Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7/06.4GABTC.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: ARGUIDO
CONTUMÁCIA
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
JULGAMENTO
ACÓRDÃO
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECRUSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Sendo submetidos a julgamento dois arguidos, que já não possuíam essa qualidade no processo - por terem sido declarados contumazes e ter havido separação de processos, nos termos do disposto no artº 335º, nº 4, do CPP - e tendo sido proferido acórdão relativamente aos mesmos, quer o julgamento, quer o acórdão, têm de considerar-se inexistentes, no que aos arguidos respeitam.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 - RELATÓRIO
Neste processo comum nº. 7/06.4GABTC, da Comarca de Vila Real, Instância Central, Secção Criminal, J1, que correu os seus anteriores termos no Tribunal Judicial de Boticas, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com a intervenção do tribunal coletivo, tendo, a final, sido proferido acórdão, em 21/05/2010, no qual se decidiu absolver os arguidos M. C., S. M., J. P., P. J., N. G. e L. S., da prática, em coautoria, em concurso efetivo, de um crime de furto p.p. pelo art.º 203.º, n.º1, do Código Penal, e de três crimes de furto qualificado p.p. pelos art.ºs 203.º, n.º1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.
Por despacho proferido em 24/02/2010, a fls. 461 dos autos, os arguidos P. J., N. G. e L. S.da Silva Antónia foram declarados contumazes, procedendo-se à separação de processos em relação aos mesmos.
No âmbito dos processos cuja separação teve lugar, em virtude da declaração de contumácia dos arguidos P. J., N. G. e L. S., respetivamente, nºs. 17/10.7TBBTC, 16/10.9TBBTC e 15/10.0TBBTC, a Digna Procuradora da República, através de ofícios dirigidos aos presentes autos, promoveu a retificação do lapso respeitante à inclusão do nome dos identificados três arguidos no acórdão, sob nulidade insanável relativamente a cada um destes arguidos.
Apreciando o promovido, o Mmº. Juiz relator do acórdão proferido nos autos, por despacho de 02/05/2016 decidiu que o acórdão não enferma de qualquer lapso e que tendo ocorrido a nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. c), do CPP, não tendo o Mº.Pº. invocado essa nulidade, no prazo legal, para a interposição de recurso do acórdão, este transitou em julgado para o Mº.Pº., não podendo, agora, vir invoca-la. Decidiu, ainda, o Sr. Juiz a quo que «… o que há a fazer neste momento é reconhecer que o julgamento dos arguidos P. C. e L. S. já está efetuado nos presentes autos, e que o julgamento do arguido N. G. foi feito por duas vezes, neste processo e no processo nº. 16/10.9TBBTC, sendo que todos foram absolvidos, nada tendo sido feito em seu prejuízo, portanto». Mais, decidiu, o Sr. Juiz a quo, ordenar a incorporação nestes autos dos processos nº. 15/10.0TBBTC e 17/10.7TBBTC para nestes proferir decisão de cessação de contumácia.
Inconformado com o, assim, decidido, o Ministério Público na 1ª instância interpôs recurso, em 09/06/2016, apresentando a respetiva motivação, formulando, a final, as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«1. Os arguidos P. J., N. G. e L. S. foram declarados contumazes nos presentes autos por despacho de 24.02.2010, tendo sido efectuada a separação de processos relativamente a cada um deles (dando origem aos processos 17/10.7TBBTC, 16/10.9TBBTC e 15/10.0TBBTC;
2. Os presentes autos (7/06.4GABTC) prosseguiram para julgamento dos arguidos M. C., S. M. e J. P.;
3. Em 15.10.2010 iniciou-se a audiência de julgamento, vindo o acórdão a ser proferido e lido em 21.05.2010;
4. Resulta de tal acórdão que o Tribunal Colectivo decidiu, e além do mais, absolver os arguidos que haviam sido declarados contumazes (P. J., N. G. e L. S.), além dos demais.
5. No âmbito dos processos instaurados autonomamente veio a dar-se conta de tal lapso, pugnando-se pela sua correcção, dado que a inserção do nome dos arguidos no acórdão só poderia dever-se a tal, sob pena de ter sido cometida nulidade insanável.
6. O Mm. Juiz a quo não entendeu assim, e, embora reconheça que o julgamento não deveria ter abarcado os arguidos P. J., N. G. e L. S. declarados contumazes, entende que o acórdão se pronunciou sobre todos, transitando em julgado, e que, não tendo sido interposto recurso, o Ministério Público só poderia agora através de recurso de revisão, inverter a situação!
7. Olvida no entanto que os arguidos não foram julgados nos presentes autos, desde logo porque nunca foram notificados para a audiência, ou sequer tentada a sua notificação… tendo o julgamento decorrido na sua ausência, sem que o tivessem consentido ou requerido, e estando os mesmos contumazes!
8. A declaração de contumácia implica, nos termos do artigo 335, nº 3 do Código de Processo Penal, a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes, não sendo a realização da audiência discussão e julgamento um acto urgente.
9. Os arguidos P. J., N. G. e L. S. não foram notificados/convocados para o julgamento, tendo mesmo decorrido na sua ausência e nunca tendo sequer sido notificados do acórdão proferido!
10. “É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334.º “.- artigo 332º, nº 1 do Código de Processo Penal.
11. No caso concreto não se verificavam os pressupostos dos artigos 333º, nº 1 e 2 e 334º, nº 1 e 2 do Código de Processo Penal, desde logo porque tais artigos pressupõe que os arguidos estejam notificados e tenham conhecimento de que vai decorrer a audiência.
12. O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processado e, salvas as excepções da lei, dos direitos - entre outros -, de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disseram respeito,
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; (...) – artigo 61º, nº 1 do Código de Processo Penal.
13. A ausência dos arguidos P. J., N. G. e L. S. na audiência de julgamento, para a qual nunca foram convocados, sendo a sua presença obrigatória, e não tendo estes requerido ou consentido que a audiência tivesse lugar sem a sua presença, configura uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119º c) do Código de Processo Penal.
14. Tal nulidade não está “sanada”, muito menos pelo facto do Ministério Público não ter interposto recurso do referido acórdão, sendo de conhecimento oficioso e podendo ser conhecida a qualquer tempo.
15. A nulidade insanável do julgamento na ausência dos arguidos, inquina o acórdão proferido quanto a estes arguidos que é inexistente quanto a estes.
16. Sendo indiferente que o acórdão aqui proferido tenha apreciado a matéria factual que lhes vinha imputada.
17. Os argumentos de eficácia e utilidade dos actos processuais, não podem ser conseguidos com a violação dos direitos dos arguidos reconhecidos legal e constitucionalmente.»
Conclui o recorrente no sentido de que deve:
- reconhecer-se a existência de nulidade insanável por ausência dos arguidos P. J., N. G. e L. S. do julgamento realizado nestes autos nos termos conjugados dos artigos 61º, nº 1 e 2 e 119º, alínea c) e 332º, nº 1 todos do Código de Processo Penal;
- reconhecer-se que tal nulidade afecta, consequentemente, o acórdão proferido nos autos, pelo menos na parte que lhes diz respeito;
- anular-se o despacho recorrido, substituindo-se por outro que, reconhecida a nulidade, mande comunicar aos processos de cada um dos arguidos tal facto, e dê sem efeito a ordenada “incorporação” dos autos com o NUIPC 15/10.0TBBTC e 17/10.7TBBTC nos presentes autos (dado que estes últimos têm os seus termos suspensos por força da declaração de contumácia decretada quanto a estes arguidos).
Por despacho proferido a fls. 629, foi regularmente admitido o recurso em relação ao despacho recorrido não sendo admitido o recurso em relação ao acórdão final, proferido nos autos, por extemporâneo.
Notificado o ilustre defensor oficioso nomeado aos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, nº. 1, do C.P.P., não foi apresentada resposta ao recurso.
Neste Tribunal, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu, a fls. 647 a 648, parecer, aderindo à posição aderindo à posição defendida pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, na resposta que o mesmo ofereceu, acrescentando outros argumentos e concluindo que o recurso deve ser julgado procedente.
Foi cumprido o disposto no nº. 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:
2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Decisão recorrida
O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Nos presentes autos foram acusados os arguidos M. G., S. M., J. P., P. J., N. G. e L. S..
Os arguidos P. J., N. G. e L. S. foram notificados nos termos do art.º 335.º do CPP (fls. 424) e declarados contumazes a fls. 461.
A fls. 464, 465 e 466 foram extraídas as certidões para cada um dos processos separados para cada um daqueles arguidos por força da declaração de contumácia.
Em 14/05/2010 teve lugar o julgamento nos presentes autos, como se vê da ata de fls. 523, não estando presente nenhum dos arguidos – nem os declarados contumazes, em relação aos quais já tinha ocorrido a separação processual, nem os que se mantinham como arguidos nos autos.
O acórdão de fls. 537 a 544 (por mim relatado) pronuncia-se me relação a todos os arguidos – quer os que se mantinham ligados aos autos, quer os que foram declarados contumazes – absolvendo-os, e explica e fundamenta por que motivos os absolve a todos, como se vê da fundamentação da matéria de facto de fls. 541/542, em especial, da parte final daquele segmento da decisão, sob a alínea l), afirmando claramente que não existe qualquer prova nos autos que possa levar à condenação de qualquer dos arguidos – contumazes ou não.
Ora, não há qualquer dúvida que o julgamento não devia ter abrangido os arguidos contumazes, porque já não eram arguidos no processo.
Mas abrangeu; e houve pronúncia expressa do tribunal em relação a eles no que concerne à acusação que lhes foi dirigida pelo Ministério Público.
O Ministério Público foi notificado legalmente daquela decisão, como se vê da ata de fls. 545, não tendo sido apresentado recurso da decisão.
O Ministério Público vem agora pedir que se corrija o lapso de que enferma o acórdão em relação aos arguidos contumazes, pois, caso tal não se verifique, padece o mesmo de nulidade insanável quanto à decisão referente a estes arguidos.
Ora, a primeira afirmação que deve ser feita é que o acórdão não enferma de qualquer lapso.
O acórdão, ou melhor, o julgamento efetuado, enferma de erro, qual seja, o de ter julgado pessoas que já não eram arguidos no processo. E julgou-as mesmo, e pronunciou-se sobre o julgamento delas, e disse claramente que deviam ser absolvidas por não existir qualquer prova para as condenar.
Ora, tendo o Ministério Público sido notificado da decisão, e não tendo apresentado recurso dentro do prazo legal, a decisão transitou em julgado para este órgão do Estado. Ocorreu nulidade insanável, prevista no art.º 119.º, alínea c), do CPP, é certo, mas não foi invocada no prazo legal, que era o prazo de que o Ministério Público dispunha para apresentar recurso da decisão.
E não se pode dizer que seja caso do disposto no art.º 401.º, n.º 1, alínea a), parte final, porque os arguidos que ainda não estão notificados da decisão (processos 15/10.0TBBTC e 17/10.7TBBTC) não têm qualquer interesse em recorrer porque foram absolvidos.
Assim, o Ministério Público apenas poderia reagir contra esta decisão através de um recurso de revisão, caso a situação ali tivesse cabimento, porque é o único modo de impugnar decisões judiciais transitadas em julgado – e, recorde-se, para o Ministério Público, a decisão está transitada em julgado, porque não recorreu da mesma no prazo legal, nada justificando que o venha fazer agora, muito menos o interesse do arguido.
Por outro lado, e ainda que o Ministério Público tivesse razão, e se pudessem fazer as retificações e reconhecer as nulidades invocadas, que não podem, como se disse, cabe perguntar que utilidade para o Estado teria a realização dos dois julgamentos que parece estarem em falta – porque o arguido N. G. já foi julgado outra vez, no processo separado, com o número 16/10.9TBBTC, e foi, igualmente, absolvido. Assim, este arguido foi julgado duas vezes pelos mesmos factos, e foi absolvido de ambas as vezes, o que, não obstante parecer traduzir a violação de um comando legal (ninguém pode ser julgado duas vezes pelos mesmos factos) acaba por não implicar a violação da verdadeira ratio da dita norma (ninguém pode ser condenado duas vezes pelos mesmos factos). Ora, uma dupla absolvição não constitui a violação de um princípio fundamental do Estado de Direito – constitui, isso, sim, o segundo julgamento, um ato inútil.
Atento o que se disse, reconhecer os lapsos e nulidades invocadas pelo Ministério Público na sua douta promoção lançada nos processos 15/10.0TBBTC, 16/10.9TBBTC e 17/10.7TBBTC, levaria a um segundo julgamento dos arguidos L. S. e P. J. (porque o arguido N. G. já foi julgado outra vez no processo 16/10.9TBBTC), que o Ministério Público não pode promover por se ter conformado com a decisão absolutória destes arguidos, proferida neste processo 7/06.4GABTC, que é o processo original, e do qual forame extraídos os processo 15/10.0TBBTC e 17/10.7TBBTC.
E esse segundo julgamento levaria, com absoluta certeza, atento o que se escreveu na fundamentação da matéria de facto do acórdão proferido nestes autos, a uma nova absolvição dos arguidos L. S.e Paulo.
Assim, o que há fazer neste momento é reconhecer que o julgamento dos arguidos P. C. e L. S. já está efetuado nos presentes autos, e que o julgamento do arguido N. G. foi feito por duas vezes, neste processo e no processo 16/10.9TBBTC, sendo que todos foram sempre absolvidos, nada tendo sido feito em seu prejuízo, portanto.
Por isso, os processos com os n.ºs 15/10.0TBBTC e 17/10.7TBBTC devem ser, de imediato, incorporados de novo nestes autos 7/06.4GBTC, para em relação a eles se proferir decisão de cessação da contumácia, ordenando-se, desde já, a imediata recolha dos mandados de detenção emitidos na sequência da declaração de contumácia proferida em relação aos arguidos P. J. e L. S. nos processos 15/10.0TBBTC e 17/10.7TBBTC.
Notifique e proceda de imediato às diligências ordenadas.»

2.2. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
No caso vertente, a única questão que se suscita e que há que decidir é a de saber se tendo os arguidos P. J., N. G. e L. S., sido declarados contumazes nestes autos e havendo separação de processos quanto aos mesmos, sendo, nessa situação, julgados no presente processo e proferido acórdão que os absolveu, se tal acórdão pode (ou não) produzir efeitos na ordem jurídica, em relação aos identificados três arguidos e, consequentemente, se pode ser ordenada a incorporação, nos presentes autos, de processos que correm seus termos em separado, na sequência da declaração de contumácia, e nestes autos vir a declarada a cessação desta.
2.3. Do conhecimento do recurso
Para poderemos apreciar a questão que nos ocupa, importa ter presente o seguintes pontos:
- Nestes autos, o Ministério Público deduziu acusação, para julgamento, em processo comum e com a intervenção do tribunal coletivo, dos arguidos M. C., S. M., J. P., P. J., N. G. e L. S., imputando-lhes a prática, em coautoria, em concurso efetivo, de um crime de furto p.p. pelo art.º 203.º, n.º1, do Código Penal, e de três crimes de furto qualificado p.p. pelos art.ºs 203.º, n.º1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.
- Por despacho proferido em 24/02/2010, a fls. 461 dos autos, foram os arguidos P. J., N. G. e L. S. declarados contumazes.
- Na sequência da prolação de tal despacho foram extraídas certidões para a instauração de processos autónomos quanto aos arguidos P. J., N. G. e L. S. – cfr. fls. 464 a 466 –, as quais vieram a dar origem, respetivamente, aos processos comuns coletivos nºs. 17/10.7TBBTC (arguido P. J.), 16/10.9TBBTC (arguido N. G.) e 15/10.0TBBTC (arguida Leonor António).
- Os presentes autos prosseguiram para julgamento dos arguidos M. C., S. M. e J. P..
- Designada data, realizou-se a audiência de julgamento, que teve lugar na ausência dos arguidos, tendo sido, em 21/05/2010, proferido acórdão, em que se decidiu absolver os arguidos M. C., S. M., J. P., P. J., N. G. e L. S., da prática, em coautoria, em concurso efetivo, de um crime de furto p.p. pelo art.º 203.º, n.º1, do Código Penal, e de três crimes de furto qualificado p.p. pelos art.ºs 203.º, n.º1, e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.
- Entretanto, no processo nº. 16/10.9TBBTC, referente ao arguido N. G., veio a ser declarada a caducidade da contumácia declarada relativamente ao mesmo e realizada a audiência de discussão e julgamento, com a prolação de acórdão, no qual foi absolvido dos crimes por que vinha acusado e que já transitou em julgado.
Perante o quadro descrito, tendo os arguidos P. J., N. G. e L. S. sido declarados contumazes nos presentes autos e havendo separação de processos relativamente aos mesmos, que passaram a correr seus termos autonomamente, deixaram aqueles de ser arguidos nos presentes autos.
Tal realidade é reconhecida pelo Sr. Juiz a quo no despacho recorrido, ao referir “não há qualquer dúvida que o julgamento não devia ter abrangido os arguidos contumazes, porque já não eram arguidos no processo” e “O acórdão, ou melhor o julgamento efetuado, enferma de erro, qual seja o de ter julgado pessoas que já não eram arguidos no processo”.
Repare-se que não estamos aqui, perante uma situação em que estando o(s) arguido(s) declarado(s) contumaz(es) no processo, mantendo-se como arguidos no mesmo, por não haver separação de processos quanto ao(s) mesmo(s) arguido(s), implicando a declaração de contumácia a suspensão dos ulteriores termos do processo até à apresentação ou à detenção do(s) arguido(s)/contumaz(es), nos termos do disposto no artigo 335º, nº 3, do C.P.P.
A situação que ocorre no caso em análise é que, tendo havido declaração de contumácia dos arguidos P. J., N. G. e L. S., com a separação de processos relativamente aos mesmos, nos termos do disposto no artigo 335º, nº. 4, do C.P.P., deixaram de se arguidos nos presentes autos.
Ora, nos presentes autos, tendo sido submetidos a julgamento e sendo proferido acórdão relativamente a P. J., N. G. e L. S., que já não eram arguidos no processo, o vício que afeta o ato do julgamento realizado e consequentemente o acórdão proferido, na parte que respeita a P. J., N. G. e L. S., não é, em nosso entender, contrariamente ao defendido pelo recorrente e pelo Sr. Juiz a quo, a nulidade insanável prevista no artigo 119º, al, c), do C.P.P. – a ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência –, mas a inexistência jurídica.
Como vem sendo entendido pela generalidade da doutrina e da jurisprudência, a inexistência jurídica existirá, em casos em que os vícios que afetam o ato são de gravidade superior aqueles que a lei prevê como constituindo nulidades.
Como ensina o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, Verbo, 1993, pág. 75:
«A categoria da inexistência afasta-se do princípio geral da tipicidade das nulidades e de igual princípio geral da sua sanação. (…)
A função da categoria da inexistência é precisamente a de ultrapassar a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado: a inexistência é insanável. A inexistência do acto, de facto impede de modo irremediável a produção dos efeitos próprios do acto perfeito, como acontece nas nulidades e irregularidades. (…)
A inexistência jurídica do ato tem de ser demarcada em função das nulidades, isto é, os vícios que geram a inexistência hão-de ser mais graves que aqueles que determinam a nulidade.»
Tal como refere João Conde Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, in Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 44, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, págs. 116 e 117, «… no direito processual os actos nulos só podem ser anulados até ao trânsito em julgado da decisão final. Com a formação de caso julgado, mesmo as nulidades arguíveis em qualquer estado do procedimento, incluindo os vícios da própria sentença, tornam-se insindicáveis. O valor da segurança jurídica, acaba por sobrepor-se à justiça processual, inviabilizando qualquer modificação da sentença definitiva. (…).
Porém, existem algumas anomalias processuais que, pela sua especial gravidade, pelo seu imenso potencial de agressão aos direitos, liberdades e garantias individuais, devem ser insanáveis e obstar à formação do caso julgado (…).
Os vícios processuais que integram este último grupo, e que se reconduzem a inexistência jurídica, podem ser arguidos e declarados a todo o tempo, mesmo após o trânsito em julgado da decisão. Ou seja, o ato afetado por tais vícios «não deve produzir quaisquer efeitos jurídicos definitivos, nem sequer de forma precária», impedindo a formação de caso julgado.
Tratam-se, como faz notar João Conde Correia, in ob. cit., págs. 118 e 119, de casos excecionais «de gravidade superior àqueles que estão previstos como causa de nulidade o acto deve ser declarado inexistente, mesmo que já tenha ocorrido o trânsito em julgado que, em bom rigor, não é senão aparente
Entre os exemplos de situações de inexistência que são enumeradas pelo Prof. Germano Marques da Silva, in ob. cit., a fls. 76, conta-se a da falta de arguido, por contraposição à situação geradora de nulidade de ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a sua comparência.
Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas, no caso dos presentes autos, sendo submetidos a julgamento P. J., N. G. e L. S., que já não eram arguidos no processo – por terem sido declarados contumazes e ter havido separação de processos, nos termos do disposto no artigo 335º, nº. 4, do C.P.P. – e tendo sido proferido acórdão relativamente aos mesmos, quer o julgamento, quer o acórdão, têm de considerar-se juridicamente inexistentes, no que a P. J., N. G. e L. S. respeitam.
De salientar que, neste âmbito, não releva a circunstância do acórdão proferido ser absolutório, não tendo sequer transitado em julgado, em relação a P. J., N. G. e L. S., que dele não foram notificados, além de que, em conformidade com o que acima se deixou exposto, a inexistência jurídica do julgamento e do acórdão proferido, sempre impediriam a formação do caso julgado.
Termos em que se decide declarar a inexistência jurídica do julgamento realizado nos presentes autos e do acórdão proferido, no que respeita a P. J., N. G. e L. S. e, consequentemente, revogar o despacho recorrido, sendo que os processos nº. 15/10.0TBBTC e 17/10.TBBTC, em que são arguidos, respetivamente, L. A. e P. J., se tratam de processos autónomos, não podendo, nos presentes autos, ser declarada a caducidade da contumácia dos mesmos arguidos.
Assim, ainda que com diferentes fundamentos, o recurso merece provimento.

3 - DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:

a) Declarar a inexistência jurídica do julgamento realizado nos presentes autos e do acórdão proferido, no que respeita a P. J., N. G. e L. S.;

b) Na decorrência do decidido em a), revogar o despacho recorrido, mantendo os processos nº. 15/10.0TBBTC e 17/10.TBBTC, em que são arguidos, respetivamente, L. S. e P. J., autonomia, não podendo, nos presentes autos, ser declarada a caducidade da contumácia dos mesmos arguidos.

Sem tributação.
Notifique.
Guimarães, 20 de fevereiro de 2017