Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
29/22.8T8VPC.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: PARTILHA ADICIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A partilha adicional nos termos do art. 1129º do CPC tem lugar quando, num mesmo processo prévio de inventário e ainda que não tivesse ocorrido qualquer partilha efetiva por se ter concluído pela inexistência do único bem comum relacionado ( foi considerado bem próprio do cônjuge), e o processo tivesse sido arquivado, se reconheça que houve omissão de alguns bens.
II- Independentemente das razões que estiveram na base da omissão dos bens, desde que ela exista, há fundamento para se proceder à partilha adicional dos bens omitidos.
III- A lei naquela disposição legal do art. 1129º do CPC não estabeleceu qualquer sanção para aqueles que não tentem convencer de que o conhecimento da existência desses bens foi posterior à oportunidade legal para os acusar ou relacionar, nem impõe tal requisito.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- Relatório:

A cabeça de casal nos autos de Inventário que correm termos no Juízo de Competência Genérica ... - Proc. nº 29/22.8T8VPC.G1- e oriundos do Cartório Notarial onde anteriormente corriam termos, por não se conformar com a decisão proferida no âmbito do incidente por si requerido de partilha adicional e que não admitiu o incidente por o julgar inadmissível, da mesma vem agora interpor o competente recurso de apelação, alegando e concluindo que:

1 - Na sua douta interpretação do artigo 1129.º n.º 1 do CPC, a Meritissima Juiz a quo, cinge-se apenas à letra da lei: “Decorre, por isso, da letra da lei (o sublinhado é nosso), que a partilha adicional só poderá suceder se já tiver decorrido uma primeira partilha, efetivamente verificada (atente-se no verbo utilizado – feita a partilha).
2 - Contrariamente ao referido/concluído pelo douto tribunal recorrido, houve efectivamente uma partilha prévia: em sede de reclamação, foi alegado que o bem imóvel relacionado, era um bem próprio do interessado/recorrido.
3 - O sr. Notário, em sede de decisão da Reclamação apresentada, deu como provado que esse bem era um bem próprio do interessado reclamante e, à falta de outros bens relacionados e a partilhar, ordenou o arquivamento dos autos.
4 - Houve, efectivamente, uma partilha prévia (uma primeira partilha): requerimento de inventário, relação de bens, reclamação, decisão sobre a mesma, e arquivamento do processo, (cuja decisão já se encontra transitada em julgado).
5 – Encontram-se assim verificados os pressupostos legais para a partilha adicional requerida: verificou-se que, depois de feita a partilha, houve omissão de alguns bens (créditos), relacionados após o trânsito em julgado da decisão que pôs fim ao processo, tendo, assim, que se proceder à sua partilha adicional no mesmo processo.
6 - A Meritíssima Juiz cingiu-se, apenas, e exclusivamente, à letra da lei.
7 -No entanto, o espírito de tal preceito legal é permitir que, após a partilha (caso haja ou não partilha efectiva de bens), se possa utilizar o mesmo processo para se proceder à partilha de outros bens cuja verificação da sua existência seja posterior.
8 - A “partilha adicional”, prevista no artigo 1129.º n.º 1 do CPC, aplica-se, também, à situação dos autos.
9 - O que a lei pretende com o instituto da partilha adicional, é precisamente dar-se a possibilidade às partes de, no mesmo processo, partilharem bens, créditos ou direitos, que não foram levados à relação de bens e, consequentemente, partilhados. Independentemente de ter havido, ou não, uma qualquer partilha efectiva.
10 – Assim, e com o maior respeito, entendemos que a Meritíssima Juiz, ao julgar inadmissível a partilha adicional requerida, errou, tendo violado o disposto nos artigos 1129.º n.º 1 e 1689.º n.º 1, do CPC, e 2122.º do Código Civil.”
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Foram apresentadas contra-alegações nos termos das quais, em síntese, pugnou-se pela manutenção da decisão recorrida.
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Após ter sido recebido o recurso neste tribunal, foram colhidos os vistos legais, pelo que cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, impõe-se concluir que a questão submetida a recurso é determinar se os presentes autos de inventário podem prosseguir para efetivação de partilha adicional por se verificarem os requisitos da mesma.

Entendeu o tribunal recorrido que a partilha adicional só é admissível “ se já tiver decorrido uma primeira partilha, efetivamente verificada (atente-se no verbo utilizado – feita a partilha)”, pelo que no caso entendeu o seguinte: “verificamos que não ocorreu uma efetiva partilha dos bens do casal, porquanto a verba única constante da relação de bens foi considerada bem próprio de AA. Deste modo, não podemos considerar que tenha sucedido uma partilha que, no seu seguimento, consentisse um processo adicional, como exige o artigo 1129.º do Código de Processo Civil”, concluindo, assim, não poderem os autos prosseguir.
