Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
184-G/2000.G2
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: TRANSACÇÃO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: .A sentença proferida num processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (art. 295º do CC), sendo igualmente válidas para a interpretação de uma sentença ou de um acórdão as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (arts. 236º e segs. do CC).
.Tratando-se de sentença homologatória de transacção, aquela interpretação deve ter particular incidência nos termos que corporizam a transacção.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório
M.. veio, por apenso aos autos de execução que lhe são movidos por E.., deduzir oposição alegando, em suma, que a exequente sabe não ter direito ao que executa porque o sentido do que ficou acordado era assegurar à filha de ambos, que na altura tinha 17 anos, a possibilidade de vir a ter financiada a frequência da universidade, que em regra demora 5 anos.
Alega ainda que a partir da altura em que a filha desistiu de estudar e ficou a trabalhar consigo não faz qualquer sentido o acordo feito.
A exequente opôs-se negando tudo o que vem alegado.
Foi efetuada uma tentativa de conciliação, nos termos que então ficaram explicitados, mas não resultou.
Por decisão de fls. 49 e ss., a oposição foi julgada improcedente.
Interposto recurso, veio o Tribunal da Relação de Guimarães a revogar um despacho interlocutório que não admitira a apresentação de um articulado superveniente por parte do oponente, anulando todo o processado subsequente (cf. fls. 161).
A fls. 167, foi então proferido despacho que admitiu o articulado superveniente.
Seguiu-se saneador sentença que julgou improcedente a oposição com custas pelo oponente.
Inconformado com esta decisão veio o oponente apresentar recurso no qual termina as alegações com as seguintes conclusões
I - O Tribunal a quo cauciona, com o devido respeito, a possibilidade da excônjuge obter uma dúplice vantagem patrimonial em razão do mesmo facto uma vez que após receber o que tinha direito em partilha, recebe por via da cessação de contrato de trabalho aí definido duas compensações apesar de em sede laboral afirmar estar globalmente compensada.
II - É de censurar o entendimento que estamos perante uma pensão de alimentos.
III - Na acção de divórcio entre Executado e Exequente ambos prescindiram de alimentos.
IV - A obrigação do Executado reportava-se à manutenção de um vínculo laboral que, caso cessasse, daria direito a uma compensação repartida parcelarmente durante um determinado período estando indexada a uma relação laboral pré-existente – aliás matéria vertida nos factos provados.
V - Aceita-se – na decisão recorrida – que é uma pensão de alimentos sem que esta beneficie do regime legal adstrito o que não se concebe.
VI - A pensão de alimentos é alterável, tem a ver com as necessidades e medida das possibilidades, não é estanque e não está limitada no tempo como sucede no caso (o tempo é a necessidade) não transcorrendo do acordado qualquer destes elementos subjacentes a uma prestação de alimentos.
VII - A transacção surge no âmbito de um processo de inventário e é nessa sede que surge a referida pensão o que é indiciador da ausência de natureza alimentícia.
VIII - A existência de uma pensão não significa, como é bom de ver, automaticamente que seja de alimentos!
IX - Aliás, a natureza de compensação – e só – pela cessação de um vínculo laboral e não a natureza de prestação de alimentos é já indiciado pelo próprio Acórdão da Relação de Guimarães a montante quando este refere que, se provado o englobamento da pensão (tem-se até o cuidado de não referir “pensão de alimentos”) em execução o pedido do Executado (superveniente) não podia deixar de proceder.
X - Sem prejuízo do acima dito, caso assim doutamente se não entendesse, o Tribunal a quo teria obrigação de ponderar e julgar a Oposição na vertente da cessação da necessidade dos alimentos e não o tendo feito – apesar de invocada - existe omissão de pronúncia geradora de nulidade da decisão que se invoca, subsidiariamente, nos termos do que dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
XI - É no quadro da partilha de bens realizada em sede de inventário pós divórcio que foi estipulada a cláusula do pagamento de eventual pensão se cessasse contrato de trabalho da Exequente.
XII - Salvo melhor opinião, existe violação do que dispõe o artigo 595.º, nº. 1, alínea b) do CPC pois caberia definir, antes de qualquer decisão de mérito, o alcance da própria Transacção na génese da presente execução que era controvertida.
XIII - Sendo a questão controvertida, deveria o Tribunal a quo dar oportunidade processual para o Apelante demonstrar a sua tese.
XIV - Está em causa um contrato – artigo 1248.º do Código Civil – logo sujeito ao regime dos contratos mormente dos seus vícios e nem o apelo ao artigo 221.º parece ser de aceitar nos termos definidos - já assim o inculca a própria decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães promanada nos presentes autos.
XV - O Tribunal a quo não dá erradamente, modestamente o entendemos, relevância aos factos invocados no Articulado Superveniente que a Relação de Guimarães diz poderem, a comprovar-se, impor a procedência da Oposição – vide douto Acórdão.
XVI - Do mesmo modo que a transacção em processo laboral em execução resulta da existência – confirmada aliás nos factos assentes – de contrato de trabalho e as consequências da sua cessação donde, nesta perspectiva, os créditos têm a mesma natureza – assim, ademais, o entendeu o douto aresto do Tribunal Superior promanado nos autos.
XVII - A inexistir inutilidade superveniente da lide (que se invocou e invoca) existiria, a manter-se a decisão recorrida, a violação de caso julgado material – artigos 619.º e 621.º do CPC - por se decidir sobre matéria e partes iguais a outra já promanada violando-se, ainda, o que dispõe o artigo 625.º, nº. 1 do CPC.
XVIII - Sancionando-se a decisão recorrida consubstanciaria, pelo menos – para não falarmos de abuso de direito – num enriquecimento sem causa o que, também, se invoca.
XIX - Aliás flui do processo que existiu um acordo de revogação do contrato de trabalho pelo que prestação é inexigível na medida em que – cremos – a cessação implicaria uma vontade unilateral do aqui Apelante pois só aí parece justificar-se a consequência sob pena de se deixar de ser uma “penalização” para uma opção da própria trabalhadora.
XX - Se desconsiderada a natureza alimentícia da pensão em mérito – como defendido pelo Executado – a questão da compensação invocada está ultrapassada devendo ser, em última instância, considerada.
XXI - Mas mesmo que assim não sucedesse o Tribunal a quo deixa não podia deixar de atender ao confessado pela Exequente - ponto 8.º da Contestação à Oposição – que aceita aquele pagamento por conta do acordado!
TERMOS EM QUE,
- Deve proceder o presente recurso com todas as consequências legais daí advenientes. COMO É DE INTEIRA E DA MAIS ELEMENTAR JUSTIÇA!

A exequente contra alego concluindo pela improcedência do recurso.

As questões que ao Tribunal compete decidir são:
- se a sentença é nula;
. Se a transacção judicial homologada por sentença vincula as partes ao seu cumprimento e em que medida.
. Se por via dessa transacção o oponente ficou vinculado a pagar à exequente uma pensão de alimentos
i. Se sem invocar qualquer vício da vontade na transacção e apenas através da interpretação das respectivas cláusulas é possível afastar esse efeito jurídico.

FUNDAMENTAÇÃO
De facto
No Tribunal recorrido foi considerada provada a seguinte factualidade
1-A exequente e o executado contraíram casamento em 5/5/1984.
2-Durante o casamento nasceu a filha M.., a 31/10/1988.
3-O casamento foi dissolvido por sentença homologatória dos acordos de divórcio, por mútuo consentimento, proferida a 26/9/2002.
4-Em 17/2/2004 o ora oponente requereu inventário especial para separação de meações, que viria a terminar por sentença homologatória do acordo de partilha que as partes efetuaram na conferência de interessados, sentença de 6/12/2005.
5-Na execução, intentada em 28/5/2009, e nesta oposição, intentada em 7/7/2009, está em causa o alcance das cláusulas 7ª e 8ª desse acordo.
6-As cláusulas têm o seguinte teor (fls. 120 a 122 do apenso de inventário):
“7ª: O requerente obriga-se a manter o posto de trabalho da requerida no estabelecimento localizado em Vila Nova de Famalicão e que ora lhe é adjudicado, pelo qual a requerida auferirá um salário de 450,00 euros, durante o próximo ano de 2006, que sofrerá, decorrido um ano, os aumentos de acordo com o salário mínimo nacional.”.
“8ª: Caso cesse a relação laboral supra referida, ou seja, extinto o citado posto de trabalho no decorrer do prazo de seis anos a contar de 1 de Janeiro de 2006, o requerente em alternativa pagará à requerida uma pensão mensal de 600 euros.”.
7-A exequente pede as prestações mensais da pensão estipulada por o oponente ter extinto o posto de trabalho da exequente em 30/11/2008;
8- A obrigação referida na cláusula 8ª do acordo estava indexada a uma relação laboral pré existente;
9- A exequente instaurou contra o executado uma ação declarativa no Tribunal de Trabalho de VN de Famalicão, que correu termos sob o n.º 756/09.5TTVNF, onde pedia, no que agora interessa, a condenação do executado no pagamento da quantia de:
- 38.056,98€, a título de diferenças salariais entre a remuneração mensal legalmente prevista para a sua categoria profissional e aquela que lhe era efetivamente paga, entre os anos 1983 e 2008;
- 18.018€, a título de indemnização pela antiguidade;
- 734,25€, a título de acerto dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no ano da cessação do contrato de trabalho;
10- Em causa, no referido processo, estava a apreciação do “Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho” celebrado entre exequente e executada e as suas consequências;
11- Por decisão de 09.04.2010, foi homologada a transação alcançada entre as partes, por via da qual a A. (aqui exequente) reduziu o pedido à quantia de 8.500€, que o R. (aqui executado) se obrigou a pagar a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho;
12- O Executado pagou tal quantia, por cheque.
13- O Executado pagou à Exequente a quantia de 1.250€, através do cheque de fls. 11.

De Direito
Antes demais, cumpre referir que, o Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, relativamente aos títulos executivos, só se aplica às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória das execuções iniciadas após a sua entrada em vigor (01 de Setembro de 2013).
Como a execução de que esta oposição é apenso foi intentada antes referida entrada em vigor, o actual CPC não se aplica.
Apreciando as questões supra elencadas, começamos por referir que, como tem sido entendido, sem controvérsia, os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) — als. a) a e) do n.° l do art.º 668.°do CPC/615 do NCPC. São sempre vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.
Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.
As nulidades referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC estão relacionadas com o comando fixado no n.º 2 do artigo 660.º do mesmo código (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras).
Refere-se o excesso de pronúncia ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso e a omissão, ao não conhecimento das questões suscitadas ou de conhecimento oficioso.
Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que "não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido".
Saliente-se, antes de mais, que questão a resolver, para os efeitos do artigo 660.º do C.Proc.Civil, é coisa diferente de questão jurídica (v.g., determinação de qual a norma legal aplicável e qual a sua correcta interpretação que, como fundamento ou argumento de direito, pudesse – ou até devesse – ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver).
A melhor resolução da questão a resolver deveria, porventura, levar à apreciação de várias questões jurídicas, utilizadas como argumentos e fundamento da decisão sobre a questão decidenda. Se o juiz, porém, não apreciar todas essas questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito, que cabiam na melhor, mais completa ou exaustiva fundamentação, mas vier a proferir decisão, favorável ou desfavorável à parte, sobre a questão a resolver, haverá deficiência ou incompletude de fundamentação, mas não omissão de pronúncia.
Seguindo os ensinamentos do Prof. ALBERTO DOS REIS, a propósito do critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado. Para tanto, o Juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Por isso, a circunstância de não considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado não constituirá nulidade.
Cabe dizer que, do que se deixa dito e até da norma invocada, resulta patente que a apontada omissão se verifica no caso em apreço.
De facto, nos arts. 7º a 12º invoca o oponente factos que integram a causa de pedir das acções que têm como fundamento a alteração /cessação da pensão de alimentos.
É certo que no final não formula individualmente tal pedido, todavia concluiu pela extinção da execução, final este que seria o adequado no caso de tal factualidade ser procedente.
Ora a decisão em apreço não apreciou esta factualidade.
E fazendo nós considerando a regra da substituição – artº temos de concluir pela improcedência de tal pedido pois o pretendido pedido de alteração/cessação da alegada pensão de alimentos não poderia ser apreciado em sede de oposição à execução.
É que fundando-se a execução numa sentença, a oposição só pode ter algum dos seguintes fundamentos:
“a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.”
Resulta, desde logo, de tal normativo que os fundamentos que podem servir de oposição a uma execução, baseada numa sentença, são tão somente aqueles que ali se encontram taxativamente elencados.vídé, para maior e melhor desenvolvimento, que o caso aqui não justifica, os profs. Anselmo de Castro, in “Acção Executiva, págs. 279/280”; Lebre de Freitas, in “Acção Executiva, 2004, 4ª ed.. Coimbra Editora, págs. 172 e ss” e o cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução, 2005, 8ª ed., Almedina, págs. 154/160”).
Ou seja, a factualidade constante dos arts 7º a 12º da p.i não se ajusta a nenhum dos fundamentos elencados no artº 814, pelo que o indeferimento liminar da oposição parcial deve ter lugar, à luz da al. c) do nº 1 do citado artº 817, por ser manifestamente improcedente.
Apreciando as demais questões supra elencadas, começamos por referir que, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (artigo 10º, n.º 5 CPC actual/anterior 45º).
É o denominado título executivo, ou seja, “o documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo” - Manuel de Andrade, Noções elementares do Código de Processo Civil, pág. 58.
“O título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado à conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputada suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto” - Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 1999, pág. 87.
É indiscutível que o título executivo se apresenta como requisito essencial da ação executiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento suscetível de, por si próprio, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta a formulação da pretensão exequenda.
Nesse pressuposto, o título executivo, para além de provar a relação obrigacional existente entre exequente e executado, também se perfila como condição necessária, mas suficiente, da ação executiva, desde que preencha os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê.
Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, pág. 87, “o título executivo constitui pressuposto de carácter formal da acção executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor. Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de acção e o seu objecto (artigo 45.º n.º 1), assim como a legitimidade activa e passiva para a acção (art. 55-1)”.
Contudo, a execução do património do devedor, enquanto realização judicial da função de garantia geral das obrigações nos termos do art. 601.º do CC, tem como condição o incumprimento da obrigação. Traduzindo-se o mesmo naquilo que a lei implicitamente refere como exigibilidade – cf. arts 802.º e 814.º, al. e) do CPC – e que em rigor condiciona a existência de interesse processual na obtenção de tutela judicial pelo meio adequado, que é a acção executiva.
Incumbindo, então, ao credor, nesta hipótese, ao instaurar a execução, fazer a demonstração da ocorrência do facto, nos termos do regime previsto no art. 804.º do CPC (reforma de 2003).
A prestação tem de ser, pois, exigível.
No caso em apreço tendo em conta o título executivo apresentado, dúvidas não restam, que para a resolução da questão em apreço tudo passará interpretação das cláusulas inseridas na transacção, homologada por sentença transitada em julgado.
Cláusulas essas que constam da matéria de facto dada como assente.
Na verdade, em sede de interpretação de negócios jurídicos crendo-se ser este o entendimento uniformemente assumido pelo Supremo TJ, cf por todos Ac proferido no processo 869/05.2 TBAMT.C.P1.S1 constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, sendo matéria de direito a fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial, isto é, a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do CC, competindo ao Supremo apreciar se a Relação, na actividade interpretativa, observou esses critérios legais, se se conteve ou não dentro dos limites desses critérios.
E daí que o apuramento da vontade real do declarante e o conhecimento dessa vontade pelo declaratário constitua matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias,envolvendo já matéria de direito a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts. 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1 do CC.
Regras estas aplicáveis à transacção.
Na verdade o artigo 1248.º do Código Civil define a transacção como o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, acrescentando que as concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.
Daqui resulta, desde logo, que a transacção é um contrato e, por isso mesmo, que se encontra sujeito à disciplina dos contratos, designadamente às suas disposições gerais (artigos 405.º a 409.º) e ao regime geral dos negócios jurídicos (artigos 217.º e segs.), incluindo as exigências de forma e consequências da respectiva inobservância (artigos 219.º e 220.º), bem como as regras de interpretação da declaração negocial (artigo 236.º a 238.º, todos do Código Civil).
Neste contexto terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz ao homologá-la jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação". Ac. do S.T.J. de 28.07.1994; C.J.; II; Tomo 2 - 1994; pág. 166.
Assim, todas as dúvidas que eventualmente surjam na determinação do conteúdo e alcance da sentença que homologou a transacção verificada na acção, há-de passar pela interpretação da vontade declarada nesse assumido convénio, isto é, terão de ser esclarecidas com o recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos, adiantados pelo disposto no artigo 236.º, n.º1, do Cód. Civil, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário e que exige que o sentido a prevalecer tem de tornar possível a sua imputação ao declarante, isto é, que este possa razoavelmente contar com ele (art.º 236.º, n.º1, in fine, do C.C.).
Em cumprimento desta imposição legal tem de se ter em conta que a declaração vertida nessa transacção deve valer com o sentido que um comum intérprete, isto é, normalmente conhecedor e esclarecido, lhe atribuiria; e esta normalidade que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da transacção, mas também na diligência para recolher todos os elementos que ajudem na revelação da efectiva vontade das partes assim consubstanciada.
Nos negócios formais, em aplicação do princípio “falsa demonstratio non nocet”, o sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, não podendo, em princípio, valer como tal, pode, porém, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
O Código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação. Temos entendido que se deverá operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta, o que o Prof. Manuel de Andrade in Teoria Geral do Direito Civil, 1980 pp 421, a título exemplificativo, faz coincidir com «os termos do negócio», «os usos da prática, em matéria terminológica ou de outra natureza que possa interessar», «a finalidade prosseguida pelo declarante», «os interesses (…) em jogo no negócio».
Por outro lado, como expendeu, a propósito, o Prof. Vaz Serra – RLJ Ano 110º/351 “…O declaratário não pode interpretar, sem mais, a declaração pelo seu sentido literal, devendo ter em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição que possam esclarecê-lo sobre o que o declarante pretendeu significar. O declaratário deve procurar determinar o que o declarante quis significar com ela; nessa indagação não é obrigado a toda e qualquer diligência, mas à que teria um declaratário normal, colocado na posição concreta em que ele real declaratário se encontra, devendo ter, assim, em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal”
E a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se, na lição dos sobreditos Mestres in CC Anotado Vol I 4ª edi pp 223. “não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”
Para o Prof. L. A. Carvalho Fernandes In Teoria Geral 1983, 2ª 465, “Para a interpretação é lícito recorrer, entre outros, aos seguintes elementos: a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar, etc, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, o tipo negocial, a lei e os usos e costumes por ela recebidos”.
Neste processo e na interpretação da clausula em causa o tribunal recorrido, entendeu que o as partes acordaram foi que durante 6 anos após o acordo /2006 a exequente ficaria a ganhar o salário de 450 euros com as actualizações anuais ou se, por alguma razão, o posto de trabalho fosse extinto, receberia durante 6 anos a pensão de 600 euros, concluíndo estarmos perante uma pensão de alimentos.
Pretende no entanto o recorrente que através da interpretação da transacção é possível alcançar um significado diferente para a mesma, ou seja, que é possível em resultado de uma pura tarefa interpretativa – que, portanto, preserva a validade integral do contrato – atribuir às cláusulas do contrato o conteúdo acordado, mais especificamente afastar o reconhecimento da obrigação de pagamento de uma pensão de alimentos.
Cremos que tem razão.
Na verdade o contrato, como qualquer documento escrito, pode carecer de interpretação. A tarefa de interpretação consiste em descortinar por detrás do teor literal das palavras constante do documento o sentido que lhes deve ser atribuído e concretizado. Toda a palavra remete para um determinado significado linguístico que é essencialmente cultural e, portanto, em qualquer caso o resultado da interacção dos sujeitos com o ambiente onde a linguagem é usada. Daí a necessidade da interpretação. Quando as palavras se agrupam de modo a representar actos ou actuações essa tarefa torna-se necessariamente mais premente.
Todavia, daqui não resulta que a tarefa da interpretação seja sempre necessária, melhor dizendo, que tenha sempre a mesma acuidade e interesse para a determinação do sentido a atribuir ao texto. Não pode, com efeito, excluir-se que o texto só possa ter um único sentido, ou melhor, que a atribuição ao texto de um determinado sentido seja absolutamente inultrapassável.
A tarefa da interpretação exige não apenas que haja algo a interpretar, mas sobretudo que haja algo carecido de interpretação.
Quando o oponente/executado declarou na transacção que iria pagar à exequente/oponida uma pensão mensal pode questionar-se que estando representados por advogado, quisessem dizer que esse pagamento seria a título de pensão de alimentos? Ou a titulo de compensação indemnização?
Tal não deveria acontecer.
Mas aconteceu, pois apenas ficou consignado “ pensão” mensal.
Ora conforme refere o recorrente a existência de uma pensão não significa apenas que seja de alimentos, embora entre ex cônjuges quando se fala em pensão o normal será estar-se a referir à pensão de alimentos. Todavia no caso em apreço, existem circunstâncias que não nos permitem concluir com a certeza bastante que se tratou de uma pensão de alimentos :
Tais como:
. se fosse essa a intenção te-lo-iam dito;
. porquê a duração do pagamento em anos , quando a prestação de alimentos deve vigorar até ser necessária
. foi efectuada numa partilha em inventário no qual a exequente também recebera na partilha 90.000 mil euros., portanto não se verifica necessidade de alimentos.
Verifica-se pois a necessidade de interpretação do contrato.
Cumpre ainda referir que, em rigor o recorrente não defende que não ficou acordado qualquer pagamento, sustenta é que esse pagamento foi assumido a outro título (por outra causa jurídica) que não os alimentos.
E para comprovar tal pretensão, alega a factualidade constante dos arts 17º e sgs da p.i. Portanto, o que o recorrente pretende não é mudar o seu conteúdo com fundamento em falsidade ou coisa diferente do que nele se fez constar e na verdade do que pretende agora que lhe seja atribuído, nem pretende que se declare a sua nulidade ou anulabilidade daí que não tenha alegado qualquer vicio de vontade , nem incluir nele clausulas verbalmente acordadas mas sim interpretar o contrato de transacção, e levar a que o texto , mais propriamente a palavra “ pensão” seja interpretado (lido) nos termos pretensamente acordados.
Daí que , com a factualidade alegada nos supra citados arts podemos assim concluir que estamos não no domínio das clausulas acessórias mas sim no domínio da indagação da vontade real das partes ( nº 2 do artº 238 º do C. Civil) e, portanto, no quadro de uma averiguação fáctica da 1º instância.
Cumpre apenas ainda dizer – considerando a afirmação constante da decisão recorrida de que a causa de pedir e pedido formulado na acção laboral nada têm que ver com a da execução que temos seguido o entendimento de que a transacção é a formulação contratual de uma solução de compromisso para um determinado diferendo. Nelas as partes põem fim ao diferendo, conformando os seus interesses através de um consenso resultante de concessões e cedências mútuas. As cláusulas da transacção não têm pois de estar em conformidade com a correcta, verdadeira ou integral conformação jurídica dos factos reais que motivam o diferendo, já que toda a concessão ou cedência mútua pressupõe um afastamento dessa justa medida que o direito emprestaria a tais factos e às pretensões iniciais dos litigantes.
Aliás o objectivo da transacção é mesmo o de colocar fim ao diferendo por acordo das partes, obstando e impedindo que caiba ao tribunal apurar os factos do diferendo e fazer-lhes a aplicação da legalidade estrita, sendo certo que a sua homologação judicial, por sentença, depende apenas da auscultação da possibilidade legal e licitude do seu objecto e da legitimidade das pessoas que nela intervieram, não cabendo ao tribunal qualquer poder de verificação da razoabilidade ou adequação das cláusulas respectivas e/ou do seu fundamento jurídico.
Atentas as correspectivas concessões, as obrigações a que as partes se vinculam na transacção têm carácter sinalagmático, são geradoras de prestações recíprocas para ambas as partes do contrato de transacção. Mas esse carácter comutativo reside no conjunto das prestações que têm como origem a transacção, não a relação material controvertida onde a transacção é alcançada. Por outras palavras, a presença de sinalagma e o respeito do princípio do contrato afirma-se mesmo que a relação controvertida não gerasse efectivamente o direito que seria o correspectivo da prestação prevista na transacção.
Ao permitir que as concessões possam envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido, o n.º 2 do artigo 1248.º do Código Civil alarga o objecto da transacção a todos os interesses jurídicos que as partes possam chamar para a negociação e usar para obter a adesão da outra à solução de compromisso. Mais do que puderem ultrapassar o objecto do direito concretamente controvertido e que motivou o diferendo, as partes podem incluir na transacção a composição sobre direitos em relação aos quais não tinham sequer qualquer diferendo. Daí que se entenda ser lícito às partes em litígio judicial colocarem fim a todas as acções entre si pendentes mediante transacção global lavrada por termo num dos processos.
Sucede assim que uma vez celebrada de forma válida, a transacção opera como que uma substituição da obrigação primitiva por outra. A nova obrigação pode ser bastante diferente da obrigação original e, sobretudo, não tem de corresponder à obrigação que resultaria da fonte original do direito em litígio ou chamado à composição de interesses por via transaccional, uma vez que a sua fonte é a transacção propriamente dita, sendo o resultado do exercício da liberdade negocial. A transacção pode inclusivamente conter em si mesma os termos de outro contrato, como sucede na transacção em que as partes se vinculam às prestações características de um tipo negocial cuja conteúdo aí fixam (v.g. num determinado conflito sobre a existência de um arrendamento de um bem, as partes celebram transacção operando a venda do bem ao detentor que se arroga arrendatário do mesmo). Nessa situação a transacção faz mesmo nascer uma nova relação contratual que não existia anteriormente e cuja celebração nenhuma das partes podia exigir em virtude da relação controvertida que motivou a celebração da transacção.
As partes não podem lavrar transacções judiciais com o conteúdo que serve os seus interesses em determinado momento e prevalecer-se delas enquanto isso satisfizer os seus interesses, e depois, no momento em que os interesses se alteram, pretender sem mais que não queriam aquilo que fizeram incluir na redacção da cláusula mas coisa diversa. Ou a concreta situação configura um vício relevante para invalidar o contrato e estão reunidos os pressupostos desse vício e os requisitos da sua arguição judicial ou as partes permanecem vinculadas àquilo que fizeram constar da transacção homologada por sentença. Por essa razão, na presente acção não será nunca possível afastar os efeitos jurídicos do contrato de transacção por efeito de qualquer invalidade de que o mesmo padeça. Para os fins da acção, a transacção é, em definitivo, válida e eficaz e nessa medida, as prestações nela fixadas são judicialmente exigíveis- neste sentido Acordão Relação do Porto datado de 24 de abril de 2014 proferido no processo nº 878/13.8TJ PRT.P1
Do que fica dito resulta, assim, a procedência das conclusões do recurso, com a necessária revogação da decisão recorrida, que será substituída por outra que ordene a normal prossecução dos autos.

Em síntese:
.A sentença proferida num processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (art. 295º do CC), sendo igualmente válidas para a interpretação de uma sentença ou de um acórdão as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (arts. 236º e segs. do CC).
.Tratando-se de sentença homologatória de transacção, aquela interpretação deve ter particular incidência nos termos que corporizam a transacção.

DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a ulterior, normal e regular tramitação do processo.
Custas conforme vencimento a final.
Notifique
Guimarães, 09 de Abril de 2015
Maria Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade