Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
838/14.1T8BRG-G.G1
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: PLANO DE INSOLVÊNCIA
QUORUM DELIBERATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A maioria necessária para a aprovação do plano de insolvência, mesmo que esta tenha sido antecedida de um processo especial de revitalização, deve ser aquela que vem prevista no artigo 212.º, n.º1, do CIRE, e não a que se encontra estabelecida pelo artigo 17.º-F, n.º 3, do mesmo Código, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório
1- No processo de insolvência em que figura como insolvente, J…, residente na Avª…, Braga, foi pelo mesmo apresentado um plano de insolvência, cuja votação teve início em assembleia de credores, realizada no dia 27/03/2015.
2- Decorrida essa votação, inclusive posteriormente e por escrito, o referido plano, segundo a última informação prestada pelo Sr. Administrador de Insolvência, obteve 59,91% de votos favoráveis e 40,09% de votos contra.
3- No dia 14/05/2015, foi, então, proferido o seguinte despacho:
“O insolvente apresentou na assembleia de credores um plano de insolvência – cfr. artigo 192.º, e 195.º, do CIRE.
Os credores presentes na assembleia de credores apresentaram o seu voto desfavorável à aprovação desse plano de insolvência – cfr. artigo 209.º, 211.º, 212.º, e 216.º, do CIRE.
Assim, em face da não aprovação do plano de insolvência apresentado pelo devedor, determino o prosseguimento dos autos, com a consequente liquidação da massa insolvente – cfr. artigo 156.º, do CIRE”.
4- Inconformado com este despacho, dele recorre o insolvente, rematando as suas alegações recursivas concluindo o seguinte:
“1. O presente processo de insolvência teve o seu, início por impulso do Administrador da Insolvência (A.I.), na sequência de um PER requerido pelo recorrente, e que findou sem aprovação do plano de recuperação, emitindo no seu termo o A.I. parecer no sentido da situação de insolvência do devedor.
2. Nos presentes autos, o recorrente apresentou plano de insolvência, que foi levado a votação na assembleia de credores de 27/03/2015.
3. Segundo uma primeira informação do A.I., de 12/05/2015, o plano teria merecido 40%,52 de votos a favor e 59,48% contra, num universo de 96,51% credores votantes.
4. De imediato, porém, a 13/05/2015, veio o A.I. rectificar o mapa de votação, dizendo que nesse universo de votantes, os votos contra representavam 40,09% dos votos e os votos a favor 59,91%.
5. A 14/05/2015 foi proferido o douto despacho em crise, ordenando o Mº Juiz do Tribunal a quo o prosseguimento dos autos para liquidação, face à não aprovação do plano.
6. Com o devido respeito pelo entendimento do Mº Juiz do Tribunal a quo, parece­nos que face à percentagem de votos a favor do plano, o mesmo deveria ter sido considerado aprovado.
7. Com efeito, anteriormente à última alteração ao CIRE, por via do Decreto-Lei nº 26/2015, de 06 de Fevereiro, o quórum deliberativo para aprovação do plano de recuperação (no âmbito do PER ­ art° 17°­F) e do plano de insolvência (no âmbito da insolvência ­ art° 212°), era o mesmo, já que aquela primeira norma legal remetia para esta.
8. Com este diploma legal, a maioria: para aprovação do plano de recuperação passou a ser simples (>50%), deixando de se exigir uma maioria qualificada (2/3).
9. Cremos que as razões que estão subjacentes a esta alteração legislativa ­ agilizar a aprovação do plano de recuperação ­ são igualmente válidas no âmbito do processo de insolvência quando este é despoletado na sequência de um PER não aprovado.
10. Trata­se, a nosso ver, da interpretação que vai mais ao encontro dos princípios que enformam o direito da insolvência, que privilegia a recuperação económica do devedor em detrimento da liquidação do activo, valendo esta como ultima ratio na satisfação dos direitos dos credores.
11. Por isso mesmo, face à votação favorável alcançada pelo Plano de Insolvência apresentado, à luz dos referidos princípios deveria o mesmo ter sido considerado aprovado, sob pena de ser dar primazia à justiça formal em prejuízo da justiça material.
12. Ao não ter sido considerado aprovado o Plano, foram violadas as disposições dos artº 1° e 17°­F do CIRE”.
Pede, assim, a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outra decisão que considere o plano de insolvência aprovado.
5- O Ministério Público, em resposta, pugna pela manutenção do julgado.
6- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
*
II- Mérito do recurso
1- Inexistindo, no caso presente, questões de conhecimento oficioso, o objecto deste recurso, considerando as conclusões das alegações do recorrente, como determinam os artigos 608º, nº 2, “in fine”, 635º, nº 4, e 639º, nº1, todos do Código de Processo Civil, é constituído unicamente pela questão de saber se o plano de insolvência apresentado pelo insolvente devia ter sido aprovado.
2- Para a resolução desta questão, as ocorrências relevantes são as que constam do relatório supra transcrito.
3- Vejamos, pois, como soluciona-la:
Nos termos do artigo 212.º, n.º 1, do CIRE, “[a] proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
Estabelece esta norma, como é consensual na doutrina (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª edição, Quid juris, pág. 817), dois tipos de quóruns: o da reunião e o da deliberação.
Neste recurso, só o último quórum está em causa. E é ostensivo que o plano de insolvência apresentado pelo recorrente não atingiu o número de votos necessários para a sua aprovação; só obteve 59,91% de votos favoráveis e, portanto, não completou a maioria qualificada exigida naquele preceito para essa aprovação.
O recorrente, de resto, não questiona esta conclusão. O que sustenta, ao invés, é que a dita maioria não carece de ser qualificada, mas pode ser simples, uma vez que este processo se iniciou como sendo um Processo Especial de Revitalização (PER) e, portanto, a maioria actualmente necessária para a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor deve servir de padrão àquela que é necessária para a aceitação do plano de insolvência, sempre que este preveja a recuperação do insolvente e não a liquidação do seu património.
Será assim ?
Estabelece o artigo 17.º-F, n.º 3 do CIRE que, “[s]em prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções;ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
Esta redacção foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro, com o propósito expresso de aproximar, “tanto quanto possível, o regime previsto no SIREVE (Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial) do regime consagrado para a aprovação de planos de recuperação no âmbito do PER” (cfr. preâmbulo deste diploma legal - DL n.º 26/2015).
Ora, esta menção é importante porque nos ajuda a clarificar qual foi a opção do legislador (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil). E ela foi, sem dúvida, a de aproximar, neste aspecto, o regime de revitalização objecto de processo judicial, não do regime insolvencial comum, mas, sim, do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial.
E faz sentido que assim seja. Com efeito, no que concerne às maiorias necessárias para efeitos de aprovação de planos de recuperação, dificilmente se perceberia que, sendo o processo de insolvência antecedido de um outro processo especial tendente à revitalização do devedor, se consinta que a maioria necessária para a aprovação desses planos seja igual em qualquer um dos processos. Além da repetição de procedimentos, com todos os custos processuais e extraprocessuais daí decorrentes, gera essa possibilidade enormes entropias no sistema, uma vez que acentua a desvalorização do primeiro dos processos indicados, ou seja, o processo de revitalização, por conceder duas oportunidades temporalmente diferenciadas, sujeitas aos mesmos requisitos.
Daí que se compreenda a opção do legislador, ao eliminar a anterior remissão constante do n.º 3 do artigo 17.º-F, do CIRE para o artigo 212.º do mesmo diploma legal. A recuperação de empresas deve ser prosseguida, também em termos de politica legislativa, mas não a qualquer custo.
De resto, mesmo numa perspectiva de estrita legalidade, não se vê como sustentar a derrogação do preceituado no artigo 212.º do CIRE, quando está em causa a aprovação, ou não, do plano de insolvência. Não há, estamos certos, qualquer lacuna no sistema e, portanto, carece, em absoluto, de fundamento legal a aplicação, nesses casos, do regime instituído no artigo 17.º-F, n.º 3, do CIRE.
Em suma, não tendo o recorrente obtido a maioria prevista neste último preceito legal para a aprovação do plano de insolvência que apresentou, o prosseguimento dos autos para a fase da liquidação é inevitável. O que significa que este recurso improcede na totalidade, confirmando-se o despacho recorrido, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e, consequentemente, mantém-se em vigor o despacho recorrido.
- Porque decaiu na sua pretensão recursiva, as custas deste recurso serão suportadas pelo recorrente- artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Guimarães, 15/10/2015
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Francisca da Mota Vieira