficou a padecer de Défice Funcional Permanente na Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos em 100.
14. O autor andou de canadianas entre seis a oito meses.
15. À data do acidente o autor era estudante de engenharia mecânica na cidade do Porto.
16. O que o obrigou a recorrer ao transporte de táxi, quer para a fisioterapia, quer para as aulas da faculdade, cujas despesas as rés foram ressarcindo.
17. O autor, em 11/11/2015, requereu junto das rés o reembolso do montante de €2.051,93 respeitante a despesas de deslocações de táxi, avaliação isocinética, ressonância magnética articular, ortótese de bloqueio do arco articular e despesas com o Hospital da Prelada.
18. Desse valor a 2ª ré apenas reembolsou o autor no montante de € 191,60 referente aos custos por este reembolsados com a realização da ressonância magnética articular, consultas, joelheira e Raio-X.
19. O autor nasceu no dia 18/12/1993.
20. É engenheiro mecânico.
21. O autor, em virtude do sinistro, sofreu dores, deixou de praticar o seu desporto favorito e teve incómodos e transtornos no transporte, quer para as aulas, quer nas deslocações às sessões de fisioterapia.
22. Para além disso sente dores provocadas por movimentos com o joelho esquerdo, dores que se agravam na mudança de estação ou de tempo.
23. O autor ficou com uma limitação nesse mesmo joelho na medida em que realiza uma flexão de apenas um arco de 0º a 110º.
24. Em virtude da cirurgia a que foi sujeito são visíveis no joelho do autor quatro cicatrizes lineares, não hipertróficas, uma na face interna do joelho, com 2 cm; outra na face anterior, com 7 cm; outra na lateral, com 11 cm; e outra na face ántero-interna da perna, com 5 cm.
25. E ficou ainda a padecer de ligeira amiotrofia da coxa de 1 cm.
26. O autor sofreu desgosto e angústia em virtude do referido em 24.
27. E ficou também muito desgostoso e triste por não poder continuar a praticar rugby, como anteriormente ao sinistro o fazia.
28. Na data referida em 1 encontrava-se em vigor um contrato de seguro de “acidentes pessoais” celebrado entre o “Clube de Rugby ...” e a 1ª R., titulado pela apólice n.º 14.00069533, junto a fls. 47 a 58 e reverso, cujo teor aqui damos por reproduzido.
29. Nos termos das Condições Particulares desse contrato, as coberturas do mesmo, entre outras, eram as seguintes:
- Morte por acidente, sendo o capital seguro por pessoa de € 30.000,00;
- Invalidez permanente por acidente, sendo o capital seguro por pessoa de € 30.000,00;
- Despesas de tratamento e de repatriamento, sendo o capital seguro por pessoa de € 10.000,00.
30. O artigo 2º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe o seguinte sob a epígrafe “OBJECTO DO CONTRATO”:
“Nos termos e limites definidos nas Condições Especiais, se as houver, e Particulares da Apólice, o contrato garante, consoante as coberturas contratualizadas, o pagamento das indemnizações ou prestações devidas…” nos termos referidos em 29, “…em consequência de acidente emergente do risco Extra Profissional, única e exclusivamente, quando o Segurado/Pessoa Segura estiver no exercício de uma actividade desportiva, cultural ou recreativa: quer em competição, treino, estágio, preparação, ensaio ou actuação, quer em representação ou sob o patrocínio do Tomador de Seguro e, ainda, nas deslocações de e para os locais onde a mesma tenha lugar, desde que realizadas em grupo, em veículo do próprio Tomador do Seguro ou a este cedido ou alugado”.
31. O nº 2 do artigo 3º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe, para além do m ais, o seguinte sob a epígrafe “DEFINIÇÃO E ÂMBITO DAS COBERTURAS”, “INVALIDEZ PERMANENTE”:
“2.1 Entende-se por Invalidez Permanente a perda anatómica ou impotência funcional de membros ou órgãos que, em consequência de lesões corporais resultantes de acidente coberto pela apólice, se encontre especificada na Tabela de Desvalorizações anexa a estas Condições Gerais e que faz parte integrante desta apólice.
2.2 O capital seguro por Invalidez Permanente só é devido se a mesma for clinicamente constatada no decurso de dois anos a contar da data do acidente.
2.3 Verificados os pressupostos enunciados em 2.1 e 2.2, o Segurador pagará a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorizações anexa a estas Condições Gerais.
2.4 …
2.5 As indemnizações são calculadas objectivamente, isto é, considerando apenas a percentagem de Invalidez Permanente Independentemente do Segurado/Pessoa Segura poder ou não praticar a actividade desportiva a que se dedicava.
2.6 …
2.7 …
2.8 …
2.9 …
2.10 A Incapacidade funcional parcial ou total de um membro ou órgão é equiparada à correspondente perda parcial ou total.
2.13 Só haverá lugar a indemnização desde que a desvalorização ou soma das desvalorizações seja igual ou superior a 10 % (dez por cento), salvo convenção em contrário e mediante aplicação do sobreprémio correspondente. …”.
32. O nº 6 do artigo 3.º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe, para além do mais, o seguinte sob a epígrafe “DESPESAS DE TRATAMENTO E DE REPATRIAMENTO”:
“6.1 Por Despesas de Tratamento entendem-se as relativas a honorários médicos e internamento hospitalar, incluindo assistência medicamentosa e de enfermagem, bem como de exames auxiliares de diagnóstico e de fisioterapia que forem necessárias em consequência do acidente.
6.2 …
6.3 O Segurador procederá ao reembolso, até à importância para o efeito fixada nas Condições Particulares, das despesas necessárias para o tratamento das lesões sofridas, bem como das despesas extraordinárias de repatriamento.
6.4 No caso de ser necessário tratamento clínico regular, e durante todo o período do mesmo, consideram-se também incluídas as despesas de deslocação ao médico ou Unidade Hospitalar, quando indicados e/ou convencionados pelo Segurador e desde que o meio de transporte utilizado seja adequado à gravidade da lesão e devida e clinicamente fundamentado pelo médico assistente do Segurado/Pessoa Segurada e consequente parecer dos Serviços Técnicos e Clínicos do Segurador.
33. O artigo 5.º das Condições Gerais da apólice de seguro supra referida dispõe, para além do mais, o seguinte sob a epígrafe “EXCLUSÕES”:
“Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Especiais, quando as houver, e Particulares, excluem-se:
1.1 Acidentes consequentes de acções ou omissões do Tomador do Seguro, do Segurado/Pessoa Segura ou do Beneficiário, sempre que as mesmas estejam influenciadas por consumo excessivo de álcool… e estupefacientes fora da prescrição médica, substâncias psicotrópicas ou produtos de efeito análogo;
1.2 Acidentes consequentes de acções delituosas ou seja criminosas, negligência grave, e quaisquer actos intencionais do Segurado/Pessoa Segura, praticados sobre si próprio, tal como o suicídio ou tentativa deste, incluindo actos temerários, apostas, desafios e rixas;
1.3 Acidentes consequentes de acções delituosas ou seja criminosas, negligência grave, e quaisquer actos intencionais do Tomador de Seguro ou do Beneficiário, dirigidos contra o Segurado/Pessoa Segura, na parte do benefício que àquele respeitar, ou a quem este quiser beneficiar;
1.4 Acidentes ou eventos que produzam unicamente efeitos psíquicos;
1.5 Acidentes resultantes da utilização pelo Segurado/Pessoa Segura de veículos motorizados de duas ou três rodas, motoquatro (ATV) e de aeronaves não pertencentes a carreiras comerciais autorizadas;
1.6 Acidentes derivados da prática profissional de desportos;
1.7 Acidentes derivados da prática de desportos de Inverno, prática de ski na neve e aquático, surf, snowboard, boxe, karaté e outras artes marciais, tauromaquia, para-quedismo, parapente, asa delta, ultraleves, alpinismo, barrage/saltos em equitação, espeleologia, anooing, escalada, rappel, bungee jumping, pesca submarina, mergulho com escafandro autónomo, motonáutica, motorismo e outros desportos e actividades análogas, na sua perigosidade;
1.8 Acidentes resultantes de cataclismos da natureza, tais como ventos ciclónicos, terramotos, maremotos e outros fenómenos análogos nos seus efeitos e ainda acção de raio;
1.9 Acidentes resultantes de explosão ou quaisquer outros fenómenos directa ou indirectamente relacionados com a desintegração ou fusão de núcleos de átomos, bem como os efeitos da contaminação radioactiva e de exposição a campos magnéticos;
1.10 Acidentes consequentes de greves, distúrbios laborais, tumultos, alteração de ordem pública, actos de terrorismo e sabotagem, insurreição, revolução, guerra civil, invasão e guerra contra País estrangeiro (declarada ou não) e hostilidades entre nações estrangeiras (quer haja ou não declaração de guerra) ou actos bélicos provenientes directa ou indirectamente dessas hostilidades;
1.11 Acidentes derivados de uma doença ou estado patológico preexistente, assim como lesões que sejam consequência de intervenções cirúrgicas ou tratamentos médicos não motivados por um acidente garantido por este contrato;
1.12 Hérnias qualquer que seja a sua natureza, lumbagos, reumatismo, varizes e suas complicações;
1.13 Os acidentes resultantes da inobservância das disposições preventivas das leis e regulamentos em geral e em especial os concernentes à prática das diversas actividades desportivas, culturais e recreativas;
1.14 Defeitos físicos ou doenças que possam agravar o risco de acidente ou as suas consequências;
1.15 Transplante de membros ou órgãos, cirurgia plástica e danos em próteses pré existentes, bem como as ortóteses;
1.16 S.I.D.A. – Síndroma de Imunodeficiência Adquirida e suas consequências;
1.17 As pessoas com idade inferior a 3 anos e superior a 70 anos;
1.18 Todas as situações do foro patológico, como acidentes vasculares cerebrais e acidentes cardio-vasculrares.”
34. A cláusula 7 do “Manual de Procedimentos” junto a fls. 49 a 54 – cujo teor se dá por reproduzido – estipula o seguinte: “Não serão liquidadas despesas com veículos particulares ou táxis senão quando devidamente autorizadas pela RNA – REDE NACIONAL DE ASSISTÊNCIA”.
35. A 2ª ré não desenvolve a actividade seguradora, sendo que o seu objecto social é a prestação de serviços, gestão, assistência e consultadoria a pessoas e bens no ramo de qualquer sinistro. Gestão de quadros clínicos e outros. Prestação de serviços médicos e outros.
36. A 2ª ré é a entidade responsável pela gestão de sinistros contratada com a 1ª ré.
37. O exame isocinético destina-se a avaliar a função dinâmica dos músculos através da avaliação quantitativa do arco de movimento, da força e de variáveis do desempenho muscular com vista a aferir se é possível retomar a prática desportiva com segurança.
*
Com relevância para a boa decisão da causa não se provou:

1. O autor efectuou as sessões de fisiatria referidas no ponto 12 do elenco de factos provados até Abril de 2017 a suas expensas, sem que as rés tenham procedido ao respectivo reembolso.
2. Para além do referido no ponto 17 do elenco de factos provados o autor reclamou junto da 2ª ré o pagamento de mais do que uma avaliação isocinética.
3. Para além do referido no ponto 23 do elenco de factos provados o autor não pode dobrar o joelho.
4. Para além do referido no ponto 27 do elenco de factos provados o autor ficou também muito desgostoso e triste por não poder continuar a praticar desporto.
5. O autor é engenheiro civil.
6. O autor também contactou com a 1ª ré nos termos referidos no ponto 6 do elenco de factos provados.
7. A 1ª ré também respondeu ao autor nos termos referidos no ponto 7 do elenco de factos provados.
8. A 1ª ré também contactou o “Clube de Rugby ...” nos termos referidos no ponto 8 do elenco de factos provados.
9. Para além do referido no ponto 13 do elenco de factos provados, o autor, em consequência do sinistro sofrido, ficou a padecer de Défice Funcional Permanente na Integridade Físico-Psíquica de 15 pontos em 100.
10. O autor andou de canadianas entre nove a doze meses.
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A) Reapreciação da matéria de facto

Insurge-se o autor contra os factos não provados sob os nº 3, 4 e 10 defendendo que os mesmos devem ser julgados provados baseando-se nas declarações de parte do autor, nos depoimentos das testemunhas J. M., G. B., C. L. quanto ao primeiro facto; nas declarações de parte do autor, nos depoimentos das testemunhas G. G. e C. L. e relatório pericial quanto ao segundo; e por fim nas declarações de parte do autor, nos depoimentos das testemunhas G. B. e C. L., doc. nº 3 junto com a petição e o período das viagens de táxi documentadas.
A 1ª ré pugna pela manutenção de tais factos não provados.

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Não deixando de ter presente que o tribunal da 1ª instância, por força da imediação, é o tribunal melhor posicionado para proceder ao julgamento de facto, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas.
Uma vez que, no caso em apreço, o apelante assinala os pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados, a decisão que deve ser proferida e indica os concretos meios probatórios em que se baseia inexiste fundamento de rejeição de recurso nesta parte.
Tendo por base estas considerações importa analisar os factos acerca dos quais o apelante discorda.

- facto não provado nº 3
É de manter este facto como não provado na medida em que só assim é compatível com o facto provado nº 23, sendo que este facto resulta do relatório médico-legal, que não foi posto em causa.
Desde logo, lê-se neste relatório que a queixa do autor a nível funcional, não é não conseguir “dobrar o joelho”, mas a “limitação de mobilidade do joelho esquerdo, na flexão” e a nível situacional “dificuldade em (…) em realizar qualquer movimento para o qual seja necessário seja necessária uma flexão completa do joelho esquerdo” e do exame objectivo resulta “mobilidades diminuídas nos últimos 10º de flexão, realizando um arco de 0º a 110º (lado contranatural de 0º a 120º)”. Ora, tendo em atenção que a amplitude articular do joelho pode ir de 0º a 140º (vide pt.wikipedia.org/wiki/Joelho), o facto do autor conseguir uma flexão de 0º a 110º, de modo algum, pode corresponder em termos leigos a não conseguir dobrar o joelho, mas equivale a conseguir dobrá-lo, mas não totalmente.
Se atentarmos nas declarações do autor e das testemunhas médicas (J. M. e G. B.) o facto pretendido dar como provado não resulta das suas declarações (veja-se que a primeira testemunha referiu ter aconselhado ao autor fazer corrida ou bicicleta, o que não seria possível caso i autor não conseguisse dobrar o joelho).

- facto não provado nº 4
Este facto deve continuar como não provado uma vez que, de modo algum, se apurou que o autor, depois do sinistro, não consiga praticar desporto, o que o deixou desgostoso e triste.
Uma vez mais esta matéria é estritamente técnica do âmbito da medicina, mais concretamente da ortopedia, pelo que, não obstante vigorar nesta sede o princípio da livre apreciação das provas, há que dar crédito às conclusões dos profissionais desta área plasmadas no relatório médico-legal quando não afastadas por outras conclusões de outros profissionais da mesma área. Neste relatório consta como conclusão que a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer foi fixada em 4/7.
Acresce que se atentarmos nas declarações do autor resulta que ele admitiu poder praticar desporto ainda que de forma limitada, mas referiu não o fazer por receio, pois teme agravar a lesão. A testemunha G. B., médico fisiatra, referiu ter-lhe dito que podia andar de bicicleta ou correr,

- facto não provado nº 10
Também é de manter este facto como não provado uma vez que foi o próprio autor que referiu ter andado de canadianas entre 6 ou 8 meses tal como consta do facto provado nº 14. Se é certo que as testemunhas G. B. e C. L. aludiram ao facto do autor ter andado de canadianos as mesmas não precisaram durante quanto tempo o fez.
Do doc. nº 3 junto com a petição – declaração datada de 16/03/2015 e subscrita pelo Dr. J. M. - consta apenas: “Tem vindo a cumprir plano de reabilitação funcional na Fisiatria, com melhoria gradual. É previsível um tempo global de tratamento nunca inferior a 9 meses”. Ora, do facto do tratamento global não ser inferior a 9 meses não se pode retirar que andou de canadianas durante todo o tratamento, pois o que é natural é deixar de as usar com o avançar da fisioterapia e consequente obtenção de resultados. O mesmo se pode dizer acerca do “período das viagens de táxi documentadas”, pois o facto de ter necessitado de andar de táxi para se deslocar para as sessões de fisioterapia não é necessariamente coincidente com o facto de durante esse período ter andado sempre de canadianas, pois podia estar suficientemente bem para deixar de usar canadianas, mas não o suficiente para caminhar uma longa extensão e prescindir do táxi.
Pelo exposto, mantêm-se os factos provados e não provados.
*
B) Subsunção jurídica

Nesta sede o apelante discorda dos valores fixados na sentença recorrida quanto aos danos não patrimoniais e quanto à invalidez permanente.
A apelada, em sede de recurso subordinado, defende que não é devida qualquer quantia a título de danos não patrimoniais.
A resposta a estas questões passa pela natureza do seguro em causa.

Vejamos.

Entre a 1ª ré e o Clube de Rugby ... (CR...) foi celebrado um contrato de seguro de grupo do ramo acidentes pessoais, titulado pela apólice nº 14.69533, cujo plano de coberturas era “54 – Desporto Cultura Recreio”, que teve início em 24/09/2014 e termo em 31/08/2015.
Das Condições Particulares resulta que as pessoas seguras são os atletas e agentes desportivos inscritos pelo tomador, que a actividade das pessoas seguras é a “Prática amadora federada de Rugby, em competição, treino e estágio, em representação ou sob o patrocínio da Federação, Associações, Clubes ou Entidades Oficiais de Rugby”. Aí constam as coberturas e capitais garantidos por atleta, designadamente “Morte por Acidente 30.000,00 Eur.”, “Invalidez Permanente por Acidente 30.000,00 Eur.” e “Despesas Trat e Repatriamento 10.000,00 Eur.”.
Este contrato de seguro é aplicável ao caso em apreço uma vez que o autor era jogador amador de rugby do CR... e lesionou-se com gravidade num treino que decorreu nas instalações deste em 21/10/2014.
Encontramo-nos perante um seguro regulado pelo Dec.-Lei nº 10/2009 de 12 de Janeiro que estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório (R.J.S.D.O.) (1º).
O fundamento deste diploma retira-se do seu preâmbulo onde se lê: “O desporto, até por definição, é uma actividade predominantemente física, exercitada com carácter competitivo. Cobrir os riscos, através da instituição do seguro obrigatório, é uma necessidade absoluta para a segurança dos praticantes. (…) Com os seguros obrigatórios atende-se a uma necessidade social fundamental, a de assegurar que o beneficiário chegue, efectivamente, a usufruir da cobertura. É certo que um sistema de seguros não evita o risco, mas previne o perigo de as vítimas não obterem o ressarcimento.”.
Sendo um contrato obrigatório combina “elementos necessários (elementos que as partes não podem afastar) numa espécie de reserva de conteúdo mínimo da relação contratual” que introduzem “um importante elemento modelador do conteúdo desta relação” e “elementos negociais estabelecidos no quadro da autonomia das partes (se quisermos negociados livremente)”. Assim, a violação de norma imperativa conduz à nulidade da cláusula em causa, cujo objecto deve ser integrado pelo conteúdo legal imperativo uma vez que a seguradora que apresenta ao tomador um clausulado tem obrigação de conhecer a lei (art. 294º in fine do C.C.). - Ac. da R.C. de 08/09/2009 (Teles Pereira), in www.dgsi.pt, site a que pertencerão os demais acórdãos citados sem menção de origem.
É discutida a natureza deste tipo de seguro sendo que acompanhamos a tese defendida por Ana Brilha, in O Novo Regime do Seguro Desportivo – Verdade Inovação?, Revista Desporto e Direito, Ano VI, Janeiro/Abril 2009, p. 293 e ss., onde refere: “Inserindo-se no ramo não vida, o seguro desportivo aproxima-se simultaneamente da figura do seguro de acidentes pessoais e do seguro de bens, configurando-se como um misto de seguro de pessoas e de bens, porquanto visa não só cobrir danos provocados por eventos que afectem a vida, a saúde ou a integridade física do agentes desportivos, mas também visam cobrir os riscos derivados de qualquer evento que provoque danos no património do segurado.” (sublinhado nosso). E refere: “a contratação do seguro visa primacialmente a distribuição do risco inerente a qualquer actividade susceptível de causar dano, aproximando-a do regime da responsabilidade civil objectiva.” (sublinhado nosso).
Com efeito, da análise dos art. 5º e 16º do referido diploma retiram-se as coberturas mínimas e os montantes mínimos de capital: morte – 25.000 €, despesas de funeral – 2.000 €, invalidez permanente absoluta – 25.000 €, invalidez permanente parcial – 25.000 € ponderado pelo grau de incapacidade fixado e despesas de tratamento e repatriamento – 4.000 €.
Assim, enquanto que as despesas de funeral, de tratamento e repatriamento apontam para o ressarcimento do valor efectivo das mesmas dentro do valor de capital previsto, e nesta parte correspondem a um seguro de danos (art. 123º, 128º do R.J.C.S.), as demais coberturas estão configuradas como prestações de valor predeterminado (sendo que no caso da incapacidade permanente parcial esse valor é fixado em função do grau de incapacidade) e correspondem a um seguro de pessoas (art. 175º, nº 1, nº 2 1ª parte do R.J.C.S.), seguro de vida (183º do R.J.C.S.) e de acidentes pessoais (art. 210º do mesmo diploma).
Neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 07/11/2019 (Tomé Gomes).
1.
Contrariamente ao defendido pelo apelante entendemos que a prestação devida pela incapacidade permanente parcial mostra-se correctamente calculada.
Como ficou dito supra não nos encontramos perante um seguro de responsabilidade por acto ilícito previsto no art. 483º do C.C. pelo que não podem nesta sede ser aplicadas as normas e critérios próprios deste regime, designadamente os critérios que a jurisprudência normalmente se socorre para fixar os danos patrimoniais decorrentes da incapacidade.
Assim, verificado um sinistro/acidente – “acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e violenta, estranha à vontade do Tomador, do Beneficiário ou da Pessoa Segura que nesta origina lesões corporais, passíveis de constatação médica objectiva” como se lê nas Condições Particulares aqui em causa – e tendo o mesmo como consequência uma incapacidade permanente parcial fica a seguradora obrigada apenas a entregar à pessoa segura certa prestação patrimonial convencionada no contrato de seguro.
Atender nesta sede ao dano efectivo conduziria a que não houvesse diferença de atribuição patrimonial entre a invalidez permanente absoluta prevista no art. 16º c) do R.J.S.D.O. e a invalidez permanente parcial prevista na al. d) do mesmo preceito, o que claramente não foi o objectivo do legislador.
In casu o autor passou a padecer de um défice funcional permanente na integridade física-psíquica de 2 pontos em 100.

O montante máximo constante da apólice para esta cobertura é de € 30.000,00 (superior ao montante mínimo de 25 000 previsto no art. 16º d) do R.J.S.D.O.) pelo que a determinação da prestação patrimonial concreta terá de ser apurada em função do grau de incapacidade fixado, único critério previsto naquela disposição legal.

Assim, aplicando-se uma regra de três simples, em que 100% de incapacidade permanente parcial corresponde ao valor total do capital seguro (€ 30.000,00), apura-se para uma incapacidade de 2 pontos o valor da prestação patrimonial de € 600,00.
Neste sentido vide Ac. do S.T.J. de 08/09/2016 (Orlando Afonso) onde se lê “Resultando da interpretação do clausulado de um contrato de seguro de acidentes pessoais ocasionados pela prática desportiva que a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura se acha estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que aquela ficou a padecer em consequência do sinistro, é forçoso considerar que, para a determinação da importância a liquidar pela recorrida, não deve o intérprete ater-se nos critérios usualmente empregues na jurisprudência para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, tanto mais que não nos encontramos no domínio da obrigação a responsabilidade civil por factos ilícitos (n.º 1 do artigo 483.º e artigo 562.º, ambos do Código Civil) e que essa atribuição patrimonial é uma mera decorrência do funcionamento desse contrato, desprovida de natureza indemnizatória e impassível de autonomização face à prestação de suportação de risco a cargo da seguradora.” No Ac. da R.P. de 07/04/2016 (Maria José Costa Pinto) alude, num caso com uma cláusula similar à destes autos, a “um critério dependente de meros cálculos matemáticos (no qual não intervém o princípio geral contido no artigo 562º do Código Civil, segundo o qual o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido e repará-lo integralmente).”.
Sabemos que existe jurisprudência em sentido diferente (v.g. Ac. do S.T.J. de 04/10/2018 (Paulo Sá)), mas da análise que fizemos da mesma afigura-se-nos que padece de várias incongruências.
2.
Antes de mais, do texto das Condições Particulares do contrato de seguro não resulta que o mesmo abranja danos não patrimoniais. Do conceito de invalidez permanente constante das Condições Gerais também não resulta tal inclusão.
O mesmo resulta de uma interpretação literal do R.J.S.D.O..
Contudo, discute-se na jurisprudência se estes danos se encontram ou não abrangidos pela cobertura de invalidez permanente. Certamente que, por atenderem a cada uma destas teses, o apelante defende a sua inclusão e pugna pela fixação de um valor superior ao fixado pelo tribunal recorrido, enquanto a apelada se pronuncia pela negativa pedindo a revogação nesta parte da decisão.
Perfilhamos a segunda tese.

Vejamos.

Os defensores da primeira tese aplicam as normas e critérios próprios da responsabilidade civil por facto ilícito prevista nos art. 483º nº 1 e 496º nº 1 do C.C. como, por exemplo, resulta do citado Ac. do S.T.J. de 04/10/2018 (Paulo Sá). Mas, como vimos supra, o contrato de seguro aqui em causa não se inscreve em tal responsabilidade.
Defendem que da incapacidade permanente resultam, quer danos patrimoniais, quer danos não patrimoniais, pelo que, se o contrato e a lei não distinguem tais danos o intérprete não o deve fazer – Ac. do S.T.J. de 09/07/2018 (Olindo Geraldes). Se a primeira afirmação é verdadeira entendemos que a segunda não atende à natureza do seguro desportivo, nem ao espírito do diploma que o regula, designadamente do art. 6º, nº 2 a) do qual, a nosso ver, resulta apenas como “cobertura mínima” o pagamento de um capital (e não uma indemnização no sentido estrito) em caso de “morte” e “invalidez permanente, total ou parcial” e do art. 16º d) que prevê como único critério na fixação do montante do capital referente a incapacidade permanente parcial o grau fixado desta. Estas normas imperativas não impõem a necessária inclusão dos danos não patrimoniais.
Do preâmbulo do diploma retiramos apenas a preocupação do legislador em “amparar” o praticante de desporto garantindo-lhe um mínimo, designadamente para se tratar e lidar com uma incapacidade que passou a ter, e não a cobertura de todos e quaisquer danos decorrentes de tal actividade.
A inclusão dos danos não patrimoniais pode levar a um resultado absurdo como num caso de incapacidade permanente total poder não haver capital disponível para compensar tais danos.
Se é verdade que a cobertura “invalidez” se inscreve no seguro de pessoas o art. 175º nº 2 do R.J.C.S. prevê que este seguro pode garantir “prestações de valor determinado não dependente do efectivo montante do dano”, como aquela aqui em causa, sendo que este entendimento não é contrário à natureza da actividade desportiva ou provoque um esvaziamento do objecto do contrato de seguro (6º do R.J.S.D.O).
No sentido por nós defendido vide, entre outros, os citados Ac. do S.T.J. de 07/11/2019 (Tomé Gomes), de 08/09/2016 (Orlando Afonso), da R.P. de 07/04/2016 (Maria José Costa Pinto), R.E. de 11/04/2019 (Isabel Peixoto Imaginário)
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Pelo exposto, improcede o recurso principal e procede o recurso subordinado.

Assim, as custas da acção são da responsabilidade do autora e da 1ª ré na proporção do respectivo decaimento e as custas dos recursos são integralmente da responsabilidade do autor (art. 527º do C.P.C.).
*
Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – O Dec.-Lei nº 10/2009 de 12 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico do Seguro Desportivo Obrigatório, tem como fundamento a necessidade de proteger o praticante desportivo que se enquadra no seu âmbito em caso de acidente pelo que tal contrato contem elementos necessários impostos por normas imperativas e elementos negociais estabelecidos no quadro da autonomia das partes.
II – O seguro desportivo está configurado como um misto de seguro de pessoas e de bens.
III – Neste seguro, na fixação da atribuição patrimonial concreta devida em caso de invalidez permanente parcial, não se deve atender aos critérios usualmente utilizados na jurisprudência para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, antes tal atribuição patrimonial deve ser apurada mediante cálculo matemático em função do grau de incapacidade fixado, único critério previsto no art. 16º nº 1 d) desse diploma.
IV – Do referido diploma não se retira a obrigatoriedade de ressarcir os danos não patrimoniais sofridos pelo praticante desportivo.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação do autor e procedente a apelação da 1ª ré e consequentemente confirmam a decisão recorrida na parte referente ao reembolso de despesas e à invalidez permanente (num total de € 675,00) revogando no mais a referida decisão.
Custas da acção na proporção do decaimento.
Custas das apelações pelo autor.
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Guimarães, 08/07/2020