Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2319/17.2T8BCL.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
PRESSUPOSTOS
EXCLUSÃO DA SERVIDÃO
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Na reapreciação da decisão de facto, enquanto instância de recurso, a Relação deverá formar a sua própria convicção, para o que lhe cumpre avaliar todas as provas carreadas para os autos, sem que esteja limitada pelas indicações dadas pelo recorrente e pelo recorrido.

II – As declarações de parte e os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo tribunal, pressupondo esta liberdade de apreciação que o tribunal julgue segundo a sua convicção, que formará, não obedecendo a regras e princípios legais preestabelecidos, mas pela influência que exerceram no seu espírito as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência, nada obstando, por isso, que fundamente a sua convicção nas declarações de parte, se, depois de um esforço mais aturado, designadamente de confrontação das declarações de parte com as outras provas carreadas para os autos, se convencer da sua credibilidade.

III - A destinação do pai de família é o ato pelo qual uma pessoa estabelece entre dois prédios que lhe pertencem (ou entre duas partes do mesmo prédio) um estado de facto que constituiria uma servidão se se tratasse de dois imóveis pertencentes a dois proprietários diferentes.

IV – São pressupostos de constituição da servidão por destinação de pai de família: a) a existência de dois ou mais prédios ou de duas ou mais frações do mesmo prédio, pertencentes ao mesmo dono ou donos (em compropriedade); b) a existência de sinais visíveis e permanentes, que revelem inequivocamente a relação de serventia entre os prédios; c) a separação dos prédios ou frações em relação de serventia, ou seja, a afetação a donos diferentes; d) a inexistência de um acordo de afastamento da constituição da servidão, no ato de separação dos prédios.

V – Tendo os donos de um prédio tomado disposições concretas para excluir a constituição de uma servidão de passagem, praticando atos integrados na divisão do prédio que deixavam perceber claramente essa exclusão, apesar de nada se ter dito na escritura de doação de uma das frações desse prédio, a referida vontade de exclusão da servidão deve ter-se por operante e eficaz, por ser do conhecimento e aceitação dos donatários, que, para deixarem de utilizar a entrada e caminho existente, em conjunto com os doadores abriram uma nova entrada para a parte do prédio que lhes foi doada.
VI - O abuso do direito pressupõe a existência do direito, exigindo-se, para merecer censura, que o excesso cometido seja manifesto, que constitua uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

VII – Um dos atos abusivos é o «venire contra factum proprium», em que incorre quem contradiz o seu próprio comportamento, sendo a tutela da confiança o fundamento da proibição do comportamento contraditório.

VIII – São pressupostos que desencadeiam o efeito jurídico próprio do instituto do «venire contra factum proprium»: a) a verificação de uma situação objetiva de confiança; b) o «investimento» na confiança e irreversibilidade desse «investimento»; c) a boa fé da contraparte que confiou.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- M. J. intentou a presente acção comum de condenação contra M. F. e marido J. M., pedindo que estes sejam condenados:

- a restituírem-lhe definitivamente a posse do terreno e da entrada do prédio que identificam, e a respeitarem essa posse e reconhecerem o seu direito de propriedade exclusivo sobre o mencionado terreno, bem como a entrada exclusiva do seu prédio;
- a retirarem quaisquer cadeados que ali tenham sido colocados e a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam, diminuam ou dificultem a posse e propriedade do terreno e entrada, bem como o acesso ao mesmo prédio.

Fundamenta alegando, em síntese, que é dona e legítima possuidora do prédio rústico melhor descrito em 1. da petição inicial, tendo adquirido tal prédio por doação de seus pais. Inscreveu-o na matriz em seu nome e registou-o no registo predial. Invoca ainda a aquisição por usucapião. Mais alega que, para aceder ao referido prédio, existe uma entrada única e exclusiva sua, sita no lado sul a confrontar com a estrada, com cerca de 3 metros de largura, possuindo um portão com fechadura, cuja chave lhe foi entregue quando adquiriu o prédio.

Alega ainda que os Réus vêm impedindo, por diversas formas, a sua entrada no referido prédio e, consequentemente, que ela, Autora, possa continuar a usufruir dele.

Regularmente citados, os Réus impugnaram alguns dos factos invocados, alegando que a parcela em litígio desde há mais de 30 anos que pertence ao prédio deles, Réus, constituindo o acesso, a sul, à via pública, encontrando-se devidamente delimitada. Mais alegam que o prédio da Autora confronta a sul com a estrada principal, não sendo por isso um prédio encravado.

Alegam ainda que, caso não se entenda que a referida parcela de terreno lhes pertence, deve entender-se que a mesma foi destinada pelo falecido pai da Autora e da Ré ao trânsito de pessoas, animais e veículos entre a propriedade que pertence a eles, Réus, e a via pública situada a sul, peticionando que seja reconhecido o direito de servidão por destinação de pai de família sobre a dita parcela.

Mais pedem a condenação da Autora como litigante de má fé.

Acedendo ao convite que lhes foi dirigido, vieram os Réus deduzir reconvenção, pedindo que lhes seja reconhecido o direito de propriedade exclusiva sobre a parcela de terreno em litígio ou, subsidiariamente, que se reconheça que sobre ela foi constituída uma servidão por destinação do pai de família, a favor do prédio deles, Réus.

A Autora, notificada, impugnou os factos invocados, alegando que os seus pais, e da Ré, pretendendo deixar o prédio rústico a outro filho, procedeu, juntamente com os Réus, à abertura de uma outra entrada para o prédio destes, a qual os mesmos passaram a utilizar, sendo a intenção daqueles por termo à serventia de um dos prédios relativamente ao outro.

Conclui formulando uma alteração do pedido, aditando-lhe o do reconhecimento da inexistência a favor dos Réus de qualquer direito de propriedade ou posse sobre qualquer parcela de terreno do prédio dela, Autora, e ainda que seja declarada a inexistência de servidão por destinação de pai de família, ou caso se venha a reconhecer a sua existência, que a mesma seja declarada extinta por desnecessidade.

Foi admitida a reconvenção e elaborado despacho saneador.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que:

1.- julgando a acção parcialmente procedente por provada:

a) condenou os Réus a restituírem a posse do terreno e da entrada e a reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre o prédio e sobre a entrada no mesmo existente;
b) condenou os Réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam, diminuam ou dificultem a propriedade do terreno e entrada, bem como o acesso ao mesmo;
c) absolveu os Réus dos demais pedidos formulados pela Autora.
2. Julgando parcialmente procedente a reconvenção formulada pelos Réus, condenou a Autora a reconhecer o direito de servidão por destinação de pai de família sobre a parcela em litígio em favor dos prédios dos Réus.
3.- Absolveu a Autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformada, traz a Autora/Reconvinda o presente recurso pretendendo que a supra transcrita decisão seja revogada e substituída por outra que declare inexistente a servidão por destinação do pai de família ou, caso se venha a entender que ela se constituiu, que a mesma seja julgada extinta por desnecessidade, com recurso ao instituto do abuso do direito.
Contra-alegaram os Réus/Reconvintes propugnando para que se mantenha a decisão impugnada.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.-

II.- A Apelante/Autora formula conclusões prolixas, praticamente reproduzindo as alegações. Ainda que se não adeqúem ao formato legalmente estabelecido, por simples questão de economia processual e de tempo, aceitam-se as referidas conclusões, a seguir se transcrevendo apenas as que se têm por necessárias à enunciação e enquadramento das questões que pretende ver apreciadas.
3. A sentença do tribunal recorrido não considerou procedentes os seguintes pedidos efectuados pela Autora/Recorrente:

- Seja declarada a inexistência de servidão por destinação de pai de família ou caso se venha a verificar a existência de servidão por destinação de pai de família, que seja a mesma declarada extinta por desnecessidade por este tribunal.
5. Efetivamente, a Autora entende que ficou claramente demonstrado que não existe qualquer servidão por destinação de pai de família ou, mesmo que assim não se entenda, resultou da prova produzida que é manifesta a desnecessidade desta servidão e o abuso de direito dos Réus ao quererem mantê-la contra a vontade dos seus pais pelo que deverá a mesma ser extinta.
6. Assim, salvo o devido respeito, existem erros na apreciação da prova e o Tribunal recorrido fez uma inadequada aplicação do direito, como se irá demonstrar.
7. Verifica-se a ausência de apreciação de diversos factos alegados na petição inicial e réplica da Autora que deveriam constar dos factos provados e que, em virtude dessa prova, resultariam na aplicação de outras normas legais e numa decisão diversa da recorrida.
8. Assim, importa referir que deveriam ter sido considerados provados os seguintes factos essenciais à decisão da causa:

- Os pais da Autora e da Ré e os Réus abrirem e utilizarem uma outra entrada, para além das duas outras entradas existentes, nos prédios dos Réus de forma a que, quer o prédio da Autora quer os prédios dos Réus, tivessem entradas distintas e independentes com bons acessos à via pública.
- Daqui resulte inequivocamente que os pais da Autora e da Ré quiseram por termo, de vez, à serventia de um dos prédios relativamente aos outros;
- Assim, verificou-se um facto voluntário do único dono dos prédios no sentido de extinguir a serventia que um deles pudesse ter relativamente a outro.
- Ora, e porque a questão da entrada e da suposta serventia estava resolvida com a criação da nova entrada, os pais da Autora doam em 2015 a esta o prédio que atualmente lhe pertence.
- Operando em 2015 a separação jurídica dos prédios.
- Aquando desta transmissão do prédio à Autora em 2015, não se verificou a constituição de qualquer servidão uma vez que em data muito anterior já não existia nenhuma relação de domínio/serventia entre os prédios pois cada um possuía as suas entradas distintas e independentes e os Réus apenas utilizavam as entradas nos seus prédios e não utilizavam a entrada do prédio da Autora.
- Não existe nem existiu uma relação estável de serventia de um prédio a outro aquando da separação dos prédios em 2015 pois antes da referida separação os pais da Autora e da Ré juntamente com os Réus puseram termo esta serventia com a abertura de mais uma entrada.
- A vontade dos pais da Autora e da Ré era que a Autora tivesse a sua entrada exclusiva no seu prédio e os Réus as suas outras três entradas exclusivas nos seus prédios.
- A entrada que foi aberta pelos Réus e pelos pais da Autora e da Ré situa-se junto à casa dos Réus e oferece condições similares de acesso à via pública, aliás até mais favoráveis, tanto mais que é a entrada que sempre utilizam pois está imediatamente ao lado da casa, possui portão automático constituindo a forma mais rápida e mais cómoda para entrar e sair.
- Os Réus apenas querem utilizar a entrada da Autora por mero capricho e vontade de incomodar a Autora uma vez que se encontram desavindos com a mesma.
- Os Réus possuem três entradas nos seus prédios (uma pedonal e duas para veículos) e ainda se querem arrogar detentores de direitos sobre a única entrada do prédio da Autora.
- Sabem os Réus que nunca foi vontade dos seus pais que esta entrada da Autora fosse utilizada pelos Réus mas sim que cada um tivesse o seu prédio e entradas independentes e que a parcela e entrada que os Réus reclamam pertencesse e fosse utilizada apenas pela Autora.
9. Aliás, tais factos não constam do elenco nem dos factos provados nem dos factos não provados, o que configura uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
10. Ora, o Tribunal ao não se pronunciar sobre tais factos invocados pela Autora e sobre a questão do abuso de direito e da extinção da servidão por destinação de pai de família por recurso ao abuso de direito, deixou de se pronunciar sobre uma questão fulcral dos presentes autos.
12. Assim, estamos perante uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615° n° 1 d) que se invoca para todos os efeitos legais.
13. O Tribunal valorou e apreciou de forma insuficiente a prova, nomeadamente o depoimento das testemunhas M. C., R. F. e M. M. e o depoimento de parte da Autora.
14. Os pontos de facto, acima referidos, deviam ter sido considerados provados e determinantes na procedência dos pedidos da Autora com base nas declarações dos testemunhos que se transcreveram acima.
15. Efetivamente, os testemunhos transcritos foram considerados pelo Tribunal recorrido como depoimentos verdadeiros, coerentes, claros e que revelam um conhecimento direto.
17. Aliás, conforme resulta das transcrições e da própria motivação da sentença, as testemunhas acima elencadas demonstraram de forma inequívoca que era intenção dos pais da Autora e da Ré partilharem os prédios em causa por três filhos mas que cada um tivesse a sua entrada, atentas as más relações existentes entre os filhos, daí a preocupação dos pais da Autora e da Ré ao tratarem previamente dos bens a partilhar e da abertura da nova entrada.
18. A sentença erradamente alicerça a existência de uma servidão por destinação de pai de família no facto do pai da Autora e da Ré ter continuado a utilizar a entrada em discussão.
19. Contudo, como a prova acima demonstra e o próprio Tribunal considera como verdadeiro na sentença, o pai da Autora e da Ré apenas utilizava aquela entrada porque era ele que continuava, mesmo após a doação à Autora, a cultivar o terreno em virtude desta estar no estrangeiro.
21. Assim, é inequívoco que os pais da Autora e da Ré quiseram por termo a qualquer serventia que pudesse existir quando trataram das partilhas, da divisão dos terrenos e da criação de uma nova entrada.
33. Conforme resulta do artigo 1549° do CC, o primeiro requisito para a existência da servidão por destinação de pai de família é a existência de dois prédios pertencentes ao mesmo dono.
34. De facto, quer o prédio rústico da Autora quer os prédios urbanos do Réus pertenciam ao mesmo dono, ou seja, os pais da Autora e da Ré.
35. Acrescenta o supra mencionado artigo que tem de existir uma relação estável de serventia de um prédio a outro, correspondente a uma servidão aparente revelada por sinais visíveis e permanentes.
36. Ora, como resultou da prova acima referida este requisito não se encontra preenchido.
51. Decidiram os pais da Autora e da Ré e os Réus abrirem e utilizarem uma outra entrada, para além das duas outras entradas existentes, nos prédios dos Réus,
52. De forma, a que quer o prédio da Autora quer os prédios dos Réus tivessem entradas distintas e independentes com bons acessos à via pública.
53. Daqui resulta inequivocamente que os pais da Autora e da Ré quiseram pôr termo, de vez, à serventia de um dos prédios relativamente aos outros.
54. Assim, verificou-se um facto voluntário do único dono dos prédios no sentido de extinguir a serventia que um deles pudesse ter relativamente a outro.
62. A Autora considera que a existir uma servidão por destinação de pai de família (o que apenas concebe por mera hipótese académica e cautela de patrocínio) a mesma deve ser extinta por desnecessidade.
63. Pelo que o Tribunal a quo deveria ter declarado a extinção por desnecessidade, nomeadamente por recurso ao abuso de direito por parte do Réus.
64. Logo após a abertura de mais uma entrada nos prédios dos Réus pelos pais da Autora e da Ré conjuntamente com os Réus, operou-se a extinção da servidão por desnecessidade.
65. A desnecessidade é, assim, objectiva e constitui uma mudança e uma alteração de circunstâncias na situação do prédio dominante pertencente aos Réus.
66. Com esta mudança desapareceu qualquer tipo de utilidade de que o prédio dominante viesse a fruir.
67. A interpretação literal dos nºs 2 e 3 do artigo 1569.°, no sentido da impossibilidade absoluta de extinção da servidão por destinação de pai de família, violaria claramente o direito constitucionalmente consagrado à propriedade privada, previsto no art. 62° da CRP, posto que se traduziria numa restrição manifestamente irrazoável e injustificada desse direito.
68. A Autora invocou a inconstitucionalidade do artigo 1569.º, n° 2 e 3 do CC, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado quanto à mesma.
69. Por sua vez, o Tribunal Recorrido ao fazer uma interpretação literal do artigo 1549° e ao considerar que existe uma servidão por destinação de Pai de família por não ter havido ao tempo da separação dos prédios uma declaração do Pai de família por documento escrito é manifestamente inconstitucional.
70. Não admitir a prova testemunhal para demonstrar que, a vontade de Pai de família não era a constituição de servidão, é manifestamente inconstitucional.
71. Se a servidão do pai de família é uma servidão voluntária, o artigo 1549° deveria admitir a prova de tal vontade, nomeadamente de não constituir tal servidão, por outros meios que não um documento, podendo o Tribunal declarar, apesar da inexistência de documento, que face à prova produzida não era vontade do Pai de família constituir servidão aquando da separação.
72. Inconstitucionalidade das normas, supra referidas, que expressamente se invoca para todos os efeitos legais pois viola um direito constitucionalmente consagrado que é o direito à propriedade. 73. No Ac do STJ, de 13-11-2003, Proc. 03B3029 (rel: Araújo de Barros), «in» www. dgsi.pt, entendeu-se que «verificados todos os pressupostos de constituição de servidão por destinação do pai de família, não pode impedir-se, com fundamento no abuso de direito, nem mesmo invocada a sua desnecessidade, que os seus titulares peçam ao tribunal o reconhecimento desse direito real e o convencimento dos réus - que o não aceitavam - da sua existência na ordem jurídica concreta». Ora, se assim é para a constituição de uma servidão que, «ab initio», se prefigura desnecessária, o mesmo terá de suceder quanto à sua extinção por desnecessidade.
74. Por sua vez, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães - Apelação n° 659 /06.5TBPVL.G1, de 25/05/2010, refere-se que: "O regime vigente, nesta parte, não tem fundamentos substanciais, podendo constituir um entrave ao melhor aproveitamento do(s) prédio(s) serviente(s) e permitir a manutenção de servidões que só encontram justificação numa certa atitude de capricho dos titulares do(s) prédio(s) dominante(s), como parece suceder no caso destes autos. E, diga-se ainda que o facto de se poderem extinguir pelo não uso pouco adianta, porque, quando na base da sua manutenção estiver a teimosia, é sabido que esta tende a ser de longa duração. Não faz grande sentido impor um encargo a um prédio, prejudicando a optimização da sua exploração, para facultar a outro um proveito de que ele não carece. E, num sistema jurídico que assinala à propriedade uma função social, é difícil justificar a manutenção de um encargo inútil (por desnecessário), em função de uma vontade ou pretensa vontade de pretérito, sendo certo que seria fácil encontrar mecanismos para ressalvar dela o que merecesse ainda ser considerado. Mas, vale aqui o estatuído no art. 8°, 2, do Código Civil, segundo o qual «o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo»."
75. Por sua vez, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/11/2012 acrescenta: "Entendemos, todavia, que apesar da lei não prever expressamente a extinção destas servidões por desnecessidade, também o não proíbe. Assim não nos repugna e julgamos até perfeitamente admissível, maxime se necessário para se consecutir a justiça material do caso concreto, que este fundamento extintivo também se aplique a tais servidões. Posto é que se provem factos, quiçá com maior acuidade, força e relevância, dada aquela não consagração legal expressa, que apontem no sentido da extinção por desnecessidade."
76. Em suma, a entrada que foi aberta pelos Réus e pelos pais da Autora e da Ré situa-se junto à casa dos Réus e oferece condições similares de acesso à via pública, aliás até mais favoráveis, tanto mais que é a entrada que sempre utilizam pois está imediatamente ao lado da casa, possui portão automático constituindo a forma mais rápida e mais cómoda para entrar e sair.
77. Do que fica dito propendemos a entender que, constituindo a servidão um encargo que onera o prédio serviente (cfr. o art. 1543° do Código Civil), diminuindo-lhe o valor e podendo implicar uma diminuição da sua capacidade de produzir riqueza, dever-se-á decretar a sua extinção uma vez que é comprovadamente desnecessária.
78. Aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 484/2010 não deixou de sublinhar que há situações de servidão por destinação de pai de família em que deve resolver-se este conflito à luz da proibição do abuso do direito.
79. Efetivamente, os Réus apenas querem utilizar a entrada da Autora por mero capricho e vontade de incomodar a Autora uma vez que se encontram desavindos com a mesma.
80. Desde já, a Autora entende que se verifica por parte dos Réus um manifesto e flagrante abuso de direito.
81. Os Réus pretendem exercer o seu direito fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com a intenção de prejudicar e comprometer o gozo do direito da Autora e de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do seu direito e as consequências suportadas por parte da Autora.
82. Não se concebe como justa a possibilidade dos Réus possuírem três entradas nos seus prédios (uma pedonal e duas para veículos) e ainda se arrogaram detentores de direitos sobre a única entrada do prédio da Autora!
83. Sabendo que nunca foi vontade dos seus pais como ficou amplamente provado acima que esta entrada fosse utilizada pelos Réus.
84. Mas sim que cada um tivesse o seu prédio e entradas independentes.
85. Assim, a sentença recorrida ao referir apenas: "Como referido, a Autora suscita a questão do abuso de direito por reporte à desnecessidade da servidão. A verdade é que a lei previu taxativamente as formas de extinção das servidões no artigo 1569° do CC pelo que não se vislumbra como se pode agora extinguir esta servidão em causa, enquadrando a situação no instituto de abuso de direito" nem sequer analisa nem se pronuncia acerca do abuso de direito dos Réus invocado pela Autora e que está amplamente demonstrado pela prova testemunhal.
88. Daqui deverá resultar, inevitavelmente, a procedência total dos pedidos da Autora.
89. Assim, foram violadas as disposições legais constantes dos artigos 334°, 1305°, 1549°, 1569° do Código Civil e o artigo 62° da Constituição da República Portuguesa.-

III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; ....º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

De acordo com as conclusões acima transcritas cumpre:

- apreciar e decidir da nulidade arguida à sentença, de omissão de pronúncia;
- reapreciar a decisão de facto;
- reapreciar a decisão de mérito: inexistência da servidão por se não verificarem todos os pressupostos; e, a improceder esta pretensão recursiva, conhecer-se-á da questão de extinção da servidão por desnecessidade e/ou por abuso do direito e da inconstitucionalidade da interpretação dos n.os 2 e 3 do art.º 1569.º no sentido da “impossibilidade absoluta de extinção da servidão por destinação do pai de família”.-

B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- Depois de transcrever o que apelida de “factos” que tem por essenciais à decisão da causa, a Apelante, alegando que eles não constam da sentença, nem como “provados”, nem como “não provados”, afirma que esta padece de omissão de pronúncia.

O n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C. enuncia taxativamente as causas de nulidade da sentença.

Trata-se de vícios formais, que afectam a estrutura (alíneas b) e c)), a inteligibilidade (2.ª parte da alínea b)), ou os limites (alíneas d) e e)).

i) Um dos vícios aí contemplados desdobra-se em duas situações de sentido oposto: o excesso de pronúncia e a omissão de pronúncia – cfr. alínea d).
É inquestionável que o princípio do dispositivo impõe que sejam as partes a circunscrever o thema decidendum e a nulidade de omissão de pronúncia traduz o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no n.º 2 do art.º 608.º do C.P.C. – sem prejuízo das questões de que possa conhecer oficiosamente, o juiz deve pronunciar-se sobre todas as que as partes lhe coloquem, quer as formais, quer as que respeitam ao mérito da causa, devendo ainda conhecer de todos os pedidos que tenham sido formulados, de todas as causas de pedir e das excepções invocadas.

Ora a última parte da sentença – fls. 93v.º in fine e 94 dos autos – versa, precisamente, sobre a in/admissibilidade legal da extinção da servidão constituída por destinação de pai de família, concluindo, de modo esclarecido, que: “Como referido a Autora suscita a questão do abuso de direito por reporte à desnecessidade da servidão.
A verdade é que a lei previu taxativamente as formas de extinção das servidões no artigo 1569.º do C.C., pelo que não se vislumbra como se pode agora extinguir esta servidão em causa enquadrando a situação no instituto do abuso de direito.”.
O Tribunal a quo pronunciou-se, pois, sobre a questão suscitada pela Apelante, sendo certo que se algum facto que se deva considerar essencial ao conhecimento do pedido ou de alguma excepção não for levado à sentença, a nulidade não será a que a Apelante invoca, mas antes a prevista na alínea c) do n.º 2 do art.º 662.º do C.P.C. – insuficiência da matéria de facto.
Não enferma, pois, a sentença da nulidade arguida pela Apelante, pelo que se julga improcedente a arguição.-

V.- Como acima se deixou referido, a Apelante impugna a decisão da matéria de facto - cfr. conclusão 8.

1.- Fá-lo, porém, transcrevendo um texto com doze parágrafos, que não vêm referenciados por letras ou números e sem menção do articulado onde consta o ali vertido.

E, deve fazer-se observar, fá-lo ainda com um critério muito lato, visto incluir no referido texto factos que o Tribunal a quo julgou provados - o que consta do 1º parágrafo está, no essencial, vertido no n.º 16, e o que consta do 9º parágrafo está vertido no n.º 17 –, e incluir ainda simples formulações de conclusões de facto e de direito, como o são os parágrafos 2.º; 3.º; 4.º; 5.º; 6.º; 7.º; e 11.º, que, por isso, e como se afigura evidente, não devem constar da decisão de facto.

Sem embargo, impõe-se conceder que terão importância assinalável para a decisão os factos (e apenas estes) que constam dos parágrafos: 8.º, que se considerará conjuntamente com o 12.º; a 2.ª parte do 9.º; e o 10.º.

Tais factos vêm invocados no articulado de resposta oferecido pela Apelante, e, não constando dentre os “provados”, também não constam como “não provados”, concluindo a decisão de facto pela declaração genérica que “A demais matéria alegada pela Autora e pelos Réus nos seus articulados não tem interesse para a resolução da causa, porquanto consubstancia ou meras conclusões de facto e/ou de direito” (cfr. fls. 87).

Contudo, e como se deixou referido, consideram-se relevantes, designadamente para a apreciação da invocada excepção do abuso do direito, os seguintes factos:

i) Os pais da Autora e da Ré e os Réus, abriram a nova entrada para o prédio destes para que os mesmos deixassem de utilizar a entrada existente no prédio da Autora.
ii) Pretendiam aqueles que esta entrada ficasse para uso exclusivo deste prédio, por forma a que cada um dos prédios tivesse entradas independentes.
iii) E depois que a nova entrada foi aberta os Réus não mais utilizaram aquela que existe no prédio da Autora.
iv)) Os Réus só pretendem agora utilizar esta entrada para “incomodar” a Autora por estarem desavindos.
A Apelante fundamenta a sua pretensão nos trechos dos depoimentos das testemunhas que refere na conclusão 13, os quais transcreve nas alegações, situando-os nos tempos da gravação.

Têm-se, assim, por cumpridos os ónus mencionados no n.º 1 e o referido na alínea a) do n.º 2, ambos do art.º 640.º do C.P.C., não havendo, agora, obstáculo legal à reapreciação da decisão de facto pretendida.

2.- Na reapreciação desta decisão cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., tendo presente que, como consta da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei n.º 113/XII, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.

Com efeito, é agora mais evidente que a Relação se deve assumir como um verdadeiro tribunal de instância também quanto à apreciação dos factos, tendo o poder, que é vinculado, de introduzir na decisão as modificações que se justificarem, seja nas situações em que o possa fazer oficiosamente, seja decidindo a impugnação do recorrente.

Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, formando a sua própria convicção.

De acordo com o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).

As regras sobre o ónus da prova que constam dos art.os 342º. a 346.º do C.C. devem ser complementadas pelo princípio de direito adjectivo consagrado no art.º 414.º do C.P.C., que rege sobre a interpretação da dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, dúvida que se resolve contra a parte à qual o facto aproveita.-

VI.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

a) Julgou provado que:

1. A Autora tem inscrita a seu favor, desde 23/10/2015, a aquisição, por doação dos seus pais, do prédio rústico, denominado Cortelho ..., Leira ... ou ..., composto por 1071 m2, sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, que confronta do norte com M. S., a sul com estrada, a nascente com escola primária e M. S., e a poente com M. C., inscrito na matriz rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., ....
2. Há mais de trinta anos que a Autora por si e antepossuidores se encontram na total usufruição do prédio identificado em a).
3. No indicado período de tempo a Autora e seus antepossuidores vêm cultivando ervas, hortaliça, vinho, utilizando o terreno e dispondo dele em exclusivo, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja e tudo com o ânimo, vontade e espírito de exercer um direito de propriedade pleno.
4. Desde a aquisição do prédio referido em 1. é a Autora por si e por quem ela autoriza quem entra e permanece nesse imóvel, trata, limpa, semeia o terreno, corta as ervas, colhe os frutos.
5. Para aceder ao prédio referido em 1., existe no mesmo uma única entrada sita no lado sul a confrontar com a estrada, possuindo um portão com fechadura.
6. O prédio da Requerente (Autora) confronta a norte e parte de nascente com prédios dos Réus.
7. Por escritura pública (celebrada em 17/12/2010) M. S. e G. C., declararam doar a M. F. e J. M., um prédio urbano destinado a habitação, composto por casa com dois pavimentos, com superfície coberta de 144 m2 e logradouro com 1037,88 m2 sito no Lugar ..., ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº ... e um prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de um pavimento, com superfície coberta de 60 m2 e logradouro de 949,70 m2, sito no Lugar ..., ..., Barcelos, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº ....
8. Sendo a mãe da Autora e da Ré, G. C. a única e exclusiva usufrutuária do prédio atrás identificado uma vez que o seu marido M. S. já faleceu.
9. Há mais de 30 anos que, ininterruptamente, os Réus, por si e seus antepossuidores, detêm, fruem e possuem os prédios identificados em 6., habitando-os e usando-os, juntamente com o seu agregado familiar, usufruindo de todos os seus frutos, com exclusão de outrem, com ânimo e afirmação de serem os exclusivos donos, à vista de todos e sem qualquer oposição de ninguém.
10. Após a entrada referida em 5., a parcela em litígio encontra-se configurada, do lado nascente, por muro de blocos de cimento, e por muro de pedra, e do lado poente, por um pequeno muro de cimento, a sul, seguido, mais a norte, de várias vigas verticais de pedra suspensas por arriostas encrostadas em pedra, afastadas umas das outras a uma distância de cerca de 5 metros.
11. A dita parcela em causa configura um trilho de calçada e terra batida, na qual são patentes as marcas de passagem de veículos.
12. A parcela em causa sempre foi destinada pelo falecido pai da Autora e da Ré mulher, M. S., ao trânsito de pessoas, animais e veículos entre a agora propriedade dos Réus e a via pública situada a sul e também utilizada para facilitar o cultivo da propriedade que, em tempos anteriores, era um prédio único, à vista de todos os interessados e sem oposição de ninguém.
13. Em meados de 2010, decidiram os pais da Autora e da Ré iniciar a preparação da partilha dos referidos prédios.
14. Assim, os pais da Autora e da Ré efetuaram levantamentos topográficos dos referidos prédios, retificações de áreas, atualizações de confrontações e registos prediais.
15. Os prédios dos Réus sempre possuíram duas entradas no próprio prédio.
16. Logo após a escritura de dezembro de 2010, os pais da Autora e os Réus abriram no seu prédio e utilizaram uma outra entrada, para além das duas outras já existentes.
17. Esta terceira entrada situa-se junto à casa dos Réus, permite a entrada de veículos em condições similares de acesso à via pública e tem portão automático.
18. Quando a Autora adquiriu o prédio identificado em 1., foi-lhe entregue a chave do portão referido em 5.
19. E como tal passou a aceder ao referido imóvel através desta entrada, abrindo e fechando o portão com as suas chaves.
20. No dia 19 de Junho de 2017, quando o filho da Autora R. J. se dirigiu ao prédio identificado em 1. para tratar e cultivar o terreno, verificou que a fechadura do portão deste terreno havia sido trocada. 21. O filho da Autora viu-se forçado a arrombar a fechadura e de seguida, colocou o seu automóvel no interior do prédio.
22. Enquanto se encontrava no terreno a sua tia, aqui Ré, estacionou o seu veículo dentro da tal parcela imediatamente atrás do veículo do filho da Autora.
23. Não permitindo a entrada e saída de quaisquer veículos, nomeadamente ferramentas ou utensílios agrícolas para tratarem do terreno.
24. O filho da Autora solicitou a intervenção da Guarda Nacional Republicana no local.
25. A Autora pretende continuar a cuidar do seu terreno, nomeadamente limpando, amanhando, cortando ervas e árvores e cultivando-o.
26. A Autora pretende iniciar um projeto de construção de uma habitação naquele prédio para um filho seu.
27. A Autora intentou contra os Réus uma providência cautelar de restituição provisória de posse, que correu termos no processo nº ...0/17.0T8BCL pendente neste tribunal no Juízo Local Cível de Barcelos - Juiz 1, tendo a referida providência sido decretada em 28 de Julho de 2017.

b) Julgou não provado que:

a) A Autora pagou os impostos do prédio identificado em 1.
b) Os Réus continuam a não deixar a Autora aceder nem utilizar o terreno supra mencionado nem a referida entrada.
c) A Autora bem como os seus filhos têm receio de aceder ao terreno utilizando a sua única e exclusiva entrada.
d) Na semana seguinte aos factos acimas referidos, o filho da Autora voltou a deslocar-se ao terreno tendo sido novamente surpreendido com dois cadeados colocados no portão, impedindo-o de aceder ao referido prédio.
e) O filho da Requerente teve receio de entrar com a sua viatura e ver o seu veículo bloqueado novamente ou que os Requeridos tomem outras atitudes e o agridam física e verbalmente.
f) O comportamento dos Réus priva a Autora de aceder ao seu prédio e de cuidar do seu terreno, nomeadamente limpando, amanhando e cortando ervas e árvores, bem como de cultivar o seu prédio.
h) E de iniciar um projecto de construção de uma habitação naquele prédio para um filho seu.
i) Pois não consegue entrar no referido prédio para fazer medições, orçamentos ou tratar de outros assuntos relacionados com o projeto de construção.
j) Esta situação tem também causado diversos problemas à Autora, nomeadamente do foro nervoso e psíquico.
k) A Autora sofreu prejuízos materiais.
l) Na sequência da partilha dos bens deixados por óbito de M. A. e mulher Maria, pais e sogros de G. C. e marido M. S., foram adjudicados aos últimos, enquanto casados sob o regime de comunhão geral, os seguintes prédios:

a) Prédio misto, sito no Lugar ..., freguesia de ... (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial da freguesia de ... (...) sob o artigo ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial de Barcelos sob o n.º .../... (...);
b) Prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa de um pavimento, sito no Lugar ..., freguesia de ... (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial da freguesia de ... (...) sob o artigo ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial de Barcelos sob o n.º .../... (...).
m) No ano de 2010, G. C. e marido M. S. procederam à divisão do mencionado prédio para efeitos matriciais e registrais, dando origem a três diferentes prédios, que seguidamente se identificam:
a) Prédio urbano, destinado a habitação, composto por casa com dois pavimentos, sito no Lugar ..., freguesia de ... (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial da freguesia de ... (...) sob o artigo ..., e descrito na Conservatória de Registo Predial de Barcelos sob o n.º .../... (...);
b) Prédio rústico denominado “Cortelho ...”, “Leira ...” ou “ ...s”, sito no Lugar de ...s, ..., freguesia de ... (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial da freguesia de ... (...) sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º .../... (...).
c) Prédio rústico sito no Lugar de ...s, ..., freguesia de ... (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial da freguesia de ... (...) sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º 1319/... (...).
n) O prédio identificado em 7. e descrito sob o n.º ... confronta a norte com caminho público e com J. M., a nascente com J. M., com Manuel e, na sua maior extensão, com a Escola Primária, a sul com M. C., e com estrada, e a poente com caminho público e com M. J..
o) A parcela aqui em litígio, pertencente há mais de 30 anos ao prédio dos Réus.
p) Os Réus suportam os encargos com os prédios identificados em 6.
q) Somente os aqui Réus e seus antepossuidores detinham a correspetiva chave, os quais sempre dispuseram livremente das respetivas chaves do portão de entrada.
r) A própria Ré assinou a planta topográfica junta aos autos.
s) Os atos praticados em 12. sempre foram com ânimo e afirmação de ser o exclusivo dono.

c) Ficou ainda a constar que:

A demais matéria alegada pela Autora e pelos Réus nos seus articulados não tem interesse para a resolução da causa, porquanto consubstancia ou meras conclusões de facto e/ou de direito.-

VII.- Como referiu na conclusão 13., pretende a Apelante que as testemunhas M. C.; R. F.; e M. M., e ela própria, narraram factos que confirmam serem verdadeiros os que se deixaram acima transcritos (supra em V., n.º 1, fls. 14).

1.- Como se sabe, o actual C.P.C., permitindo à Parte a iniciativa de prestar declarações, deixa claro que elas serão valoradas pelo tribunal a par dos outros meios de prova de apreciação livre - cfr. n.º 3 do art.º 466.º.

Configurando este como mais um passo no sentido da concretização do princípio do primado das decisões materiais e do apuramento da verdade material, na certeza de que há factos que não são testemunhados por terceiros e também não é comum que sejam colocados em escrito, se o Tribunal decide ouvir a Parte em declarações e acredita na sua sinceridade, em princípio nada obstará a que se sirva delas, como de um qualquer outro meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, para fundamentar a sua convicção, ainda que se imponha, como se afigura evidente, um esforço mais aturado, designadamente de confrontação das declarações de parte com as outras provas carreadas para os autos, para apurar da sua credibilidade.

De resto, o princípio da indivisibilidade da confissão, consagrado no art.º 360.º do Código Civil (C.C.) já impunha que se atendesse a factos ou circunstâncias favoráveis ao depoente, tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado, ou a modificar ou extinguir os seus efeitos.

A livre apreciação da prova pressupõe que o tribunal julgue segundo a sua convicção, que se forma, não obedecendo a regras e princípios legais preestabelecidos, mas pela influência que exerceram no seu espírito as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência.

Se é inegável que, por vezes, os laços familiares estreitos, ou até as relações de amizade, poderão motivar as testemunhas a ocultarem saberes e/ou darem uma versão dos factos afeiçoando-a ao que consideram serem os interesses do familiar ou amigo, também não deixa de ser certo que estas situações são as mais das vezes detectáveis pelas frases dúbias, pelas hesitações e até pelo nervosismo que, normalmente, acabam por manifestar.

Muito embora esta Relação disponha apenas da imediação mitigada que é proporcionada pelas gravações, uma cuidada atenção aos depoimentos, avaliando, no seu conjunto, a razão de ciência da testemunha, o método que utiliza quem a questiona, as respostas que dá, e a forma como as dá, permite uma avaliação correcta da sua credibilidade.

2.- Foram revisitados, através da gravação, todos os depoimentos prestados em audiência, e examinados todos os documentos oferecidos pelas Partes.

Resulta inequivocamente dos referidos depoimentos que, por via das partilhas, a Apelante/Autora e os Réus, assim como os demais irmãos se desavieram, e permanecem de relações cortadas, deixando as testemunhas Maria C. e Manuel C. transparecer ao longo do seu depoimento um tão vivo sentimento de rancor contra a Apelante/Autora que não pode ser desconsiderado no juízo de avaliação da sua credibilidade.

E, por isso, são de atribuir a motivações geradas por aquele sentimento diversas afirmações que ambos produziram, relativas à parcela de terreno em discussão, tanto mais que, para além de serem contraditórias entre si, se apresentam como inverosímeis vistas à luz do comum do acontecer.

Sem embargo, regista-se que, coincidentemente com as demais testemunhas, o referido Manuel Coelho confirmou que «a ideia do pai era cada um ficar com o seu lote independente».

Também a testemunha Maria C. demonstrou um claro incómodo quando foi questionada sobre a abertura da entrada «de cima», acabando, porém por afirmar: «a minha irmã abriu a outra entrada e começou a usá-la quando foi p’ra lá morar», referindo-se àquela que fica junto à casa.

Do depoimento da testemunha A. F., que se revelou ser pessoa totalmente desinteressada e isenta, resulta a confirmação de que a abertura da entrada referida em 16, se verificou quando a própria Junta da Freguesia procedeu ao alargamento do caminho que passa fronteiro à casa dos Réus, o que ocorreu por alturas do ano de 1990, afirmando aquele: «quando nós fomos pavimentar aquilo (referindo-se ao caminho) transmitiram-nos e falou-se que a abertura era p’ra ficar p’rá casa». E sobre a entrada ora em discussão, referiu «se a memória não me atraiçoa, acho que a intenção d’ele (referindo-se ao pai das Apelante/Autora e Apelada/Ré) fazer aquilo, aquela entrada, foi p’ra ele ir p’rós campos», acrescentando «ultimamente que ele passava lá, passava, pontualmente».

As testemunhas M. C., irmã da Apelante/Autora e da Apelada/Ré, e M. M., filho da primeira, revelaram-se credíveis nas afirmações que produziram relacionadas com a intenção posta nas aberturas de acesso aos diversos “lotes”, e como a partir das doações cada um passou a fazer a entrada para os prédios doados, deixando de utilizar aquela a que os autos se reportam.

Referiu a primeira que quando “o pai” lhe fez a doação da sua parte do “eirado”, doou igualmente à Apelada/Ré os dois prédios urbanos, e uma das condições que lhe impôs foi a de abrir uma entrada para o seu “prédio”. Mais disse que quando a Junta da Freguesia alargou o caminho, há «vinte e tais anos» foi aberta uma entrada junto à casa, a qual «já ficou lá com os pilares, com a caixa de saneamento, tudo prontinho», acrescentando que «quem emprestou os taipais p’ra fazer de conta que era um portão, p’ra fechar» foi o seu marido. Referiu ainda: «aquela entrada ‘stava lá mas não havia circulação. O meu pai já se precaveu p’ra um dia que se fizesse falta dividir o quintal, pronto, p’ra ter uma entrada … p’ra se poder dividir», acrescentando ainda: «Tinha as ucheiras, tampa de saneamento, … tudo. Apenas os taipais p’ra ninguém entrar por ali».

Depois de descrever o que se passou aquando da doação, referindo quem se encontrava presente e o que foi feito, disse ainda: «Os meus pais doaram-me das oliveiras p’ra baixo e o terceiro terreno (que é aquele que veio a ser doado à ora Apelante) era p’ra outro (filho). Não se sabe p’ra quem», acrescentando que «quem ficava no eirado ficava cada qual com a sua entrada. Cada qual com o seu». A «entrada nova não era utilizada quando (a sua irmã, Apelada/Ré) recebeu a doação». O «chão», que «era em terra» passou a ser em «cimento» que «fez quando ela tomou conta e foi p’ra lá fazer obras na casa», esclarecendo que quando o seu pai «doou, ela então fez obras, arranjou aquela entrada e sempre entrou por ali». «Pusero um portão. O meu pai tinha um comando p’ra entrar e sair quando quisesse», afirmando ainda que os Apelados/Réus a proibiram a si de aceder à casa deles, e onde viviam os pais, usando a entrada e seguindo pelo acesso do prédio da Apelante/Autora.

Mais afirmou que os Apelados/Réus «não utilizavam a entrada (em litígio)», só o começando a fazer «agora quando vê pessoas, desde que o meu pai faleceu».

Reafirmou por diversas vezes que «a vontade do pai é que cada um ficasse com uma entrada para si. Individual», acrescentando que desde que o seu filho «fez a casa nunca mais entrei por aquela entrada» (referindo-se à que é objecto do litígio).

Ainda uma referência final a um episódio relevante porque significativo do conhecimento e aceitação daquela disposição dos pais - «o meu cunhado queria tapar lá em cima, na Avenida, e o meu pai disse “não vais tapar que eu não vou ter que ir à volta p’ra entrar no terreno”, que inda não era da minha irmã Maria».
Este episódio da tentativa dos Apelados/Réus de construírem um muro para vedarem o seu terreno, eliminando a passagem ora em discussão, foi narrado, em termos coincidentes pelo supramencionado M. M., acrescentando que o Apelado/Réu «queria seguir o meu muro p’ra vedar a parte dele», mas “o avô” não deixou dizendo «não vedas já porque enquanto aquilo num tiver dono num quero ir à estrada para entrar p’ra tratar do terreno».

Foi peremptório o referido M. M. na afirmação de que os Apelados/Réus até à morte dos avós nunca usaram aquela entrada. Só depois de a Apelante/Autora lhes enviar uma carta a dar-lhes conhecimento de que o prédio lhe tinha sido doado, é que «num domingo de manhã, o sr. J. M. (Apelado/Réu) foi com uma máquina cortar a erva do caminho por ali abaixo».

A sua razão de ciência advém do facto de ter construído uma casa no terreno que fica paralelo ao da Apelante/Autora, presenciando o que ocorre neste terreno. Deve, por outro lado, referir-se que, apesar de vivamente contra instado, o referido M. M., mesmo quando as perguntas, porque reformuladas, o poderiam induzir a alterar as respostas, nunca entrou em contradição, respondendo sempre em coerência com o que anteriormente havia afirmado.

Ambos manifestaram a convicção firme de que esta atitude dos Apelados/Réus constitui uma «vingança» por o prédio ter sido doado à Apelante/Autora.

O “levantamento topográfico” de fls. 14v.º, que, como todos reconheceram, foi feito quando os pais iniciaram as diligências para fazerem as partilhas dos bens pelos filhos, não tem assinalado qualquer caminho ou comunicação entre o terreno doado à Apelante/Autora e o prédio e terreno doados aos Apelados/Réus.

Compreende-se, à luz da experiência comum, do normal do acontecer, a preocupação dos pais da Apelante e Apelada em evitarem as ligações entre os “lotes” que criaram tendo em consideração que uma servidão constitui sempre um ónus para o prédio serviente, desvalorizando-o, o que provocaria desequilíbrios no valor dos lotes/quinhões a atribuir a cada filho, não descurando que, assim dispondo, também eliminavam aquilo que, as mais das vezes, constitui uma fonte de litígio.

A permanência da passagem aberta e desimpedida foi justificada pelo motivo relevante de os pais das Apelante e Apelada serem os usufrutuários dos prédios, viverem na casa que doaram a esta, e continuarem a cultivar o terreno que, posteriormente, vieram a doar à primeira, não fazendo sentido eliminar a passagem directa de um para o outro.

Sendo coincidente com a do Tribunal a quo a valoração dos elementos probatórios (depoimentos e documentos) trazidos para os autos, não há motivo para alterar o decidido.
Sem embargo, os depoimentos a que se vem de fazer referência foram convincentes o suficiente para alicerçar neles a convicção da veracidade dos factos ora em investigação que, por isso, deverão ser aditados à decisão de facto como “provados”.

Sob o n.º 27 deixou o Tribunal a quo consignado que a Apelante/Autora intentou contra os Apelados/Réus uma providência cautelar e, referindo que ela foi decretada “em 28 de Julho de 2017”, omite, contudo, que, tendo os segundos deduzido oposição, as Partes celebraram transacção em 21/09/2017, acordando em que “ambos podem utilizar a entrada a que se refere os presentes autos de procedimento cautelar, até trânsito em julgado da acção que irá ser interposta” (cláusula 1ª), e que “Ambos declaram que abstêm-se, mutuamente, da prática de quaisquer actos que impeçam a utilização da referida entrada” (cláusula 2ª), já que o filho da Apelante/Autora, testemunha R. J., precisou que os Apelados/Réus passaram a usar aquela entrada depois do acordo na Providência Cautelar, o que releva para a interpretação da existência dos vestígios de passagem existentes no terreno, retratados nas fotografias de fls. 78, visto que a inspecção ao local, integrada na audiência de julgamento, ocorreu em 21 de Maio de 2018.

Deste modo, também esta incidência processual deverá ser levada à decisão de facto.-

VIII.- Na conformidade com o que vem de ser decidido, aditam-se à decisão de facto, julgando-os provados, os seguintes factos:

28.- Na Providência Cautelar acima referida (em 27.) a Apelante/Autora e os Apelados/Réus celebraram uma transacção em 21/09/2017, acordando em que “ambos podem utilizar a entrada a que se refere os presentes autos de procedimento cautelar, até trânsito em julgado da acção que irá ser interposta” (cláusula 1ª), e que “Ambos declaram que abstêm-se, mutuamente, da prática de quaisquer actos que impeçam a utilização da referida entrada” (cláusula 2ª), tudo como consta de fls. 67 do processo apenso, que, por brevidade, se dá aqui por reproduzida.
29.- Os pais da Apelante/Autora e da Apelada/Ré e os Apelados/Réus, abriram a nova entrada para o prédio destes para que os mesmos deixassem de utilizar a entrada existente no prédio da Apelante/Autora.
30.- Pretendiam os referidos progenitores que esta entrada ficasse para uso exclusivo deste prédio, por forma a que cada um dos prédios tivesse entradas independentes.
31.- E depois que a nova entrada foi aberta os Apelados/Réus não mais utilizaram aquela que existe no prédio da Apelante/Autora.
32.- Os Apelados/Réus só pretendem agora utilizar esta entrada para “incomodar” a Apelante/Autora por estarem desavindos.-

IX.- Do que constituía o objecto do processo, nesta sede de recurso a única questão a apreciar é a de saber se deve ou não ter-se por constituída, por destinação de pai de família, uma servidão de passagem sobre o prédio da Apelante/Autora em benefício do prédio dos Apelados/Réus.

O Tribunal a quo considerou estarem verificados todos os requisitos da constituição da referida servidão, contra o que se insurge a ora Apelante.
As servidões são direitos reais de gozo, definindo-as o art.º 1543.º do Código Civil (C.C.) como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o prédio que dela beneficia.
A servidão constitui, pois, uma limitação ao direito de propriedade do prédio onerado.
As utilidades das servidões podem ser as mais variadas, futuras ou eventuais, mesmo que não aumentem o valor do prédio dominante, nos termos do disposto no art.º 1544.º do C. C..

De acordo com o disposto no art.º 1547.º, n.º 1 do C.C., as servidões podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família.

1.- Tendo em consideração o art.º 1549.º do C.C., são os seguintes os pressupostos da constituição de uma servidão por destinação de pai de família:

a) a existência de dois ou mais prédios ou de duas ou mais fracções do mesmo prédio, pertencentes ao mesmo dono ou donos (em compropriedade), sendo que, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, é indiferente que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, ou que um seja rústico e o outro urbano, sendo ainda irrelevante que os prédios sejam contíguos ou que entre eles se situem outros prédios;
b) a existência de sinais visíveis e permanentes, que revelem inequivocamente a relação de serventia entre os prédios, sendo que, como referem os mesmos Ilustres Civilistas, não é necessário que os sinais existam em ambos os prédios, e se os sinais reveladores da relação de serventia forem vários será suficiente que a visibilidade ou a aparência e a permanência se verifiquem apenas em relação a um ou a alguns deles;
c) a separação dos prédios ou fracções em relação de serventia, ou seja, a afectação a donos diferentes, separação que pode ocorrer na decorrência da transmissão da propriedade, em qualquer das suas modalidades, inter vivos ou mortis causa. Ocorrendo a separação por via da partilha, o momento e que ela se verifica é o da atribuição de um prédio ou fracção a um dos herdeiros e o outro prédio ou fracção a herdeiro diferente;
d) a inexistência de um acordo de afastamento da constituição da servidão, no acto de separação dos prédios.

A exclusão da constituição da servidão obedece à forma escrita, ainda que, como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, não seja necessário, “para excluir a servidão, que as partes se refiram expressamente à relação de serventia”, bastando que, por exemplo, se declare “que o prédio é vendido livre de ónus e de encargos para impedir que sobre ele se constitua determinada servidão” (in “Código Civil Anotado”, 2.ª ed. revista e actualizada, vol. III, págs. 632 a ...).

O Cons. RODRIGUES BASTOS define a destinação do pai de família como “o acto pelo qual uma pessoa estabelece entre dois prédios que lhe pertencem (ou entre duas partes do mesmo prédio) um estado de facto que constituiria uma servidão se se tratasse de dois imóveis pertencentes a dois proprietários diferentes”. Não sendo necessário que se trate de prédios contíguos, “é preciso que no prédio serviente ou no prédio dominante exista um estado de facto aparente nitidamente característico da servidão reclamada, e que revele, da parte do proprietário comum, a vontade de estabelecer de uma maneira definitiva e permanente a sujeição dum dos prédios relativamente ao outro” (in “Direito das Coisas Segundo o Código Civil de 1966”, vol. IV, pág. 132).

Como é entendimento largamente maioritário da doutrina e da jurisprudência, a servidão por destinação do pai de família é uma servidão voluntária.

Para MENEZES CORDEIRO, “a destinação do pai de família é um facto jurídico em sentido estrito. O direito associa a um certo circunstancialismo a automática constituição da servidão, independentemente de haver uma vontade humana específica e válida, a tanto destinada”, concluindo que a constituição da servidão “não pode ser considerada voluntária, em paralelo com a sua constituição por negócio jurídico” (cfr. o Parecer publicado na C.J., ano XVII- 1982, Tomo I, pág. 75).
RUI PINTO e CLÁUDIA TRINDADE consideram-na “uma servidão legal em sentido fraco”, por ser “constituída pela lei”, mas poder “ser afastada por vontade das partes” e, prosseguindo, referem que “pese embora a natureza legal da sua fonte, não pode deixar de se considerar que a figura é ainda dominada pela autonomia das partes”, havendo por isso “analogia entre a servidão constituída por destinação do pai de família e as servidões voluntárias”, sendo esta analogia que justifica não ser aplicável àquela o regime das servidões legais, em especial a impossibilidade de ser extinta por desnecessidade, nos termos do art.º 1569.º, n.os 2 e 3 do C.C. (in “Código Civil Anotado”, coordenação de ANA PRATA, Almedina, 2017, vol. II, pág. 418).

2.- Na situação sub judicio tanto quanto a facticidade provada demonstra, os pais da Apelante e dos Apelados possuíam um prédio constituído por uma parte urbana e uma parte rústica – o “eirado”.

Numa altura em que a Junta da Freguesia local alargou a estrada, aqueles procederam à abertura de uma entrada e construíram um caminho que, atravessando o “eirado”, passou a fazer a ligação daquela via à parte urbana (duas casas de habitação) do prédio.

Pretendendo efectuar, ainda em vida, a partilha dos bens pelos seus filhos, os referidos progenitores (da Apelante e da Apelada) dividiram aquele prédio em três partes, ficando cada uma delas a constituir um “lote”, e deixaram desde logo estabelecido que cada um dos referidos lotes teria entradas independentes, o que ficou representado nos levantamentos topográficos com que instruíram o pedido de inscrição matricial dos dois “lotes” da parte rústica.

Não tendo sido possível concretizar a partilha, porque os filhos se não entenderam, em 17/12/2010 aqueles doaram aos Apelados M. F. e marido J. M., seus filha e genro, a parte urbana do prédio acima referido (duas casas), com o respectivo logradouro, reservando para si o usufruto de um dos prédios urbanos, onde continuaram a residir.
Na mesma data doaram à filha M. C. um dos “lotes” do eirado, continuando proprietários do outro “lote”, pelo qual passava o caminho acima referido.

Cumprindo o que havia ficado disposto, quando as donatárias, referidas filhas dos doadores, tomaram posse dos prédios doados procederam à abertura de uma entrada para o respectivo prédio.

Assim, e no que se refere aos Apelados/Réus, logo após a escritura de doação estes e os doadores, seus pais e sogros, abriram uma nova entrada para o(s) seu(s) prédio(s), para que eles deixassem de utilizar a entrada e caminho acima referidos, e passaram a partir daí a utilizar esta entrada, a qual permite o acesso a veículos em condições similares à acima referida, e dotaram-na mesmo de maior funcionalidade, proporcionada por um portão automático.

A passagem sobre o “lote” onde foi construído o caminho manteve-se desimpedida (ao que foi afirmado, por comodidade dos pais da Apelante e Apelada, que cultivavam e tratavam deste terreno enquanto puderam, e como se disse, continuaram a residir numa das casas contíguas, doada aos Apelados).

Do que vem de ser exposto resulta estarem materialmente preenchidos os requisitos acima referidos, de constituição de servidão por destinação de pai de família, tendo a separação das duas fracções do prédio (as que estão numa relação de serventia) ocorrido com o acto da doação e sua aceitação (a doação é um dos modos legalmente previstos de transmissão do direito de propriedade, nos termos dos art.os 940.º e 954.º do C.C.) sendo certo que os doadores reservaram para si o usufruto de apenas uma das casas doadas.

Na escritura de doação nada ficou referido quanto à servidão de passagem.

Tendo presente toda esta facticidade, a questão que se coloca é a de saber se, tendo os donos do prédio tomado disposições concretas para excluir a servidão, praticando actos integrados na divisão daquele prédio que deixam perceber claramente essa exclusão (cfr., v.g. o levantamento topográfico), apesar de nada se ter dito na escritura de doação, essa vontade se deve ter por operante e eficaz.

Ora, a resposta a esta questão crê-se que terá de ser de sentido positivo, podendo mesmo afirmar-se que no momento da separação das fracções, decorrente da doação, na vontade dos donos do prédio a serventia já não existia.

E porque esta disposição, ou “vontade”, era conhecida dos Apelados/Réus, não sairá dos critérios da normalidade que doadores e donatários não tivessem tido o cuidado de fazer constar da escritura de doação a exclusão da servidão.

À luz do sentimento ético dominante na nossa sociedade, seria profundamente injusto desconsiderar aquela vontade, posto que quando foi feita a doação aos Apelados/Réus, ou seja, no momento da separação das fracções, os doadores eram ainda os únicos e exclusivos donos do “lote”, ou fracção, por onde passava o caminho, ou seja, que estava numa relação de serventia, e aqueles e estes uniram esforços para a abertura da nova entrada para o prédio doado aos primeiros, “para que os mesmos deixassem de utilizar a entrada existente” no prédio (aludido “lote” ou fracção) que (só cinco anos mais tarde) veio a ser doado à Apelante/Autora (cfr. n.º 29 da decisão de facto).

Assim se considerando, impõe-se concluir pela inexistência da servidão por destinação de pai de família, por ter sido excluída pelos doadores, donos do prédio.

Merece, pois, provimento a pretensão recursiva principal da Apelante.-

X.- De qualquer modo, a vingar o entendimento de que, por não ter ficado a constar da escritura de doação, a exclusão da servidão não era válida, o pedido dos Apelados/Réus de reconhecimento da existência da servidão de passagem constituída por destinação de pai de família deveria improceder por constituir um abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.

1.- Com efeito, o art.º 334.º do C.C., consagra a ilegitimidade do exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.

O abuso, pressupondo a existência do direito, só é censurado quando o excesso cometido for manifesto, quando haja “uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”, como referiu VAZ SERRA (in B.M.J., nº. 85º., pág. 253), que acrescenta que “quem abusa do seu direito utiliza-o fora das condições em que a lei permite, e o efeito deve ser, portanto, em princípio, o que resultaria de um direito só aparente, isto é, falta de direito”.

Como vem sendo observado, o abuso do direito “constitui uma ‘válvula de segurança’ do sistema jurídico, destinada a fazer face e neutralizar situações de flagrante injustiça a que por vezes pode conduzir o exercício de um direito subjectivo” – cfr., v.g., Ac. do S.T.J. de 12/02/2004 (ut Proc.º 03B4273, in www.dgsi.pt).

De acordo com o Acórdão do S.T.J. de 9/04/2013, “O instituto do abuso do direito relaciona-se com situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça” e prossegue ainda, citando o Acórdão do mesmo S.T.J. de 28/11/1996, “O abuso do direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito e casos em que se excede os limites impostos pela boa fé” (in Colectânea de Jurisprudência (C.J.), Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo III, págs. 118-121).

Escreveu ANTUNES VARELA: “para que o exercício do direito seja abusivo é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder”, acrescentando que “para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade”, e a “consideração do fim económico ou social do direito apela, de preferência, para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., págs. 545-546).

Refere, por sua vez, o Ac. da Relação do Porto de 31/05/1988 que na fundamentação do abuso do direito “releva um comportamento ético que se desdobra em dois sentidos: na formulação de um juízo de censura ao titular do direito por o exercer em termos de ofender o sentimento jurídico socialmente dominante, contradizendo o próprio direito em si” e “na protecção do direito de outrem, merecedor da tutela jurídica e que o ponha a salvo das ofensas quer legítimas quer ilegítimas” (in C.J., ano XIII-1988, tomo 3, pág. 234).

Dentre os tipos de actos abusivos releva, para a decisão, o «venire contra factum proprium», em que incorre quem contradiz o seu próprio comportamento, no que a doutrina dominante vê uma manifestação da tutela da confiança.

Como ficou referido no Acórdão do S.T.J. de 24/03/2015, “A tutela da confiança atribui ao venire um conteúdo substancial, no sentido de que deixa de se tratar de uma proibição à incoerência por si só, para se tornar um princípio de proibição à ruptura da confiança, por meio da incoerência. O fundamento da proibição do comportamento contraditório é, justamente, a tutela da confiança, que mantém relação íntima com a boa-fé objectiva (ut Proc.º 296/11.2TBAMR.G1.S1, in www.dgsi.pt).

De acordo com MENEZES CORDEIRO, o venire contra factum proprium traduz em Direito “o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente”, contradição que, porém, “só o será quando não tiver nenhum factor que o justifique”.

Assim, esclarece, “só se considera como o venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor, destarte se excluindo “a supressio, a actuação por conta própria, a situação dita tu quoque e a do chamado dolo inicial”, devendo ainda afastar-se, à partida, “a hipótese de o factum proprium, por integrar os pressupostos da autonomia privada, surgir como acto jurídico que vincule o autor: em termos de o segundo comportamento representar uma violação desse dever específico”, caso em que se devem accionar “os pressupostos da responsabilidade obrigacional, e não os do exercício inadmissível de posições jurídicas”.

Distingue ainda MENEZES CORDEIRO as hipóteses do venire positivo, nestas integrando: o exercício dos direitos potestativos; o exercício de direitos comuns; e as actuações no âmbito de liberdades gerais. No venire negativo, “a situação paradigmática reside em alguém prevalecer-se de nulidades quando, conhecendo-as, tivesse em momento prévio mostrado a intenção de agir em execução do negócio viciado” (in “Tratado de Direito Civil”, vol. V, págs. 275 e sgs.).

Segundo BAPTISTA MACHADO “o instituto do «venire contra factum proprium» caracteriza-se pela combinação de dois elementos. Por um lado, ser conforme à ideia de justiça distributiva que os riscos originados na credibilidade da conduta anterior do agente não devam ser suportados por quem, dentro da normalidade da vida de relação, acreditou na mensagem irradiada pelo significado objectivo da conduta do mesmo agente. Por outro lado, ser possível alcançar esse resultado sem sujeitar tal agente a uma obrigação, sem lhe impor a constituição de um vínculo, mas pelo simples desencadear de um efeito inibitório ou inabilitante” (in Revista de Legislação e Jurisprudência (R.L.J.) ano 118 (1985/1986), pág. 104).

Ainda segundo BAPTISTA MACHADO, são pressupostos que desencadeiam o efeito jurídico próprio do instituto:

a) A verificação de uma situação objectiva de confiança – a confiança para ser digna de tutela “tem de radicar em algo de objectivo: numa conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura”, sendo o ponto de partida “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”. Para que a referida conduta “se possa considerar causal em relação à criação da confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro.
b) «Investimento» na confiança e irreversibilidade desse «investimento» - o conflito de interesses e a necessidade da tutela jurídica apenas surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada. Para que se verifique uma relação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o «investimento» dessa contraparte é preciso que esse «investimento» haja sido feito apenas com base na dita confiança. Importa que o dano que provocaria a conduta violadora da fides não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória.

Devendo atentar-se ao caso concreto, haverá casos em que os «investimentos» feitos não sejam economicamente recuperáveis; outros em que bastará que a situação entretanto criada não possa ser removida de todo ou só o possa ser sob condições muito onerosas para aquele que houvesse de suportar os danos da conduta contrária à fides.

c) Boa fé da contraparte que confiou – a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa fé (por desconhecer aquela divergência) e tenha agido com o cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico” (in R.L.J., cit., págs.171-172).

O S.T.J., no Acórdão de 12/11/2013, considera que “o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do art. 334.º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte” (ut Proc.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, in www.dgsi.pt).

2.- Ora, na situação sub judicio os Apelados/Réus conheciam a disposição de exclusão da servidão; actuaram em conformidade com essa exclusão, quer conjuntamente com os doadores, progenitores da Apelante/Autora e da Apelada/ /Ré, na abertura de uma nova entrada para os prédios que lhe foram doados, quer deixando de utilizar a entrada e passagem que existia no prédio que é agora da primeira; e mantiveram esta actuação desde a data da doação – 17/12/2010 -, até meados de 2017, quando, após o decesso dos progenitores, chegou ao seu conhecimento a doação do prédio à referida Apelante/Autora; dispondo de pelo menos uma entrada até com melhores condições funcionais (dado que tem um portão automático) do que aquela que está em discussão, apenas são movidos na sua actuação pela vontade de “incomodar” a Apelante/Autora, por estarem com ela desavindos (cfr. n.º 32 da decisão de facto).

Tudo considerado, torna merecedor da maior censura o comportamento dos Apelados/Réus, posto que, sem justificação minimamente razoável, entram em oposição frontal com a posição que antes assumiram.

O sentimento ético dominante na nossa sociedade repudia o comportamento de quem intenta aproveitar-se de uma circunstância decorrente de um acto em que a própria pessoa interveio (in casu, de a exclusão da servidão não ter ficado a constar da escritura de doação) causando prejuízo a outrem que actuou confiadamente e de boa fé (por suposto que se os progenitores ou a Apelante antevissem esta atitude dos Apelados/Réus tinham oportunamente vedado a passagem, impossibilitando-lhes a sua utilização, intenção que, de resto, e como se deixou referido acima na fundamentação da decisão de facto, o próprio Apelado/Réu em tempos manifestara).

Como refere GIANLUCA FALCO, citado no Acórdão do S.T.J. de 24/03/2015, “Os comportamentos assumidos nas relações que se estabelecem devem pautar-se por regras de ética e de empenho pessoal no cumprimento dos deveres assumidos de modo a que se torne previsível, um são e salutar desenvolvimento do relacionamento contratual estabelecido” (ut Proc.º 296/11.2TBAMR.G1.S1, in www.dgsi.pt).

Constituindo, pois, um reprovável venire contra factum proprium o pedido de reconhecimento da constituição da servidão por destinação de pai de família, não poderia tal pedido merecer provimento.-

C) DECISÃO

Considerando quanto acima fica exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação, consequentemente revogando a decisão no segmento impugnado (n.º 2 do dispositivo decisório), com o que se julga improcedente a reconvenção formulada pelos Apelados/Réus /Reconvintes, absolvendo-se a Apelante/Reconvinda do pedido de reconhecimento da existência de uma servidão de passagem, constituída por destinação de pai de família, a onerar o seu prédio em favor do prédio daqueles.
No mais mantêm o decidido.
Custas, da acção, da reconvenção, e da apelação, pelos Apelados/Réus/ Reconvintes.
Guimarães, 02/05/2019

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho