Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
231/16.1T8AVV-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
É ao embargado que compete o ónus de provar, e, bem assim, de excepcionar, a extemporaneidade dos embargos, como facto extintivo do direito de propor a acção, não incumbindo já ao embargante o ónus de prova da tempestividade dos embargos de terceiro, em fase contraditória.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Maria, Embargante nos autos de Embargos de Terceiro em curso, que correm por apenso aos autos principais de Execução Comum, e que instaurou contra, “AP & Filhos, Lda.”, exequente, e, José, executado, veio interpor recurso da decisão proferida nos autos que rejeitou os embargos de terceiro deduzidos porque intempestivos.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o recorrente formula as seguintes Conclusões:

1. Conforme o disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 639.º do CPC, entende o Recorrente que deverá o artigo 344.º do CPC, ser interpretado no sentido do ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos de terceiro pertencer ao embargado;
2. Deve a douta sentença ser substituída por outra que receba os embargos de terceiros;
3. Consequentemente deverá ser apreciado o mérito da causa, em sede de 1ª instância, considerando a prova já produzida em audiência de julgamento.

O co-embargante Carlos veio declarar adesão ao recurso interposto nos termos do artº 634ºnº3 do CPC.

Não foram proferidas contra – alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre do disposto no artº 635º-nº4 do CPC, atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- artigo 344.º do CPC - ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos de terceiro
- deve a sentença ser substituída por outra que receba os embargos de terceiros ?


FUNDAMENTAÇÃO :

I. OS FACTOS ( são os seguintes os factos declarados provados na decisão recorrida ):

1. Nos autos de execução foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao rés-do-chão, na fachada poente, destinada a comércio, com um lugar de estacionamento na cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... “C” de Arcos de Valdevez, São Paio.
2. Essa penhora foi realizada no dia 08 de Junho de 2016.
3. Os presentes embargos deram entrada no dia 30 de Setembro de 2016.

II. O DIREITO

Nos presentes autos que Maria e Carlos, Embargantes nos autos de Embargos de Terceiro em curso, que correm por apenso aos autos principais de Execução Comum, e que instauraram contra, “AP & Filhos, Lda.”, exequente, e, José, executado, tendo sido liminarmente recebidos os embargos deduzidos por despacho judicial de 24/10/2016, a fls. 19 dos autos, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artº 348º-nº1 do CPC, veio a co-embargada/exequente “AP & Filhos, Lda.” contestar, excepcionando, invocando a intempestividade dos embargos.

Realizado o julgamento veio a ser proferida a sentença recorrida nos termos da qual foram os embargos de terceiro deduzidos rejeitados por intempestivos, fundamentando-se na decisão: “ ... O ónus da prova da data em que tomou conhecimento da penhora compete ao embargante. Veja-se a propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.12.2007, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual Perante a actual redacção dos artºs 353º e 354º do CPC, impende sobre o embargante, se invocar a superveniência subjectiva do conhecimento do acto lesivo do seu direito, o ónus de provar a tempestividade da dedução dos embargos de terceiro. No caso dos autos, os embargantes não lograram provar que tomaram conhecimento da penhora no dia 05 de Setembro de 2016. Assim, datando a penhora de 08.06.2016 e tendo os embargos sido deduzidos a 30.09.2016 mostra-se manifesto que a sua dedução é intempestiva.”.

Inconformada veio a embargante recorrer alegando que deverá o artigo 344.º do CPC, ser interpretado no sentido do ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos de terceiro pertencer ao embargado, devendo a sentença ser substituída por outra que receba os embargos de terceiros.

Nos termos do artº 342º - nº1 do CPC : “ Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”, dispondo o artigo 344º do citado diploma legal: nº 1 – “Os embargos são processados por apenso à causa em que haja sido ordenado o ato ofensivo do direito do embargante. 2 - O embargante deduz a sua pretensão, mediante petição, nos 30 dias subsequentes àquele em que a diligência foi efetuada ou em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, oferecendo logo as provas”.

Mais dispondo o artº 345º, sob a epígrafe “ Fase introdutória dos embargos” _ “Sendo apresentada em tempo e não havendo outras razões para o imediato indeferimento da petição de embargos, realizam-se as diligências probatórias necessárias (...)”, tendo esta fase natureza liminar e cautelar, apenas assegurando a possibilidade de prosseguimento da acção, relativamente a esta fase alguns autores e jurisprudência defendendo o conhecimento oficioso da intempestividade, e o ónus de alegação e de oferecimento de prova sumária pelo embargante da tempestividade dos embargos ( v. Lebre de Freitas, in “ A Acção Executiva, À luz do CPC de 2013, 6ª edição, pg. 337; Ac. TRC de 2/5/2000, P. 485/00, Ac. TRL de 14/5/2015, P. 18365/10.4YYLSB-B.L1-2, in www.dgsi.pt ), tendo nos autos sido já proferida decisão liminar de prosseguimento por despacho judicial de 24/10/2016, a fls. 19 dos autos, não estando em causa a apreciação e aplicação da referida norma do artº 345º do CPC.

Admitidos os embargos segue-se, como refere o indicado autor, obra citada, pg.338 a “fase contraditória” “ que tem início com a notificação dos embargados para contestar” nos termos do nº1 do artº 348º do CPC, seguindo-se os termos do processo comum.

Tendo a co-embargada/exequente “AP & Filhos, Lda.” vindo contestar invocando a intempestividade dos embargos, tal invocação traduz-se em defesa por excepção peremptória, estando em causa prazo de caducidade.

Dispõe o artº 342º do Código Civil, referente ás regras de repartição do “Ónus da prova”: - nº 2 “ A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”, mais dispondo o nº2 do artº 343º, do citado diploma legal, reportado ao “Ónus da prova em casos especiais” que – nº 2 “ Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao Réu a prova de o facto já ter decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei”.

Nestes termos, e ao abrigo das citadas disposições legais, concluímos ser ao embargado que compete o ónus de provar, e, bem assim, de excepcionar, a extemporaneidade dos embargos, como facto extintivo do direito de propor a acção, não incumbindo já ao embargante o ónus de prova da tempestividade dos embargos de terceiro, em fase contraditória, nos termos acima expostos, divergindo-se, assim, da fundamentação constante da sentença recorrida, e, bem assim, da decisão proferida, concluindo-se, no seguimento do já decidido em Ac. do STJ, de 1/4/2008, P. 08A046, in www.dgsi.pt : “Nada tendo sido provado relativamente ao momento do conhecimento pelo embargante do facto (penhora) lesivo do seu direito deverão os embargos de terceiro, (...) considerar-se tempestivamente propostos, exactamente porque recai sobre o embargado o ónus da prova sobre a extemporaneidade.”

E, no mesmo sentido, de ser sobre o embargado que recai o ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos - Ac. STJ de 23/1/2001, P. 3191/00, sumário, in www.dgsi.pt; Ac. STJ de 27/11/2001, P.2003/01, Sumários, e, in http.www.cidadevirtual.pt; e, ainda, Ac. TRG, 13/2/2012, P. 3592/03, Ac. TRC, de 1/4/2008, P. 5166/06.3TBLRA-B.C1; Ac. TRC de 2/5/2000, P. 485/00, Ac. TRL de 14/5/2015, P. 18365/10.4YYLSB-B.L1-2, tendo já este colectivo decidido em igual sentido em anterior Ac. deste TRG de 29/6 /2017, ainda, v. Lopes Regos, Comentários ao CPC, 2004, pg.327, reportando-se ao Ac. Rel. In BMJ 497/450.

Concluindo-se nos termos expostos que não se provando a data do conhecimento pelos embargantes do facto (penhora) lesivo do seu direito, recaindo sobre os embargados o ónus da prova sobre a extemporaneidade dos embargos, deverão estes considerar-se tempestivamente propostos, nestes termos procedendo a apelação e revogando-se a decisão recorrida, improcedendo a apelação relativamente á pretensão de ver a sentença ser substituída por outra que receba os embargos de terceiros pois que estes foram já liminarmente recebidos.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, nos termos acima expostos, revogando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante, na proporção de 1/5, e na parte restante pela parte vencida a final.
Guimarães, 1 de Março de 2018

Maria Luísa Ramos
António Júlio da Costa Sobrinho
Jorge Teixeira