Defende a apelante que a decisão recorrida deve ser revogada porquanto estão reunidos os pressupostos necessários para que se proceda à partilha adicional requerida com a indicação de bens omitidos na primeira relação de bens (créditos), relacionados após o trânsito em julgado da decisão que pôs fim ao processo ( arquivamento ditado pelo sr. Notário), tendo, assim, que se proceder à sua partilha adicional no mesmo processo que, entretanto, foi requerido correr no tribunal judicial para o qual foi remetido oriundo do Cartório Notarial.
Vejamos.
Prima facie, dir-se-á que atento o disposto no art. 11º da Lei 117/2019, de 13 de setembro e que entrou em vigor a 01/01/2020, é este o regime aplicável ao caso em apreciação, tudo apesar de os autos terem iniciado no Cartório Notarial, em 2018, tendo sido remetidos para o Tribunal.
Por outro lado, saliente-se que foi requerida partilha adicional de bens, pelo que deverá ser convocado o atual artigo 1129º do CPC.
Este art. 1129º, nº1 do CPC dispõe que: “Quando se reconheça, depois de feita a partilha, que houve omissão de alguns bens, procede-se a partilha adicional no mesmo processo”.
O despacho recorrido seguiu uma interpretação meramente literal deste normativo entendendo-se que a partilha adicional só é possível depois de feita a partilha efetiva, a qual não ocorreu no caso dos autos, por ter sido decidido, após reclamação à relação de um único bem, que este bem não seria bem comum, mas bem próprio de um dos cônjuges.
Ora, desde logo, estamos no âmbito do mesmo e prévio processo de inventário instaurado após dissolução do casamento, o que no nosso entendimento seria o único fator relevante para, desde logo, ser admitido o incidente de uma partilha adicional, tal como perspetivado no art. 1129º do CPC, ou seja, como dependência de um processo prévio.
Dito de outro modo: nos termos daquele normativo legal, a partilha adicional tem lugar no mesmo processo. É o que ali se estipula. Nada mais!
É bem certo que não houve efetiva partilha de bens, mas houve processo de inventário prévio e que culminou com a constatação de que não havia ativo a partilhar.
Agora pretende a apelante relacionar um passivo ou um seu crédito e através do incidente de partilha adicional, o que cremos, salvo o devido respeito, terá razão, porquanto estamos no âmbito do mesmo processo de inventário previamente instaurado.
Entendendo-se obviamente que o processo de inventário em consequência de divórcio não se destina apenas a dividir os bens comuns dos cônjuges, mas também a liquidar definitivamente as responsabilidades entre eles e deles para com terceiros, o que pressupõe sempre a relacionação de todos os bens, próprios ou comuns, e também daqueles créditos (vide neste sentido, entre outros, o acórdão desta Relação de Guimarães, de 07.03.2019, proferido no processo 170/11.... (relatado por Sandra Melo) e o AC desta Relação de Guimarães de 27-01-º2022, proferido no proc. nº 4218/21.... ( relatado por Joaquim Boavida).
Aliás, conforme realça Jorge Duarte Pinheiro “ como bens comuns são relacionados todos os direitos integrados no património comum, incluindo os direitos de crédito correspondentes às compensações devidas pelos cônjuges ao património comum ( cfr. parte final do art. 1689,nº1 do CC”
Em suma: a partilha do casal não se limita à partilha do património comum, antes se desdobra em várias operações distintas: entrega dos bens próprios; liquidação da comunhão, na qual se inclui o apuramento e o pagamento das dívidas; avaliação e cálculo das compensações e, por fim, a partilha dos bens comuns (art. 1689º do Código Civil).
Na fase da liquidação da comunhão, cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve.
O cônjuge devedor deverá compensar nesse momento o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. Uma vez apurada a existência de compensação a efetuar à comunhão, procede-se ao seu pagamento através da imputação do seu valor atualizado na meação do cônjuge devedor, que assim receberá menos nos bens comuns, ou na falta destes, mediante bens próprios do cônjuge devedor de forma a completar a massa comum ( cfr. art. 1689º do CC).
Volvendo ao caso sub judicio, temos o seguinte quadro: foi intentado inventário no decurso do qual constatou-se a não existência de ativo, e após arquivamento dos autos, foi requerida partilha adicional de bens omitidos: créditos omitidos na primitiva relação de bens daquele mesmo processo de inventário.
No fundo, a situação a que se chegou é semelhante aos casos que suscitam a problemática de saber se há lugar a inventário subsequente a divórcio quando só exista passivo, sem qualquer ativo.
Tais casos geram controvérsia, mas a jurisprudência maioritária entende que será adequado o processo de inventário ( neste sentido, vide Ac RL de 24-10-17. 1589/09, RL 1-6-10, 2104/09, RC 6-5-08, 202-E/1999, RC 15-2-05, 4018/04; contra RLÇ 19-02-15, 1520/13 tidos citado in CPC Anotado A. Geraldes, P. Pimenta; Luís Sousa, Vol II, p. 628,629).
Repare-se nos convincentes argumentos aduzidos no Acórdão da Relação de Lisboa de 1/06/2010 (Proc. nº 2104/09.5TBVFX-A.L1-7; relator – ABRANTES GERALDES) que concluiu: “Apesar da inexistência de bens comuns, o facto de existirem dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges basta para que se requeira a abertura de processo de inventário que possibilita a liquidação global das relações patrimoniais estabelecidas entre os cônjuges”.

Para assim concluir, tal aresto convocou os seguintes argumentos, à luz da lei antiga mas no essencial e no que ora importa, com atualidade:

“ – Como é natural, o processo de inventário destina-se essencialmente a assegurar a distribuição dos resultados líquidos do património indiviso, para o que deverão ser ainda consideradas as dívidas perante terceiros;
– Assim o revela o art. 1404º, nº 1, do CPC, que prevê o processo especial de inventário para “partilha de bens”, ou outras normas do processo para onde remete o nº 3, designadamente o art. 1340º, nº 3, quando se refere à relação de todos os bens que hão-de figurar no inventário, o art. 1345º, quando as dívidas são relacionadas em separado dos bens que integram o património comum e todas as normas dos arts. 1354º e segs. sobre a aprovação do passivo;
– A existência desse activo parece também estar pressuposta na norma substantiva do art. 1697º, nº 1, do CC, que enuncia que a exigibilidade das compensações é diferida para o “momento da partilha dos bens”;
– Todavia, importa compreender que as regras do processo de inventário para onde remete o art. 1404º do CPC se destinam primacialmente a regular a partilha de bens que integram um património hereditário: Uma vez que os herdeiros apenas respondem pelos encargos na medida dos bens inventariados (art. 2071º, nº 1, do CC), compreende-se que, inexistindo activo a partilhar, não haja lugar a inventário que, na realidade, daria resultados meramente platónicos;
– Todavia, o regime subsequente à extinção do património comum por força do divórcio não tem equivalência com a partilha de herança;
– Tendo em conta a especificidade do estatuto patrimonial dos cônjuges que emerge da sociedade conjugal sob o regime de comunhão geral de bens ou de comunhão de adquiridos, a responsabilidade de cada um dos cônjuges perante terceiros não é afectada pelo divórcio; Ainda que não restem bens comuns a partilhar, responderão pelas dívidas os bens próprios de cada cônjuge que existirem na data do divórcio e ainda os bens que cada um vier a adquirir posteriormente;
– Por outro lado, pode ocorrer a necessidade de serem efectuadas compensações, por forma a tutelar os interesses do cônjuge que tenha sido prejudicado por dívidas que eram da exclusiva responsabilidade do outro ou de que era co-responsável, maxime quando tenham sido executados bens próprios daquele;
– Sendo diverso o circunstancialismo que rodeia a partilha da herança e a partilha dos activos e dos passivos patrimoniais dos cônjuges depois do seu divórcio, em lugar da aplicação directa das regras do processo de inventário, importa que sejam ponderadas as especificidades da relação conjugal, com os juízos e os ajustamentos procedimentais necessários a integrar uma realidade que não se circunscreve, como ocorre com a herança indivisa, à relacionação preferencial do activo patrimonial comum;
– Sem embargo de a partilha dos activos constituir a razão que essencialmente justifica o recurso ao processo de inventário, através deste processo podem ainda regular-se, em termos definitivos, os efeitos patrimoniais do divórcio, ainda que não existam bens comuns a partilhar, desde que existam dívidas do casal ou compensações a efectuar entre eles;
– É que, em face dos terceiros credores, quando não existam bens comuns que responsam pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, respondem os bens próprios de quaisquer dos cônjuges (art. 1695º, nº 1, do CC);
– E em relação a eventuais compensações que devam ser efectuadas correspondentes a créditos de algum dos cônjuges sobre o outro, não havendo bens comuns, respondem os bens próprios do cônjuge devedor (art. 1689º, nº 3);
– É verdade que, negado o acesso ao processo de inventário, nada obstaria a que o ex-cônjuge requerente do inventário instaurasse acção declarativa com processo comum destinada a convencer o outro da existência de dívidas comuns e a exigir a sua responsabilidade;
– Porém, tendo em conta a especificidade do casamento que terminou com o divórcio, não parece ajustado que se desconsidere a utilidade do processo de inventário para regular de forma unitária todos os efeitos patrimoniais do divórcio que envolvem os cônjuges entre si e os cônjuges e terceiros;
– Para o efeito, o procedimento mais ajustado é o processo de inventário, até porque em lugar de “partes”, são convocados os “interessados”;
– Por outro lado, é a tramitação específica de tal processo, bem diversa da demarcação de fases e da estrutura e objectivos do processo comum de declaração, que permite a composição final dos interesses de ambos os ex-cônjuges, ainda que apenas em relação ao passivo e sua forma de pagamento;
– Esta virtualidade é evidente em relação ao passivo face a terceiros, uma vez que as dívidas que forem aprovadas pelos interessados consideram-se judicialmente reconhecidas, devendo a sentença condenar no seu pagamento, nos termos do art. 1354º, nº 1, do CPC.
– Mas ainda que as dívidas não sejam aprovadas pelos interessados, não está afastada a possibilidade de o tribunal reconhecer a sua existência total ou parcial, com os mesmos efeitos, nos termos dos arts. 1355º e 1356º do CPC.
– Com este resultado se pode evitar a posterior demanda de algum ou de ambos os cônjuges por parte de cada um dos diversos credores;
– Ademais, tanto em relação à responsabilidade perante terceiros como em relação à liquidação das responsabilidades entre os cônjuges, o inventário possibilita a sua liquidação de forma global permitindo que, extinto o casamento, cada um dos cônjuges possa ver definitivamente apurada as responsabilidades decorrentes de tal relação jurídica sem correr o risco de ser sucessivamente importunado pelo outro cônjuge com exigências cujo apuramento se possa arrastar e com as inerentes dificuldades de prova;
– Ora, o processo de inventário, pela sua própria estrutura e natureza, permite que se faça o apuramento global de todas as responsabilidades, sem prejudicar o interesse nem de terceiros nem de qualquer dos interessados;
– O processo de inventário, com a sua tramitação específica, constitui assim o meio mais ajustado e mais expedito para se operar a liquidação das relações patrimoniais que cessaram com o divórcio, podendo nele ser resolvidas de forma unitária, simplificada e eficaz todas as questões pendentes depois do divórcio, sem os encargos ou os riscos que importa a remessa dos interessados (e dos credores) para os meios comuns.”
Ora, se assim é quando à partida se sabe que não há ativo e apenas passivo para ser relacionado e é adequado a instauração de inventário, o facto de, no caso concreto, não ter existido partilha efetiva de bens ( por se ter constatado que o único bem relacionado não era comum), não é obstáculo a que no mesmo processo e após tal constatação, tenha sido requerida partilha adicional de bens omitidos: créditos omitidos na primitiva relação de bens daquele mesmo processo de inventário.
E não se diga, conforme se lê nas contra-alegações, que não se trata de qualquer omissão de bens-outro dos requisitos do art. 1129º do CC- mas de “ em função dessa mesma decisão ( do Notário), veio a ora recorrente, mudar de estratégia e tomar mão da partilha adicional, relacionando, agora, não o imóvel, mas o alegado crédito referente à aquisição daquele bem)”.
Ora, desde logo, salvo o devido respeito, não concordamos com a alegação aduzida pelo recorrido.
Com efeito, foi apenas relacionado um bem imóvel na relação de bens apresentada e agora pretende-se relacionar um crédito/dívida, o que é substancialmente diferente.
Por outo lado, conforme referem Miguel Teixeira de Sousa e outros (O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, 2021, Almedina, pág. 149.5) “…o incidente de partilha adicional respeita aos casos em que, na partilha realizada no processo de inventário, tenham sido omitidos alguns bens, independentemente dos motivos que a isso conduziram, quer dizer: em contraste com o que sucede na emenda e na anulação da partilha (…), não se atribui qualquer relevância ao erro, dolo ou à má fé de qualquer dos interessados…”.
Resulta assim da análise dos preceitos legais citados, e da interpretação que deles é feita pela doutrina mais avalizada, que independentemente das razões que estiveram na base da omissão dos bens, desde que ela exista, há fundamento para se proceder à partilha adicional dos bens omitidos.
Poderá perguntar-se ainda se tendo a cabeça de casal tido conhecimento da existência dos bens omitidos, deveria ter relacionado no momento oportuno, o que convoca a velha problemática de saber se é requisito da partilha adicional o desconhecimento da existência da verba cuja partilha se pretende adicionar, ou se basta a sua existência e omissão na relação de bens.
Em nosso entender, deve preferir-se o segundo termo da alternativa.
Destarte, e se no caso vertente é a cabeça de casal que pretende relacionar bens omitidos, entendemos que mesmo no caso em que os interessados conhecedores da existência de bens omitidos não produzam qualquer reclamação naquela fase processual, na verdade, nos termos do arrt. 1129º do CPC a lei prevê que não estão impedidos de requerer a partilha adicional de bens omitidos.
E assim é ainda que o regime atual do inventário tenha mudado de paradigma conforme palavras de Lopes do Rego ( in Julgar 2019, p. 14), pois visou-se o seguinte: “ com este regime de antecipação/concentração na suscitação de questões prévias à partilha ou de meios de defesa, associado ao estabelecimento de cominações e preclusões, pretende evitar-se que a colocação tardia de questões – que podiam perfeitamente ter sido suscitadas em anterior momento ou fase processual – ponha em causa o regular e célere andamento do processo, acabando por inquinar irremediavelmente o resultado de atos e diligências já aparentemente sedimentados, tendentes nomeadamente à concretização da partilha, obrigando o processo a recuar várias casas, com os consequentes prejuízos ao nível da celeridade e eficácia na realização do seu fim último.”
Sem embargo, a lei naquela disposição legal do art. 1129º do CPC não estabeleceu qualquer sanção para aqueles que não tentem convencer de que o conhecimento da existência desses bens omitidos foi posterior à oportunidade legal para os acusar, nem impõe tal requisito.
No sentido que vimos propugnando vide, entre outos, o recente Acordão desta relação e Guimarães de 15-12-2022, relatora Amália Santos, in dgsi, nos termos do qual se “ Essa circunstância – do prévio conhecimento da existência dos bens -, não nos parece, no entanto, impeditiva de eles pretenderem agora que essas quantias monetárias sejam relacionadas, em partilha adicional, como lhes é permitido pelo referido art.º 1129º do CPC.
Começamos por dizer que da expressão “Quando se reconheça…” vertida naquele preceito legal (...) Atribuímos-lhe mais o significado de constatação, verificação ou conclusão (que é o significado mais usual para a expressão “reconhecer”).”
Acresce que, ainda que se pretendesse dar à expressão “reconhecer” o sentido de prévio conhecimento, ele não ocorreu na sua plenitude por parte da cabeça de casal aquando da relação de bens, porquanto a mesma apresentou à relação de bens um bem único-bem imóvel- o qual foi considerado que não era bem comum, mas bem próprio do cônjuge marido, pelo que a cabeça de casal ao pretender relacionar um crédito/dívida que foi omitido na relação de bens nada tem que ver com aquele outro bem imóvel nem se trata de qualquer estratégia processual diferente, conforme ventilado pelo recorrido, pois são completamente distintos os bens.
Doutra forma, perante o desacordo dos interessados, tais bens ficariam, na tese do despacho recorrido, por partilhar, quando, como já referimos, o processo de inventário, pela sua própria estrutura e natureza, permite que se faça o apuramento global de todas as responsabilidades, sem prejudicar o interesse nem de terceiros nem de qualquer dos interessados; O processo de inventário, com a sua tramitação específica, constitui assim o meio mais ajustado e mais expedito para se operar a liquidação das relações patrimoniais que cessaram com o divórcio, podendo nele ser resolvidas de forma unitária, simplificada e eficaz todas as questões pendentes depois do divórcio, sem os encargos ou os riscos que importa a remessa dos interessados (e dos credores) para os meios comuns.
Por tudo o exposto, consideramos a apelação procedente, devendo substituir-se o despacho recorrido por outro que ordene o prosseguimento dos autos para partilha adicional, tratando-se de uma nova partilha, cujas regras são as previstas nos artºs 1097º e ss. do CPC.
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V. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, devendo substituir-se o despacho recorrido por outro que ordene o prosseguimento dos autos para partilha adicional.
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Custas pelo recorrido ( cfr. art. 527º do CPC).
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Guimarães, 27 de abril de 2023

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Jorge dos Santos e
Margarida Pinto Gomes