Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
104778/19.3YIPRT
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: ARRENDAMENTO
RENDAS EM ATRASO
DEVER DE REALIZAR OBRAS NO LOCADO
INDEMNIZAÇÃO
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A obrigação do inquilino pagar a renda resulta do facto de lhe ser proporcionado o gozo da coisa, ou seja: obrigações correspetivas são, o dever do senhorio de proporcionar o gozo da coisa e o dever do inquilino de pagar a renda; não já o dever do inquilino de pagar a renda e dever do senhorio de realizar obras.
II - Se está vedado ao locatário poder valer-se da necessidade de obras no locado para se eximir ao pagamento da renda, não pode o mesmo fundamento (necessidade de obras) valer para justificar a mora.
III – A não realização de obras no locado não constitui facto culposo do lesado a concorrer para a produção ou agravamento dos danos e a justificar que a indemnização deva ser reduzida ou mesmo excluída.
IV - A obrigação do inquilino pagar a renda resulta do facto de lhe ser proporcionado o gozo da coisa, ou seja: obrigações correspectivas são, o dever do senhorio de proporcionar o gozo da coisa e o dever do inquilino de pagar a renda; não já o dever do inquilino de pagar a renda e dever do senhorio de realizar obras.
V - Em caso de necessidade de proceder a reparações no locado, o inquilino dispõe de meios que pode acionar - artigo 1036° do Código Civil, sendo que entre esses não se encontra o de não pagar a renda.
VI - A norma especial do artigo 1074º do Código Civil afasta a aplicação do regime geral da compensação, pelo que a locatária só poderá extinguir a obrigação do pagamento das rendas caso se tenha adiantado (e substituído ao senhorio) com a realização das obras.
VII - O dever de pagar a renda só pode ser extinto nos precisos termos previstos no regime do arrendamento e não com fundamento na compensação enquanto causa geral de extinção das obrigações.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

X, S.A., intentou ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09 contra M. J. – COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS, REP. MARCAS, UNIPESSOAL, LDA. e M. J., pedindo a condenação das Requeridas no pagamento da quantia total de € 9.222,00, distribuído por capital - € 9.120,00 e taxa de justiça - € 102,00.
Alega, em síntese, que por contrato escrito de 14/07/2014, foi dado de arrendamento à sociedade Requerida, para armazém e atividade industrial, o pavilhão do rés-do-chão, sito no Lugar …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz sob o art.º ...º, pelo prazo de 5 anos, com início em 01/08/2014, pela renda mensal de € 400,00 e a pagar até ao dia 8 do mês anterior aquele a que disser respeito. Por seu turno, a Requerida M. J., constituiu-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações contratuais da arrendatária.
Nem a Requerida arrendatária, nem a Requerida fiadora, pagaram, ou depositaram em tempo, as rendas relativas aos meses de Novembro de 2017 a Maio de 2019, cujos vencimentos ocorreram no primeiro dia útil de cada um dos meses anteriores aos referidos, num total de € 7.600,00. Ao referido valor, acresce a indemnização de 20%, nos termos do disposto no artigo 1041º, nº 1 do Código Civil.
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Notificadas as Requeridas, deduziram oposição, alegando, em suma, que denunciaram o contrato de arrendamento em causa em 14/11/2018, tendo na mesma data sido entregues as respetivas chaves, com fundamento na falta de condições do arrendado para a finalidade para a qual foi celebrado o contrato, pois desde o início do contrato que o imóvel apresentava problemas no telhado, permitindo a entrada de águas pluviais para o seu interior, situação que foi denunciada à Requerente, a qual aceitou realizar as obras respetivas, o que nunca chegou a acontecer. Mais alegam que as infiltrações de águas pluviais pelo telhado do arrendado provocaram danos num lote de mercadoria das Requeridas, no valor de € 90.000,00, que foi vendido pelo montante de € 43.442,00, acarretando um prejuízo de € 46.557,60.
Por exceção as Requeridas invocaram ainda a compensação entre o crédito da Requerente e o seu contra crédito.
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Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que reconheceu que a Requerente possui um crédito sobre as Requeridas no montante total de € 7.600,00 (sete mil e seiscentos euros) e julgou procedente a exceção de compensação, operando a compensação do crédito da sociedade Requerida até ao limite do crédito da Requerente, no montante de € 7.600,00, declarando o mesmo extinto.
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Inconformada com a sentença veio a Requerente interpor recurso terminando com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

A - Foram diferentemente relevados, sem motivo - antes pelo contrário -, os depoimentos das testemunhas arroladas pela autora, relativamente aos das arroladas pelas rés.
B - O descrito nas alíneas k), j) e l) não são factos, sim meras conclusões.
C - A decisão foi sustentada, entre mais, em correspondência levada ao processo pelo mandatário das rés, contendo factos protegidos pelo sigilo profissional de advogado, que não podem fazer prova em juízo.
D – Ainda que, sem prescindir, a referida correspondência pudesse ser atendida - e não pode -, sempre ela se limita a traduzir um acordo consubstanciado em, primeiro, ser efectuado o pagamento da totalidade das rendas em débito e, depois, só depois, serem levadas a cabo obras, sendo que aquele pagamento nunca foi concretizado.
E – Fundou-se a sentença, também, em obras que não caracterizou, concretizou ou identificou e que, assim, não eram susceptíveis de ser consideradas obrigação da autora, tanto mais que não vêm imputados a esta, nem mesmo pelas rés, quaisquer actos, factos ou comportamentos posteriores ao início do contrato, altura em que o locado se apresentava em boas condições, mesmo que só presumivelmente.
F - A autora não admitiu, muito menos expressamente, a obrigação de realização de obras, mas nada impedia que a ré sociedade, ela própria, as levasse a cabo para evitar os alarmantes prejuízos que alegou ter sofrido.
G – O facto p) - eventual prejuízo sofrido pela ré sociedade - não pode ser dado por assente com base em simples prova testemunhal, ainda que ajudada por documentos avulsos, visto só o poder ser por formalidade especial, o balanço societário.
H – A não realização de obras pela autora, ainda que a isso estivesse obrigada, e não estava, não podia justificar o não pagamento das rendas, omissão assumida pela ré para pressionar, sendo esta, assim, responsável pela indemnização devida pela mora, tanto mais que, tendo alegado a entrada de água no locado desde o início do contrato, não se coibiu de lá colocar, mais de três anos passados, a mercadoria que, alegadamente, veio a deteriorar-se.
I – Pesando diferentemente os depoimentos das testemunhas identificadas, levando em conta prova traduzida em actos praticados por advogado em violação do segredo profissional - e que, ainda assim, não permitia as conclusões a que chegou -, não identificando quaisquer obras que devessem ter sido levadas a cabo pela autora, considerando provada a existência de um prejuízo da ré sociedade com base em meros depoimentos e documentos avulsos, sem a verificação das necessárias formalidades, e não considerando a mora no pagamento das rendas do locado, por ter entendido haver incumprimento contratual da autora, violou a douta sentença recorrida o disposto nos arts. 92º.-1, corpo, e alíneas a), e) e f), 3 e 5 EOA, 570º.-1, 1036º.-1 e 2, 1040º.-1, 1041º.-1, 1043º.-2, 1044º., 1050º.-a) e 1083º.-1 e 5 CC, 8º.-1, 17º.-1, 52º.-1 e 123º.-1 CIRC e 607º.-4 e 5 CPC, pelo que é ilegal, como tal devendo ser declarada, e substituída por outra que decrete improcedente a excepção de compensação de créditos invocada pelas rés e condene estas na indemnização pela mora, obrigando-as no pagamento à autora, para além das rendas em débito, no montante de 7.600,00 €, em 20% sobre aquele valor - 1.520,00 €.
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As Recorridas apresentaram contra-alegações onde pugnam pela improcedência do recurso e a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil)

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes:
- Modificação da decisão da matéria de facto;
- Reapreciação de mérito.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.2.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
a) Por escrito particular intitulado “contrato de arrendamento comercial”, datado de 14 de Julho de 2014, I. P., na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A. P., declarou dar de arrendamento à sociedade Requerida, o pavilhão de rés-do-chão, composto de uma divisão ampla, 1 instalação sanitária e 1 escritório, logradouro, destinado a armazéns e actividade industrial, sito em …, freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º.
b) Mediante a renda mensal de € 400,00, a ser paga até ao dia 8 do mês anterior a que disser respeito.
c) O contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, com início no dia 01 de Agosto de 2014, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de um ano.
d) A Requerida M. J., vinculou-se ao referido contrato, obrigando-se, como fiadora e principal pagadora, por todas as obrigações assumidas pela sociedade arrendatária, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas respectivas e em todas as actualizações, quer no período inicial de duração do contrato, quer nas suas renovações, independentemente do seu montante, com renúncia expressa ao benefício de excussão prévia (cfr. cláusula décima sétima).
e) No referido contrato ficou estipulado que a arrendatária poderá denunciar o contrato mediante comunicação escrita, com aviso de recepção, a enviar à senhoria, com a antecedência mínima de 90 dias sobre o fim do prazo ou da sua renovação, sem que a denúncia confira qualquer indemnização (cfr. cláusula 15ª do contrato).
f) A Requerente adquiriu o imóvel à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A. P..
g) Por carta datada de 01 de Fevereiro de 2019, registada com AR, a Requerente comunicou à Requerida a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, solicitando-lhe a entrega do arrendado, livre de pessoas e coisas, até ao dia 31/07/2019.
h) As Requeridas não pagaram nem depositaram as rendas relativas aos meses de Novembro de 2017 a Maio de 2019.
i) Por carta datada de 14 de Novembro de 2018, entregue em mão nas instalações da imobiliária Y, a sociedade Requerida comunicou à Requerente denunciar o contrato de arrendamento celebrado, invocando como fundamento que o imóvel arrendado apresentava infiltrações no telhado causadoras de enormes prejuízos, que a senhoria nunca tinha reparado.
j) Desde o início da vigência do contrato de arrendamento que o imóvel apresentava problemas no telhado, permitindo a entrada de águas pluviais para o seu interior.
k) Situação que foi comunicada à Requerente, para que esta procedesse às necessárias obras de reparação do telhado do pavilhão.
l) A Requerente nunca procedeu à realização das referidas reparações.
m) Decorridos alguns meses, o portão de ferro que permitia o acesso ao imóvel partiu-se, impossibilitando o fecho do acesso ao pavilhão, somente vindo a ser reparado em Maio de 2018.
n) As infiltrações de águas pluviais pelo telhado do arrendado provocaram danos num lote de mercadoria da sociedade Requerida, no valor de € 90.000,00.
o) A sociedade requerida vendeu o referido lote de mercadorias pelo montante de € 43.442,40.
p) O prejuízo sofrido foi em montante não inferior a € 46.557,60.
q) Por carta datada de 02 de Dezembro de 2019, registada com AR, a sociedade Requerida interpelou a Requerente para pagar a quantia de € 46.557,60, a título de prejuízo sofrido com mercadoria danificada em consequência das infiltrações provenientes do telhado do arrendado.
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3.1.2. Factos Não Provados
Não resultaram factos não provados com relevância para a decisão da causa.
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3.2. O Direito
3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto

Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.

Assim, o artigo 640º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o ónus de:

a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

É hoje indiscutível a inadmissibilidade de recursos que se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto: o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se deve dar como provado.
Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretendem que a matéria de facto provada seja alterada.

Com a imposição destas indicações pretende-se impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” cfr Recursos no Novo Código de Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, 2017, pag.153.
Por estes motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada.
Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, também discriminada e explicadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada.
Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o nº 2 do artigo 640º, que: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
A exigência de assinalar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, tem uma triple finalidade: onerar o recorrente com o esforço de se assegurar que existem, na prova gravada em que se pretende fundar, declarações que efetivamente justificam a sua discordância; permitir um mais apurado exercício do contraditório, por conter uma mais concreta explicitação dos fundamentos da pretensão; possibilitar ao tribunal a direta verificação, pelo acesso aos elementos objetivos do processo, apontados pelo recorrente de forma definida e concretizada, da existência de alguns indícios nesse sentido, a exigir posterior análise.
Assim, a lei exige que o recorrente ao impugnar a matéria de facto com base em prova gravada, identifique de forma concreta a sua fonte de discordância, especificando, na gravação, os momentos em que se baseia (seja pela indicação do tempo, seja, mesmo, pela sua transcrição). Não é, pois, suficiente a mera reprodução dos dizeres da ata quanto ao início e final do depoimento de cada testemunha, do nome da testemunha, nem tão pouco a exposição das considerações subjetivas do recorrente sobre o que as mesmas disseram, para se cumprir a exigência prevista na lei.
Tão clara e perentória é a norma e tão importante para a salvaguarda da utilidade da impugnação da matéria de facto, reservando-a para os casos em que a parte tem sustento razoável para o efeito, que se entende que a subjugação a esta alínea não se traduz num desnecessário predomínio da forma sobre a matéria, mas à defesa do nível de exigência a que a impugnação da matéria de facto tem que corresponder (impedindo que o seu uso como simples passaporte para o prazo adicional de recurso traga labor acrescido aos tribunais da Relação, sem qualquer utilidade prática) – neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, ob. cit.
No caso em apreço, a Recorrente não declara expressamente a sua pretensão de impugnar a decisão sobre a matéria de facto. Admitindo-se em face da globalidade da sua alegação que o pretenda, não especifica os factos objeto da impugnação.
Das conclusões recursivas e respetivas alegações resulta que a Recorrente não concorda com a decisão, e discorda de todas as suas partes, da decisão da matéria de facto e sua motivação e da fundamentação de direito. Porém, ataca-a de forma global, e no percurso de dissensão entremeia considerandos subjetivos, passagens de depoimentos e ilações a retirar dos documentos ou ilações que os documentos não permitem retirar.
Mesmo a invocação da violação do sigilo profissional vem suscitada sem se dirigir especificamente a determinado facto concreto, sendo que, como resulta da motivação da sentença, a convicção do tribunal quanto aos factos provados baseou-se no conjunto da prova produzida apreciada criticamente. Ora, a simples discordância, por exegese diferenciada, da prova produzida não impõe a censura da sua convicção.
A abordagem impugnatória realizada pela Recorrente não cumpre manifestamente os requisitos legais.

Como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, a Recorrente:
- não faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados;
- não indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados;
- não refere a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida;
- e não indica as passagens da gravação em que se funda o recurso.

Em suma, a Recorrente só não concorda com a decisão.
E porque assim, reafirma-se que os ónus processuais de impugnação devem ser apreciados à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (Abrantes Geraldes, ob. cit, pag. 161).
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2015 “(…) II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada” – disponível em www.dgsi.pt.
E ainda no Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 05/16/2018, decidiu-se que “Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.” - disponível em www.dgsi.pt.
Termos em que se rejeita o recurso relativo à decisão da matéria de facto.
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3.2.2. Da subsunção jurídica

Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto, vejamos se é de alterar o mérito da decisão.
Não é matéria controvertida neste recurso que são devidas as rendas reclamadas, respeitantes ao período compreendido entre Novembro de 2017 e Maio de 2019.
As únicas questões controvertidas que se colocam são as de saber se a Requerente tem direito à indemnização prescrita no artigo 1041º, nº 1 do Código Civil e se deve operar a compensação de créditos deduzida pelas Requeridas.
No presente caso, a locatária constituiu-se em mora quanto à obrigação do pagamento das rendas referentes ao período de Novembro de 2017 a Maio de 2019.
Nos termos do disposto no artigo 1041º, nº 1 do Código Civil “Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem direito de exigir além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.”
Considerou-se na decisão recorrida que a locadora ao não executar as obras necessárias a dotar o locado de todas as condições para o fim a que se destinava, incumpriu, pelo menos, parcialmente a obrigação de assegurar o gozo do imóvel e que esse incumprimento contribuiu decisivamente para a falta de pagamento das rendas por parte da locatária, razão pela qual a indemnização deve ser excluída, nos termos do disposto no artigo 570º, nº 1, do Código Civil.
Contra este entendimento insurge-se a Recorrente defendendo que se a autora, como diz a sentença, não assegurou, ainda que só parcialmente, o gozo do imóvel, sobravam à ré os direitos de ir embora, de resolver o contrato ou de reduzir a renda, se a considerada diminuição do gozo fosse imputável à autora. Cita em abono da sua tese o acórdão do STJ, de 25.10.2011 assim sumariado: “I - A lei confere ao locatário a possibilidade de se substituir ao locador na reparação do locado ou outras despesas que, pela sua urgência, se não compadeçam com as delongas do procedimento judicial e se o fizer pode pedir o respectivo reembolso (art. 1036º. do CC). II - O direito ao reembolso por despesas com reparações (urgentes) que tenha realizado no locado não exime, exonera ou liberta o locatário de cumprir a obrigação axial do contrato de arrendamento que lhe está adstrita, a saber, o pagamento, atempado, da contraprestação pelo uso e fruição da coisa. III - O não cumprimento da obrigação imposta pelo sinalagma constituído pela relação contratual locatícia, relativamente ao locatário, não pode ter como base a não realização de reparações necessárias no locado por parte do locador. IV - Esta impossibilidade prende-se com o facto de a contraprestação imposta ao locatário estar temporalmente balizada e limitada e a realização de eventuais reparações não depender de prazo, porque o locatário se pode substituir ao locador na sua realização, no caso de urgência. V - A obrigação de pagamento de renda tem como pólo dialéctico da relação contratual locatícia a obrigação, por parte do senhorio, de proporcionar o uso da coisa, não podendo ser oposto o não cumprimento da primeira se não se verificar o correlativo incumprimento da segunda.”
Sufragamos na integra o aresto citado, e embora o seu alcance se limite à obrigação de pagamento da renda e já não à indemnização pela mora no cumprimento, cremos que a raiz do fundamento deste dever de indemnizar partilha o mesmo substrato no seio da relação contratual locatícia.
Se está vedado ao locatário poder valer-se da necessidade de obras no locado para se eximir ao pagamento da renda, não pode o mesmo fundamento (necessidade de obras) valer para purgar a mora.
É por essa razão que a lei exige que o locatário para por termo à ação de resolução do contrato, quando está em mora, tenha de pagar não só as rendas como também a indemnização (artigo 1048º, do Código Civil).
Esta indemnização, correspondente à falta de cumprimento pontual da principal obrigação contraída pelo locatário, representa nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela “uma forma criteriosa de conciliação entre o interesse do locador ao rendimento periódico do prédio e o interesse, individual e coletivo, da estabilidade da habitação. A solução vale hoje, porém, para todo o instituto da locação – para todas as formas de arrendamento e para o próprio aluguer”(1).
Baseou-se a decisão sindicanda na culpa do lesado prevista no artigo 570º, do Código Civil que estabelece que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Justificou-se que a “sociedade Requerida suspendeu o pagamento de rendas como forma de pressionar a senhoria a realizar as obras de reparação do telhado, é certo que não lhe era permitido suspender totalmente o pagamento das rendas, na medida em que continuou ocupar e a usufruir do imóvel, sendo que o pagamento da renda corresponde à contraprestação dessa fruição, no entanto, afigura-se-nos manifesto que a senhoria ao não executar as obras necessárias a dotar o locado de todas as condições para o fim a que se destinava, incumpriu, pelo menos, parcialmente a obrigação de assegurar o gozo do imóvel. Esse incumprimento contribuiu decisivamente para a falta de pagamento das rendas por parte da locatária, razão pela qual deve a indemnização referida ser excluída, nos termos do disposto no art.º 570º, nº 1 do Cód. Civil.”
Para além do que acima deixámos dito, e ressalvado o devido respeito, não podemos concordar com esta fundamentação.
O artigo 570º, do Código Civil não é uma norma de comportamento. O fundamento deste normativo assenta numa ideia jurídica de autorresponsabilidade do lesado, no sentido de uma imputação das consequências patrimoniais decorrentes de opções livres que tomou e que se revelaram desvantajosas para os seus interesses dada a sua aptidão autolesiva. Este principio desde que releve uma conduta contributiva assente em critérios ponderados, justifica, em nome da justiça material e da razoabilidade, a aplicação da solução de repartição prevista no artigo 570º.
Por outro lado, o enunciado do nº1, do artigo 570º, não deixa dúvidas quanto à necessidade da concorrência, para o dano, do facto culposo do lesado. Como ensina Brandão Proença, na sua obra A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, p. 425, “Se o nexo de causalidade entre o facto responsabilizante e o efeito danoso (…) é um dos pressupostos da responsabilidade civil, a partir do momento em que o legislador valora um dano, resultante de determinados comportamentos do lesante e do lesado, esse pressuposto perde a sua linearidade tornando-se mais complexo e passando a integrar a chamada concausalidade ou concorrência causal”. E acrescenta o autor que “não se podendo dizer que esse dano resulta em parte de cada uma das contribuições causais, é mais rigoroso afirmar-se que o dano não ocorreria sem a articulação causal de duas condutas (…). E prossegue afirmando que “corolário manifesto desse considerando é a afirmação de que a hipótese prevista no artigo 570º, nº1 integra a chamada concorrência real, efectiva ou necessária de causas, o que significa que o nexo entre a acção lesiva e o dano não é afastado pela condição cumulativa colocada pelo lesado, nem esta se apresenta, por ex., como uma derivação daquela acção.”
A exigência de uma causalidade efetiva, ou nas palavras de Guilherme Moreira de uma «relação de connexidade» (2), afasta a aplicação do normativo do artigo 570º à situação em análise, por a a falta de obras de reparação não constituir causa adequada do dano provocado pelo atraso no pagamento das rendas.
Assim, a sociedade Requerida deve à Requerente, para além das rendas a correspetiva indemnização.
Quanto à questão da compensação, atento o quadro factual, trata-se de exceção que não pode operar no campo da locação.
Constitui obrigação do locatário avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa (artigo 1038º, alínea h), do Código Civil).
Perante as infiltrações no locado, a não realização de obras por parte do locador, concedia à locatária duas vias de tutela jurídica: (i) ou arrogar-se o direito de reduzir a renda proporcionalmente ao tempo da privação ou à extensão desta (artigo 1040º, nº1, do Código Civil) ou (ii) realizar ela própria as obras, desde que urgentes, podendo efetuar posteriormente a compensação do seu crédito pelas despesas com a realização das obras com a obrigação de pagamento da renda (artigos 1074º, nº3, e 1036º do Código Civil).
A primeira via corresponde a uma manifestação especial da exceção do contrato não cumprido, prevista no artigo 428º do Código Civil (3). Contudo, como sempre adverte a doutrina (4) e a jurisprudência (5), esta exceção tem um limitado campo de aplicação em matéria de locação. A razão da limitação prende-se com a natureza sinalagmática das prestações e com a sua concretização prática, pois que, como esclarece Aragão Seia “uma vez entregue ao locatário a coisa locada, o sinalagma em grande medida se desfaz” (6), e explica que sendo certo que o locador continua obrigado a proporcionar o gozo da coisa ao locatário, esta é uma obrigação sem prazo ou dia certo para o seu cumprimento, ao passo que é a termo a do pagamento da renda.
A exceção do não cumprimento do contrato é própria dos contratos bilaterais, mas para que a exceção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspetivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra (7).
A propósito escreveu-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Abril de 2014 (8): “Ora, a obrigação do inquilino pagar a renda resulta do facto de lhe ser proporcionado o gozo da coisa, ou seja: obrigações correspectivas são, o dever do senhorio de proporcionar o gozo da coisa e o dever do inquilino de pagar a renda; não já o dever do inquilino de pagar a renda e o puro e simples dever do senhorio de realizar obras.
Ademais, em caso de necessidade de proceder a reparações no locado, o inquilino dispõe de meios que pode accionar - artigo 1036° do Código Civil, sendo que entre esses não se encontra o de não pagar a renda.
Ou seja, em princípio, a mora do senhorio na realização das obras não justifica a invocação da excepção de não cumprimento do contrato. Mantendo-se o arrendatário no gozo do arrendado, o dever que o senhorio tem de proceder a reparações não é correspectivo do dever do arrendatário pagar, pontualmente, as rendas convencionadas, pois à obrigação de pagar a renda contrapõe-se o dever de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo do arrendado”.
Porque as vicissitudes ocorridas durante a vida de uma relação contratual podem ser tantas e de tão variada espécie, tem-se admitido em situações limite o funcionamento do instituto, mas fazendo intervir então o princípio da boa fé ou mesmo o abuso do direito. Escreveu Almeida Costa na RLJ 119º, p 144: “Seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da exceção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito”.
Quer dizer, quando esteja em causa a inobservância, pelo senhorio, do dever de realizar obras que impliquem diretamente com o gozo da coisa pelo inquilino, privando-o desse gozo, desde que observado o principio da proporcionalidade, admite-se a invocação da referida exceção por parte do inquilino, não pagando toda ou parte da renda. Importa, contudo, que em cada caso sejam observadas as regras da boa-fé e preservado o equilíbrio contratual, impondo-se a proporcionalidade entre a infração contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a exceção.
Por essa razão, a jurisprudência é praticamente unanime no entendimento de que a mora do senhorio em fazer obras sem que tal implique a perda da coisa locada, não justifica que o arrendatário deixe de pagar as rendas, considerando que à falta de cumprimento da obrigação de fazer as obras corresponde o dever geral de indemnização, nos termos do artigo 562° do Código Civil e a faculdade conferida pelo artigo 1036° do mesmo Código. Assim se decidiu, a título de exemplo, no acórdão da Relação de Coimbra, de 29 de outubro de 1996: “O arrendatário, no caso de mora do senhorio na reparação dos defeitos, não pode, mantendo-se no gozo da coisa locada, e enquanto subsistir o contrato, deixar de pagar a renda no momento oportuno, sob pena de incorrer em mora” (9); no acórdão da Relação de Guimarães de 03 de março de 2016: “2. A excepção de não cumprimento do contrato é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desiquilíbrio, injustificado e contrário à boa-fé, entre as prestações a cargo das partes contraentes, configurando-se a exceptio como um meio de repôr o dito equilíbrio (sinalagma) contratual. 3. Destarte, por princípio, a excepção de não cumprimento do contrato é aplicável no âmbito do contrato de arrendamento. 4. Todavia, regra geral, a mora do senhorio na realização de obras não justifica a invocação da exceptio, por inexistência de correspectividade entre a obrigação de pagamento da renda a cargo do arrendatário e a obrigação do senhorio de efectuar, em determinadas condições, obras no locado; Só assim não será se a omissão das ditas obras implicar directamente com o gozo do imóvel, gerando uma situação de privação, total ou parcial, desse gozo por parte do arrendatário. 5. Por outro lado, ainda, a circunstância de o locado, por força de vícios ou patologias supervenientes, não vier a proporcionar boas condições de habitabilidade, a exceptio apenas é de admitir se o arrendatário ficar privado, total ou parcialmente, do gozo do locado, mas já não o será se, a despeito de tais patologias ou vícios, o arrendatário permanecer no gozo do mesmo, designadamente se aí continuar a habitar, assim como o respectivo agregado familiar. 6. Em tais condições, a falta de pagamento da renda por parte do arrendatário, a coberto da alegada exceptio, mostra-se injustificada e constitui justa causa de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio” (10).
Na doutrina destacamos Calvão da Silva, que a propósito refere que: “se o locatário paga a renda e o locador não repara as deteriorações do imóvel que é obrigado a garantir, aquele pode suspender o pagamento da renda (de toda a renda) quando se trate de não cumprimento do locador que exclua totalmente o gozo da coisa; no caso de privação parcial do gozo, imputável ao locador, o locatário apenas poderá suspender o pagamento de parte da renda” (11).
No caso dos autos, tratando-se de matéria de exceção cabia às Requeridas o ónus da respetiva alegação e prova, não tendo resultado demonstrado que as patologias do telhado impediram a utilização do locado, pois que não obstante terem sido detetadas logo no inicio do contrato em 2014, a Requerida locatária manteve-se no seu gozo até, pelo menos, novembro de 2018, não tem cabimento a exceção de não cumprimento do contrato.
Quanto à compensação, propriamente dita.
A Requerida não exerceu a faculdade que lhe era conferida pelo artigo 1040º, nº1, do Código Civil (redução do valor da renda por privação o uso do locado).
Antes pretende ver compensado o valor do prejuízo causado com as patologias do locado com o valor das rendas que não pagou. Ou seja, a Requerida pretende extinguir a sua obrigação de pagamento das rendas com a compensação do seu crédito decorrente dos prejuízos sofridos.
Sucede que, a norma especial do artigo 1074º do Código Civil afasta a aplicação do regime geral da compensação.
Decorre deste preceito, no que agora releva, que cabe ao senhorio executar as obras de conservação necessárias ao fim do contrato, podendo, no entanto, o arrendatário executar tais obras se aquele estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações que pela sua urgência se não compadeçam com as delongas do procedimento judicial. O arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.
Logo, emerge do regime especifico da locação que a Ré apenas poderia extinguir a sua obrigação do pagamento das rendas caso se tivesse adiantado (e substituído ao senhorio) com a realização das obras, o que não fez.
Como se afirma no acórdão da Relação do Lisboa de 28 de março de 2017: “No regime do despejo imediato (Artigo 14º, nos. 4 e 5 do NRAU) está aflorada a regra de que só nos casos especificamente previstos no regime do arrendamento é que o arrendatário pode suspender o pagamento da renda (Artigo 1040º do Código Civil) ou invocar o regime da compensação para extinguir o dever de pagamento da renda (Artigo 1074º, nº3, do Código Civil). Com efeito, não obsta à imediata procedência do incidente o facto de o arrendatário ter deduzido na ação principal de despejo pedido reconvencional de condenação do senhorio na realização de obras e invocado a legitimidade de recusa do pagamento das rendas invocando a exceção de não cumprimento, fazendo a lei prevalecer, nestas circunstâncias, e face à divergência da defesa dos interesses em confronto, a posição do senhorio (…). E acrescenta-se no referido aresto que “tem a jurisprudência reafirmado que o arrendatário só pode obstar ao deferimento do despejo imediato desde que faça nos autos a prova do pagamento ou do depósito das rendas em falta, estando-lhe vedados outros meios de defesa, v.g., a mora do senhorio, a compensação ou a exceção de incumprimento do contrato – cf. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.3.2009, Carlos Valverde, 10706/03, de 25.5.2004, Pimentel Marcos, 4503/2003”.
Em suma, o dever de pagar a renda só pode ser extinto nos precisos termos previstos no regime do arrendamento e não com fundamento na compensação enquanto causa geral de extinção das obrigações.
Termos em que procede a apelação.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, e em consequência, revogar a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a exceção de compensação de créditos declarando extinto o crédito da Requerente, e em conformidade, condenam-se as Requeridas no pagamento à Requerente da quantia de € 9.120,00 (nove mil cento e vinte euros).
Custas pela Requeridas.
Guimarães, 19 de novembro de 2020

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes



1. In Código Civil Anotado, Volume II, 3ª Edição, p. 399.
2. In Instituições do Direito Civil Português, p. 594.
3. Neste sentido, Menezes Cordeiro (Coordenação.), Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, p. 72.
4. A título de exemplo, Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7ª edição, p 412.
5. Acórdão do STJ de 9.12.2008 e da Relação do Porto de 28.03.2017, ambos acessíveis
6. Ob. Cit. p. 412.
7. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, In Código Civil Anotado, I, p. 380, em anotação ao artigo 428º do Código Civil.
8. Acessível em www.dgsi.pt.
9. Colectânea Jurisprudência, Ano XXI, Tomo IV, p. 45.
10. Acessível em www.dgsi.pt.
11. In Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p. 331.