Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1485/15.2T8VNF-C.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
AGENTE DE EXECUÇÃO
NOTA DE HONORÁRIOS E DESPESAS
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A oposição à penhora configura-se como o meio processual idóneo para, designadamente, suscitar perante o tribunal a eventual ocorrência de excesso de penhora, em derrogação dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, os quais constituem limites à atuação do agente de execução, a quem cabe adequar o objeto da penhora à realização do direito à execução.
II - O juízo de adequação formulado pela AE para determinar a penhora aqui impugnada teve por base o teor de Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, apresentada pela AE, a qual corresponde ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora.
III - Como tal, a situação em apreciação remete-nos para a aplicação da previsão do n.º 3 do artigo 735.º do CPC, no que respeita à existência de liquidação ulterior e não para a realização das estimativas previstas em tal preceito.
IV - Neste contexto, o eventual prosseguimento da execução sempre dependia da prévia decisão da reclamação apresentada pela executada contra a nota de honorários e despesas elaborada pela AE, nos termos previstos no artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08, porquanto a amplitude da eventual penhora a efetuar deve basear-se já não em estimativas mas no valor correspondente ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora (posto que se trata de liquidação posterior e final para apuramento das responsabilidades referentes à execução) e considerando ainda que o montante em falta na execução corresponde aproximadamente ao valor que foi impugnado no âmbito da reclamação apresentada pela executada.
V - Acresce que a falta de oportunidade da penhora efetuada pela AE resulta ainda dos efeitos da caução oportunamente prestada pela executada/embargante nos autos em apenso, por meio de garantia bancária já constituída, tal como prevista no artigo 733.º n.º 1, al. a), do CPC e que motivou a oportuna suspensão da execução em referência em face da dedução de embargos de executado, porquanto a caução garante o cumprimento coercivo da prestação na medida em que, se os embargos forem julgados improcedentes, a satisfação do direito de crédito do exequente será feita através do acionamento da caução.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Nos autos de Execução Ordinária (Ag. Execução), n.º 1845/15.... que Fábrica da Igreja Paroquial de ..., instaurou contra Banco 1..., S. A., veio a executada, em 07-09-2022, opor-se à penhora do saldo bancário da conta de depósito à ordem titulada em nome da executada na instituição bancária Banco 2... S.A.,, no montante total de 7.500,00€, conforme auto de penhora datado de 15-07-2022, pedindo que na prossecução de tal incidente seja a penhora levantada ou reduzida ao valor de 255,00€ acrescido de IVA.
Alega para o efeito, e em síntese, que a penhora efetuada pela Agente de Execução (AE) é manifestamente abusiva atendendo a que a visa garantir o valor da remuneração adicional que calculou na liquidação/nota de honorários que apresentou nos autos, e comunicada às partes, a que manifestamente aquela AE não tem direito, o que motivou a reclamação apresentada pela executada em 27-09-2021, e que, todavia, ainda não foi decidida pelo tribunal, sendo que nessa reclamação a aqui opoente opôs-se a que lhe fossem cobrados os “honorários suplementares - remuneração adicional” liquidada pela AE - por entender que os mesmos não são devidos, por excessivos e desproporcionais face ao serviço efetivamente prestado, e a sua cobrança viola a lei; como também não aguardou a decisão do tribunal a pronunciar-se quanto à reclamação apresentada à sobredita remuneração adicional que solicitou na sua nota de honorários; mais alega que, na sequência da instauração da execução e da subsequente citação, a ora oponente Banco 1..., a fim de evitar a penhora do seu património, efetivou de imediato prestação voluntária de caução sob a forma de garantia bancária, a qual veio a ser aceite pelo tribunal por despacho de 29-02-2016 com a inerente suspensão da instância executiva, a qual foi notificada à AE, pelo que não houve lugar a penhora alguma, e nem sequer a qualquer diligência processual realizada pela AE nesse âmbito, sendo que na sequência da notificação que lhe foi efetuada em 23-09-2021, notificação esta que substituiu a nota de custas anteriormente remetida pela AE, em 14-07-2021, e com valor final diverso da anterior, a recorrente/executada pagou por transferência bancária realizada em favor da exequente a quantia de 125.105,18 €, acrescidos ainda de 1.336,02 € de custas de parte à exequente, na sequência de tal liquidação; como tal, não assiste à AE o direito de promover a penhora dos saldos bancários da executada para pagamento de uma quantia que pura e simplesmente lhe não é devida, sendo ademais tal penhora excessiva porquanto, a ter o direito de prosseguir a presente execução para pagamento do que entende que lhe é devido, devia ter limitado a penhora que concretizou ao montante de 255,00 €, acrescido de IVA, respeitante à citação que realizou no âmbito do processo executivo, e não efetivar a penhora sobre saldo bancário no valor de 7.500,00 €, como sucedeu.
De qualquer forma, o comportamento processual da AE sempre traduziria um manifesto abuso de direito, ao não aguardar a decisão judicial a respeito da reclamação apresentada pela executada quanto à nota de honorários que apresentou, tendo prosseguido a execução como se reclamação não houvesse.
Notificada para contraditar, contestou a exequente, invocando, para o efeito e em síntese, que o presente incidente de oposição à penhora prende-se com a liquidação do julgado e respetivo apuramento de responsabilidades da mesma, constante da nota discriminativa elaborada pela AE e de onde resultava a obrigação de a executada pagar o valor ainda em dívida de 129.628,59€ sendo que esta não entregou nos autos nem à AE o referido valor, optando por entregar quantia inferior e por deduzir reclamação dessa mesma nota discriminativa que a AE lhe apresentou, visando o não pagamento da denominada “remuneração adicional”, conforme dos autos principais tudo melhor se alcança; a AE, em 23-09-2021, procedeu à entrega à exequente de 121.940,31€ e esta, logo após ter recebido da AE aqueles valores, assinalou que a quantia exequenda ainda não se encontrava paga, na medida em que o valor total em dívida à exequente, capital e juros, ascendia à quantia de 126.471,20€, sendo alheia à discussão entre a AE e a executada no que ao ser devido, ou não, o pagamento da denominada “remuneração adicional”; à exequente ainda falta receber o valor de 4.530,89€ de capital, acrescido do valor de juros vincendos, contados à taxa de 16%, tal como vem sendo peticionado pela mesma nos requerimentos apresentados em 06-10-2021 e em 06-07-2022, sendo que o valor total a que a exequente tem direito no âmbito desta execução, já há muito ficou definido e fixado pela  sentença proferida nos autos de embargos, que correram, por apenso, à execução, a qual, aliás, foi mantida pela decisão proferida no Tribunal da Relação de Guimarães e, por isso, também já há muito transitada em julgada, pelo que de modo algum a invocada penhora excede o valor da quantia exequenda.
Procedeu-se à produção da prova requerida, após o que foi proferida decisão, datada de 12-12-2022, julgando a oposição à penhora improcedente e, em consequência, determinando a manutenção da penhora do saldo bancário.

Inconformada com o assim decidido veio a executada/opoente interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1) A douta sentença recorrida entendeu que a quantia exequenda ainda não está integralmente saldada, sendo esse o concreto fundamento da decisão tomada.
2) A recorrente/executada pagou por transferência bancária realizada em favor da exequente a quantia de 125.105,18 €, acrescidos ainda de 1.336,02 € de custas de parte à exequente, na sequência de liquidação por ela realizada e comunicada ao aqui signatário em de 23.09.2021, notificação esta que substituiu a nota de custas anteriormente remetida pela srª Agente de Execução, em 14.07.2021, e com valor final diverso da anterior;
3) Daquela nota de liquidação a aqui recorrente/executada apenas não pagou a quantia peticionada a título de “percentagem sobre o valor recuperado ou garantido” atendendo a que, na sua perspetiva, a quantia exequenda estava garantida à partida por ato da própria executada e sem qualquer intervenção da srª Agente de Execução, atenta a prestação espontânea de caução;
4) Esta dita “remuneração adicional” aplica-se apenas aos casos em que o pagamento ou a garantia da sua realização está direta e causalmente associado a um desempenho eficaz e eficiente por parte do Agente de Execução, e não aos casos em que o pagamento ou a garantia da sua realização fiquem a dever-se a outros fatores que não estejam relacionados diretamente com o eficaz desempenho do Agente de Execução, como foi o caso destes autos;
5) Tendo a recorrente/executada reclamado da nota de custas remetida pela srª agente de Execução deveria em primeiro lugar verificar-se decisão judicial sobre esta reclamação, para, após se poder considerar fixado definitivamente o valor devido à srª Agente de Execução;
6) Sem esta decisão sobre tal reclamação não deveria a srª Agente de Execução ter promovido a penhora que realizou sobre o saldo da conta bancária titulada pela executada, tanto mais que foi prestada espontaneamente caução por esta precisamente para evitar penhoras sobre o seu património;
7) A srª Agente de Execução não tem substantivamente o direito a haver da executada quantia alguma a título de remuneração adicional e, como tal, não lhe assiste também processualmente o direito de promover a penhora dos saldos bancários da executada, sem aguardar decisão sobre a reclamação, para pagamento de uma quantia que pura e simplesmente lhe não é devida, tendo apenas o direito a haver a componente de honorários respeitante à citação (€ 255,00, acrescida de IVA);
8) Verifica-se, assim, a “inadmissibilidade da penhora sobre os bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada” a que alude a alínea a) do nº 1 do art. 784º do CPC.
9) Sempre o comportamento processual da srª Agente de Execução traduziria um manifesto abuso de direito, ao não aguardar a decisão judicial a respeito da reclamação da executada quanto à nota de honorários que apresentou, tendo prosseguido a execução como se reclamação não houvesse;
Termos em que deverá ser revogada a douta sentença.
Assim se fará Justiça !».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.
 
II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir se a penhora do saldo bancário da conta de depósito à ordem titulada em nome da executada na Instituição bancária Banco 2... S.A.,, no montante total de 7.500,00€, conforme auto de penhora datado de 15-07-2022, é objetivamente excessiva  e desproporcional, atendendo às incidências processuais que os autos revelam.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação
1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª Instância:
1. No dia 15-07-2022, o agente de execução procedeu à penhora de um saldo bancário titulado pela executada no montante total de 7.500,00 € conforme auto de penhora junto aos autos no passado dia 21-07-2022.
2. No dia 28-09-2022, a agente de execução informou os autos de execução que, para além da sua remuneração, a penhora efetuada visa garantir o pagamento da quantia exequenda ainda em dívida, no montante, à data, de 4.530,89 €.
3. O agente de execução reclama da executada o pagamento dos seus honorários e despesas no valor de 2.969,11 €.
4. A executada reclamou nos autos de execução da nota de honorários e despesas apresentada pelo agente de execução.
*
1.2. Com relevo para a apreciação do objeto da apelação, importa ainda atender às seguintes incidências e elementos processuais que se consideram assentes nesta instância por se encontrarem devidamente documentadas nos autos, atento o que se pode constatar mediante o acesso eletrónico ao processo através do sistema citius:
1.2.1. No âmbito da execução em referência, a executada Banco 1... apresentou, em 17-04-2015 oposição à execução, através de embargos de executado - apenso A -  e, em simultâneo, deduziu em separado pedido de prestação de caução para garantia do pagamento da eventual quantia exequenda, a fim de evitar a penhora de bens próprios, nos termos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, al. a) do CPC - apenso B.
1.2.2. Por sentença de 01-03-2016 - proferida no apenso B - devidamente transitada em julgado, foi julgado procedente o incidente de prestação de caução e considerada idónea e suficiente a caução a prestar, por meio de garantia bancária já constituída e, em consequência, foi determinada a suspensão da execução em causa.
1.2.3. Por sentença de 18-01-2021 - proferida no apenso A - foi decidido julgar improcedentes os embargos de executado e, consequentemente, determinar o prosseguimento da instância executiva contra a embargante.
1.2.4. A sentença aludida em 1.2.3. foi confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 01-07-2021, devidamente transitado em julgado.
1.2.5. Nos autos de execução em referência, a AE remeteu aos autos, em 14-07-2021 comprovativos da notificação às partes de Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, da qual consta, entre o mais, o valor de 255€ a título de «honorários e despesas do Agente de execução» - tramitação do processo executivo para PQC com recuperação ou garantia total ou parcial do crédito, por executado (limite 6 citações ou notificações postais e 2 diligências externas); e remuneração adicional (Anexo II - percentagem sobre o valor recuperado ou garantido), no valor de 3.524,65 €, com total de honorários do agente de execução (c/impostos) de 4.648,97.
1.2.6. Consta da Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, aludida em 1.2.5., o seguinte Apuramento Final/Saldo de que o executado é devedor - 129.628,59, com os seguintes segmentos: Valor(es) recuperado(s) - 0,00; Devido ao Exequente (saldo do quadro 4 - saldo do quadro 1) - 125.105,08; Devido pelo executado (quantias ainda em falta) - 129.628,59; Devido ao Agente de Execução (saldo do quadro 1) - 4.523,51.
1.2.7. Nos autos de execução em referência, a AE remeteu aos autos, em 23-09-2021 (ref.ª citius ...16) comprovativos da notificação às partes de Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, da qual consta, entre o mais, o valor de 255€ a título de «honorários e despesas do Agente de execução» - tramitação do processo executivo para PQC com recuperação ou garantia total ou parcial do crédito, por executado (limite 6 citações ou notificações postais e 2 diligências externas); e remuneração adicional (Anexo II - percentagem sobre o valor recuperado ou garantido), no valor de 3.524,65 €, com total de honorários do agente de execução (c/impostos) de 4.648,97.
1.2.8. Consta da Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, aludida em 1.2.7., o seguinte Apuramento Final/Saldo de que o executado é devedor - 130.994,71 com os seguintes segmentos: Valor(es) recuperado(s) - 0,00; Devido ao Exequente (saldo do quadro 4 - saldo do quadro 1) - 126.471,20; Devido pelo executado (quantias ainda em falta) - 0,00; Devido ao Agente de Execução (saldo do quadro 1) - 4.523,51.
1.2.9. A executada apresentou reclamação contra a Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, junta pela AE, nos termos do requerimento apresentado no processo de execução em 27-09-2021 (ref.ª citius ...44), que aqui se dá por reproduzido e pelos fundamentos nele apresentados, no qual conclui que «deve recusar-se a aplicação do disposto no artigo 50.º, n.º 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, ou, a assim não ser entendido, deverá a remuneração adicional ser recusada por não verificação de nexo causal entre a quantia recuperada/paga pela Banco 1... e a atividade da Srª. Agente de Execução».
1.2.10. Com a reclamação aludida em 1.2.9. a executada juntou comprovativos de transferência bancária a favor do AE, no valor global de 126.471,20€.
1.2.11.   Em 23-09-2021 (ref.ªs citius ...09; ...96; ...86) a AE juntou aos autos comprovativos da entrega de resultados ao exequente (IUP) no âmbito da execução em referência, no valor global de 121.940,31.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

Insurge-se a apelante contra a decisão que julgou improcedente a oposição à penhora por si deduzida e determinou a manutenção da penhora do saldo bancário da conta de depósito à ordem titulada em nome da executada na instituição bancária Banco 2... S.A., no montante total de 7.500,00€, conforme auto de penhora datado de 15-07-2022.
A recorrente pretende a revogação da decisão recorrida, defendendo que a penhora em referência é manifestamente abusiva pois visa garantir o valor da remuneração adicional indicada pela AE na liquidação/nota de honorários que apresentou nos autos, sobre a qual incidiu oportuna reclamação[1] apresentada pela executada, em 27-09-2021, e que, todavia, ainda não foi decidida pelo tribunal a quo.
Alega que a AE desencadeou desde logo toda uma série de pedidos de penhora, com concretização da penhora sobre o saldo da conta bancária titulada pela executada, sem sequer esperar pela decisão do tribunal recorrido a decretar ou não a prossecução da execução na sequência da reclamação apresentada contra a Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução.
Conclui que a AE não deveria ter concretizado a penhora sobre o saldo da conta bancária titulada pela executada antes da decisão sobre aquela reclamação, tanto mais que a recorrente/executada já antes tinha prestado espontaneamente caução nos referidos autos, precisamente para evitar penhoras sobre o seu património, no que lhe assiste inteira razão.
O incidente de oposição à penhora é o meio de reação à penhora objetivamente ilegal, cujos fundamentos estão taxativamente previstos no artigo 784.º do CPC.

Nos termos do n.º 1 deste último preceito, sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:

a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.

Assim, «[a] oposição à penhora tem como pressuposto a penhora de bens do executado e não de terceiro (…), sendo o pedido formulado o de levantamento total ou parcial da penhora efetuada. Neste incidente não se discute a ilegalidade subjetiva da penhora, mas a sua ilegalidade objetiva, visto que, pertencendo, embora, ao executado aquilo que foi penhorado, se questiona a penhorabilidade do bem em si, a medida em que a penhora se realizou, a sua oportunidade ou a eventual impenhorabilidade para a satisfação da concreta dívida exequenda»[2].
Nos termos do disposto no artigo 735.º, n.º 1, do CPC, estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
Porém, de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.
Como se vê, o n.º 3 do citado artigo 735.º do CPC consagra o princípio da proporcionalidade entre a amplitude da quantia exequenda (incluindo as despesas previsíveis da execução) e a penhora[3].
Assim, o preceito do artigo 735.º, n.º 3, lida com uma dupla estimativa, a do valor dos bens e a do valor das despesas de justiça, sendo que com o uso da expressão despesas previsíveis pretende abranger, além das custas judiciais stricto sensu, os encargos com remunerações e outros pagamentos a fazer ao agente de execução, nos termos dos artigos 43.º e ss. da Portaria n.º 282/2013, de 29-08[4].
Neste enquadramento normativo, a oposição à penhora configura-se como o meio processual idóneo para, designadamente, suscitar perante o tribunal a eventual ocorrência de excesso de penhora, em derrogação do princípio da proporcionalidade, o qual constitui um limite à atuação do agente de execução, a quem cabe adequar o objeto da penhora à realização do direito à execução.
Com efeito, decorre do regime legal aplicável - cf., designadamente o artigo 751.º do CPC - que ao agente de execução cabe aferir em concreto da adequação da penhora tendo por base a sua conformidade com normas legais imperativas e à luz dos princípios da proporcionalidade e da suficiência, de raiz constitucional no direito de propriedade privada (cf. artigo 62º CRP) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações ativas privadas[5].
Conforme resulta da análise das concretas incidências processuais que relevam para o objeto da presente apelação, o juízo de adequação formulado pela AE para determinar a penhora agora impugnada teve por base o teor da Nota Discriminativa/Apuramento de Responsabilidades referente à execução, aludida em 1.2.7., apresentada pela AE, a qual corresponde ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora: 130.994,71€ correspondente a Valor(es) recuperado(s) - 0,00; devido ao Exequente (saldo do quadro 4 - saldo do quadro 1) - 126.471,20; devido pelo executado (quantias ainda em falta) - 0,00; devido ao Agente de Execução (saldo do quadro 1) - 4.523,51.
Como tal, a situação em apreciação remete-nos para a aplicação da previsão do citado n.º 3 do artigo 735.º do CPC, no que respeita à existência de liquidação ulterior e não para a realização das estimativas previstas em tal preceito.
Neste contexto, julgamos que o eventual prosseguimento da execução sempre dependia efetivamente da prévia decisão da reclamação apresentada pela executada contra a nota de honorários e despesas elaborada pela AE, nos termos previstos no artigo 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08[6], porquanto a amplitude da eventual penhora a efetuar deve basear-se já não em estimativas mas no valor correspondente ao apuramento final do saldo de que a executada é devedora (posto que se trata de liquidação posterior e final para apuramento das responsabilidades referentes à execução) e considerando ainda que o montante em falta na execução corresponde aproximadamente ao valor que foi impugnado no âmbito da reclamação apresentada pela executada[7].
Acresce que, no caso, a falta de oportunidade da penhora efetuada pela AE resulta ainda dos efeitos da caução oportunamente prestada pela executada/embargante nos autos em apenso, por meio de garantia bancária já constituída, tal como prevista no artigo 733.º n.º 1, al. a), do CPC e que motivou a oportuna suspensão da execução em referência, em face da dedução de embargos de executado.
É certo que a suspensão da execução apenas persiste enquanto não forem decididos os embargos de executado, retomando o seu normal andamento, desde que o desfecho dos embargos não imponha a sua extinção[8], nos termos do artigo 732.º, n.º 4 do CPC, sendo que no caso os embargos de executado foram julgados improcedentes por sentença de 18-01-2021 - proferida no apenso A - confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 01-07-2021, devidamente transitado em julgado.
Sucede que, tal como dispõe expressamente o artigo 733.º, n.º 6 do CPC, se a suspensão da execução tiver tido por base a prestação de caução pelo embargante, a improcedência dos embargos implica que seja aplicado, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 650.º, com o seguinte teor:
3 - Se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado.
4 - No caso previsto na segunda parte do número anterior, se não tiver sido feita a prova do cumprimento de obrigação no prazo aí referido, será notificada a entidade que prestou a caução para entregar o montante da mesma à parte beneficiária, aplicando-se, em caso de incumprimento e com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 777.º, servindo de título executivo a notificação efetuada pelo tribunal.
Tal como explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[9], em anotação ao artigo 733.º do CPC, «[a] caução assim prestada garante o cumprimento coercivo da prestação, na medida em que, se os embargos forem julgados improcedentes, a satisfação do direito de crédito do exequente será feita através do acionamento  da caução (v.g. garantia bancária, seguro-caução), em termos semelhantes aos previstos nos nºs 3 e 4 do art. 650º, sem necessidade sequer de insistir na penhora ou na venda dos bens do executado».
Daí que se conclua que a penhora em apreciação foi indevidamente realizada no contexto processual em referência, o que determina a procedência da oposição à penhora deduzida pela executada, com o consequente levantamento da penhora, nos termos previstos no artigo 785.º, n.º 6 do CPC.
Pelo exposto, cumpre julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que determina que a AE proceda ao levantamento da penhora.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada procedente, as custas são integralmente da responsabilidade da exequente/apelada, parte vencida no incidente e no recurso.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a qual se substitui por outra que, na procedência da oposição à penhora deduzida pela executada, determina que o agente de execução proceda ao levantamento da penhora em referência.
Custas pela apelada/executada.
Guimarães, 20 de abril de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)


[1] Sendo que nessa reclamação a aqui opoente opôs-se ao valor especificado a título de “honorários suplementares - remuneração adicional” liquidada pela AE - por entender que os mesmos não são devidos, por excessivos e desproporcionais face ao serviço efetivamente prestado, e a sua cobrança viola a lei.
[2] Cf., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 178.
[3] Cf., a propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -  p. 99.
[4] Cf. Rui Pinto, A ação Executiva, 2020 2.ª Reimpressão, AAFDL Editora, p. 536.
[5] Cf. Rui Pinto - Obra citada-, p. 536.
[6] Nos termos do qual, «qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria».
[7] Posto que se verifica que, com a reclamação aludida em 1.2.9. a executada juntou comprovativos de transferência bancária a favor do AE, no valor global de 126.471,20€ e, em 23-09-2021 (ref.ªs citius ...09; ...96; ...86) a AE juntou aos autos comprovativos da entrega de resultados ao exequente (IUP) no âmbito da execução em referência, no valor global de 121.940,31.
[8]   Cf., Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -  p. 95.
[9] Obra citada, p. 92.