Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3194/15.7T8BRG.G1
Relator: ESTELITA DE MENDONÇA
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
ALTERAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I - Estabelece o art. 323 n.º 1 do C. Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
II - Tratando de acto interruptivo judicial (artº 323 nºs 1 e 4 do CC), a extensão objectiva da interrupção da prescrição determina-se pelo pedido e pela causa de pedir, pois, quando o art. 323 n. 1 do C. Civil preceitua que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação que exprima a intenção de exercer o direito, tem de entender-se que se refere ao direito que se vem invocar na acção onde a interrupção é invocada.
III – Na arguição de nulidade formulada numa execução com fundamento na falta de citação para reclamar o seu crédito., o direito ali exercido era a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial.
IV - O direito que a Autora pretende ver aqui reconhecido é o de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização, baseada na responsabilidade extracontratual.
V - Não é aplicável o art. 323º nº 1 do Cód. Civil quando o direito cuja prescrição foi evitada com a citação ou notificação para outra acção é outro e não o mesmo que posteriormente exerceu, pelo que não ocorreu interrupção da prescrição com a citação dos RR da arguição de nulidade na referida execução.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:

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I – B., C.R.L., com sede na Rua…, propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra C., residente em…, D. e mulher E. e F., todos residentes em …, pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe as seguintes quantias:
1 – 36.819,95 € de capital;
2 – 83.223,47 € de juros;
3 - 4.987,97 € de despesas judiciais e extrajudiciais.
Alegou, para tal, ter celebrado um contrato de mútuo com hipoteca sobre um imóvel, o qual posteriormente veio a ser objecto de penhora a favor do 1º Réu no âmbito de uma execução para a qual nunca foi citada com vista à reclamação do seu crédito.
Este imóvel veio, posteriormente, a ser adjudicado aos aqui 2ºs Réus, estes sim credores reclamantes no âmbito da referida execução, não obstante a aqui Autora ser detentora da aludida garantia real, que determinaria que o seu crédito viesse a ser graduado em primeiro lugar.
Invocou, ainda, ter deduzido em 24 de Setembro de 2007 (e não 2009, como por notório lapso consta do art. 35º da petição inicial) e no âmbito dessa execução incidente de nulidade, pedindo a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a sua citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do registo Predial competente.
Apreciado tal incidente, o mesmo veio a ser indeferido por decisão transitada em julgado
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Os 2º, 3º e 4º Réus contestaram, nos termos constantes de fls. 118 e segs. do processo físico, impugnando os factos alegados e excepcionando a sua ilegitimidade e, ainda, a prescrição do direito a que a Autora se arroga.
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Também o 1º. Réu contestou (fls. 139 e segs. do processo físico), tendo de igual forma excepcionado a sua ilegitimidade, bem como a prescrição do direito da Autora, pelo decurso do prazo previsto no art. 498º nº 1 do Cód. Civil.
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A Autora replicou (fls. 184 e segs. do processo físico), invocando que apenas ficou conhecedora do direito que lhe assistia com o trânsito em julgado do despacho que indeferiu a nulidade arguida na identificada acção executiva, ou seja a partir de 10 de Janeiro de 2008, data a partir da qual se terá que contar o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 498º nº 1 do Cód. Civil.
Defendeu, também, que os Réus foram notificados do incidente deduzido pela Autora a 1 de Outubro de 2007, acto este que é interruptivo do aludido prazo de prescrição, de acordo com o disposto no art. 323º nº 1 do Cód. Civil.
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Foi, ainda, ordenada a intervenção principal de G., que apresentou contestação a fls. 206 e segs. do processo principal excepcionando de igual forma a prescrição, a intervenção acessória de H., Ltd. (contestação a fls. 238 e segs. do processo físico com igual excepção de prescrição) e, por fim, a intervenção principal do Estado Português, representado pelo Mº Pº, o qual excepcionou a incompetência em razão da matéria do tribunal, a sua ilegitimidade e, ainda, a prescrição do direito.
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Por despacho de fls. 468 foi o Tribunal Judicial de Amares considerado absolutamente incompetente em razão da matéria e os Réus absolvidos da instância.
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Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, o mesmo declarou-se igualmente incompetente em razão da matéria.
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Por Acórdão proferido a fls. 786 e segs. do processo físico, na sequência do conflito negativo de jurisdição, o Tribunal dos Conflitos julgou que a competência para a acção cabe aos tribunais judiciais.
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Procedeu-se a uma audiência prévia (cfr. acta de fls. 723 e 724), na qual foram discutidas as excepções de ilegitimidade e de prescrição suscitadas pelos Réus nas respectivas contestações, tendo no entanto sido mantidas pelas partes as posições já defendidas nos respectivos articulados.
A final foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se:
- julgar procedente a excepção peremptória de prescrição do direito invocado pela Autora, deduzida pelos Réus e pelos intervenientes principais, e, em consequência, absolver os mesmos do pedido”.


Inconformada com o assim decidido veio a Autora B., C.R.L., interpor recurso de Apelação, finalizando com as seguintes Conclusões:
1 – A recorrente não se conforma com a d. sentença no que respeita a esta ter julgado procedente a excepção de prescrição.
2 - Em 24 de Setembro de 2007, no âmbito dos autos de execução nº 40/99, do então Tribunal Judicial da Comarca de Amares, a aqui Recorrente deduziu incidente de arguição de nulidade da venda judicial do imóvel que lhe estava hipotecado (cfr. facto provado nº10 e doc. nº1 da contestação do R. C. e para cujos termos não foi citada, razão pela qual não reclamou créditos, perdendo, assim, a sua garantia e privilégio daí decorrentes.
3 – Resulta desse incidente que, à data em que o mesmo foi deduzido, a Recorrente, com base nos elementos que tinha, considerava que a falta fora do tribunal, razão pela qual o direito que julgava que podia exercer era o de requerer a anulação da venda (isto é, não tinha aplicação a parte final do art. 864º, nº3 do Cód. Proc. Civil);
4 – Entretanto, por carta de notificação expedida em 10 de Dezembro de 2007, o então Tribunal da Comarca de Amares notificou a aqui Recorrente do Despacho que julgou improcedente o incidente (cfr. facto provado nº12 e doc. nº2 da contestação do R. C.).
5 – Resulta desse despacho, pelas razões de facto e de direito aí expostas, que o Tribunal considerou que a responsabilidade pela falta de citação da aqui Recorrente era do exequente que à altura promoveu a citação dos credores.
6 – Foi apenas nesta data e nos termos desse despacho, que a A,. ficou conhecedora do direito que lhe assistia, bem como da pessoa contra quem o poderia exercer.
7 – O trânsito em julgado do Despacho que indeferiu a arguição de nulidade apenas ocorreu no dia 10 de Janeiro de 2008, sendo a partir desse dia que devem contar-se os 3 anos de prescrição.
8 – Por isso, o prazo de 3 anos iniciado em 10 de Janeiro de 2008 terminou em 9 de Janeiro de 2011, pelo que, tendo a acção sido proposta em 29 de Novembro de 2010, a invocada prescrição não operou.
9 – Antes de se voltar “contra” os exequentes/reclamantes, a Recorrente lançou mão do mecanismo que lhe pareceu ser o mais justo e sensato (face aos elementos de que dispunha), ou seja, pediu a anulação da venda que se acabara de fazer, com o que se conseguiria o mínimo de despesas/prejuízos/transtornos para aqueles.
10 – Agiu, deste modo, a Recorrente, de boa-fé, com vista a salvaguardar o seu direito de crédito sem “incomodar” os exequentes/reclamantes.
11 – Ora, esta actuação de boa-fé e com vista a “poupar” os exequentes/reclamantes não pode ser ignorada e sancionada como se a Recorrente tivesse sido desleixada e não actuasse dentro do prazo.
12 – Aliás, em situações que podem considerar-se semelhantes (acção judicial tendente a obter a indemnização/reparação do direito por outra via), os tribunais têm entendido que o prazo de prescrição apenas se inicia após o trânsito em julgado da decisão da “outra via”.
13 – Assim, e pelo conjunto de razões que vêm de se alegar, deverá considerar-se que a prescrição não operou, já que, num primeiro momento, a recorrente tentou salvaguardar o seu direito “por outra via”.
14 – Acresce que, em 1 de Outubro de 2007 os Recorridos foram notificados do incidente deduzido pela Recorrente (cfr. facto provado nº11).
15 – Muito concretamente, os aqui Recorridos, ao serem notificados do teor do incidente de arguição de nulidade deduzido no âmbito daquela execução 40/99, tomaram conhecimento de que, caso a ali exponente viesse a ter elementos para verificar que a falta não fora do tribunal, ou no caso de improcedência desse incidente, lhes poderia vir a reclamar uma indemnização (se arguia a nulidade da venda para defender os seus direitos, era de esperar que não deixaria de pedir indemnização, caso verificasse que, afinal, tinha este direito e não aquele, ou caso lhe fosse decretado que agisse antes daquela forma, como efectivamente veio a suceder).
16 – A recorrente, ao referir-se, no requerimento em que tentou anular a venda, a ”reclamar indemnização” ao executado, e ao dizer que “…do que para já a exponente se apercebeu, a sua falta de citação não terá ocorrido por culpa do exequente…”, é bem patente que não está de forma nenhuma a descartar a possibilidade de lhes (aos recorridos) vir a dirigir um pedido ressarcitório.
17 – Antes pelo contrário, o que se entende claramente é que, caso o pedido de anulação da venda não fosse acolhido, então a aqui Recorrente iria reclamar os seus danos aos exequentes/reclamantes
18 – Por isso, o prazo prescricional iniciado em Setembro desse ano de 2007 terá que se considerar interrompido com a notificação dos RR. para o incidente de arguição de nulidade (cfr. art. 323º, nº1 do Cód. Civil),
19 – iniciando-se um novo prazo prescricional de 3 anos apenas após o trânsito em julgado da decisão prolatada acerca daquele incidente, ou seja, a partir do dia 10 de Janeiro de 2008 (que de todo o modo coincide com o do cenário exposto supra de 2 a 13 destas conclusões).
20 – Pelas mesmas razões já acima expostas, terminando o prazo dos 3 anos em 9 de Janeiro de 2011 e tendo a acção sido proposta em 29 de Novembro de 2010, igualmente neste cenário a prescrição não operou:
a) é um facto que apenas em 11 de Março de 2011 foram expedidas cartas para citação dos RR;
b) porém, nos termos do art. 323º, nº2 do Cód. Civil, “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias.
21 – Consequentemente, tendo a acção sido proposta em 29 de Novembro de 2010, o prazo prescricional que se iniciara em 10 de Janeiro de 2008 e que terminava em 9 de Janeiro de 2011, interrompeu-se em 4 de Dezembro de 2010.
22 – Por todas as razões acima expostas, as excepções de prescrição invocadas pelos RR. deveriam ter improcedido.
23 – Ao não decidir assim, violou o tribunal a quo o disposto nos arts. 323º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil.
Termos em quem, e nos mais de direito, deverá a d. sentença do tribunal a quo ser revogada, declarando-se que a prescrição não operou e fazendo-se os autos prosseguir para julgamento. Justiça
H., LTD., INTERVENIENTE nos autos supra identificados, notificada do recurso de apelação e respectivas alegações apresentadas pela A. veio apresentar as suas, CONTRA-ALEGAÇÕES, terminando-as com as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Recorrente veio, a título principal (descurando, agora, a ampliação do objecto do litígio ao advogado e às Seguradoras), exercer o direito indemnizatório previsto no artigo 864.º/3 do CPC (na redacção anterior à do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março);
2. O “dano que haja sofrido” e que desencadeia o direito indemnizatório do artigo 864.º/3 do CPC é o dano decorrente da perda da garantia real do credor e que incidia sobre o bem penhorado;
3. Em 24-09-2007, a Recorrente veio arguir, no proc. 40/1999, a nulidade da venda judicial, do imóvel penhorado sem accionar, também, o direito indemnizatório do artigo 864.º/3 do CPC – mas sem aludir a este, sem dar a entender que não era do seu conhecimento… tratou-se, simplesmente, de uma opção técnica sua;
4. Estes dois direitos, arguição da nulidade da venda e exigência de indemnização, não se excluem, e o exercício de um não provoca a suspensão do outro – assim, acórdão do TRL, de 15-06-2010 / Relator: Tomé Gomes;
5. Daí, “inicia-se o (…) prazo de prescrição com o conhecimento pelo lesado da omissão dos actos processuais e não da decisão judicial definitiva desfavorável proferida na acção de reivindicação com pedido de anulação de venda” – assim, acórdão do STJ, de 29-11-2005 / Relator: Salvador Costa;
6. O direito da Recorrente já podia ser exercido na data do conhecimento do facto gerador, e essa data é, o mais tardar, a de 24-09-2007, porquanto aí a Recorrente tinha percepção de que não foi citada, de que o imóvel foi vendido e de que perdeu a sua garantia;
7. Tanto mais que a responsabilidade prevista no artigo 864.º/3 do CPC era aplicada, em Tribunal e na doutrina, “com base na falta de citação, independentemente de culpa” – assim, acórdão do STJ, de 29-11-2005 / Relator: Salvador Costa;
8. Pense-se, com o devido respeito, o quão ridículo seria possibilitar-se ao acidentado de um sinistro automóvel que fosse, ao longo dos anos, intentando acções judiciais contra vários condutores intervenientes, a Concessionária, o Estado… sem que a prescrição do direito indemnizatório alguma vez operasse, com base na alegação de que só cada sentença é que eliminava um responsável e ponderava outro;
9. Porque não é de todo aceitável, é que o artigo 498.º/1 do CC associa o início do prazo de prescrição ao conhecimento do direito, que não tem, necessariamente, de coincidir com o conhecimento da “pessoa do responsável e da extensão integral dos danos”;
10. O conhecimento do direito, pelo lesado, “reporta-se, obviamente, ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito; é um conhecimento fáctico e não um conhecimento jurídico” – assim, acórdão do STJ, de 28-03-1995 / Relator: Faria de Sousa;
11. É essencial que o lesado perceba que sofreu um dano, e que estão reunidos, se bem que sujeitos a prova, os pressupostos da responsabilidade civil, seja pela culpa, seja pelo risco – assim, acórdão do STJ, de 06-10-1983 / BMJ 330, p. 495;
12. Não opera a interrupção da prescrição prevista no artigo 323.º/1 do CC na medida em que o direito que a Recorrente exerce na e por via da presente acção não é o mesmo que exerceu no requerimento de que o 1.º e 2.º RR. foram notificados em Outubro de 2007;
13. No proc. 40/1999, a Recorrente exerceu unicamente um direito anulatório, de cariz processual – aí, a Recorrente só queria o cancelamento dos registos, a anulação da venda judicial e o retorno à fase de citação dos credores; na presente acção, vem exercer um direito indemnizatório, de cariz substantivo – aqui, o que quer é a indemnização dos danos decorrentes da perda da garantia real;
14. Houve uma inércia da Recorrente, no acautelar do direito, que se pode ter por negligente, sobretudo, se vingar a tese sua tese, segundo a qual só não houve accionamento imediato do exequente porque não tinha a certeza se este tinha ou não sido responsável pela falta de citação.
TERMOS EM QUE DEVE O RECURSO DA A. SER NEGADO E MANTIDA A SENTENÇA PROFERIDA EM 1.ª INSTÃNCIA. SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

D., E., F., Réus e Recorridos, vieram apresentar contra alegações, terminando com as seguintes CONCLUSÕES
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos (do nº 1 art 498º Cód Civil)
2. Pelo menos desde o dia 24/09/2007 que a Autora, enquanto lesada, teve conhecimento do direito que lhe competia.
3. Mas, desde essa data, teve ainda conhecimento da extensão dos danos e, mesmo, dos possíveis lesantes.
4. No caso vertente o prazo de prescrição começou a contar do dia 24/09/2007 (art 360º nº 4 do Cód. Civil) e não, como alega a recorrente, em qualquer outra posterior data.
5. São assim de improceder as conclusões tiradas pela recorrente sob os nº 1º a 13º do seu articulado de alegações.
6. A prescrição só se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito.
7. O direito exercido pela Recorrente no incidente deduzido na execução é coisa diferente e com consequências jurídicas diversas do direito que nestes autos, e também contra os recorridos, pretende ver reconhecido – pagamento, por estes, de uma indemnização.
8. Em nenhum momento, desde 24/09/2007 e até à citação dos recorridos para os presentes autos, a Autora, por citação ou por notificação de qualquer outra natureza, manifestou aos recorridos a intenção de, contra estes exercer este direito que agora peticiona.
9. A dedução pela Recorrente, na execução, do incidente acima referido, e a sua notificação, aí, em 01/10/2007, aos demais intervenientes processuais, não tem, sobretudo no que aos recorridos concerne, a virtualidade de, ainda que indirectamente, consubstanciar acto que exprime a intenção de exercer o direito (leia-se aqui “o exercer o direito”) como a expressão (pela Autora aos ora Réus) da intenção de contra eles (ou também contra eles) intentar a acção que (só) agora intentou e aí reclamar o que (só) agora deles reclama.
10.São de improceder as conclusões tiradas pela Recorrente sob os nº 14º a 23º das suas alegações de recurso.
Termos em que, julgadas improcedentes as conclusões tiradas pela Recorrente nas suas douta alegações de recurso e mantendo-se a decisão em Primeira Instância proferida pelo Tribunal, de julgar procedente a excepção peremptória de prescrição do direito invocado pela Autora e deduzida também pelos aqui recorrentes, e que, em consequência, os absolveu do pedido, bem como a condenação da Autora nas custas. se fará, como sempre, inteira JUSTIÇA!

Colhidos os vistos cumpre agora decidir.

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Objecto do recurso
Considerando que:
- o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes (artigo 635 do Código de Processo Civil), estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações, das formuladas pela Apelante resulta que a questão colocada à nossa apreciação á a de saber se ocorre prescrição do direito de indemnização peticionado pela autora, como decidido, ou se, pelo contrário, tal não acontece devendo os autos prosseguir.

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Vejamos então.
É do seguinte teor a decisão recorrida e respectivos fundamentos (itálico de nossa autoria para melhor compreensão):
“Excepção peremptória de prescrição do direito indemnizatório:
Todos os Réus e, ainda, os intervenientes invocaram, como vimos, a prescrição do direito de indemnização peticionado pela Autora e, com base nisso, pediram a sua absolvição do pedido.
Com interesse para a decisão desta excepção, é de considerar assente por virtude prova documental e acordo das partes, a seguinte factualidade:
1. Por escritura de mútuo com hipoteca outorgada no Cartório Notarial de.. no dia 7 de Outubro de 1994, a A. emprestou a I. e mulher J. a quantia de esc. 10.150.000$00, à taxa, na altura, de 16% ao ano, acrescidos da sobretaxa de mora de 2%, dos quais estes se confessaram devedores;
2. Para garantia da quantia mutuada e das obrigações acessórias, os devedores constituíram hipoteca, a favor da mutuante, do seguinte imóvel: casa de rés-do-chão e sótão, destinada a habitação, com a área coberta de 140 m2 e descoberta de 808 m2, sita na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial de …, Freguesia …, com o nº …;
3. Nessa mesma escritura de hipoteca foi fixada, a título de despesas judiciais e extrajudiciais, a quantia de 4.987,97 € (esc. 1.000.000$00);
4. A hipoteca acima referida foi registada a favor da mutuante B., C.R.L. através da inscrição C-4, correspondente à Ap. 24/040794;
5. O imóvel acima referido veio a ser penhorado a favor do 1º R. no âmbito dos autos de execução nº40/99 do Tribunal Judicial de Amares, através da inscrição F-7, correspondente à Ap. 06/190400, processo em que era exequente o 1º R. e executados I. e a sua mulher J..
6. No decurso desse processo de execução, em 31 de Outubro de 2000 foi junta aos autos a certidão de ónus e encargos, com o registo da penhora efectuado a favor do exequente;
7. A A., que era credora hipotecária dos aí executados e que tinha a sua hipoteca registada, nunca foi citada no âmbito desses autos de execução nº40/1999 para ir reclamar o seu crédito.
8. Os 2ºs RR. foram citados para reclamarem o seu crédito, o que fizeram;
9. Foi aí proferido despacho a ordenar a adjudicação do imóvel, livre de ónus e encargos, a favor dos reclamantes (aqui 2ºs RR.), após o que foi proferido despacho a ordenar o cancelamento dos registos dos direitos reais de garantia, ao abrigo do então art. 888º do CPC.
10. Em 24 de Setembro de 2007, a A. deduziu incidente de arguição de nulidade, pedindo a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial, com fundamento da falta de citação para reclamar o seu crédito;
11. Os Réus foram notificados deste incidente de nulidade em 1 de Outubro de 2007;
12. Este incidente viria a ser indeferido pelo Tribunal Judicial de Amares, decisão esta que foi notificada à aqui Autora em 10 de Dezembro de 2007;
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Vejamos:
A presente acção insere-se no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, sendo por isso inquestionável que ao caso é aplicável o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 498º nº 1 do Cód. Civil.
Como resulta claramente do disposto no art. 306º nº 1 do mesmo código, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, estabelecendo o citado nº 1 do art. 498º que aquele prazo de três anos se começa “…a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.”.
Defende a Ré na sua réplica que apenas teve conhecimento do direito que lhe assistia, bem como da pessoa contra quem o poderia exercer com a notificação do despacho proferido no âmbito dos autos de execução nº40/99 do Tribunal Judicial de Amares, que indeferiu o incidente de nulidade por si suscitado.
Esta conclusão, no entanto, não merece acolhimento.
Com efeito, resulta ao alegado pela própria Autora e dos factos supra elencados que, em 24 de Setembro de 2007, a mesma deduziu aquele incidente de arguição de nulidade, pedindo a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial, com fundamento da falta de citação para reclamar o seu crédito.
Assim, não pode deixar de se entender que pelo menos nesta data a Autora tinha conhecimento do dano que lhe foi causado e, naturalmente, do eventual direito de indemnização aqui peticionado, resultante da perda da garantia real que a hipoteca lhe conferia e do inerente direito de ver o respectivo crédito ser graduado em primeiro lugar relativamente aos adjudicatários do imóvel, os aqui 2º e 3º Réus.
A tal não obsta o facto da Autora não ter, então, intentado a presente acção declarativa, tendo ao invés optado por deduzir o mencionado incidente de nulidade nos próprios autos de acção executiva.
Com efeito, tratou-se de uma opção da própria Autora, que apenas se deve a si mesma, já que nada obstava a que, concomitantemente, pudesse fazer uso de outros meios legais com vista a ser ressarcida do seu prejuízo, nomeadamente através da propositura, já nessa altura, de presente acção.
Não pode é concluir-se, como o faz a Autora, que apenas teve conhecimento do direito à indemnização aqui peticionado com o indeferimento daquele incidente e, assim, que só pôde exercer esse seu direito após aquela decisão. Na verdade, logo que teve conhecimento da falta de citação para reclamar o seu crédito a Autora podia e devia ter intentado a presente acção de indemnização contra os aqui Réus (ou quem entendesse ser responsável), já que ficou então a saber da ocorrência da lesão do seu direito real de garantia.
O conhecimento de um direito não se transmite através de uma decisão judicial de indeferimento de uma pretensão, mas sim através da cognição dos factos que permitem ao lesado exercer o seu direito através dos meios judiciais de que dispõe e que só a ele compete escolher.
Conclui-se, assim, que a Autora teve conhecimento do seu direito pelo menos no dia 24 de Setembro de 2007.
Invoca, ainda, a Autora na sua réplica que o prazo de prescrição previsto no art. 498º nº 1 do Cód. Civil se interrompeu com a notificação dos Réus para o incidente de nulidade suscitado na acção executiva, notificação essa ocorrida em 1 de Outubro de 2007, pelo que o novo prazo prescricional apenas poderia começar a contar-se a partir do trânsito em julgado da respectiva decisão, como decorre do disposto no art. 327º nº 1 do Cód. Civil.
Sobre a interrupção da prescrição dispõe o art. 323º nº 1 do mesmo código que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”.
Desta norma legal resulta, assim, que não obsta à interrupção da prescrição a circunstância do direito vir a ser exercido noutro processo, ou mesmo que aí apenas seja praticado um acto que exprima essa intenção (como sucede no casos dos procedimentos cautelares como preliminar de uma acção a propor).
Todavia, para que tal suceda mostra-se necessário que esse acto anterior se reporte ao mesmo direito em causa na acção onde se esteja a invocar a prescrição.
Efectivamente, no que diz respeito à extensão dos efeitos da interrupção da prescrição, a regra é a de que tais efeitos se restringem ao direito em relação ao qual a prescrição é interrompida, limitando-se a causa interruptiva da prescrição a interromper a prescrição dos direitos a que se refere, e não quaisquer outros (limite objectivo da interrupção), donde resulta que, se tal causa for a citação judicial ou qualquer outro acto interruptivo judicial, o direito cuja prescrição fica interrompida é o feito valer por esse acto (cfr. Vaz Serra na RLJ ano 112º, pág. 291, citado no Ac. do STJ, de 31-10-2006, Proc. nº 06A2596, in www.dgsi.pt/jstj).
E como também se decidiu no Ac. do STJ, de 15-11-2001 (Proc. nº 02B950, in www.dgsi.pt/jstj), o reconhecimento tem que se reportar ao direito concreto que o lesado pretende vir a exercer. Na verdade, a interrupção da prescrição limita-se ao direito que se faz valer, apenas sendo de admitir as excepções fundadas na lei ou nos princípios gerais, como resulta do disposto nos arts. 323º e seguintes do Cód. Civil.
Assim, não é aplicável o art. 323º nº 1 do Cód. Civil quando o direito cuja prescrição foi evitada com a citação ou notificação para outra acção é outro e não o mesmo que posteriormente exerceu.
Ora, no caso sub judice são coisas diferentes - e com diversas consequências - o direito exercido no incidente deduzido na execução de anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial, com fundamento da falta de citação para reclamar o seu crédito e o direito que a Autora pretende ver aqui reconhecido de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização.
Assim sendo, há que concluir que o direito de crédito de que a Autora se arroga na presente acção está irremediavelmente prescrito, uma vez que entre o conhecimento do direito (24 de Setembro de 2007) e a citação dos Réus para a presente acção (posterior a 29 de Novembro de 2010, data da propositura da presente acção) decorreram mais de três anos.
A procedência da excepção de prescrição conduz à absolvição dos Réus e dos intervenientes principais do pedido, nos termos dos arts. 576º, nºs 1 e 3 do C.P.C.
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III – Pelo exposto, decide-se:
- julgar procedente a excepção peremptória de prescrição do direito invocado pela Autora, deduzida pelos Réus e pelos intervenientes principais, e, em consequência, absolver os mesmos do pedido”.
Decidindo.
Para fundamentar a sua alegação, sustenta a apelante que “O trânsito em julgado do Despacho que indeferiu a arguição de nulidade apenas ocorreu no dia 10 de Janeiro de 2008, sendo a partir desse dia que devem contar-se os 3 anos de prescrição”, que “Por isso, o prazo de 3 anos iniciado em 10 de Janeiro de 2008 terminou em 9 de Janeiro de 2011, pelo que, tendo a acção sido proposta em 29 de Novembro de 2010, a invocada prescrição não operou”.
Sustenta ainda que “Antes de se voltar “contra” os exequentes/reclamantes, a Recorrente lançou mão do mecanismo que lhe pareceu ser o mais justo e sensato (face aos elementos de que dispunha), ou seja, pediu a anulação da venda que se acabara de fazer, com o que se conseguiria o mínimo de despesas/prejuízos/transtornos para aqueles”, pelo que “Agiu de boa-fé, com vista a salvaguardar o seu direito de crédito sem “incomodar” os exequentes/reclamantes”, o que não pode ser ignorado nem sancionado.
Sustenta ainda que “em 1 de Outubro de 2007 os Recorridos foram notificados do incidente deduzido pela Recorrente, e, ao serem notificados do teor do incidente de arguição de nulidade deduzido no âmbito daquela execução 40/99, tomaram conhecimento de que, caso a ali exponente viesse a ter elementos para verificar que a falta não fora do tribunal, ou no caso de improcedência desse incidente, lhes poderia vir a reclamar uma indemnização (se arguia a nulidade da venda para defender os seus direitos, era de esperar que não deixaria de pedir indemnização, caso verificasse que, afinal, tinha este direito e não aquele, ou caso lhe fosse decretado que agisse antes daquela forma, como efectivamente veio a suceder)”.
Sustenta ainda que “A recorrente, ao referir-se, no requerimento em que tentou anular a venda, a ”reclamar indemnização” ao executado, e ao dizer que “…do que para já a exponente se apercebeu, a sua falta de citação não terá ocorrido por culpa do exequente…”, é bem patente que não está de forma nenhuma a descartar a possibilidade de lhes (aos recorridos) vir a dirigir um pedido ressarcitório, antes pelo contrário, o que se entende claramente é que, caso o pedido de anulação da venda não fosse acolhido, então a aqui Recorrente iria reclamar os seus danos aos exequentes/reclamantes”
“Por isso, o prazo prescricional iniciado em Setembro desse ano de 2007 terá que se considerar interrompido com a notificação dos RR. para o incidente de arguição de nulidade (cfr. art. 323º, nº1 do Cód. Civil), iniciando-se um novo prazo prescricional de 3 anos apenas após o trânsito em julgado da decisão prolatada acerca daquele incidente, ou seja, a partir do dia 10 de Janeiro de 2008”.
Pelo que “terminando o prazo dos 3 anos em 9 de Janeiro de 2011 e tendo a acção sido proposta em 29 de Novembro de 2010, igualmente neste cenário a prescrição não operou”.
Vejamos então.
Como bem se diz na sentença recorrida e não oferece contestação, estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, a que é aplicável o prazo de prescrição de 3 anos previsto no art. 498 n.º 1 do C. Civil.
Na verdade, estabelece-se no art. 498 n.º 1 do C. Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos…”, sendo certo que o art. 306 n.º 1 do mesmo código, no que respeita ao início do curso da prescrição que “o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
Como salienta Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, tomo 3, 2010, 756, “a razão de ser deste preceito é simples: perante um dano que dê azo a um dever de indemnizar a lei pretende uma solução rápida. A incerteza é prejudicial, enquanto as delongas vão dificultar a reconstituição dos elementos que rodeiam e expliquem o facto danoso”.
Aqui já encontramos uma primeira resposta á questão que nos é colocada, pois como consta dos factos provados, Em 24 de Setembro de 2007, a A. deduziu incidente de arguição de nulidade, pedindo a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial, com fundamento da falta de citação para reclamar o seu crédito, ou seja, pelo menos nesta data (24/09/2007) a ora apelante tinha conhecimento do seu direito (sublinhado nosso).
Como bem se diz na sentença recorrida, “pelo menos nesta data a Autora tinha conhecimento do dano que lhe foi causado e, naturalmente, do eventual direito de indemnização aqui peticionado, resultante da perda da garantia real que a hipoteca lhe conferia e do inerente direito de ver o respectivo crédito ser graduado em primeiro lugar relativamente aos adjudicatários do imóvel, os aqui 2º e 3º Réus”.
Aliás a própria apelante reconhece que assim é ao dizer, na sua alegação, que Antes de se voltar “contra” os exequentes/reclamantes, a Recorrente lançou mão do mecanismo que lhe pareceu ser o mais justo e sensato (face aos elementos de que dispunha), ou seja, pediu a anulação da venda que se acabara de fazer, com o que se conseguiria o mínimo de despesas/prejuízos/transtornos para aqueles”, pelo que “Agiu de boa-fé, com vista a salvaguardar o seu direito de crédito sem “incomodar” os exequentes/reclamantes”.
Ao dizer isto, a apelante está a reconhecer implicitamente que tinha conhecimento do direito que lhe assistia, da extensão dos danos, e até, eventualmente, dos responsáveis por tal dano resultante da perda da garantia real que a hipoteca lhe conferia e do inerente direito de ver o respectivo crédito ser graduado em primeiro lugar relativamente aos adjudicatários do imóvel, os aqui 2º e 3º Réus.
Sustenta a apelante que como os ora apelados foram notificados em 1/10/2007 do incidente de arguição de nulidade que deduziu, nessa data tomaram conhecimento de que, caso a ali exponente viesse a ter elementos para verificar que a falta não fora do tribunal, ou no caso de improcedência desse incidente, lhes poderia vir a reclamar uma indemnização, pois, caso o pedido de anulação da venda não fosse acolhido, então a aqui Recorrente iria reclamar os seus danos aos exequentes/reclamantes.
Sustenta ainda que o prazo prescricional iniciado em Setembro desse ano de 2007 terá que se considerar interrompido com a notificação dos RR. para o incidente de arguição de nulidade, nos termos do disposto no art. 323º, nº1 do Cód. Civil), iniciando-se um novo prazo prescricional de 3 anos apenas após o trânsito em julgado da decisão prolatada acerca daquele incidente, ou seja, a partir do dia 10 de Janeiro de 2008”.
Ora, estabelece o art. 323 n.º 1 do C. Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Como referem Pires de Lima e A. Varela no seu CC Anotado, Vol. I, pág. 269, em anotação ao referido artigo “É necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de exercer a sua pretensão”, podendo verificar-se “num acto preparatório (procedimento cautelar) e basta que o acto do titular do direito, objecto da citação ou notificação, exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito”.
Diz a apelante que “Antes de se voltar “contra” os exequentes/reclamantes, a Recorrente lançou mão do mecanismo que lhe pareceu ser o mais justo e sensato (face aos elementos de que dispunha), ou seja, pediu a anulação da venda que se acabara de fazer, com o que se conseguiria o mínimo de despesas/prejuízos/transtornos para aqueles, pelo que agiu de boa-fé, com vista a salvaguardar o seu direito de crédito sem “incomodar” os exequentes/reclamantes, pelo que esta actuação de boa-fé e com vista a “poupar” os exequentes/reclamantes não pode ser ignorada e sancionada como se a Recorrente tivesse sido desleixada e não actuasse dentro do prazo”.
No entanto, como se diz no Ac. do STJ de 5/11/2013, Proc. n.º 7624/12.1TBMAI.S1, Relator Moreira Alves “Se é verdade que o instituto da prescrição, como se disse já, se fundamenta, na inércia do titular do direito, presumindo-se a sua negligência ou desinteresse no respectivo exercício, tal presunção foi considerada pelo legislador em momento prévio ou, pelo menos, contemporâneo à feitura da lei, isto é, partindo da experiência comum e da realidade da vida, o legislador concebeu e concretizou determinado regime geral para o instituto da prescrição, designadamente, fixando os prazos que teve por razoáveis para o exercício do direito, determinando os casos, em que, excepcionalmente, esses prazos podem ser suspensos, interrompidos ou prolongados.
A aludida presunção, nada tem a ver com qualquer presunção legal ilidível pela prova do contrário, ou com as presunções judiciais, que podem ser destruídas por simples contraprova.
Quando se fala em presunção de negligência ou desinteresse do titular do direito, como fundamento da prescrição, quer-se referir um pressuposto prévio, tido em conta pelo legislador, no desenho legal do respectivo instituto e seu regime, pressuposto que, como será evidente, não pode ser posto em causa por qualquer meio de prova.
Por isso mesmo, a segurança e certeza jurídica que se quis assegurar através do mecanismo da prescrição, não pode ser atendida ou desatendida em função da diligência ou negligência do titular no exercício do direito, em cada caso concreto, como parece pretender o recorrente.
Consequentemente, não há que questionar se o A. foi ou não negligente no exercício do seu invocado direito à indemnização, mas, simplesmente, constatar se o exerceu ou não dentro do prazo prescricional previsto na lei para o caso concreto”.
Ora, “Tratando de acto interruptivo judicial (artº 323 nºs 1 e 4 do CC), a extensão objectiva da interrupção da prescrição determina-se pelo pedido e pela causa de pedir (Ac. do S.T.J de 22/02/2007. Proc. n.º 06B4510, Relator Pereira da Silva).
Quando o art. 323 n. 1 do C. Civil preceitua que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação que exprima a intenção de exercer o direito, tem de entender-se que se refere ao direito que se vem invocar na acção onde a interrupção é invocada. "A prescrição começa em regra logo que nasce a pretensão accionável" (Vaz Serra, BMJ 106-23) ou, como ensinava Manuel Andrade face ao C. Civil de 1867, é aplicável "a quaisquer direitos subjectivos" (Teoria Geral, Vol. II-446). E justifica-se, entre outros fundamentos alegáveis (Manuel de Andrade, o.e 1. cit) "na negligência do titular do direito em exercitá-lo no período indicado na lei" ou (segundo Vaz Serra, BMJ 107-193) na "inacção e negligência do credor".
Se bem que a doutrina (Vaz Serra, RLJ 112-288 e segs.) e a jurisprudência (acórdão ampliado de 26-3-98, BMJ de 26-3-98, BMJ 475-21 e Ac. STJ de 12-3-98, CJ(S) VI 1-127) consignem em termos amplos os actos susceptíveis de interromper a prescrição, há-de sempre entender-se que esses actos se referem ao direito que vem exercido na acção.
Como se diz no Ac. do STJ de 11/03/1999, Proc. n.º 98B1198, Relator Simões Freire “Os actos susceptíveis de interromper a prescrição, hão-de sempre referir-se ao direito que vem exercido na acção. Não pode, pois, o titular do direito accionar uma parte, que julgou responsável, e vir depois demandar outrem, modificando os pressupostos da culpa ou do risco, e, aproveitando-se da sua intervenção na acção anterior, em que exercera o direito com outros pressupostos, ter como interrompida a prescrição com a dita intervenção na acção anterior”.
Ora, naquela arguição de nulidade, o direito exercido era a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial, com fundamento da falta de citação para reclamar o seu crédito.
O direito que a Autora pretende ver aqui reconhecido é o de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização, baseada na responsabilidade extracontratual.
Daqui não se pode extrapolar, como faz a apelante, que ao serem notificados do teor do incidente de arguição de nulidade deduzido no âmbito daquela execução, tomaram conhecimento de que, caso a ali exponente viesse a ter elementos para verificar que a falta não fora do tribunal, ou no caso de improcedência desse incidente, lhes poderia vir a reclamar uma indemnização.
Muito menos se pode concluir, como faz a apelante que “se arguia a nulidade da venda para defender os seus direitos, era de esperar que não deixaria de pedir indemnização, caso verificasse que, afinal, tinha este direito e não aquele, ou caso lhe fosse decretado que agisse antes daquela forma, como efectivamente veio a suceder”.
Na verdade, como acima se viu, a apelante tinha conhecimento do direito que lhe assistia pelo menos desde 24/09/2007, sendo certo, como bem se diz na sentença recorrida, que “O conhecimento de um direito não se transmite através de uma decisão judicial de indeferimento de uma pretensão, mas sim através da cognição dos factos que permitem ao lesado exercer o seu direito através dos meios judiciais de que dispõe e que só a ele compete escolher”.
Aliás, recorde-se que o direito que a ora apelante entendeu por bem exercer na arguição de nulidade (direito anulatório, de cariz processual) foi a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial, o qual não se pode confundir com o pedido de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização, baseada na responsabilidade extracontratual, direito indemnizatório, de cariz substantivo.
Que a Recorrente tenha optado por “lançar mão do mecanismo que lhe pareceu ser o mais justo e sensato (face aos elementos de que dispunha)” é uma opção técnica a que os ora apelados são alheios.
Note-se que a Recorrente não estava, de modo algum, obrigada a aguardar pela resposta ao seu requerimento de arguição de nulidade derivada da falta de citação para intentar a acção de indemnização baseada na responsabilidade civil extracontratual.
Assim, bem tirada está, na sentença apelada, a conclusão de que “há que concluir que o direito de crédito de que a Autora se arroga na presente acção está irremediavelmente prescrito, uma vez que entre o conhecimento do direito (24 de Setembro de 2007) e a citação dos Réus para a presente acção (posterior a 29 de Novembro de 2010, data da propositura da presente acção) decorreram mais de três anos.
Improcede assim a apelação.
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SUMÁRIO:
I - Estabelece o art. 323 n.º 1 do C. Civil que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
II - Tratando de acto interruptivo judicial (artº 323 nºs 1 e 4 do CC), a extensão objectiva da interrupção da prescrição determina-se pelo pedido e pela causa de pedir, pois, quando o art. 323 n. 1 do C. Civil preceitua que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação que exprima a intenção de exercer o direito, tem de entender-se que se refere ao direito que se vem invocar na acção onde a interrupção é invocada.
III – Na arguição de nulidade formulada numa execução com fundamento na falta de citação para reclamar o seu crédito., o direito ali exercido era a anulação de todo o processado posterior ao momento em que a citação deveria ter ocorrido, o cancelamento das inscrições prediais entretanto lavradas e a imediata comunicação do incidente à Conservatória do Registo Predial.
IV - O direito que a Autora pretende ver aqui reconhecido é o de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização, baseada na responsabilidade extracontratual.
V - Não é aplicável o art. 323º nº 1 do Cód. Civil quando o direito cuja prescrição foi evitada com a citação ou notificação para outra acção é outro e não o mesmo que posteriormente exerceu, pelo que não ocorreu interrupção da prescrição com a citação dos RR da arguição de nulidade na referida execução.

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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 21 de Abril de 2016.