Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
75/17.3T8MTR.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PROMOVER O REGISTO
IMPULSO PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Só quando, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos art.´s 6.º e 7.º do CPC, o juiz deva proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção, se impõe que, não tendo aquele dever sido cumprido, antes de decorrido o prazo da deserção, o juiz notifique as partes para exercício do contraditório antes de se pronunciar sobre a verificação daquela;

II- A obrigação de promover o registo da ação não impende sobre o autor, mas sim sobre o tribunal, nada justificando, por outro lado, a paralisação ou suspensão dos autos até à comprovação do referido registo, devendo, pelo contrário, o processo prosseguir a sua normal tramitação enquanto o tribunal realiza as diligências tendentes ao dito registo, nenhumas consequências advindo da eventual impossibilidade de efetivar tal registo ou de o efetivar sem dúvidas.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Na ação de divisão de coisa comum intentada por A. G. e outros contra A. V. e M. P., inconformados com a decisão da primeira instância que julgou deserta a instância, os primeiros interpuseram o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

1ª-) Não ocorre nos autos a deserção da instância a que alude o artigo 281º do CPC, normativo que a sentença recorrida violou;
2ª-) A sentença recorrida fez uma errada aplicação deste normativo aos factos e aos actos processuais constantes dos autos, demonstrativos do impulso processual promovido pelos Autores;
3ª-) Havendo prova nos autos de que após o despacho de 13.10.2018 os AA. praticaram actos no processo, o Juiz “a quo” tinha o poder-dever de mandar notificar os AA. no sentido de virem aos autos informar se o registo da acção já estaria ou não concluído;
4ª-) Antes de declarar a deserção da instância, cumpria sempre ao Tribunal diligenciar pelo apuramento do circunstancialismo factual que permitisse sustentar a afirmação do comportamento negligente que procurava sancionar com a cominada deserção;
5ª-) Tendo os recorrentes sido notificados em 16.11.2018 do despacho datado de 13.11.2018, que determinou que os autos ficariam a aguardar sem prejuízo do disposto no art.º 281.º do CPC, e tendo os mesmos requerido a emissão da certidão para efeitos de registo da acção em 24.11.2018, a qual só em 26.11.2018 é que lhes foi pelo Tribunal disponibilizada, jamais se poderia ter considerada a deserção da instância em 20.05.2019, contando-se o prazo de seis meses desde aquela data de 16.11.2018;
6ª-) Tendo os recorrentes requerido o registo da acção em 27.11.2018, e tendo os mesmos sido notificados pela Conservatória do Registo Predial de …, em 06.12.2018, de que o registo estava lavrado, só depois deste mesmo dia é que se poderia considerar que os autos estiveram parados por falta de impulso processual dos AA., sendo que o prazo de seis meses apenas se esgotaria em 06.06.2019;
7ª-) Nos termos do artigo 281º nº 1 do Código de Processo Civil, a ideia de negligência das partes, tem subjacente a apreciação e valoração de um comportamento omissivo dos sujeitos processuais, o que claramente não se verificou no caso em apreço;
8ª-) Os recorrentes diligenciaram para que fosse obtida e disponibilizada pelo Tribunal a certidão necessária para procederem ao registo da acção na Conservatória do Registo Predial;
9ª-) A negligência processual não pode presumir-se do simples facto de ter decorrido o aludido prazo de seis meses sem que alguma diligência tenha sido promovida por parte daquele que tem aquele ónus;
10ª-) No caso dos autos, o Tribunal “a quo”, não teve em consideração as diligências praticadas pelos recorrentes, não analisando se existiu ou não negligência das partes, bem como, não relevou os actos que foram praticados pelas partes, no decurso do prazo entre Novembro de 2018 e Dezembro de 2018;
11ª-) O processo não esteve parado em momento algum por mais de 6 meses, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos para ser extinta por deserção a presente acção.
12ª-) A sentença recorrida fez assim uma incorrecta interpretação dos factos subjacentes e uma incorrecta inadequada interpretação e aplicação do artigo 281º do CPC, que assim se mostra violado.

Terminam pedindo seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento da presente acção declarativa.
Os Réus não apresentaram contra-alegações.

II. QUESTÃO PRÉVIA

Com as suas alegações, juntaram os Recorrentes dois documentos: um comprovativo do requerimento para registo da ação e outro do “despacho de qualificação” proferido sobre tal requerimento
Cumpre decidir da admissibilidade de tal junção.
É inquestionável que a junção de prova documental “deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, Almedina, p.191).

Nesse sentido, prevê o artigo 425º do Código de Processo Civil que, depois “do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Assim, a parte que pretenda juntar documentos com as alegações deve justificar o carácter superveniente da junção, seja ela de ordem objetiva seja ela de ordem subjetiva (cfr. Abrantes Geraldes, Ob. Cit, pág.191).

Face ao exposto, tendo presente que ambos os documentos apresentados com as alegações são anteriores à decisão recorrida e que nada foi invocado no sentido de justificar o eventual carácter superveniente, em termos subjetivos, da dita junção, evidente se torna a inadmissibilidade, por extemporaneidade, da junção de documentos ora em apreço, nenhuma consequência dela se podendo extrair para efeito do presente recurso.
Todavia, uma vez que tais documentos comprovam o registo provisório da ação por dúvidas, não se ordenará o seu desentranhamento, cabendo ulteriormente à primeira instância apreciar, no caso de revogação do despacho recorrido, da relevância do documentado para aferir da satisfação da obrigação de promoção do registo da ação.

Decisão:
Pelo exposto, não obstante não se admitir a junção de documentos em causa para efeito do presente recurso, determina-se que, por ora, aqueles fiquem nos autos para ulterior apreciação da sua eventual relevância para aferir da satisfação da obrigação de promoção do registo da ação, pela primeira instância.
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III. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, a questão a decidir que releva das conclusões recursórias é a seguinte:

- Saber se a deserção só pode ser declarada após prévia notificação às partes para se pronunciarem sobre a verificação dos respetivos requisitos;
- Saber se a paragem do processo por mais de seis meses é imputável à negligência do autor, o que implica saber se, nas ações reais, sobre o autor recai o dever de impulsionar o processo, promovendo o registo da ação.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO

Os Factos

É a seguinte a factualidade que, à data da prolação da decisão recorrida, resultava documentada nos autos:

1. Em 08.10.2018 foi proferido o seguinte despacho:

A presente acção de divisão de coisa comum está sujeita a registo, nos termos do disposto nos artigos 2º/1/a), 3º/1/a) e 5º/1, todos do Código do Registo Predial.
Assim sendo, notifique os Autores para proceder ao registo da acção na Conservatória do Registo Predial competente.

2. Em 13.11.2018 a juíza a quo exarou nos autos:

Aguardem os autos, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º do CPC.
Notifique.

3. Na mesma data o referido despacho foi notificado às partes.
4. Em 24.11.2018 os Autores requereram a emissão de certidão de fotocópia da Petição Inicial e respetivos documentos anexos nos presentes autos, bem como certificação narrativa da data de entrada da referida Petição Inicial, a fim de poderem proceder ao registo da referida ação.
5. Na mesma data, foi emitida a requerida certidão.
5. Em 20-05-2019 foi proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte:
Decorridos que se encontram mais de seis meses desde a data do despacho proferido a 13/11/2018 e não tendo os autores dado o devido impulso processual aos autos, ao abrigo do disposto nos artigos 277.º alínea c) e 281.º n.º 1 do Código de Processo Civil, declaro extinta a presente instância por deserção.
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Custas a cargo dos autores, nos termos do disposto no artigo 527.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

O Direito

Começará por se recordar que, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, “dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento”: “o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos” (Acórdão da Relação de Coimbra de 06.11.2012).

O mesmo frisa Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 110: “A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar a que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas”.

Daí que só os factos que já haviam sido carreados para o processo antes da decisão recorrida possam ser considerados para efeito da decisão do recurso, estando vedado a este tribunal decidir, nomeadamente para efeito de apreciação do pressuposto da negligência, com base em factualidade só agora alegada pelos Recorrentes, no que tange a diligências (e seus resultados) por eles levadas a cabo desde a prolação do despacho que determinou que os autos aguardassem o decurso do prazo previsto no art. 281º do CPC, só aos mesmos sendo de imputar a falta de conhecimento, pelo tribunal a quo, dos esforços por eles envidados para cumprir o que lhes foi determinado e as consequências que daí possam advir.
Na verdade, “seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente seguimos um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso” (autor e obra citados, pág. 110).
Isto dito, passemos, então, a reponderar o quadro factual percetível, ao julgador a quo, no momento da decisão recorrida, à luz das pertinentes normas legais.
Nos termos do art. 281º, nº 1, do CPC “sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
No CPC de 1961 a inércia das partes em promover os termos do processo, se negligente, dava lugar, passado mais de um ano, à interrupção da instância, originando esta, caso se mantivesse por dois anos, a deserção da instância (cfr. art.´s 285º e 291º).
Para além de encurtado o prazo em que a instância, sem o necessário impulso processual das partes, se extingue por deserção, atualmente esta passou a depender de despacho judicial que, após constatar a inércia negligente da parte em promover os ulteriores termos do processo, a julgue verificada.
Mas haverá necessidade de notificação prévia às partes no sentido de tomarem posição sobre a referida questão?

No caso, é de excluir tal necessidade, porquanto, com a notificação dos dois anteriores despachos ficou bem claro para os Autores que, na perspetiva do juiz a quo, teriam que demonstrar a realização do registo em causa dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegarem e provarem que, não lhes ter sido possível fazê-lo sem culpa/negligência.
Não o tendo feito – como não fizeram no tempo oportuno, só o tendo tentado fazer em sede de alegações de recurso –, estavam cientes das consequências que, na ótica do julgador da primeira instância, daí adviriam para o processo, não constituindo, pois a decisão recorrida qualquer surpresa.

A questão fundamental a que urge dar resposta será, pois, a de saber se se pode imputar a objetiva paragem do processo por mais de seis meses – desde 13.11.2018, data em que a juíza a quo exarou nos autos despacho a determinar que os autos aguardassem, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º do CPC, e em que o referido despacho foi notificado às partes, até 20.05.2019 – à negligência dos Autores, ora Recorrentes.
Em primeiro lugar, importa, desde logo, frisar que só tem sentido falar-se em negligência das partes se sobre elas (ou sobre alguma delas em particular) recair o dever de impulsionar os autos.
Isso mesmo reafirmou o STJ, na esteira de um outro Acórdão daquele Supremo, de 05.07.2018 (processo nº 105415/12.2YIPRT.P1.S1), em recente acórdão de 3 de outubro de 2019 (Relatora – Maria Rosa Oliveira Tching), onde se frisa que “não releva, para efeitos de deserção da instância, que o processo esteja a aguardar o impulso processual da parte por um período superior a 6 meses, se sobre a parte não recair o ónus específico de promoção da atividade processual, ou seja, se a parte não estiver onerada com o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados atos cuja omissão impeça o prosseguimento da causa”.
Com efeito, “tal vicissitude radica no princípio da auto-responsabilidade das partes, na medida em que lhes incumba o impulso processual subsequente, o que deve ser aferido, à luz do disposto na diretriz geral do artigo 6.º, n.º 1, do CPC, em função do ónus de impulso especialmente imposto por lei àquelas, cumprindo, por seu turno, ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação” (Acórdão do STJ de 03.05.2018, Relator – Tomé Gomes).

Caberia, no caso, aos Autores impulsionar os autos, sendo, por isso, de lhes imputar a paragem do processo?

Em causa está uma ação de divisão de coisa comum, que segue o processo especial regulado nos arts. 925º e seguintes CPC, ação essa que reveste natureza real, estando, pois, sujeita a registo predial (art. 2º, nº1,a) e 3º, nº1, a), do Cód. Reg. Predial), a tal registo se referindo o despacho inicial do juiz a quo: certo é, portanto, que a obrigação cuja necessidade de cumprimento esteve subjacente à verificada paralisação dos autos foi a relacionada com esse mesmo registo.
A questão que se coloca é, pois, a de saber sobre quem efetivamente recai o dever de promover o registo da ação.
Ora, como claramente se diz no Acórdão desta Relação de 23.11.2017 (Relator - Afonso Cabral de Andrade), atualmente, a regra em matéria de registo das ações reais é esta: deve o Tribunal promover oficiosamente o registo.

Na verdade, como ali se recorda:

“Antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de Julho, o nº 2 do art. 3º do Código de Registo Predial dispunha que “as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência”.
Porém, o diploma supra citado veio abolir esse nº 2, desaparecendo esse obstáculo legal ao andamento dos processos.
Concomitantemente, o art. 8º-B, introduzido pelo mesmo DL, e depois sucessivamente retalhado por vários outros diplomas, até ter, actualmente, o seu texto definido pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio, veio dizer quem são os sujeitos da obrigação de registar. Depois de no seu nº 1 estabelecer o regime regra quanto à obrigação de registar, mas com a ressalva do disposto no nº 3. Este, por seu turno, estatui que “estão ainda obrigados a promover o registo: a) Os tribunais no que respeita às acções, às decisões e a outros procedimentos e providências ou actos judiciais” (…).
Assim, como escreve Lebre de Freitas, in A acção declarativa comum, 4ª edição, fls. 70, “a promoção destas inscrições registais é feita pelo Tribunal, oficiosamente; mas nada impede o autor de as requerer, de acordo com a norma geral de legitimidade do art. 36º CódRegPredial, com base em certidão, duplicado, (…).”
E, assim sendo, não é o facto de ter sido proferido despacho a determinar que os autos aguardassem (subentende-se, o impulso processual dos Autores), “sem prejuízo do disposto no art.º 281.º do CPC”, que, por si só, “faz recair sobre os mesmos qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção, sendo necessário que o ónus de promoção da atividade processual decorra de alguma norma legal.” (citado Acórdão de 3 de outubro de 2019, Relatora – Maria Rosa Oliveira Tching)
Pelo que, nos presentes autos como naqueles em que foi proferido o acórdão acabado de citar, “não havia qualquer fundamento para o Tribunal de 1ª Instância considerar a instância parada e determinar que os autos ficassem a aguardar impulso processual por parte dos interessados, pelo que a alusão que naquele despacho foi feita ao previsto no art. 281º do CPC revela-se sem conteúdo na medida em que o prosseguimento da instância não estava dependente de qualquer impulso processual por parte dos interessados”.
Afigura-se, aliás, que a imposição legal de registo da ação não obriga a que, para que o processo prossiga, seja necessário proceder à comprovação nos autos do registo da ação.
Na verdade, nem a lei o diz – tendo, pelo contrário, como já se referiu, sido eliminada a norma que se referia à paragem do processo até que se mostrasse comprovada a efetivação do registo –, nem a finalidade do registo da ação, sem opção do legislador nesse sentido, o impõe.

Acompanhando o que a respeito da finalidade do registo das ações se refere no Acórdão desta Relação de 12.10.2017 (Relatora – Maria dos Anjos S. Melo Nogueira), recordar-se-á que:

“O registo configura-se (…) como uma conditio juris da oponibilidade a terceiros dos factos a ele sujeitos.
Com esse fim, dispõe o nosso sistema de registo predial de mecanismos que permitem antecipar a oponibilidade a terceiros de factos (de natureza negocial ou judicial) ainda não realizados ou concluídos mas que é suposto virem a realizar-se ou a concluir-se, reportados aos casos de registo provisório por natureza que o n.° 1 do art.º 92°, do CRP contempla, com uma função eminentemente cautelar.
Ora, é precisamente nos registos deste último tipo, isto é, nos registos cautelares (de natureza provisória por natureza), que a lei enquadra o registo das acções (citado art.º 91°, n.° 1, al. a), embora reconhecidamente tal registo opere normalmente um efeito distinto daquele que, em geral, se verifica em relação ao registo de factos a ele sujeitos.
Na verdade, é através do registo das acções que o autor cumpre o objectivo de garantir antecipadamente a oponibilidade a terceiros da providência ou providências que o tribunal venha a decretar e impedir, consequentemente, que estes últimos se possam prevalecer de direitos que sobre o prédio venham a adquirir do réu (ou de outrem) ou, se adquiridos mesmo anteriormente, os não tenham registado antes do registo da acção (art.°s 5°, n.1, 6°, n.°s 1 e 3, e 95°, n.° 1, al. g, todos CRP).

No parecer emitido pelo Conselho Técnico da Direcçao-Geral dos Registos e do Notariado publicado in Regesta n.° 59, o registo provisório da acção constitui a antecâmara do registo da decisão final que nela venha a ser proferida. Como tal, a função do registo da acção é, pois, a de assegurar ao autor que os efeitos materiais da sentença que lhe for favorável vincularão todos aqueles - não intervenientes na acção - que, não tendo registado a aquisição antes do registo da acção, hajam adquirido ou venham a adquirir sobre a coisa litigiosa direitos incompatíveis com aquele que o autor pretende fazer valer em juízo.”
Em sintonia, quando a lei previa o não prosseguimento das ações sujeitas a registo após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, a jurisprudência entendia que a suspensão da instância decorrente daquele imperativo legal se destinava a permitir à parte que requeresse o registo, com vista a proteger aquele seu interesse, não se lhe impondo a obrigação de recorrer em caso de indeferimento do pedido de registo (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 23.03.1989, in CJ, 1989, tomo 2, pág. 209), entendimento esse que a lei veio a consagrar aditando um nº 3 ao art. 3º do Cód. Reg. Predial, segundo o qual se o registo fosse recusado com fundamento em que a ação a este não estava sujeito, a recusa fazia cessar a suspensão da instância a que se referia o nº 2 do mesmo artigo.
E a mesma solução era sufragada para a hipótese de o registo ser feito "provisoriamente por dúvidas", o que se defendia, “por maioria de razão”, “uma vez que não há então fundamento de recusa (artigo 70 do citado Código do Registo Predial)”, não devendo o requerente do registo “ser forçado a eliminar tais dúvidas” (cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 8 de Junho de 1989, na Col., XIV, 3, página 138, e de 30 de abril de 1996, Relator - Martins da Costa).
Igualmente se entendendo que a não suspensão da instância após os articulados não constituía qualquer nulidade processual (Acórdão da Relação de Coimbra de 17.01.2006, Relator - Ferreira de Barros, em sintonia com preconizado no acórdão da mesma Relação publicado na CJ 1997, 5º, p. 38, e no acórdão da Relação de Lisboa, publicado na CJ 1989, 2º, p. 113).
O que tudo denota que a paralisação do processo para efeito de registo da ação se destinava, fundamentalmente, à proteção do interesse do autor.
Não se olvida que, com o registo se salvaguarda também a segurança do comércio: “ao mesmo tempo que assegura os interesses do autor, o registo da acção tende igualmente a proteger eventuais interessados, alertando-os para o facto de a titularidade registral a favor do réu ou a existência ou inexistência tabulares de um direito sobre o prédio inscrito em nome deste poderem vir a ser prejudicados pela pretensão do autor, caso obtenha ganho de causa” (Seabra Magalhães, in Estudos de Registo Predial, pág. 24 e ss.). Mas a verdade é que, não sendo a ação registada, a posição dos terceiros acaba por ficar sempre acautelada por força da inoponibilidade aos mesmos da providência ou providências que o tribunal venha a decretar.
É, pois, compreensível a opção do legislador em eliminar a norma que previa a falta de comprovação do registo da ação como obstáculo legal ao andamento dos processos, norma, essa, que, sem especiais vantagens, constituía um forte entrave à celeridade processual.
Veja-se, aliás, que, clarificando a sua posição, o legislador refere uma obrigação de “promover” o registo e não uma obrigação de “proceder” ao registo ou de “comprovar” o registo.

Face ao exposto, cabe concluir que, para além de a referida obrigação de promover o registo da ação não impender sobre o autor, mas sim sobre o tribunal, nada justifica a paralisação ou suspensão dos autos até à comprovação do referido registo, devendo, pelo contrário, o processo prosseguir a sua normal tramitação enquanto o tribunal realiza as diligências tendentes ao dito registo, nenhumas consequências advindo da eventual impossibilidade de efetivar tal registo ou de o efetivar sem dúvidas.

Procede, pois, a apelação, devendo os autos prosseguir os seus normais trâmites sem aguardar a comprovação do registo da ação, cabendo apenas ao tribunal aferir, em simultâneo ao normal andamento do processo, do cumprimento, se já está ou não satisfeita, pela atuação, entretanto levada a cabo pelos Autores, a obrigação de promoção do referido registo cujo cumprimento ao tribunal competia.

Sumário:

I - Só quando, em decorrência dos deveres de gestão e cooperação processual consagrados nos art.´s 6.º e 7.º do CPC, o juiz deva proferir despacho interpelando as partes para impulsionarem os autos e advertindo-as para a eventualidade de a continuação da sua inércia integrar a deserção, se impõe que, não tendo aquele dever sido cumprido, antes de decorrido o prazo da deserção, o juiz notifique as partes para exercício do contraditório antes de se pronunciar sobre a verificação daquela;
II - A obrigação de promover o registo da ação não impende sobre o autor, mas sim sobre o tribunal, nada justificando, por outro lado, a paralisação ou suspensão dos autos até à comprovação do referido registo, devendo, pelo contrário, o processo prosseguir a sua normal tramitação enquanto o tribunal realiza as diligências tendentes ao dito registo, nenhumas consequências advindo da eventual impossibilidade de efetivar tal registo ou de o efetivar sem dúvidas.
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V. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando o normal prosseguimento dos autos.
Sem custas.
Guimarães, 30.10.2019

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues