Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3686/11.7TBVCT-B.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
MASSA INSOLVENTE
APREENSÃO
MEAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I.Estando apreendido para a massa insolvente o direito à meação da insolvente no património comum do casal formado por ela e pelo seu cônjuge, e dele fazendo parte um imóvel hipotecado, o conteúdo exacto do referido direito só se determinará no caso de separação de bens, após efectivação da liquidação do passivo do casal e partilha dos bens comuns, por força do disposto nos art.ºs 1715.º n.º 1, al. d), do Código Civil e 141.º n.º 1, al. b) e n.º 3, do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 3686/11.7TBVCT-B.G1

I – B., residente na Avenida …., foi declarada insolvente por sentença proferida em 12 de Dezembro de 2011, nos autos principais, já transitada em julgado.
Na referida sentença foi fixado o prazo de trinta dias para a reclamação de créditos.
Iniciou-se o concurso de credores com as citações previstas legalmente.
A Sra. Administradora da Insolvência juntou aos presentes autos a lista dos credores reconhecidos, nos termos previstos pelo artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Foi deduzida uma impugnação, nos termos constantes de fls. 6 e seguintes.
A Administrador da insolvência respondeu nos termos constantes de fls. 31. Juntou nova lista, onde relacionou e incluiu o crédito do Banco C, S.A. pelo valor e nos termos indicados na impugnação deduzida.
Nos termos do artigo 130º nº 3 do C.I.R.E., se não houver impugnações é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.
No entanto, caso qualquer interessado venha impugnar a lista de credores reconhecidos, será necessário percorrer o formalismo previsto nos artigos 131º a 140º do C.I.R.E..
No caso que nos ocupa foi deduzida uma impugnação.
Notificada da impugnação a sra. Administradora informou nada ter a opor quanto ao alegado pelo credor Banco C, S.A..
Juntou nova relação de créditos reconhecidos, onde incluiu o crédito do credor impugnante, de acordo com a impugnação oferecida.
Assim, uma vez que o crédito do credor impugnante foi incluído na nova lista de créditos reconhecidos junta aos autos, as questões suscitadas na impugnação mostram-se prejudicadas e ultrapassadas.
Foi então proferida decisão em que se julgaram verificados os créditos reconhecidos pela Sra. Administradora da Insolvência, dando-se aqui por reproduzida a lista de créditos reconhecidos constante de fls. 32 e 33, assim se homologando a lista de credores reconhecidos.
Após a análise dos créditos verificados e reconhecidos foi proferida a seguinte decisão:
Pelo exposto:
Julgo verificados os créditos reconhecidos pela Sra. Administradora, dando-se aqui por reproduzida a lista de créditos reconhecidos e constante de fls. 32 e 33 dos presentes autos;
Graduo os créditos em concurso da seguinte forma:
- os créditos (comuns) em pé de igualdade, com excepção dos subordinados;
- os créditos subordinados.

Inconformada a credora D interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
1 Nos termos e tempo legalmente previstos, a CGD veio reclamar os seus créditos, no valor global de € 176.263,39 (cento e setenta e seis mil duzentos e sessenta e três euros e trinta e nove cêntimos), emergentes de dois contratos de empréstimo e um contrato de abertura de conta de depósitos à ordem celebrados com a aqui insolvente, B, e o seu - à data - marido, E.
2.Para garantia de tais financiamentos, os mutuários constituíram duas hipotecas voluntárias, devidamente registadas pelas Ap.55/2007.12.28 e Ap.56/2007.12.28, sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ….
3.Por força das mencionadas hipotecas voluntárias registadas em seu benefício, a D. qualificou aqueles seus créditos como garantidos.
4.Qualificação essa igualmente atribuída pela Sr.ª Administradora de Insolvência na lista a que alude o art. 129º do CIRE, que à CGD, tendo-lhe reconhecido créditos no valor global de € 176.263,39, reconheceu como garantidos € 175.862,80 e € 400,59 como comuns.
5. Os créditos assim reconhecidos à D. não foram objecto de qualquer impugnação.
6.Proferida a competente sentença de verificação e graduação de créditos, os créditos reclamados pela D.foram, todavia, qualificados como comuns.
7.Sustenta a Meritíssima Juiz a quo a sua decisão com base em que, nestes autos, não foi apreendido o imóvel hipotecado a favor da D em si mesmo, mas antes o direito à meação da insolvente nos bens que integra(va)m a comunhão conjugal indivisa.
8.Sucede, porém, como aliás referido na sentença em crise, que, paralelamente ao processo de insolvência, está em curso processo de inventário para partilha de bens do casal.
9. No âmbito de tal processo de inventário, a correr termos com o nº 664/11.0TBVCT-A, pela Instância Central de …., Secção de Família e Menores, J1, em sede de conferência de interessados realizada em 06.NOV.2012 foi requerida – pela D. e também pela massa insolvente de B. - a venda dos bens ali relacionados.
10.Significa isto, pois, que em bom rigor inexiste presentemente qualquer comunhão conjugal, encontrando-se os bens que anteriormente a compunham em venda para pagamento do passivo.
11.Facto este que é, ou deveria ser, do conhecimento do tribunal a quo, até porque no último relatório trimestral apresentado pela Sr.ª Administradora de Insolvência expressamente se refere estar ainda em venda o imóvel.
12.Por outro lado há que considerar que, pese embora não haja, em inventário, apreensão formal dos bens, a verdade é que a venda ali determinada segue os trâmites da venda em processo executivo, sendo, pois, situações perfeitamente análogas.
13.Determinava o art.826º/2 do CPC antigo que “Quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efectuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido”, normativo este que foi integralmente transposto para o Novo Código de Processo Civil, correspondendo ao seu art. 743º/2.
14.Note-se que no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 22.11.2010, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/8fa42e6a7f133d1a802577f90030cf84?OpenDocument, se entendeu que “(…) é imperativa a norma do art. 826º/2 do CPC. Logo que do processo conste haver penhora de todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso ou direitos não pode deixar de ter lugar uma única venda. Esta obrigação abrange todos os processos, independentemente da prioridade da prioridade de realização da penhora ou do seu registo. No caso concreto, o processo de execução e o de insolvência. Não está na disponibilidade das partes, nem do tribunal. A norma visa terminar com uma situação de compropriedade, evitando o processo de divisão de coisa comum, além de trazer a vantagem de tornar mais fácil e rentável a venda, com poupança de esforço e gastos. É mais uma manifestação da sabida aversão do legislador pela compropriedade ou comunhão.”.
15.Assim, não se tendo logrado qualquer partilha, mas antes tendo o próprio inventário prosseguido para venda, não pode no âmbito do processo de insolvência proceder-se à venda de qualquer direito à meação.
16.E não só não pode, como de facto não está, nem nunca esteve, qualquer direito em venda. O que está e esteve em venda – como não poderia deixar de ser – são os bens em concreto, entre os quais o imóvel onerado com duas hipotecas voluntárias em benefício da D.
17.Aliás, não fosse intenção da Sr.ª Administradora de Insolvência apreender o bem imóvel em si mesmo – ou uma sua parte – nem sequer se compreenderia a necessidade de inscrição da declaração de insolvência.
18.De facto, a apreensão de um direito à meação não carece de registo, pelo que também por este motivo cremos ser necessário interpretar-se o vertido no auto de apreensão, que, muitas vezes, resulta de imposição das próprias conservatórias de registo predial.
19.Se em tese podemos concordar com a argumentação expendida na sentença recorrida, quando analisados todos os factos do caso vertente, não faz qualquer sentido a verificação e graduação dos créditos hipotecários da D. como comuns,
20.Pois o que é certo é que está em venda o bem imóvel hipotecado em benefício da D e, se se mantiver a graduação dos créditos da D como comuns, violar-se-á a preferência de pagamento que lhe conferem as hipotecas registadas em seu benefício.
21.A D perderá, assim, a sua garantia, sem obter o correspectivo pagamento preferencial dos seus créditos, dado que, uma vez vendido o bem imóvel, o direito de propriedade sobre esse prédio será – atento o disposto no art. 824º/2 do Código Civil – transferido livre de quaisquer ónus e encargos e essa transferência de propriedade afecta inelutavelmente a sua garantia.
22.Ora, é pelo produto da venda daquele imóvel, atento o disposto no art. 686º do Código Civil, que o credor hipotecário, no caso a ora Apelante, goza do direito de ser pago com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, como é o caso dos restantes credores dos autos.
23.Independentemente da terminologia empregue no auto de apreensão, não pode permitir-se que seja vendido um concreto bem imóvel e, paralelamente, considerar-se que o mesmo não está apreendido e, por esse motivo, qualificar-se e graduar-se os créditos garantidos por hipoteca sobre o mesmo como comuns.
24.Muito particularmente quando a fundamentação para tanto é, designadamente, a existência de partilha em curso, sem se atender a no processo de inventário não foi feita, nem será, qualquer partilha, antes estando os bens relacionados em venda para pagamento do passivo - donde, em bom rigor, já nem se sequer se pode falar em “património comum do casal”.
25.Ao reconhecer e graduar os créditos hipotecários da D como comuns, a sentença recorrida padece de ilegalidade, por violação do disposto no art. 686º do Código Civil e sonegação do direito da D decorrente dessa disposição legal, que, assim, verá excutida a sua garantia sem o correspectivo pagamento dos créditos por si reclamados – com preferência sobre os demais credores – pelo produto da respectiva venda.
26.Nesta conformidade, deverá a sentença ora recorrida ser revogada, por ilegal, e substituída por outra que para pagamento pelo produto da venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de… sob o nº …/… gradue os créditos da D com preferência de pagamento sobre os demais credores, por força das hipotecas voluntárias registadas sobre esse imóvel para garantia dos seus créditos.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.
Para a decisão foram tidos em conta os seguintes factos:
Nos presentes autos encontra-se apreendido o direito à meação do património comum do casal, património composto pelos bens descritos no auto respectivo (cfr. auto de apreensão de fls. 3 e seguintes do apenso A – o aludido património está a ser objecto de partilha no âmbito do processo nº 664/11.0TBVCT-A).
Na lista de créditos é feita alusão à natureza de cada um dos créditos, encontrando-se todos os créditos classificados como “comuns”, com excepção do crédito da C.G.D., S.A., em relação ao qual é feita a menção de “garantido”, por hipoteca voluntária sobre a verba nº 1 do auto de apreensão.
Decorre dos autos que a Sra. Administradora apreendeu a favor da massa insolvente a meação do prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e 1º andar, sito na Avenida …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na C.R.P. de … sob o nº ….
Da respectiva certidão da Conservatória junta no apenso A (fls. 11 e seguintes), resulta que o referido prédio é propriedade da insolvente e do seu marido E, casados sob o regime da comunhão de adquiridos.
Sobre o prédio incide uma hipoteca voluntária constituída a favor da D., S.A., para garantia de um empréstimo de capital de € 72.500,00, com um limite máximo assegurado de € 102.035,05, juro anual de 8,246%, acrescido de 4% em caso de mora a título de cláusula penal e despesas de € 2.900,00.
A hipoteca incide sobre o direito de propriedade da insolvente e do seu marido sobre o imóvel referido, porém, o prédio não se encontra apreendido no âmbito deste processo de insolvência. Foi apreendido um direito: o direito à meação nesse bem como bem comum do casal formado pela insolvente e marido.
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O direito à meação da insolvente no património comum do casal formado por esta e pelo seu marido, é único e indiviso, não incidindo sobre bens concretos e determinados, sendo que só por via da separação dos bens e partilha com liquidação do património do casal há lugar a essa concretização.
O direito de propriedade sobre um imóvel não se confunde com o direito à meação no património comum, do qual esse imóvel faz parte. São realidades diferentes.
Declarada a insolvência, ordenada a imediata apreensão de bens e entrega ao administrador nomeado (artigo 36º, alínea g) do CIRE e fixado o prazo para as reclamações de créditos (artigo 36º, alínea j), quem se sentir ofendido na sua posse e/ou direito de propriedade, em consequência da apreensão, tem ao seu dispor mecanismos próprios para fazer valer o seu direito à restituição e separação dos bens indevidamente apreendidos para a massa insolvente.
O art.141º regula o exercício do direito de fazer separar da massa os bens indevidamente apreendidos, o prazo de que o titular dispõe para o efeito, e o processo a seguir. Processa-se como a reclamação de créditos.
Com efeito, estatui o nº 1 do artigo 141º do CIRE que:
As disposições relativas à reclamação e verificação de créditos são igualmente aplicáveis:
a) À reclamação e verificação do direito de restituição, a seus donos, dos bens apreendidos para a massa insolvente, mas de que o insolvente fosse mero possuidor em nome alheio;
b) À reclamação e verificação do direito que tenha o cônjuge a separar da massa insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns;
c) À reclamação destinada a separar da massa os bens de terceiro indevidamente apreendidos e quaisquer outros bens, dos quais o insolvente não tenha a plena e exclusiva propriedade, ou sejam estranhos à insolvência ou insusceptíveis de apreensão para a massa.
De acordo com o disposto no artigo 159º do CIRE (norma específica relativa à liquidação de bens indivisos) verificado o direito à restituição ou separação de bens indivisos, ou verificada a existência de bens de que o insolvente seja contitular, só se liquida no processo de insolvência o direito que o insolvente tenha sobre esses bens. Daqui decorre uma obrigação para o administrador de insolvência que é a de que apurada depois da apreensão de bens (por ele efectuada), a existência de bens de que o insolvente não tenha a plena e exclusiva titularidade, de promover a separação desses bens nos termos dos artigos 141, 144 e 146 do CIRE (o art.º 141º, n 1, c) prevê a aplicação das disposições relativas à reclamação e verificação de créditos à reclamação e verificação do direito do cônjuge a separar da massa a sua meação nos bens comuns).
Havendo bens comuns do casal, deverão ser os mesmos apreendidos na sua totalidade para a massa insolvente, devendo, após a sua apreensão, citar-se o cônjuge do insolvente para, nos termos do artigo 740º do Código de Processo Civil, requerer a separação de bens, sem prejuízo de tal separação poder ser ordenada oficiosamente, nos termos do artigo 141º, nº3, do CIRE.
Como por força do art.º 17 do CIRE se aplicam subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência de que se aplica à apreensão dos bens em insolvência as regras da penhora de bens com as necessárias adaptações. À semelhança do que acontece na execução singular movida apenas contra um dos contitulares do património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património autónomo ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso (artigo 740º). Se o for, terá lugar o mecanismo do art.º 141º, n.º1,c) com a especificidades do n.º 2 do art.º 141, com reclamação, impugnação, eventual resposta à impugnação, parecer da comissão de credores, saneamento, e mecanismo do art.º 136, eventual audiência de discussão e julgamento, decidindo-se a final pelo direito do outro cônjuge a obter a separação da sua meação.
No caso dos autos, o que está apreendido é o direito à meação da insolvente e a graduação respeita à venda da meação e não do prédio em si (estando em curso a partilha do património).
A garantia decorrente da hipoteca, só incide e tem efeitos sobre o bem a que respeita, em concreto, e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem.
É isso que decorre do disposto no artigo 686 nº 1 do Código Civil, quando estipula que o credor hipotecário tem o direito de ser pago, pelo valor das coisas hipotecadas com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
A meação dos bens comuns do casal nem sequer pode ser objecto de hipoteca, conforme decorre do artigo 690º do Código Civil que o exclui expressamente.
A hipoteca subsiste por inteiro sobre o imóvel em questão, resultando o requisito da indivisibilidade do disposto no artigo 696º do Código Civil que, com a epígrafe “indivisibilidade” estabelece que: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada um das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que a constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.”
Tal como nos diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/02/2012, in. www.dgsi.pt “A pretensão da recorrente de que se lhe dê preferência no pagamento pelo produto da venda da meação conjugal do insolvente, na qual se integra o imóvel hipotecado a favor da recorrente, a ser admitida, traduzir-se-ia numa violação indirecta do disposto no artigo 690º do Código Civil, pois dar-se-lhe-ia preferência no pagamento pelo produto da venda de um direito, sem que fosse admitida a constituição da garantia fundamentadora da preferência no pagamento sobre o direito objecto da venda. Por outro lado, o direito à meação conjugal não se traduz num qualquer direito inerente ao imóvel hipotecado a favor da recorrente pois, à semelhança do que sucede relativamente ao quinhão hereditário, não confere qualquer direito sobre bens concretos e determinados integrantes da comunhão conjugal.”
Por outro lado, em caso de venda do direito da meação do insolvente no património comum do ex-casal, a hipoteca do recorrente, bem como da Caixa Geral de Depósitos não é afectada, porque não é o imóvel sobre o qual a mesma incide que é vendido. Quem adquire tal direito adquire uma parte do património comum no qual se integra um imóvel hipotecado. Apesar do direito passar para outro titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, como se pertencesse ao titular devedor. Tal resulta da natureza da hipoteca enquanto direito real de garantia e da sequela que lhe anda associada.
Por outro lado, e como já se referiu, a hipoteca subsiste por inteiro sobre o imóvel em questão, resultando o requisito da indivisibilidade do disposto no artigo 696º do Código Civil.
Neste mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/10/2008, in. www.dgsi.pt que conclui: ““Acresce dizer que a solução adoptada não belisca o apontado direito de sequela ou, nos dizeres do recorrente, que o imóvel está " gravado" com a hipoteca. De facto, a venda da meação do falido não colide nem diminui o direito de preferência visto que a hipoteca continua a manter-se intocável (…) uma vez que a hipoteca permanece sobre aquele concreto imóvel, independentemente da transmissão desse direito à meação e de quem seja o adquirente
No caso inexiste compropriedade dos ex-cônjuges no imóvel em questão (tanto quanto se sabe pois ainda não ocorreu a partilha e o registo predial não o reflecte), e a garantia do recorrente não está registada sobre o direito à meação ou meação do insolvente, antes sobre o imóvel concreto dado em garantia do empréstimo.
E não incidindo a apreensão dos autos sobre o imóvel, não funciona a preferência que para o Banco apelante resulta da hipoteca que oportunamente constituiu sobre ela, já que na liquidação dos autos nunca poderá ser vendido o imóvel em questão (art.º 174 do CIRE) não existindo, assim na decisão recorrida erro de qualificação do crédito do Banco reclamante (em atenção ao bem apreendido) como crédito comum e erro de interpretação do art.º 47/4/a do CIRE. Tal não significa que os direitos resultante da hipoteca designadamente a sequela se tenham extinto, posto que a liquidação da meação tal como está aprendida nos autos não incidindo sobre aquele imóvel não belisca minimamente o direito do Banco apelante que os poderá fazer valer numa outra instância, designadamente na partilha dos bens do casal.
No caso a graduação respeita apenas ao direito à meação e nessa medida a recorrente não goza de qualquer privilégio, sendo certo que em caso de venda do imóvel (que não é o mesmo que a venda da meação)
Isto quer dizer que o crédito da D terá de ser tido como comum, pois apenas pode existir um único bem apreendido que é o direito à meação da insolvente no património comum do casal – no que respeita a todos os imóveis que constituem o seu património
Ou seja, no que respeita à meação da insolvente nenhum dos créditos goza de qualquer privilégio; mas caso os bens sejam vendidos os mesmos gozam da garantia da hipoteca
Como já se referiu a hipoteca não impede o devedor de alienar a coisa hipotecada. Na verdade, os bens hipotecados não ficam subtraídos ao comércio jurídico, pelo que podem ser livremente transmitidos para terceiros, cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in “Garantias das Obrigações”, pág. 193. Sucedendo apenas que o adquirente da coisa a adquire onerada com a hipoteca, ou seja, apesar de a coisa mudar de titular, continua a responder pela satisfação do crédito garantido como se permanecesse na titularidade do devedor. É o que resulta da natureza própria da hipoteca como direito real de garantia e da faculdade de sequela que lhe está associada.
“In casu” estando apreendida nos autos a meação do insolvente nos bens comuns do casal, e por hipótese, vindo ela a ser vendida na insolvência, o que sucede é que quem vier a adquirir esse direito, apenas adquire uma parte ideal do património comum no qual se integra um imóvel hipotecado e apesar de eventualmente o direito mudar de titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, isto é o que decorre da natureza própria da hipoteca e da sequela de que goza.
Destarte nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando não reconhece sobre o bem apreendido – meação da insolvente no património comum do casal que forma com a sua cônjuge – qualquer garantia real proveniente da hipoteca existente sobre um imóvel que faz parte desse património comum do casal em favor da apelante, e consequentemente graduou o crédito da apelante decorrente do mútuo hipotecário, como crédito comum.
Em síntese, estando apreendido para a massa insolvente o direito à meação da insolvente no património comum do casal formado por ela e pelo seu cônjuge, e dele fazendo parte um imóvel hipotecado, o conteúdo exacto do referido direito só se determinará no caso de separação de bens, após efectivação da liquidação do passivo do casal e partilha dos bens comuns, por força do disposto nos art.ºs 1715.º n.º 1, al. d), do Código Civil e 141.º n.º 1, al. b) e n.º 3, do CIRE.
Improcede, deste modo, o recurso.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 19 de Maio de 2016.


Sumário:
Estando apreendido para a massa insolvente o direito à meação da insolvente no património comum do casal formado por ela e pelo seu cônjuge, e dele fazendo parte um imóvel hipotecado, o conteúdo exacto do referido direito só se determinará no caso de separação de bens, após efectivação da liquidação do passivo do casal e partilha dos bens comuns, por força do disposto nos art.ºs 1715.º n.º 1, al. d), do Código Civil e 141.º n.º 1, al. b) e n.º 3, do CIRE.