Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
49/13.3TBMGD-B.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CLÁUSULA DE RESERVA DE PROPRIEDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Na compra e venda com reserva de propriedade trata-se de uma venda condicional em que a condição é restrita a um único efeito contratual, a suspensão da transferência do domínio até a integral satisfação da dívida do preço;

2) Para a distinção entre os contratos de empreitada e de compra e venda, importa apurar da prevalência da obrigação de dare ou da de facere (naquele caso, tratar-se-á de compra e venda, e neste, de empreitada);

3) A liberdade contratual abrange, naturalmente, a possibilidade de modificação dos contratos celebrados, mediante cláusulas contratuais adicionais;

4) Não está o adquirente, único sujeito cuja vontade é relevante para o consentir, inibido de aceitar unilateralmente, uma alteração das cláusulas do contrato que celebrou, de reserva de propriedade, desde que salvaguardados os legítimos direitos de terceiros;

5) Não é aceitável que a eficácia da cláusula de reserva de propriedade apenas seja aplicável a imoveis ou móveis sujeitos a registo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Empresa X - Engenharia e Equipamentos Industriais, LDA, veio deduzir Embargos de Terceiro contra Empresa A, LDA, exequente nos autos principais e Empresa Y - Valorização de Resíduos, LDA, executada nos mesmos, onde conclui entendendo deverem os embargos ser admitidos e autuados por apenso ao processo principal sendo restituída de imediato a posse provisória à embargante de todos os bens penhorados nos autos, com a consequente remoção dos mesmos para instalações próprias da embargante e, produzida a prova deverão ser julgados procedentes por provados os presentes embargos, sendo reconhecida a propriedade dos bens à embargante e em consequência ser ordenado o levantamento da penhora sobre todos os bens constantes do auto de penhora.
A embargada Empresa A – Reconstrução, Recuperação e Construção de Edifícios, Lda apresentou contestação onde conclui entendendo deverem os embargos de terceiro serem julgados improcedentes por não provados, prosseguindo os autos de penhora os seus ulteriores termos para venda dos bens já penhorados.
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Foi elaborado despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória.
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Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar os presentes embargos de terceiro parcialmente procedentes e, em consequência, determinar a restituição provisória e consequente entrega (remoção) dos bens penhorados à embargante Empresa X - Engenharia E Equipamentos Industriais, Lda, entrega esta condicionada à prestação de uma caução que se fixa em €50.000,00.
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B) Inconformada com a decisão, veio a embargada Empresa A – Reconstrução, Recuperação e Construção de Edifícios, Lda, interpor recurso de apelação, o qual foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (fls. 613).
Nas alegações de recurso da apelante Empresa A – Reconstrução, Recuperação e Construção de Edifícios, Lda, são formuladas as seguintes

conclusões:

1. A douta sentença é ambígua e obscura na parte em que condena “na restituição provisória e consequente entrega (remoção) dos bens penhorados à embargante”, sem discriminar os bens que efetivamente devem ser objeto de tal restituição e entrega, o que leva à respetiva nulidade, nos termos e para efeitos do art. 615º nº1 al. c) do CPC, pois desconhecem-se quais os bens penhorados a serem entregues/restituídos, atendendo à divergência entre alguns dos bens dados como provados em 1. e os dados como provados em 5., sendo que os termos daquela condenação – “dos bens penhorados” – não tem qualquer correspondência com a matéria dada como assente nos referidos pontos.
2. Acresce que a decisão proferida sobre a matéria de facto e direito enferma de incorreta interpretação e apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, razão pela qual vai impugnada, visando-se a respetiva alteração nos termos e para efeitos dos artigos 638º, 639º e 640º do CPC.
3. A recorrente considera que foi incorretamente julgado como provado o ponto 6 da factualidade dada como provada, não obstante ter-se considerado confessado o teor do aludido ponto 6 (correspondente ao ponto 4 da Base instrutória) pelo legal representante da embargada/executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda, pois entende a recorrente, fazendo apelo aos fundamentos atrás expandidos, introdutoriamente, no ponto III, designadamente no Ac. da Relação do Porto datado de 19-01-2015, bem como tendo em conta a fundamentação vertida na resposta à matéria de facto em ata datada de 20.05.2016, que o depoimento de parte e a confissão são realidades jurídicas diferentes, e quando a parte presta o seu depoimento não se visa exclusivamente a confissão, sendo que o “Juiz no depoimento de parte não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher alguns elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova” - Ac. do STJ de 16.03.2011, proc. 237/04.3TCGMR.S1, in www.dgsi.pt.,
4. Resulta do depoimento daquele legal representante que não houve, da sua parte, uma vontade livre, espontânea, esclarecida da embargada/executada na celebração da referida cláusula, o mesmo é dizer, um acordo, na verdadeira aceção da palavra, bem como dele também resulta que estamos, na verdade, perante quatro contratos de empreitada e perante o facto das coisas fornecidas se destinarem a ser partes componentes ou integrantes de outras, ou seja, das respetivas unidades industriais.
5. Pelo que não poderia concluir-se, como o fez o acórdão recorrido, que a embargante reservou para si a propriedade os bens fornecidos,
6. Impondo-se, em conformidade, que o referido ponto 6 (4º da BI) seja dado como não provado.
7. Sempre com o devido respeito, a douta sentença recorrida fez, também, incorreta interpretação e aplicação do Direito ao caso Sub Júdice.
8. Não perfilhamos da tese defendida pelo Tribunal recorrido quanto à cláusula de reserva de propriedade, uma vez que defendemos a invalidade das cláusulas de reserva de propriedade aditadas nos quatro contratos em referência nos autos.
9. Desde logo a invalidade das clausulas de reserva de propriedade por estarmos perante quatro contratos de empreitada, como resulta quer da douta sentença recorrida, na síntese feita no relatório, “entre a embargante e embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos foram celebrados 4 (quatro) contratos de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de sistemas logísticos complementares às unidades de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e de tratamento de águas ruças de bens; contrato de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de peletes; contrato de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e contrato de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade de desidratação de águas ruças de lagar de azeite”, quer do depoimento do legal represente da embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda (minutos 16:45; 18:49 e 28:45 a 29:20 do seu depoimento acima transcritos).
10. E à luz de uma normal empreitada - e posto que não se está, tipicamente, perante um contrato de alienação, face ao artigo 409º do Código Civil - as cláusulas de reserva de propriedade apostas nos referidos contratos estão inquinadas, ab initio, de invalidade (neste sentido anotações dos Profs Doutores P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª Edição, 326, e em observações do Prof. Doutor Vaz Serra, in RLJ, 112, 239, ao Ac. do STJ de 1 de Março de 1979, in BMJ, 285, 279, e RLJ, 112, 235 e, ainda, entre outros, Ac. do STJ datado de 06 de Julho de 1993, coletânea jurisprudência, ano I, tomo II- 1993, pag. 182 a 184).
11. Depois, a invalidade das cláusulas de reserva de propriedade por violação do princípio da totalidade das coisas, que se afere na sequência do defendido no ponto anterior, resultando, quer da denominação, quer do teor dos quatro contratos em apreciação, quer, ainda, do depoimento do legal representante da embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda (minutos 16:45; 18:49 e 28:45 a 29:20 do seu depoimento e acima transcritos), que as coisas fornecidas se destinavam a ser parte componente ou integrante de outra, ou seja, das respetivas unidades industriais/sistemas logísticos sobre as quais incide um direito de propriedade titulado por sujeito diferente do beneficiário daquela cláusula, sendo, aliás, o próprio legal representante da executada perentório quanto a esta realidade, com especial destaque para a seguinte afirmação que faz: “o objecto do contrato não são equipamentos. É um sistema.”
12. São, assim, também por este motivo, nulas as cláusulas aditadas nos quatro contratos em referência nos autos, por violação do princípio da totalidade das coisas, o mesmo é dizer, por clausularem a reserva de propriedade de uma coisa já destinada a ser parte componente ou integrante de outra, sobre a qual incide um direito de propriedade titulado por sujeito diferente do beneficiário daquela cláusula. (neste sentido veja-se Mota Pinto, Direito Reais, pág. 86 e 87 e Menezes Cordeiro).
13. Acresce a invalidade das cláusulas de reserva de propriedade por inexistência de acordo entre as partes, pois para que a cláusula de reserva de propriedade seja válida é, também, necessário que haja um acordo de vontades, o que não houve, por parte da executada/embargada, por não ter sido uma vontade livre, espontânea, esclarecida da embargada/executada na celebração das referidas cláusulas, ou seja, um acordo, na verdadeira aceção da palavra.
14. É que, não obstante aquele ter admitido que as cláusulas de reserva de propriedade tenham sido alegadamente aditadas aos quatro contratos, a verdade é que se afere, do seu depoimento que aquelas apenas existem porque “Houve um processo de solicitação e negociação e de pressão…, mas que no fundo levou a que ... Como eu tenho uma maneira de estar na vida que é…gosto das coisas levadas a consenso sabia que tinha mais a ganhar em anuir nisso e ter uma flexibilidade bastante maior do lado do fornecedor, anuí”.
15. São, ainda, inválidas as cláusulas de reserva de propriedade pelo facto da estipulação das mesmas ser posterior à celebração do contrato, sendo os aditamentos feitos nulos por falta de objeto e por falta de causa.
16. Assente está o facto que os contratos de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de sistemas logísticos complementares às unidades de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e de tratamento de águas ruças de bens; contrato de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de peletes; contrato de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e contrato de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade de desidratação de águas ruças de lagar de azeite foram celebrados em 22 de Março de 2011.
17. Por sua vez, as cláusulas de reserva de propriedade alegadamente aditadas aos contratos tê-lo-ão sido em 20.07.2011, passados 4 meses, e, diga-se, já após o pagamento integral de vários equipamentos fornecidos pela embargante à executada, designadamente as faturas nºs: ../2011 datada de 05.04.2011 (recibo ../2011 datado de 16.05.2011); ../2011 datada de 05.04.2011 (recibo ../2011 datado de 16.05.2011); ../2011 datada de 05.04.2011 (recibo ../2011 datado de 16.05.2011); ../2011 datada de 05.04.2011 (recibo ../2011 datado de 16.05.2011), juntos a fls., pelo IAPMEI em 05.05.2014 e 10.11.2014.
18. Defendendo a maioria da doutrina e jurisprudência portuguesas que a cláusula de reserva de propriedade é uma condição suspensiva e que o vendedor, ao reservar a propriedade da coisa até ao pagamento integral do preço permanece proprietário, não pode ser estipulada posteriormente uma cláusula de reserva de propriedade num contrato já concluído pois isso implicaria uma retransmissão da propriedade a favor do vendedor - entre muitos outros, vejam-se Pedro de Albuquerque “contrato de compra e venda, pag. 37 e Menezes Leitão, “garantia das obrigações”, pag, 260.
19. Para que a estipulação da reserva de propriedade seja válida e eficaz deve ser, pois, contextual à celebração da compra e venda, não sendo possível desassociar os dois momentos, pois se assim não fosse, a propriedade se transmite para o adquirente por mero efeito do contrato, não faria qualquer sentido que posteriormente se viesse a retransmitir ao alienante por virtude de uma estipulação da cláusula tardiamente, tornando-se inconcebível que o alienante reservasse para si a propriedade de uma coisa que já não lhe pertencia, que já tinha sido definitivamente adquirida pelo comprador.
20. Sem prescindir, ainda que se entendesse que as cláusulas em apreço nos presentes autos fossem válidas - o que não é o nosso caso e da nossa doutrina maioritária pelos fundamentos já supra expandidos-, sempre aquelas não seriam oponíveis a terceiros.
21. Apelando aos ensinamentos do Prof. Romano Martinez - Direito das Obrigações, pag. 38 e 39, são vários os argumentos para defender aquela inoponibilidade, passando quer pela a tutela da aparência - “o legislador preocupa-se em tutelar a aparência das situações”, dando-se como exemplos dessa tutela os casos da coisa comprada a comerciante (art. 1301 CC) e o penhor-; quer pelo princípio da relatividade dos contratos (art. 406º cc) que considerando que a cláusula reserva propriedade é uma cláusula contratual, por si (sem registo) não será oponível a terceiros; quer, ainda, pela “regra constante do art. 409º nº 2 do CC que determina que a reserva de propriedade se afasta daquele que o legislador estabeleceu a propósito da condição, no art. 274º nº do CC, concluindo-se dele que o princípio geral é o da sujeição dos atos de disposição de bens ou direitos que constituem objeto de negócio condicional à própria condição mas relativamente à reserva de propriedade, no que respeita à oponibilidade a terceiros, é necessária a publicidade (registo), razão pela qual, em relação a bens móveis não sujeitos a registo, não se pode aplicar o princípio da eficácia absoluta”; quer também pelo facto de, em caso de incumprimento, a resolução não prejudicar os direitos adquiridos por terceiro, nos termos do art. 435º CC e, finalmente, por defendermos que a eficácia erga omnes da cláusula de reserva de propriedade facilita o ajuste de acordos fraudulentos em prejuízo de terceiros de boa-fé.
22. Dúvidas parecem não subsistir quanto às reais intenções das cláusulas de reserva de propriedade apostas tardiamente nos contratos em apreço nos autos, em claro prejuízo de terceiros de boa-fé, caso do aqui recorrente.
23. E não sendo válidas as cláusulas de reserva de propriedade aditadas, também não poderá o embargante considerar-se titular da reserva e, consequentemente, defender-se através dos embargos de terceiro.
24. Ao decidir nos termos e fundamentos em que o fez violou a douta sentença recorrida o disposto nos arts 607º nº 3,4 e 5 , 615º nº1, al.c), 607º, nº 5, 351.º , 459º, 463º, nº 1 “à contrario”, todos do CPC , bem como os artigos 409.º, 892.º, 939.º e 956.º 280º, nº1, 404º, 1212º, 1301º , 406º , 274º e 435º estes todos do Código Civil.
25. Pelo que é ilegal e, como tal, deve ser declarada e substituída por outra que julgue os embargos de terceiro improcedentes, com as devidas consequências legais.
Termina entendendo dever ser dado provimento ao presente recurso de apelação, com todas as legais consequências, revogando-se dessa forma a sentença recorrida, e julgando-se os embargos de terceiro improcedentes, com as devidas consequências legais.
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Não foram apresentadas respostas.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir neste recurso são as de saber:
1) Se a sentença é nula;
2) Se a matéria de facto deverá ser alterada;
3) Qual a natureza jurídica dos contratos em apreço;
4) Se são admissíveis as cláusulas de reserva de propriedade.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Considera-se apurada a seguinte matéria de facto:

I. FACTOS PROVADOS

1. Em 18.06.2013, nos autos de execução n.º 49/13.3TBMGD, foram penhorados os seguintes bens: -1 Bomba em Inox com a marca Inox pa. mod SF-26, ano 2011 nº I1271028;-1 Bomba em Inox com a marca Inox mod. R4-80 nº I127122-10, ano 2011;-1 Bomba em inox com a marca Inox mod.R4-80 nº I 127122-8;-1 Bomba em inox Inox pa mod.R4-80 nº I127122-7;-Bomba Inox marca inox mod,R4-80-nº I 127122-2;-Bomba Inox marca Inoxp mod R4-80-nºI127122-15;-1 lote de 5 bombas em inox com marca Inoxp-mod R4-80 com os números: I127122-J; 127122-11; I-127122-3; I-127122-6; I-127122-12;-1Bomba inox, marca Inox pa, mod SE-35COm número I 127103-A;-1 Lote de 5 bombas inox marca Inoxpa, mod.SU-80 com os respetivos números: I-127122-9; I-127122-14; I-127122-4; I-127122-5; I-127122-13;-1 Lote de 4 mecanismos denominados "Sem fios";-1Maquina de bombear mecânica de resíduos, com motor com a marca DESPI, mod MI-150/SW nº fab.A 1222 ano 2011;-1Maquina de bombear mecânica de resíduos, com motor marca DESPI, mod MI-150/SW nº fab.A 1219 ano fabrico 2011;-1Máquina misturadora em inox sem referencia ou modelo fabricado por Boculter, com 2 motores;-1Maquina de bombear mecânica, de resíduos com motor, DESPI, modMI-150/SW nº fab.A 1218;-1 lote de 50 vigas com configuração em I;-1 Lote de 100 painéis em ferro com 3,00x1,30m;-1Lote de 2 bombas de cor azul marca Alren, imp.ver nº serie;-1 Maquina prensadora de azeitonas (centrifugador) com a matricula 175460 ano 2001 construído por " Centrifughe Industriali …; -1 Pá de grua cor amarela com a marca Blug mod. C2-3000 1.1 nº 15434 de 14-11-11;-2 Comandados de grua em tons amarelos e preto; -2 Escadas em Inox;-1 Lote de 2 porta Rolantes com a marca Marcovil, um com 3.2 toneladas outro com 6.3 toneladas e respetivos comandos;-1 Máquina secadora composta por 2 portas e mais uma porta acessória de cor azul com a marca Pierasili Espanha , S.L. (A).
2. No âmbito dos contratos de fornecimento de bens e serviços celebrados entre a embargante e a embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., o pagamento do preço era efetuado da seguinte forma: 35% com a adjudicação; 35% com o projeto de engenharia; 20% com a entrega dos equipamentos em obra; 5% com o fim das montagens; e 5% com a aceitação definitiva.
3. A embargante deduziu incidente de embargos de terceiro contra a exequente e contra a executada em 10.07.2013.
4. Em 22.03.2011, a embargante e a executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., celebraram quatro acordos de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de sistemas logísticos complementares às unidades de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e de tratamento de águas ruças de bens; acordo de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de paletes; acordo de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e acordo de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade de desidratação de águas ruças de lagar de azeite.
5. No âmbito dos contratos referidos em 2), a embargante forneceu à embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., os seguintes bens: - 1 Descaroçador de bagaço de azeitona marca Pieralisi; - 1 Tolva de receção de bagaço descaroçado, de 20m3; - 1 Tolva de receção de caroço, de 20m3; - 1 Sem fim de separação de caroço e bagaço; - 1 Sem fim de retirada de caroço da tolva; - 7 Bombas de Pistão MI 150 marca ESPI; - 1 Linha de sem fim de caroço; - 1 Linha de sem fim de bagaço; - 1 Linha de sem fim de descarga de patê de decanters; - 1 Tanque de receção de patê; - 1 Linha de sem fim de descarga de bagaço centrifugado; - 1 Tolva de receção de 5m3 de bagaço centrifugado, buffer para seca; - 1 Sistema de secagem de bagaço S 600 da marca Pieralisi; - 1 Linha de sem fim de extração de bagaço seco, à saída do secador; - 1 Linha de sem fim de distribuição de bagaço seco; - 1 Chaminé; - 2 Ciclones; - 1 Fornalha; - 1 Báscula de 16 metros;- Dezenas de metros de linha tubular em inox de condução de bagaço, diâmetro 160mm;- Dezenas de metros de linha tubular em inox de condução de águas ruças, diâmetro160mm;- Dezenas de metros de linha tubular de condução de óleo para depósitos; - 4 Depósitos de óleo de 150m3;- 1 Bomba para movimentação de óleos tipo alimentar;- Várias estruturas de suporte de linhas de condução de óleos e de sem fins;- 1 sistema de evaporadores de águas ruças;- 1 Depósito de condensados;- 6 depósitos de stocagem e pré-aquecimento de sistema de evaporadores;- 2 tolvas motorizadas de receção de mistura de biomassas;- 1 misturador de biomassas;- 1 Tolva de 5m3 pré-expedição pneumática de paletes;- 1 Ponte rolante de 6 toneladas;- 1 Ponte rolante de 3 toneladas;-1 Garra hidráulica de graneis 3m3;- 2 comandos via rádio;-10 depósitos de armazenamento de bagaço de azeitona 150m3, válvula pneumática;- 5 Depósitos de armazenamento de águas ruças 150 m3;-19 bombas circulares DN 100 marca INOXPA;- 80 válvulas de guilhotina pneumáticas DN 150;- Dezenas de metros de sistema de condução de águas ruças, inox, DN 150, incluindo condutas e válvulas de guilhotina pneumáticas e condutas de limpeza;- 1 Acessórios de acesso e segurança nos depósitos (passerelles e escadas);- 1 Buffer metálica de armazenamento de graneis sólidos;- Partes para buffer metálicos de armazenamento de graneis sólidos; - 1 Báscula de 21 metros;- 1 Rede de Spinkler de sistema de deteção e combate de incêndios;- 1 Central de deteção e comando do sistema de deteção e combate de incêndios; - Centenas de metros de cablagem de BT.
6. Em 20.07.2011, em aditamento aos contratos referidos em 2), a embargante reservou para si a propriedade dos bens fornecidos à executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., até integral pagamento do preço dos contratos.
7. O valor global dos contratos celebrados entre a embargante e a embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., ascende ao montante de € 4.901.812,00.
8. A embargante entregou e faturou à embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., 84,35% do total dos bens e serviços acordados, no montante de € 4.134.221,40.
9. A embargante é a única fornecedora da embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos- Valorização de Resíduos Lda ao nível de equipamentos industriais.

II. FACTOS NÃO PROVADOS

a) A embargante teve conhecimento da penhora dos bens referidos em 1 no dia 28/06/2013 pela executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda.
b) No âmbito dos contratos referidos em 4, a embargante forneceu à embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda, uma linha de três decantadores em série de uma centrífuga vertical de óleo da marca Barracano.
c) Desde outubro de 2011, a embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda, deixou de pagar os bens fornecidos pela embargante no âmbito dos acordos referidos em 4.
d) A embargante é a única fornecedora da embargada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) A apelante vem invocar a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea c) NCPC, entendendo que a mesma é ambígua e obscura.
Refere a apelante que dos factos dados como assentes no ponto 5 consta terem sido fornecidos à embargante os bens ali descritos e, da matéria de facto também dada como assente no ponto 1 constam como bens penhorados pela exequente/embargada, aqui recorrente, os bens ali descritos e não são coincidentes grande parte dos bens relacionados num e noutro ponto, o mesmo é dizer que existem bens penhorados que não se encontram nos bens dados como assentes fornecidos pela embargante, nomeadamente, um lote de 50 vigas com configuração em I; 1 lote de 1000 painéis em ferro com 3,00x1,30m; 1 lote de duas bombas da marca Alren; duas escadas em inox; uma pá de grua amarela da marca Blug, mod. C2-3000 1.1 nº15434; uma máquina prensadora de azeitonas, construída pela centrifughe industrial SRL BARI Itália, e referência nº 175460; uma máquina misturadora em inox da marca Boulter, com dois motores.
Mais refere a apelante que “não se concebe como pode o tribunal a quo ter determinado “a restituição provisória e consequente entrega (remoção) dos bens penhorados à embargante”, sem discriminar os que efetivamente devem ser objeto de tal restituição e entrega.
Não se sabe, pois, atendendo à divergência entre alguns dos bens dados como provados em 1 e os dados como provados em 5, quais os bens penhorados a serem entregues/restituídos, sendo que da condenação do Tribunal a quo resulta que sejam os bens penhorados, o que não tem correspondência com a matéria dada como assente.
Quanto a isso, há que dizer que os bens que devem ser objeto de entrega ou restituição são os que foram determinados na decisão que a ordenou, no caso, a sentença e são os que se mostram penhorados, os quais se acham discriminados na decisão de facto, no ponto 1 dos factos provados, não tinha a sentença que os individualizar na parte decisória, dado que os mesmos constam da mesma sentença, conforme se referiu, apenas tem – como fez – de fornecer elementos que permitam individualizá-los ou identificá-los.
Por outro lado, não faz sentido afirmar-se que “não se sabe, pois, atendendo à divergência entre alguns dos bens dados como provados em 1 e os dados como provados em 5, quais os bens penhorados a serem entregues/restituídos”, face ao que acabou de se referir no parágrafo precedente, bastando ler o ponto 1 dos factos assentes, não tendo que haver coincidência entre os bens penhorados referidos no ponto 1 dos factos provados e os bens fornecidos à embargada, constantes do ponto 5, pelo que inexiste qualquer nulidade.
Relativamente à impugnação da matéria de facto, a apelante discorda da decisão quanto ao ponto de facto dado como provado sob o nº 6, onde se refere que “em 20.07.2011, em aditamento aos contratos referidos em 2), a embargante reservou para si a propriedade dos bens fornecidos à executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., até integral pagamento do preço dos contratos.”
E para sustentar a sua posição vem a apelante invocar o depoimento do legal representante da embargada/executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda, Eng. PJ, cujo depoimento parcialmente transcreve, mas não é assim.
Não pode haver dúvidas que perante tal depoimento outra não podia ser a apreciação do tribunal recorrido, tendo em conta que o depoimento do referido legal representante da embargada/executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda, Eng. PJ vai no sentido de reconhecer tal factualidade, no que é confirmado pelo teor dos documentos juntos de fls. 64 a 71, que contêm o referido aditamento, sendo certo que não há outros elementos suficientemente relevantes que infirmem tal conclusão, motivo pelo qual se manterá a matéria de facto.
Quanto à matéria propriamente jurídica, a apelante defende que as cláusulas de reserva de propriedade aditadas são inválidas, por quatro razões que aponta: (1) por se tratar de contratos de empreitada, o que impede a aposição de tais cláusulas, (2) por violação do princípio da totalidade das coisas, por clausularem a reserva de propriedade de uma coisa já destinada a ser parte componente ou integrante de outra, sobre a qual incide um direito de propriedade titulado por sujeito diferente do beneficiário daquela cláusula, (3) por a estipulação da cláusula de reserva de propriedade ser posterior à celebração do contrato e (4) por não serem oponíveis a terceiros de boa-fé.
A propósito da reserva de propriedade, diz o Dr. Manuel Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda no Direito Civil, Comercial e Fiscal, 1971, a páginas 102 e seguintes que “a coisa comprada pertence, em princípio, ao comprador desde o momento em que o contrato é celebrado.
Mas, se a transferência da propriedade é elemento natural da venda, não é, no entanto, seu elemento integrante.
Por isso é lícito suspendê-la ou diferi-la sem atacar a validade do contrato.
Nos termos do nº 1 do artigo 409º, pode o vendedor reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer evento.
É o chamado pactum reservati dominii.
Para se tornarem menos arriscadas para os vendedores as transações, normalmente na previsão da possível insolvência ou falência do comprador, admite-se o pactum reservati dominii donec salvatur, isto é, que a translação do domínio fique suspensa até completo ou parcial pagamento do preço, para garantir não só o pagamento total dele, mas também as várias prestações em que o preço haja sido dividido.
Quer dizer, trata-se de uma venda condicional, mas com isto de característico: a condição é restrita a um único efeito contratual, apenas suspende a transferência do domínio e consiste na execução da obrigação por uma das partes, a integral satisfação da dívida do preço.
Celebrado o acordo, logo o comprador fica adstrito a essa dívida e o vendedor também à entrega do objeto, se não se estipular o contrário.
Só o efeito real se não produz, condicionado ao cumprimento do contrato.
Este cumpre: preenche a condição e torna-se proprietário.
Não cumpre: frustrada a conditio, não podendo o contrato atingir a sua finalidade económica e jurídica, torna-se integralmente ineficaz e dão-se por não verificadas as consequências jurídicas…
O pacto de reserva de propriedade não pode ser no sentido de o vendedor reservar sem limite de tempo a sua propriedade, pois isso tornaria nula a alienação, uma vez que estaria em contradição com a finalidade desta.
A reserva de propriedade faz-se para garantia do vendedor e, portanto, se o comprador não pagar o preço, é de calcular que corresponda à vontade das partes o direito de resolução do vendedor.”
Aqui chegados, importa determinar a natureza jurídica do negócio celebrado entre exequente e executada, tendo em conta a matéria de facto dada como provada.
Pode ler-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 27/04/2017, na apelação nº 385/14.1T8GMR.G1, relatado pelo ora relator, disponível em www.dgsi.pt, “conforme se refere no acórdão desta Relação de Guimarães de 15/12/2009, na apelação nº 538/08.3TCGMR, “estabelece-se no artigo 1207º do Código Civil que “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Por outro lado, de acordo com o conceito legal que nos é dado pelo artigo 874º do Código Civil, “...compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”

Os efeitos essenciais deste contrato são, nos termos do disposto no artigo 879.º do Código Civil,

“a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entregar a coisa; e
c) A obrigação de pagar o preço.”
A propósito da distinção entre os contratos de empreitada e de compra e venda pode ler-se no Acórdão do STJ de 12/09/2006, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt que, “embora o elemento nuclear típico da empreitada consista na realização de uma obra (artigo 1207º do Código Civil), ao passo que o objeto essencial da compra e venda reside na transmissão de um direito, de propriedade ou de outra natureza (artigo 874º do mesmo Código), o acento tónico da distinção entre as duas espécies de contratos, como se refere entre outros em Acórdão do S.T.J. de 22/9/05, localizável em www.dgsi.pt, vem sintetizado pela doutrina e jurisprudência comparada nos tópicos seguintes:
- prevalência da obrigação de dare ou da de facere (naquele caso, tratar-se-á de compra e venda, e neste, de empreitada);
- na empreitada, ao contrário da compra e venda, a prestação dos materiais constitui um simples meio para a produção da obra, e o trabalho o escopo essencial do negócio;
- na empreitada, o bem produzido representa um “quid novi” relativamente à produção originária do empreiteiro, implicando a introdução nesta de modificações substanciais respeitantes à forma, à medida ou à qualidade do objeto fornecido.
Acresce que, acima de qualquer fator objetivo, o elemento preponderante de distinção é sempre constituído, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405º do Código Civil, pela vontade dos contraentes, tendo a categorização jurídica do negócio de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelas partes, que não terão deixado em qualquer caso de configurar na sua mente um dos contratos em causa e o seu regime.”
Da matéria de facto dada como provada resulta que “em 22.03.2011, a embargante e a executada Empresa Y - Valorização de Resíduos, Lda., celebraram quatro acordos de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de sistemas logísticos complementares às unidades de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e de tratamento de águas ruças de bens; acordo de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de paletes; acordo de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de redução de teor de humidade e de gordura do bagaço de azeitona e acordo de fornecimento, instalação e colocação em funcionamento de unidade de desidratação de águas ruças de lagar de azeite.”
Não se tendo especificado o valor de cada elemento – fornecimento, instalação e colocação em funcionamento – de acordo com a normalidade das situações é de crer que o fator que prevaleça seja o fornecimento das maquinarias e elementos materiais, relativamente aos demais elementos (montagem, colocação em funcionamento), bastando ter em consideração, salvaguardadas as devidas distâncias, o preço de alguns elementos que sejam fornecidos, quando se pretende, por exemplo, a aquisição, instalação e colocação em funcionamento de um aparelho de ar condicionado, de um frigorífico, ou de um fogão é manifesto que o valor dos aparelhos é substancialmente superior aos outros serviços que possam ser cobrados, quando o são, dado que muitas das vezes, tais serviços estão já incluídos no preço dos aparelhos.
Naturalmente que se pode admitir que assim possa não ser e que o custo dos serviços para além dos aparelhos, possa ser superior, mas tal situação não é certamente a normal, a usual e, se assim ocorresse na situação dos autos, impunha-se que tal situação anormal fosse alegada e provada, o que não aconteceu.
Pelo exposto, perante os elementos disponíveis dos factos provados entende-se que o fim essencialmente tido em vista pelas partes ao contratarem foi o dare, motivo pelo qual não pode deixar de se considerar que estamos perante um (ou vários) contrato(s) de compra e venda.
Refere a apelante que há uma violação do princípio da totalidade das coisas, por clausularem a reserva de propriedade de uma coisa já destinada a ser parte componente ou integrante de outra, sobre a qual incide um direito de propriedade titulado por sujeito diferente do beneficiário daquela cláusula, mas trata-se de uma afirmação inconclusiva e juridicamente irrelevante, sendo certo que estamos perante contratos de compra e venda e não de empreitada, motivo pelo qual não faz sentido referir-se a partes integrantes ou componentes de outra ou em qualquer “princípio (jurídico) da totalidade”.
Refere ainda a apelante que são inválidas as cláusulas de reserva de propriedade por inexistência de acordo entre as partes, mas tal não resulta dos factos apurados, motivo pelo qual não tem consistência a afirmação.
Quanto à questão da invalidade da cláusula de reserva de propriedade por ser posterior à celebração do contrato, importa notar que por força do disposto no artigo 405º nº 1 Código Civil “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.”
A liberdade contratual abrange, naturalmente, a possibilidade de modificação dos contratos celebrados, mediante cláusulas contratuais adicionais, nada na lei o impede.
Aliás o artigo 406º do Código Civil estabelece ainda que o contrato dever ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes, ou nos casos admitidos na lei (1), sendo certo que em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei (2).
Poder-se-á objetar que a propriedade dos bens já havia sido transferida para o adquirente e, portanto, o tradens já não tinha legitimidade para alterar um contrato sobre um bem que já não lhe pertencia.
Sendo certo que assim é, não está o adquirente, único sujeito cuja vontade é relevante para o consentir, inibido de aceitar, unilateralmente, uma alteração das cláusulas do contrato que celebrou, de reserva de propriedade, desde que salvaguardados os legítimos direitos de terceiros, para mais tendo em conta que os contratos de compra e venda, ainda não se mostram completamente cumpridos, face ao pagamento do preço total.
Isto é, não está o adquirente de um bem, quanto mais não seja, por não estar o contrato integralmente cumprido, por ainda não ter sido paga a totalidade do preço, impedido de aditar ao mesmo uma cláusula de reserva de propriedade, nos termos do disposto no artigo 406º nº 2 Código Civil.
Como é evidente, tal cláusula não pode permitir frustrar os legítimos direitos de terceiros, de acordo com os princípios da boa-fé, sob pena de poder constituir uma situação de abuso de direito, caso não resulte a ilicitude de tal conduta ao abrigo dos princípios gerais.
E tal frustração resultaria na eventualidade de tal aposição vir a prejudicar terceiros que, nesse momento – do aditamento da cláusula – já tivessem um direito que viesse a ficar afetado com essa alteração, mas já não para situações futuras que ainda não se houvessem manifestado, como é o caso dos autos.
Pelo exposto, conclui-se pela licitude do aditamento de tais cláusulas.
Por último, quanto à inoponibilidade da cláusula a terceiros, para além do que acima já se referiu, importa acrescentar que não é aceitável que a eficácia da cláusula de reserva de propriedade apenas seja aplicável a imoveis ou móveis sujeitos a registo, pela simples razão que a lei não limita a sua eficácia a tal categoria de bens, pelo que nós também não o devemos fazer.
O que a lei diz é coisa diversa – tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros (artigo 409º nº 2 Código Civil) – mas nos demais casos a simples aposição de tal cláusula é válida, desde que observada a forma prevista para o contrato.
Por todo o exposto resulta que a apelação terá de ser julgada improcedente e, em consequência, confirmada a douta sentença recorrida.
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D) Em conclusão:

1) Na compra e venda com reserva de propriedade trata-se de uma venda condicional em que a condição é restrita a um único efeito contratual, a suspensão da transferência do domínio até a integral satisfação da dívida do preço;
2) Para a distinção entre os contratos de empreitada e de compra e venda, importa apurar da prevalência da obrigação de dare ou da de facere (naquele caso, tratar-se-á de compra e venda, e neste, de empreitada);
3) A liberdade contratual abrange, naturalmente, a possibilidade de modificação dos contratos celebrados, mediante cláusulas contratuais adicionais;
4) Não está o adquirente, único sujeito cuja vontade é relevante para o consentir, inibido de aceitar unilateralmente, uma alteração das cláusulas do contrato que celebrou, de reserva de propriedade, desde que salvaguardados os legítimos direitos de terceiros;
5) Não é aceitável que a eficácia da cláusula de reserva de propriedade apenas seja aplicável a imoveis ou móveis sujeitos a registo.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se julgar a apelação improcedente e confirmar-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

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Guimarães, 18/12/2017