Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1359/16.3T8CHV-A.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: DECLARAÇÕES DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
As declarações de parte deverão ser apreciadas pelo tribunal (cfr. n.º 3 do art.º 466.º do C.P.C.), a par dos outros meios de prova de apreciação livre, competindo, no entanto, pela própria natureza das mesmas, um esforço mais aturado para apurar da sua credibilidade, sobretudo quando em confronto com outra prova de sentido contrário.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

L. C. veio deduzir oposição à execução que lhe move “X – Comércio de Automóveis, SA” excecionando a inexistência de título executivo, por se tratar de documento particular não autenticado e obtido sob coacção moral, bem como a litispendência, por se verificar repetição da causa, relativamente ao processo que corre termos no tribunal de trabalho e onde se discute o fundamento da alegada confissão de dívida.

Recebidos os embargos, a embargada contestou, alegando que a subscrição do documento particular que constitui o título executivo foi anterior à entrada em vigor da nova redação do artigo 703.º do CPC, pelo que esta não se aplica ao mesmo. Pugnou pela improcedência da litispendência e contestou por impugnação, pedindo a condenação do embargante como litigante de má-fé.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos de executado, determinando o prosseguimento da execução e condenou o embargante como litigante de má-fé no pagamento de 1 UC de multa e em indemnização a favor da embargada no montante de € 750,00.

O embargante interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes

Conclusões:

1 - O inconformismo do Executado/Recorrente determinante do presente recurso tem incidência ao nível da matéria de facto dada como provada e não provada, na contradição entre a matéria de facto provada e a decisão da Douta Sentença posta em crise, e ainda, salvo melhor entendimento, quanto à matéria de Direito, na errónea subsunção legal operada nos presentes autos.
2 - Tendo sido documentada a prova produzida através de gravação áudio das declarações oralmente prestadas em audiência de discussão e julgamento vem o Apelante na sua veste de Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e aplicação da respectiva matéria de direito, tendo como perspectiva essencial demonstrar que a prova produzida não foi de molde a suportar alguns dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida, devendo pois a prova gravada ser reapreciada.
3 - Com o devido respeito, não podemos concordar com a matéria de facto que a Meritíssima Juiz a quo deu como provada nos pontos B),J) e K) da Douta Sentença recorrida.
Isto porque, O facto dado como provado no ponto B): "Por documento particular denominado "confissão de dívida" emitido em Vila Real, a 19 de Março de 2011, elaborado pela Dra S. e assinado pelo Executado L. C., este confessou-se devedor à exequente da quantia de 38.509,61€ (trinta e oito mil, quinhentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), referente a divergências nos registos de stock, no período em que o executado trabalhou para a exequente (e cujo contrato cessou a 11 de Outubro de 2010), enquanto gestor do posto de abastecimento.";
4 - Tal como foi por várias vezes firmado pelo Executado, aqui Recorrente, o mesmo nunca se confessou devedor da dita dívida, isto é nunca admitiu que efectivamente tinha desviado aquela quantia, e consequentemente responsável por aquela dívida.
5- Como o próprio afirmou no seu depoimento de parte, foi coagido, pressionado a assinar o documento intitulado "confissão de dívida", por se encontrar numa posição de fragilidade e sob ameaça, da possibilidade de perder o seu novo emprego, caso tais factos chegassem aos ouvidos da sua nova entidade patronal, o que encontra base no depoimento prestado pelo mesmo.
6 - Como se pode comprovar pelo depoimento de parte do Executado, o mesmo foi apanhado de surpresa quando confrontado com esta situação, encontrando-se numa posição económica e emocional frágil, uma vez que tinha arriscado tudo para Ir trabalhar para uma nova empresa em busca de melhores condições de vida.
7 - À data dos factos, tinha sido pai recentemente, a sua esposa estava desempregada, sendo o Executado o único sustento da família. Confrontado com tais acusações, movido pelo medo e pela pressão que a Exequente fez, não lhe restou qualquer opção ao Executado se não a de aceitar as condições impostas pela mesma, uma vez que a Exequente é uma empresa com grande influência no mercado, e mesmo que tais factos não correspondessem, e continuem sem corresponder à verdade, a questão é que atendendo a todas as circunstâncias o Executado viu-se "de mãos e pés atados", sendo mesmo obrigado a assinar algo pelo qual não era responsável.
8 - Mais, O Executado foi à dita reunião com o objectivo de esclarecer o que motivava aquela discrepância de stocks, nunca pensando que iria ser coagido a assinar uma confissão de dívida, ou seja, a administração através da Dra. S. quis substituir-se aos tribunais redigindo uma confissão de dívida e através do medo coagiu o Executado a assiná-la. A coacção moral traduz-se na provocação de um medo que determinou e perturbou a declaração, mesmo que o mal não seja, objectivamente, grave ou que não seja, objectivamente, justificado o receio da sua consumação, a esse respeito veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º' 774/09.3TBVCD.PI.S1, datado de 11/04/2013.
9 - Pelos depoimentos prestados pelo Executado, aqui Recorrente, e pelo firmado no Douto Acórdão, não restam dúvidas de que apenas assinou o dito documento mediante coação moral da Exequente, aqui Recorrida, estando os respectivos requisitos preenchidos.
10 - Ainda e sem prescindir, relativamente ao documento intitulado confissão de dívida o mesmo deveria ter sido considerado inepto, uma vez que, inexiste causa debendi, isto porque a declaração de reconhecimento de dívida não configura um negócio abstracto, mas antes um negócio causal, o que significa que tem de se provar a existência dessa relação fundamental, o que não se verificou, a este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 180/08.7TBAMT-A.P1, datado de 14/05/2013.
11 - Ora, daqui se depreende que o respectivo documento é omisso quanto à causa da obrigação aí declarada, inexistindo causa debendi e sem prescindir sempre se dirá que a assinatura do Executado foi recolhida mediante coacção moral, o que constitui um vício da vontade, constituindo assim uma causa ilícita.
12 - O facto dado como provado no ponto J) "Na reunião havida em Marco de Canavezes, o embargante, perante a documentação que a embargada lhe apresentou, reconheceu, sem oferecer quaisquer reservas, a existência das ditas divergências nos registos de stock e, nessa sequência, aceitou restituir à embargada as quantias que, por sua responsabilidade exclusiva, se encontravam em falta." nunca poderia ter sido dado como provado.
13 - O Executado, aqui Recorrente contrariamente ao que firma a Douta Sentença, não aceitou sem reservas a existência das ditas divergências nos registos de stock e muito menos assumiu a responsabilidade da dívida.
14 - Ou seja, o Executado frisou por várias vezes que nunca tinha roubado o que quer que fosse das instalações da Exequente, inclusive, quando confrontado com tais discrepâncias o mesmo explicou que tal devia-se à baralhação do sistema informático, o que encontra correspondência no testemunho da A. Q..
15 - Ora, daqui se depreende e não restam quaisquer dúvidas de que os inventários eram feitos e enviados para a contabilidade, sob o supervisionamento do responsável hierárquico Sr. R. B., tal como é facto assente nos testemunhos prestados.
16 - Contudo, surgem incongruências entre os testemunhos prestados pelas pessoas acima referidas e o testemunho da Dra. S., diretora financeira à data dos factos, uma vez que pela mesma foi dito que nunca foram feitos inventários, contudo no decorrer da instância já afirmava que a contagem final chegava a ela, mas que nunca tinha estado presente nos inventários, quando há testemunhas a dizer precisamente o contrário. Mais, disse que as contagens finais já chegavam a ela com os acertos aceitando que o sistema informático apresentava falhas.
17 - Ora daqui se depreende, que essas discrepâncias já existiam antes e já tinham sido detectadas pela Administração, o que não se compreende. Pois se já na altura a Administração tivesse suspeitas fundadas de que tais discrepâncias eram da responsabilidade do Executado então porque motivo fez "vista grossa" a tal questão e apenas imputou tais responsabilidades aquando da saída do mesmo da empresa?
18 - O facto dado como provado no ponto K) O embargante era gestor do posto de abastecimento, sendo responsável nomeadamente pela gestão das existências, sua supervisão e supervisão dos funcionários, desempenhando uma função de extrema confiança,
19 - Ora, tal facto não deveria ter sido dado como provado, uma vez que o Executado, aqui Recorrente admite ser o responsável pelo posto, nunca esquecendo que tinha um responsável hierárquico acima dele a quem tinha de "prestar contas" e a quem já tinha por várias vezes exposto o problema das falhas no sistema informático. Ou seja, enquanto responsável pelo posto diligenciou sempre no sentido de obter explicações junto do fornecedor do sistema informático para tentar obter uma solução, tendo contactado por várias vezes o Sr. R. B. que era cunhado do Administrador e seu superior hierárquico.
20 - Ora dada a prova produzida através do depoimento das testemunhas é perceptível que o Executado, aqui Recorrente desempenhava efectivamente as funções de responsável de loja, tendo acima dele um superior hierárquico a quem dava conhecimento de todas as discrepâncias motivadas pelas falhas no sistema informático, falhas essas que o próprio Sr. R. B. admite que fazia chegar à Administração. Não pode por isso, o Sr. R. B. enquanto director comercial e superior hierárquico do Executado excluir-se das suas responsabilidades. Se se entendeu que o Executado era responsável por todas aquelas falhas, não se compreende porque não se responsabilizou também o seu superior hierárquico.
21 - Mais, na motivação da Douta Sentença, a Mm.ª Juiz a quo firma que não restaram dúvidas quanto ao facto do sistema informático apresentar falhas, contudo não ficou convencida de que a enorme discrepância detectada no inventário da auditoria se devesse exclusivamente a tais falhas. Contudo, e tal como foi asseverado pelo depoimento do Executado em sede de acareação, este problema de divergência de stocks já vem de trás, inclusive a antiga responsável pelo posto já se queixava do mesmo problema à Administração.
22 - Não se compadece o Executado com a motivação da Mm.ª Juiz a quo quando diz que o Executado sabia antecipadamente o motivo da reunião no Marco de Canavezes. Ora, o Executado recebeu efectivamente uma chamada do Sr. R. B., mas este apenas frisou existirem discrepâncias, nunca na chamada foi dito que a Administração desconfiava da lealdade e seriedade do Executado, tanto que o Executado dirigiu-se à dita reunião sem se fazer acompanhar de alguém, nomeadamente um advogado, por crer piamente que apenas iam conversar sobre as falhas no sistema informático de que o mesmo, bem como as suas colegas no posto já estavam fartos de se queixar. Nunca o Executado desconfiou que a pretensão da Administração fosse imputar-lhe quaisquer responsabilidades, motivo pelo qual ficou atónito com tais acusações.
23 - Os testemunhos também divergem relativamente à reunião realizada no Marco de Canavezes, uma vez que estiveram quatro pessoas presentes e das quatro parecem ter todas uma perspectiva que apresenta discrepâncias entre si, nomeadamente o Sr. M. afirma que a reunião tinha sido pesada.
24 - Atendendo às discrepâncias de testemunhos sobre a reunião, por parte da Administração, os mesmos apenas chegam a acordo quanto a dizerem que colocaram a confissão de dívida à frente do Executado e o mesmo assinou sem retaliar, o que também não se compreende, como discordam ou afirmam não se lembrar de certos pormenores e neste sentido convergem, conluio com o qual também não se compadece o Executado, uma vez que em depoimento de parte o mesmo firmou que por variadíssimas vezes disse nunca ter roubado e que tal não passava de uma injustiça, tal como se pode comprovar no depoimento de parte do Executado.
25 - O Executado apenas começou a pagar as prestações movido pelo completo medo, uma vez que estava numa posição económico-emocional muito frágil, sabia que a Exequente era e é uma empresa com nome no mercado e movido por esse medo de tais factos se espalharem e chegarem aos ouvidos da nova entidade patronal é que foi pagando algumas prestações.
26 - Mais, e tal como asseverou em depoimento de parte só tardiamente procurou aconselhamento jurídico por não reunir condições financeiras naquele momento e por também estar comprometido com a nova entidade patronal, uma vez que com um filho bebé e a esposa desempregada, não podia perder aquele emprego.
27 - Mais, foi o Executado condenado como litigante de má-fé, o que não se compreende, uma vez que o Executado apresentou factos fundamentados nunca tendo actuado com dolo ou negligência ou mesmo sabendo da falta de fundamento da sua pretensão. Ora o Executado actuou convicto de tinha sofrido uma injustiça, estando a ser responsabilizado por algo que não fez, tendo recorrido aos tribunais para que a situação injusta fosse resolvida, estando perfeitamente convicto que nunca agiu de forma incorreta ou ilícita; não havendo por parte do Executado má-fé, mas sim legítimo aos tribunais para ver feita justiça.
28 - Ao contrario da exequente que, recorrendo a meios pouco idóneos, atraiu o executado, aqui recorrente para uma reunião que este pensava ser apenas de esclarecimento de pontos e discrepâncias levadas por ele próprio ao seu superior hierárquico durante vários anos e sem lhe dar qualquer hipótese de defesa, violando um dos princípios basilares do direito português que é o contraditório, o obrigaram a assinar uma declaração de divida que, face à coação moral exercida não pode ter força executória e por via disso não tem qualquer validade.
29 - O Recorrente foi sim "o bode expiatório" de todas as irregularidades que aconteceram nas barbas dos Legais Representantes da exequente; motivo pelo qual a Douta Sentença terá de ser posta em crise, pois só com a procedência dos embargos e com a improcedência da condenação como litigante de má-fé se fará justiça.

Nestes termos e nos melhores de Direito devem V. Exas. proferir Acórdão que revogue a Douta Sentença recorrida, julgando procedentes os embargos que o executado, ora recorrente apresentou extinguindo os autos executivos, e absolvendo o recorrente da condenação da multa, bem como da indemnização a favor da aqui recorrida, como litigante de má-fé, assim se fazendo Justiça.

A embargada contra alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com efeito devolutivo e subida nos próprios autos.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, consequências jurídicas da sua eventual alteração e apreciação da litigância de má-fé.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS

A) A exequente é uma sociedade comercial anónima que dedica a sua atividade ao comércio de veículos automóveis, os seus acessórios, a sua recolha e a exploração de oficina de reparação de automóveis, bem como o comércio por grosso de combustíveis líquidos, gasosos e produtos derivados e a prestação de serviços, bem como a exploração de estação de serviço, bar e lojas de conveniência.
B) Por documento particular denominado "confissão de dívida" emitido em Vila Real, a 19 de Março de 2011, elaborado pela Dra.ª S. e assinado pelo Executado L. C., este confessou-se devedor à exequente da quantia de 38.509,61€ (trinta e oito mil, quinhentos e nove euros e sessenta e um cêntimos), referente a divergências nos registos de stock, no período em que o executado trabalhou para a exequente (e cujo contrato cessou a 11 de Outubro de 2010), enquanto gestor do posto de abastecimento.
C) Quantia que se obrigou a pagar à exequente em 128 (cento e vinte e oito) prestações de 300,00€ (trezentos euros) cada e uma prestação de 109,61€ (cento e nove euros e sessenta e um cêntimos), com vencimento no dia 15 de cada mês, com inicio a 15 de Abril de 2011.
D) Sucede que, até à presente data, o executado apenas pagou à exequente 48 (quarenta e oito) prestações do acordo, no montante de 14.400,00€ (catorze mil e quatrocentos euros).
E) Decorre expressamente da confissão dívida que a falta de pagamento de uma prestação implica o imediato vencimento das demais.
F) Encontram-se vencidas as demais 81 (oitenta e uma) prestações do acordo na quantia global de 24.109,61€ (vinte e quatro mil cento e nove euros e sessenta e um cêntimos).
G) No dia 12 de Julho de 2016, o embargante foi citado nos autos principais de execução para pagar a quantia exequenda.
H) No dia 17 de Junho de 2016 o ora embargante propôs acção contra a ora exequente, Ré na referida acção que corre termos no Tribunal de Vila Real – Instância Central – Secção de Trabalho – J1 com o nº 82/16.3T8VRL onde se discutiu o fundamento da confissão de dívida, sendo a aqui embargada, Ré na acção supra citada e no dia 19.09.2016 foi proferida sentença no âmbito do referido processo, tendo a ação sido julgada improcedente, absolvendo-se a embargada dos pedidos formulados pelo embargante.
I) Os autos executivos de que os presentes embargos são um apenso, deram entrada em Tribunal no dia 07.07.2016 e o embargado apenas foi citado no dia 18.07.2016.
J) Na reunião havida em Marco de Canavezes, o embargante, perante a documentação que a embargada lhe apresentou, reconheceu, sem oferecer quaisquer reservas, a existência das ditas divergências nos registos de stock e, nessa sequência, aceitou restituir à embargada as quantias que, por sua responsabilidade exclusiva, se encontravam em falta.
K) O embargante era gestor do posto de abastecimento, sendo responsável nomeadamente pela gestão das existências, sua supervisão e supervisão dos funcionários, desempenhando uma função de extrema confiança, sendo a pessoa em quem a administração delegava os poderes de gestão pelo que, só após a saída do embargante, a embargada se apercebeu do elevado valor de stocks que se encontrava em falta, sendo certo que essa falta foi de tal modo evidente que o Executado a reconheceu e se comprometeu a pagar.

O apelante impugna a decisão de facto, designadamente, a constante dos pontos B), J) e K) dos factos provados.

Relativamente ao ponto B), sustenta-se, apenas, nas suas declarações de parte.

Ora, independentemente do conteúdo das suas declarações e do valor das mesmo, face à prova testemunhal produzida, a verdade é que a matéria constante do ponto B) dos factos provados mais não é que o conteúdo da declaração que incorpora a confissão de dívida que serve de título executivo aos autos principais de execução, sendo certo que as partes não divergem quanto à existência da mesma, quanto à data da sua elaboração e quanto ao facto de ter sido o executado a assiná-la. Daí que, estando as partes de acordo nesta matéria, nunca poderia tal ponto da matéria de facto ser considerado “não provado”. O litígio que opõe as partes prende-se com o modo como foi obtido tal documento e não com a existência do documento e com o facto de o mesmo ter sido assinado pelo apelante (debaixo de qualquer forma de coação ou intimidação, ou não).

Por outro lado, também não se coloca aqui a questão da inexistência de causa debendi, uma vez que o credor, munido do título executivo, em que o executado, por simples declaração unilateral, prometeu uma prestação ou reconheceu uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário – artigo 458.º, n.º 1 do Código Civil.

No caso dos autos, a “confissão de dívida” faz alusão à relação fundamental – referente a divergências nos registos de stock, no período em que o executado trabalhou para a exequente enquanto gestor do posto de abastecimento – cabendo ao executado a prova da falta da relação fundamental ou dos seus vícios.

Quanto ao ponto J) da matéria de facto provada, temos as declarações de parte do executado em oposição ao depoimento testemunhal das duas pessoas que estiveram presentes na reunião – a Dra. S. (ao tempo, diretora financeira da exequente) e R. B. (director comercial), bem como as declarações de parte do administrador da exequente, M., também presente na reunião.

Temos, também, o facto de o embargante ter pago diversas prestações durante cerca de quatro anos, no valor total de € 14.400,00, a que acresce o facto de ter enviado emails a pedir a concessão de mais prazo para pagar prestações atrasadas – veja-se o email de 2 de junho de 2015, com o qual transferiu € 900,00 para pagamento de uma parte da dívida em atraso – assumindo que não era sua intenção deixar de cumprir com as suas obrigações (email de 17 de abril de 2015).

Os depoimentos das testemunhas A. Q. e C. A., que trabalharam no posto de abastecimento com o executado, foram irrelevantes por não terem estado presentes na dita reunião, apenas tendo referido a forma como se realizava o inventário e a gestão de stocks, concordando ambas que era sempre o executado quem introduzia a mercadoria no computador quando ela chegava e que procedia aos ajustes do stock quando se confrontava com disparidades no programa informático, elaborando o relatório respetivo que entregava ao Sr. R. B..

Ora, perante esta prova, outra não podia ter sido a decisão do tribunal recorrido.

Veja-se que o apelante sustenta em grande parte o recurso nas suas próprias declarações de parte.

Ora, a apreciação que o Tribunal efectue das declarações prestadas, ao abrigo do disposto no artigo 466.º do CPC, nomeadamente, quando as mesmas sejam favoráveis à própria versão da parte que depõe (no fundo, quando se limitem a confirmar o alegado pela parte na peça processual que apresentou), não pode deixar de ser efectuada com o máximo de cautelas, não devendo, obviamente, essas declarações de parte, dentro destas circunstâncias, merecer, em princípio, credibilidade se não se mostrarem corroboradas por outros meios de prova.

As declarações de parte, uma vez que se limitam a referir factos que são favoráveis ao depoente, não servem por si só para comprovar os factos referidos, sendo necessário que existam meios de prova complementares que sustentem a convicção do juiz no sentido declarado – Acórdão da Relação de Guimarães de 14/09/2017, processo n.º 167447/09.1YIPRT.G1 (relatado pela Desembargadora, aqui adjunta, Alexandra Rolim Mendes), in www.dgsi.pt.

É certo que as declarações de parte deverão ser apreciadas pelo tribunal (cfr. n.º 3 do art.º 466.º do C.P.C.), a par dos outros meios de prova de apreciação livre, competindo, no entanto, pela própria natureza das mesmas, um esforço mais aturado para apurar da sua credibilidade, sobretudo quando em confronto com outra prova de sentido contrário.

Como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 15/09/14 (in www.dgsi.pt) as declarações de parte devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios sejam eles documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.

Foi, também esse o entendimento também que se teve no Ac. da Relação do Porto de 20.11.2014 (www.dgsi.pt), onde se refere que “…a apreciação desta prova faz-se segundo as regras normais da formação da convicção do juiz. Ora, em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse mesmo depoente, interessado na procedência da acção, deponha ele como “testemunha” ou preste declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas… Ou seja, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova. A prova dos factos favoráveis aos depoentes não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos…”.

Assim, ainda que não se ponha em causa que as declarações de parte podem estribar a convicção do juiz de forma auto-suficiente, assumindo um valor probatório autónomo – neste sentido, veja-se o CPC Anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, vol. I, Almedina, pág. 532 – não pode nunca esquecer-se a sua particular especificidade, sobretudo quando as declarações de parte vão em sentido contrário da demais prova.

Ora, da prova produzida fica-nos a mesma convicção exarada na motivação da decisão de facto em 1.ª instância: “leva-nos a acreditar que é o executado que presta declarações não coincidentes com a realidade”.

Finalmente, o ponto K) da matéria de facto provada.

Quanto à primeira parte, não vemos que o apelante discorde do mesmo, aceitando, ele e as suas testemunhas, que era o gestor do posto de abastecimento e responsável pela gestão de existências, sua supervisão e supervisão dos funcionários, desempenhando uma função de confiança, sendo a pessoa em quem a administração delegava os poderes de gestão. As colegas do apelante não tiveram qualquer problema em confirmar estes factos e o próprio os admite, apenas com a precisão de que respondia perante o Sr. R. B., que seria seu superior hierárquico, apesar de ter resultado da prova que este Sr. R. B. não costumava interferir em nada, estando a gestão confiada ao executado.

Quanto à segunda parte da alínea K), a mesma está intimamente ligada à alínea J) que já apreciámos. Do conjunto da prova produzida resulta que o executado reconheceu a divergência nos registos de stock e se comprometeu a pagar à exequente o valor por esta indicado, o que, como já vimos, fez durante quatro anos, sem nunca ter posto em causa a sua responsabilidade.

Nada há, portanto, a alterar, no que diz respeito á decisão de facto.

E, não sendo alterada a decisão de facto, improcedem as demais conclusões que tinham como fundamento aquela alteração.

Uma última referência à questão da litigância de má-fé.

“Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, nas expressões literais do nº 2 do artº 542º do CPC” – Acórdão do STJ de 28/05/2009, in www.dgsi.pt.

Considerando a matéria de facto apurada, outra não podia ser a decisão quanto à litigância de má-fé, uma vez que o executado alterou voluntariamente a verdade dos factos, deduzindo oposição – e sustentando-a nas declarações de parte – que sabia não corresponder à verdade, protelando a cobrança coerciva da quantia em dívida e fê-lo relativamente a factos pessoais.

Daí que seja de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 17 de dezembro de 2018

Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes