Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3883/21.7T8VCT-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A lei faculta ao possuidor, em caso de esbulho violento, um meio simples e rápido de ser restituído provisoriamente à sua posse, evitando, por esta via, a tentação à ação direta.
II - Neste caso, a proteção conferida ao possuidor traduz-se numa tutela provisória, destinada unicamente a manter determinada situação de facto, enquanto não se provar quem é o verdadeiro titular do direito real correspondente.
III - Por isso, demonstrada a posse, o esbulho e a violência, o circunstancialismo que envolveu a transmissão do bem, a alegada simulação ou outras figuras congéneres com vista a atacar a sua validade, são matéria a apreciar na ação principal, extravasando o objeto próprio da providência, tendo em conta os seus específicos pressupostos.
IV - Por meio do constituto possessório, se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa. O anterior possuidor passa, então, a ser considerado como um simples detentor ou possuidor precário.
V - Em caso de dúvida, determina o artigo 1252º nº 2 do Código Civil que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo de se presumir que a posse continua em nome de quem a começou (artigo 1257.º, n.º 2).
VI - Através da posse tutela-se, no fundo, a exteriorização ou a aparência do direito, relevado pela retenção e fruição da coisa, independentemente da averiguação da sua titularidade e, consequentemente, sempre que ocorra o exercício fáctico de poderes sobre a coisa, o titular passa a beneficiar da proteção possessória.
VII- O princípio da proporcionalidade no decretamento de uma providência cautelar previsto no artigo 368.º, n.º 2 do CPC (quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar), não tem aplicação na restituição provisória de posse, conforme decorre do disposto no artigo 376.º, n.º 1 do CPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

S. A. e M. C. instauraram o presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse contra I. M., P. A., J. M., A. G., R. G. e T. M. pedindo que, na sua procedência, se ordene a restituição provisória aos requerentes da posse do prédio identificado no artigo 7º do requerimento inicial.
Admitido liminarmente o requerimento inicial, procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas e à prestação das requeridas declarações de parte.
Tendo sido proferida decisão a julgar a restituição procedente nos termos requeridos, e depois de notificados, vieram os requeridos deduzir oposição em articulados distintos, um deles apresentado, por um lado, por J. M., A. G., R. G. e T. M., e o outro, por I. M. e P. A., ao abrigo do disposto no artigo 372º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Procedeu-se à realização da audiência final com a prolação de sentença que, julgando improcedentes as oposições apresentadas, por não provadas, manteve a decisão que decretou a providência de restituição provisória da posse do prédio.
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Inconformados com a sentença, os Requeridos vieram interpor recurso em articulados separados.
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J. M., A. G., R. G. e T. M. interpuseram recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

I - Na oposição deduzida à presente providência cautelar, os Recorrentes pediram a condenação dos Autores/Requerentes/Recorridos por litigância de má fé, nos termos do artigo 542.° e 543.° ambos do Código de Processo Civil.
II - A douta sentença não se pronúncia sobre tal pedido expressamente formulado, estando, por conseguinte, a mesma ferida de nulidade ao abrigo da alínea d) do n.° 1, do art. 615.°, do Código de Processo Civil.
III - Nesse sentindo, o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 24-09-2020, processo n.° 19727/18.4 SLSB-A.L1-6, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
IV - Os Apelantes entendem que existem nos autos elementos suficientes para o Tribunal se pronunciar sobre esta questão e condenar os aqui Recorridos por litigância de má fé, porquanto ficou mais de que demonstrado que estes deliberadamente omitiram factos relevantes para a boa decisão da causa e manipularam outros, com o único propósito de tirar proveito da providência cautelar para obter decisão que bem sabiam não lhes ser legítimo.
V - os Recorridos omitiram um facto muito relevante para a boa decisão da causa: o prejuízo que a D. M., filha do Recorrentes J. M. e A. G. de 12anos a estudar em Portugal, mais precisamente na Escola Básica e Secundária …, em … e, pelas circunstâncias actuais, desde 24 de Janeiro de 2022, na Escola Básica …., …, ….
VI - Quanto a esta omissão de pronúncia, vai esta decisão sindicada, por violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, mostrando-se nula.
VII - Considerou, o Meritíssimo Juiz a quo, provado que, os Recorridos não concordaram, e não concordam, com os termos da venda do imóvel em causa.
VIII - Nomeadamente, por não ter sido o Recorrido a constar como vendedor ou, pelo menos, ter participado nas negociações que antecederam a celebração do contrato-promessa de compra e venda e a escritura de aquisição.
IX - Até ser o próprio a determinar o preço da aquisição…
X – Esta é a questão essencial que subjaz à propositura da providência cautelar de restituição provisória de posse que aqui se discute.
XI - Esta é a tónica da intervenção do Apelado nos seus depoimentos de 13 de Janeiro e de 07 de Março, todos de 2022, como se afere deste excerto (depoimento ouvido na sessão de 7 de Março de 2022 da audiência final, entre o minuto 02:05 e 06:29, gravado e identificado como 20220307153120_1617088_2871824).
XII - Os Apelados intentaram o procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra os apelantes, não porque não quisessem sair daquele imóvel mas, antes, por não terem sido estes a receber o valor da venda: os € 205.000,00 (duzentos e cinco mil euros) recebidos pela filha, e no processo Primeira Requerida.
XIII - As declarações de parte dos Recorridos não podem ser merecedoras de qualquer credibilidade por parte do Tribunal a quo, porquanto os mesmos — e principalmente o Recorrido — foram alterando a sua versão dos factos relativamente a questões essenciais para a justa decisão da causa, designadamente no que concerne o seu conhecimento e consentimento à venda ao imóvel objecto da presente disputa, conforme depoimento do Requerente S. A. ouvido na sessão de 7 de Março de 2022 da audiência final — entre o minuto 02:05 e 06:29 (cujo depoimento foi gravado e identificado como 20220307153120_1617088_2871824); o depoimento da Recorrida M. C., ouvido na sessão de 7 de Março de 2022 da audiência final — do minuto 00:26 ao minuto 24:30 (gravado e identificado como 20220307150208_1617088_2871824).
XIV - Destes depoimentos e da prova documental junta aos autos não pode restar qualquer dúvida que, contrariamente ao alegado pelos Recorridos tanto no seu requerimento inicial que veio instruir o presente procedimento cautelar de restituição de posse, como das declarações prestadas na primeira sessão da audiência, os mesmos não só sabiam — como desejavam — a venda do imóvel. XV - O que não concordaram foi com o preço obtido pela venda.
XVI - Os Recorridos já sabiam que o n.º 10 da Rua ... já não lhes pertencia, pelo menos, desde 2009, quando doaram e renunciaram ao respectivo usufruto a favor da filha I. M. e, durante este tempo todo (mais de dez anos!) nada fizeram para que este negócio fosse declarado nulo. XVII – Os Recorrentes não tiveram quaisquer actos de violência para com os Recorridos.
XVIII - Sobre o esbulho pronunciou-se o Douto Acórdão da Veneranda Relação do Porto (Processo 2142/19.0T8VFR.P1, de 18.06.2020, disponível em dgsi.pt para consulta.
XIX - O Respeitável Juízo Central Cível – J3 do Tribunal de Viana do Castelo depois de atentar ao que foi alegado, de ouvir os Recorrentes em audiência de julgamento e considerar a prova documental junta aos autos, só poderia concluir pela infirmação dos fundamentos com base nos quais aquela providência foi decretada ou, pelo menos, terá em consideração que o alegado e provado em audiência de julgamento da oposição ao procedimento cautelar, permitem a redução do Procedimento Cautelar nos termos previstos no artigo 372º, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil.
Pugnam os Recorrentes pela revogação da decisão recorrida que decretou a providência.
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Os Requeridos I. M., P. A., no seu recurso formulam as seguintes conclusões:

a) Entendem os recorrentes, com todo o respeito, que a prova produzida em sede de discussão e julgamento, determinariam que fossem tomadas decisões diferentes, pelo tribunal a quo, relativamente à generalidade dos factos dados como provados, aos factos dados como não provados e ainda relativamente a factos relativamente aos quais se verificou omissão de pronúncia.
b) Entendem também os recorrentes que o tribunal a quo, não aplicou corretamente o direito ao caso concreto, nomeadamente, os artigos 377º do Código de Processo Civil, em conjugação com os artigos 1251º, 1253, 1263º, alínea c) e 1264º do Código Civil e ainda o artigo 334º do Código Civil.
c) O ponto d) dos factos dados como provados deveria ter a seguinte formulação: Desde 1986 que os requerentes habitam a moradia supra-referida como sua residência permanente, nela pernoitando, fazendo as suas refeições, recebendo amigos, à vista de toda a gente, designadamente da população de Valença, que a reconhece como residência dos requerentes, sem qualquer interrupção ou hiato temporal, ou seja, de forma contínua, porque nunca mudaram a sua residência, e sem consciência de se encontrarem a lesar qualquer direito de terceiro.
d) Os meios de prova que determinam esta formulação são os seguintes:

1. 202200307162626_1617088_2871824: Depoimento da testemunha M. A., comercial da X - 3m00s a 3m11s; 3m32s a 3m42s; 3m52s a 4m12s.
2. 202200307163910_1617088_2871824: Depoimento da testemunha M. E., comercial da X - 2m57s a 3m31s; 6m26s a 7m33s:.
3. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha P. G., filho dos requeridos - 2m11s a 3m26s.
4. 202200307172231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha J. C., filho dos recorridos - 1m20s a 3m11s.
5. 20220113144913_1617088_2871824: Depoimento da testemunha J. P., genro dos recorridos - 1m20s a 3m01s.
6. 20220113150029_1617088_2871824: Depoimento da testemunha M. V., amiga e vizinha dos recorridos - 0m50s a 2m18s.
7. 20220113150859_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, E. M., amiga dos recorridos - 2m26s a 3m36s.
8. 20220113152836_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. P., amigo dos recorridos - 1m16s a 2m59s.
e) O ponto e) dos factos dados como provados deveria ter a seguinte formulação: Tendo assim se comportado na convicção de serem meros detentores do imóvel, na medida em que haviam transmitido a propriedade do imóvel para a sua filha I. M..
f) Os meios de prova que determinam esta formulação são os seguintes:
1. Escritura de doação, por conta da legítima, de 10 de novembro de 2009, conforme documento, junto pelos recorridos, ao requerimento inicial, sob o nº 5.
2. Acordo de Reconhecimento de Dívida e de Dação em Cumprimento, de 15 de julho de 2020, junto, pelos recorrentes, à oposição, sob o nº 1.
3. 202200307162626_1617088_2871824: Depoimento da Srª M. A., comercial da X - 3m00s a 3m11s; 3m32s: a 3m42s; 3m52s a 4m12s.
4. 202200307163910_1617088_2871824: Depoimento da testemunha M. E., comercial da X - 6m26s a 7m33s:
5. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 2m40s a 3m03s; 15m50s a 16m28s.
6. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. -2m40s a 2m46s.
7. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 10m10s a 10m21s.
8. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. -15m08s a 15m20s.
9. 2022003071572231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 12m45s a: 13m33s.
10. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. -6m10s a 6m38s.
g) A Análise crítica da prova, juntamente com as regras da experiência, diz-nos que:
a. Quem celebra contratos de mediação imobiliária, faz os contactos e acorda os preços de venda das propriedades são os seus proprietários;
b. Quem decide, efetua e paga as obras nas propriedades são os seus proprietários;
c. Quem paga o IMI das propriedades são os seus proprietários.
d. Quem paga os consumos de água, luz e telecomunicações, recebe amigos, toma as suas refeições, recebe correio, etc., podem ser proprietários, arrendatários, usufrutuários, comodatários ou outros detentores precários.
h) Os depoimentos dos presuntivos herdeiros, todos com interesse direto em que a doação fosse considerada como uma simulação, deveriam ter sido de uma particular ponderação e valoração:
a. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 1m46s a 3m48s.
b. 202200307172231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 1m18s a 3m15s e 4m28s a 5m36s.
c. 20220113151718_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, D. A., filha dos recorridos - 1m50s a 4m32s.
i) O ponto f) dos factos dados como provados deveria ter sido dado como não provado.
j) Esta conclusão resulta do facto de ter sido considerado como meio de prova, apenas as declarações de parte do recorrido S. A., o qual demonstrou ao longo das suas declarações e depoimentos de parte ser uma pessoa que com facilidade foi moldando as suas narrativas em função daquilo que mais lhe interessava em cada momento, não merecendo qualquer credibilidade.
k) Os meios de prova que determinam esta conclusão, são:
a. 20220113141408_1617088_2871824: - Declaração de parte do recorrido S. A. - 16m57s a 17m18s; 18m49s a 19m01s.
b. Certidão Permanente do Registo Predial, junta pelos recorridos com o requerimento inicial, sob o nº 6.
l) O ponto h) dos factos dados como provados deveria ter sido dado como não provado.
m) Esta conclusão resulta do facto de, tal como demonstrado no ponto anterior, não houve qualquer crédito pedido pela recorrente I. M. no final de 2009, nem em 2010, nem nos primeiros onze meses de 2011, bem como pelo facto de não ser verdade e não ter ficado demonstrado que a existência de um usufruto implicasse uma recusa, por parte de qualquer banco, na concessão de algum crédito que lhe fosse solicitado.
n) O ponto i) dos factos provados, deveria ter a seguinte formulação: Os requerentes pretenderam doar e renunciar ao usufruto e a primeira requerida pretendeu receber a doação.
o) Os meios de prova que determinam esta formulação são os seguintes:
a. Escritura de doação, por conta da legítima, de 10 de novembro de 2009, conforme documento, junto pelos recorridos, ao requerimento inicial, sob o nº 5.
b. Pagamento pela recorrente I. M. do IMI do imóvel, conforme
documentos 3 a 10, juntos pelos recorrentes à oposição.
c. 202200307162626_1617088_2871824: Depoimento da Srª M. A. – comercial da X - 3m00s a 3m11s; 3m32s a 3m42s; 3m52s a 4m12s.
d. 202200307163910_1617088_2871824: Depoimento da testemunha M. E., comercial da X - 6m26s a 7m33s:
e. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 2m40s a 3m03s; 15m50s a 16m28s.
f. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 2m40s a 2m46s; 3m44s a 4m04s.
g. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 10m10s a 10m21s.
h. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 15m08s a 15m20s.
i. 2022003071572231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 12m45s a: 16m33s.
j. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 6m10s a 6m38s.
p) Para além disso, deste ponto i), deveria te resultado um facto não provado com a seguinte formulação: Nem os requerentes pretenderam doar e renunciar ao usufruto, nem a primeira requerida pretendeu receber a doação, e só assim o fizeram, combinados, com o objectivo de colocar o imóvel em nome dos primeiros requeridos, para que estes pudessem obter um empréstimo junto da banca, tendo ainda combinado que assim que o crédito estivesse pago iriam revogar a referida doação, regressando o imóvel ao património dos requerentes.
q) O ponto j) dos factos provados deveria ter a seguinte formulação: Não tendo os requerentes deixado de habitar o imóvel e nele continuaram a residir.
r) Esta conclusão resulta da exposição efetuada relativamente factos acima elencados, na medida em que os recorridos não deixaram de habitar o imóvel e nele continuaram a residir, não sendo eles, contudo, quem efetuava e pagava as obras de manutenção, não sendo reconhecidos como proprietários pela população de Valença e não tendo a convicção de que eram os proprietários do imóvel, conforme meios de prova indicados na resposta aos pontos d) e e).
s) O ponto k) dos factos provados deveria ter a seguinte formulação: Os requerentes não possuem qualquer bem imóvel, tendo sido alugado, no centro de Valença, pela requerida I. M., um apartamento, no qual aqueles poderiam residir após a venda do imóvel onde se encontravam a residir.
t) Isto resulta dos seguintes meios de prova:
a. Documento junto aos sutos pelos recorrentes, com a oposição, sob o nº 2.
b. 20220113141408_1617088_2871824: Declaração de parte do recorrido S. A. - 20m35s a 21m01s.
c. 20220113144032_1617088_2871824: Declaração de parte da recorrida M. C. - 5m02s a 5m24s.
d. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 13m15s a 13m47s.
e. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento de parte da recorrida M. C. - 9m45s a 9m59s.
f. 2022003071572231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 10m30s a 10m58s.
u) O ponto q) dos factos provados, deveria ter sido dado como não provado.
v) Mais uma vez, este ponto foi dado como provado, apenas com base nas declarações e depoimentos de parte dos recorridos, sem que fossem corroboradas por outros meios de prova e sem levar em consideração as alterações à narrativa feitas pelos recorridos.
w) Se percorrermos todos os articulados apresentados pelos recorridos, em nenhum deles encontramos qualquer alegação relativa à intenção de vender a casa e de construir uma casa mais pequena ou de comprar um apartamento, encontrando, pelo contrário alegações no sentido de pretenderem viver na Rua ... até ao final das respetivas vidas:
a. 20220113141408_1617088_2871824: Declaração de parte do recorrido S. A. - 20m35s a 21m01s.
b. 20220113144032_1617088_2871824 - 3:45s a 3m50 s. c. Requerimento inicial – Ponto 51.
x) A alteração à narrativa, passando a referir a intenção de construir uma casa mais pequena, só surgiu após a apresentação pelos recorrentes da sua oposição, da qual resultava que os recorridos sempre souberam que a casa estava à venda e que sempre tinham participado, nomeadamente, mostrando a casa aos potenciais compradores.
y) O ponto r) dos factos provados deveria ter a seguinte formulação: A requerida I. M., para poder rentabilizar a casa, decidiu fazer obras na cave, transformando-a num T2 para poder alugá-la, no verão, no âmbito do Alojamento Local.
z) Esta formulação resulta dos seguintes meios de prova:
a. 2022003071572231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 12m45s a: 13m33s.
b. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 15m08s a 15m20s.
c. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 23m24s a: 24m15s.
aa) O ponto s), face ao acima exposto, deveria ter a seguinte formulação: O requerente S. A. participou nas obras de pedreiro (grosso) na referida cave, as quais foram decididas e pagas pela requerida I. M..
bb) O ponto t) dos factos provados, deveria ter a seguinte formulação: Os requerentes tomaram conhecimento da venda do imóvel, tendo aceitado que isso implicaria a sua saída da casa. A requerente M. C. para o apartamento e o requerente S. A. para um local não determinado.
cc) Isto resulta dos seguintes meios de prova:
a. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 6m10s a 6m38s.
b. 2022003071572231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 10m30s a 10m58s; 8m48s a: 9m35s; 18m01s a 19m11s.
c. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 20m08s a 20m55s.
d. Mensagens de áudio, enviadas pela recorrida M. C. aos seus filhos, P. G. e I. M., juntos aos autos pelos recorrentes, com a oposição, sob os números 11, 12 e 13.
e. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 25m40s a 26m57s.
f. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 20m57s a 23m22s.
dd) Com base nos meios de prova referidos no ponto anterior, deveria também ter-se dado como provado o seguinte: A filha e o genro dos requerentes – D. A. e J. P. – não concordando com a doação da casa e pretendendo impedir a sua venda, levaram a requerente M. C. de volta para a casa, de modo a dificultar a concretização da sua venda.
ee) Resulta da generalidade dos factos dados como provados pelo tribunal a quo, que tal resultou exclusivamente das declarações e depoimentos do recorrido S. A., o qual foi alterando a sua “estória” sem que isso fosse devidamente valorado pelo tribunal, como se percebe das alterações referidas nos seguintes meios de prova:
a. 20220113141408_1617088_2871824: Declaração de parte do recorrido - 19m34s a 19m59s; 24m18s a 25m05s.
b. 202200307153120_1617088_2871824 - Depoimento de parte do recorrido S. A. - 2m34s a 2m46s; 3m35s a 3m46s.
c. 202200307172231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha J. C., filho dos recorridos - 18m01s a 19m11s.
d. 20220113141408_1617088_2871824: Declarações de parte do recorrido S. A. - 20m35s a 21m01s.
e. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 13m15s a 13m47s.
ff) Para além das suas alterações à narrativa que foi construindo, o recorrido S. A. deu-se ao luxo de fazer afirmações que não só as ocorrências do negócio da venda da casa demonstraram que eram falsas, tal como aconteceu quando pretendeu convencer o tribunal de que a recorrente I. M. pretendia vender a casa ao desbarato, alegando que esta a colocara à venda por 140.000,00€:
a. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 15m50s a 16m28s:
gg) Esta falsidade resultou demonstrada, desde logo pelo facto de a casa ter sido vendida por 205.000,00€, pois seria de todo inverosímil que qualquer comprador que visse a casa à venda por 140.000,00€, decidisse comprá-la pelos referidos 205.000,00€ e também pelo testemunho da comercial da imobiliária:
a. 202200307163910_1617088_2871824: Depoimento da testemunha M. E., comercial da X - 4m09s a 4m26s
hh) Quanto à matéria de facto dada como não provada, ou seja, praticamente todos os alegados pelos recorrentes, estes entendem que o tribunal a quo, decidiu de forma incorreta o alegado nos seguintes artigos da oposição:
ii) No que se refere ao artigo 13º, deveria ter sido dado como provado que: A casa foi doada à requerida I. M. porque os requerentes eram devedores de um montante não concretamente apurado.
jj) Isto resulta provado pelos seguintes meios de prova:
a. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 1m46s a 3m48s.
b. 202200307172231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 1m18s a 3m15s e 4m28s a 5m36s.
kk) As alegações constantes dos artigos 20º a 25º, encontram-se dadas como provada no âmbito da alínea p) dos factos provados.
ll) As alegações constantes dos artigos 29º a 31º, deveriam ter dado origem ao seguinte facto provado: No que se refere, às duas visitas efetuadas pelos intervenientes chamados – R. G. e T. M. - em representação dos segundos requeridos, a requerente M. C. esteve presente em ambas, uma no dia 3 de novembro de 2021 e outra no dia 11 de novembro de 2021.
mm) Isto resulta evidenciado pelos seguintes meios de prova:
a. 202200307162626_1617088_2871824: Depoimento da testemunha M. A. – comercial da X - 7m30s a 8m15s.
b. 202200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 1m48s a: 2m00s.
nn) As alegações constantes dos pontos 32º e 33º deveriam, face à prova produzida, ter dado origem ao seguinte facto provado: Para que os requerentes tivessem um local para residir com dignidade e em melhores condições do que o que acontecia na Rua ..., os primeiros requeridos arrendaram um apartamento no centro de Valença.
oo) Isto resulta demonstrado pelos seguintes meios de prova:
a. Contrato de arrendamento, junto aos autos, pelos recorrentes, com a oposição, sob o nº 2.
b. 20220113144032_1617088_2871824: Declaração de parte da recorrida M. C. - 5m02s a 5m24s.
c. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 13m15s a 13m47s.
d. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 20m08s a 20m55s.
pp) As alegações constantes dos artigos 40º a 49º, em função da prova produzida, deveriam ter determinado que fosse considerado como provado o seguinte facto: Os requerentes receberam com satisfação a notícia da venda da casa, a requerente M. C. para viver no apartamento em Valença e o requerente S. A. para fazer a sua vida.
qq) Isto resulta provado pelos seguintes meios de prova:
a. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 20m08s a 20m55s.
b. 202200307172231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 8m48s a 9m12s.
rr) As alegações constantes dos 53º a 57º, da Oposição, face à prova produzida, deveriam ter dado origem ao seguinte facto provado: A requerente M. C. na data em que o contrato promessa de compra e venda foi celebrado, encontrava-se a residir na casa da sua filha D. A..
ss) Os meios de prova, dos quais decorre este facto, são os seguintes:
a. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 11m28s a 11m37s.
b. 202200307172231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, C. A., filho dos recorridos - 20m00s a 20m15s.
c. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 10m14s a 10m33s; 20m57s a 21m05s.
tt) Os factos alegados nos artigos 58º a 60º, deveriam determinar que se desse provado o facto que se referiu acima e que se identificou como u), no âmbito da análise ao facto provado t), pelo que por razões de economia processual se remete para tudo o que lá se escreveu.
uu) Os factos alegados sob os artigos 62º a 66º, face à prova produzida, deveriam originar o seguinte facto provado: A requerente M. C., por mensagens de WhatsApp disse aos seus filhos P. G. e I. M. que estava a ser forçada a opor-se à venda da casa e solicitando que fizessem a venda rapidamente, de forma a resolverem a situação.
vv) Isto encontra-se demonstrado, pelos seguintes meios de prova:
a. Mensagem de áudio, juta aos autos com a oposição, sob o nº 12: “… que está a enervar o pai, que está a fazer tudo para ficar com a, para estorvar o negócio. Eles que têm dinheiro (filha D. A. e marido), não querem fazer, então que o comprem eles, não é? … A P. V. (Drª P. V.) é que é a advogada e então fazem tudo o que ela disser. Não sei se vão embargar o negócio. Tu, fala com o teu pai. Eu disse ao P. G. (filho P. G.) para te contar tudo. … é para vender mesmo, pronto. Só falta levar as mobílias lá de cima”
b. Mensagem de áudio, junta aos autos, com a oposição, sob o nº 13: “Andam furiosos. Eles não querem que se concretize a venda, sabes? Vivem com o prazer de fazer mal aos outros.”
ww) Os factos alegados sob os artigos 69º a 72º, da Oposição, deveriam ter dado origem ao seguinte facto provado: A requerente M. C. dirigiu-se aos chamados T. M. e R. G., dizendo-lhes para apressarem a realização do negócio de venda da casa, pois a sua filha iria tentar impedi-lo.
xx) Este facto encontra-se provado, pelos seguintes meios de prova:
a. 02200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 8m55s a 10m00s.
b. 202200307161011_1617088_2871824: Depoimento do chamado T. M. - 5m59s a 6m31s.
yy) Estes depoimentos, são coincidentes com o conteúdo das mensagens de WhatsApp, referidas na alínea tt), nomeadamente quando a recorrida M. C. diz ao seu filho P. G.: “Andam furiosos. Eles não querem que se concretize a venda, sabes? Vivem com o prazer de fazer mal aos outros.”
zz) Os factos alegados sob os artigos 77º a 80º, da Oposição, deveriam ter dado origem ao seguinte facto provado: Os requerentes sabiam que o imóvel se encontrava em processo de venda e que dele iriam sair, tendo ambos um apartamento arrendado para o efeito, no centro de Valença.
aaa) Este facto, encontra-se evidenciado, pelos seguintes meios de prova:
a. Contrato de arrendamento, junto aos autos, pelos recorrentes, com a oposição, sob o nº 2.
b. 202200307165435_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, P. G., filho dos recorridos - 20m08s a 20m55s.
c. 202200307172231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 8m48s a 9m12s.
d. 202200307153120_1617088_2871824: Depoimento de parte do recorrido S. A. - 13m15s a 13m47s.
e. 20220113144032_1617088_2871824: Declaração de parte da recorrida M. C. - 5m02s a 5m24s.
bbb) Independentemente de o recorrido S. A. ter decidido que não iria viver para o apartamento, a verdade é que este havia sido alugado para ambos, sendo isso do conhecimento de todos.
ccc) Os factos alegados sob os artigos 100º a 104º, da Oposição, deveriam ter dado origem ao seguinte facto provado: Após a doação do imóvel, os primeiros requeridos fizeram, a expensas suas, um conjunto de obras de remodelação que passaram, entre outras por fazer um T2 na cave, com entrada independente, que não ficou completo, faltando, por exemplo, equipar a cozinha, e também por murar toda a propriedade, ligar o saneamento básico à rede municipal, e melhorar a rede elétrica.
ddd) Este facto, encontra-se demonstrado, pelos seguintes meios de prova:
a. 2022003071572231_1617088_2871824: Depoimento da testemunha, J. C., filho dos recorridos - 12m45s a: 13m44s.
b. 202200307150208_1617088_2871824: Depoimento da recorrida M. C. - 15m08s a 15m20s.
eee) Os factos alegados sob os artigos 105º a 106º, da Oposição, deveriam ter dado origem ao seguinte facto provado: Logo após a celebração do contrato promessa de compra e venda, em 18 de novembro de 2021, os segundos requeridos, através dos intervenientes chamados, iniciaram a expensas suas as obras necessárias na cave par que esta ficasse completamente habitável, nomeadamente, comprando duas bancadas com pia, cuba, torneira, sifão, exaustor; forno, frigorífico, placa de indução, termoacumulador, máquina de lavar louça, reparação dos estores e outras pequenas reparações.
fff) Este facto, encontra-se demonstrado, pelos seguintes meios de prova:
a. 202200307161011_1617088_2871824: Depoimento do chamado T. M. - 2m31s a 3m04s
b. 202200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 4m49s a 5m28s.
ggg) Os factos alegados sob os artigos 107º a 112º deveriam ter dado origem ao facto provado: As obras iniciaram-se e durante os primeiros dias, apesar de os requerentes se encontrarem na propriedade, ocupando o rés-do-chão e o primeiro andar, tendo total conhecimento das obras que se estavam a realizar, não colocaram quaisquer questões, verificando-se uma convivência pacífica, entre os requerentes e os intervenientes chamados.
hhh) Este facto, encontra-se provado, pelos seguintes meios de prova:
a. Mensagem de áudio enviada pela recorrida M. C. ao seu filho P. G., por WhatsApp e junta aos autos sob o nº 13 – “P. G., liga à tua irmã e diz-lhe o que está a acontecer e que não me descubram porque eles pediram-me para não dizer nada, mas a minha esperança é que eles e o T. M.…”
b. 202200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 10m00s a 10m58s.
c. 202200307161011_1617088_2871824: Depoimento do chamado T. M. - 6m00s a 6m31s.
d. 20220113150859_1617088_2871824: Depoimento da testemunha E. M. - 05m20s a 6m20s.
e. 20220113151718_1617088_2871824: Depoimento da testemunha D. A., filha dos recorridos - 07m12s a 7m37s.
iii) Caso a palavra do recorrido S. A. tivesse algum valor, seria ele a única pessoa que não sabia que estavam a decorrer as obras na parte de baixo da casa e que eram os futuros compradores quem as estava a realizar.
jjj) Para além destes factos relativamente aos quais, o tribunal a quo, tomou posição, existem outros, com relevância para a boa decisão do litígio, relativamente aos quais, o meritíssimo juiz, não se pronunciou, não dando, assim cumprimento ao preceituado no nº 4, do artigo 607º do CPC.
kkk) O artigo 91º da Oposição dos aqui recorrentes deveria ter dado origem ao seguinte facto provado: Na sequência das visitas ao imóvel efetuadas pela chamada R. G., foi celebrado o contrato promessa de compra e venda, em 18 de novembro de 2021.
lll) Este facto, encontra-se demonstrado, pelos seguintes meios de prova:
a. 202200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 9:58s a 10m16s.
mmm) Os artigos 95º a 98º da Oposição, deveriam ter determinado o seguinte facto provado: Paralelamente, no ato da assinatura do contrato promessa de compra e venda, os primeiros requeridos autorizaram os segundos requeridos a entrar na propriedade e a utilizarem a cave do imóvel, na qual poderiam iniciar as obras necessárias para a sua habitabilidade.
nnn) Este facto, encontra-se provado, pelos seguintes meios de prova:
a. 202200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 11:26s a 11m48s.
ooo) O artigo 127º da Oposição, deveria ter determinado o seguinte facto provado: No dia 23 de dezembro, após a escritura de compra e venda, os primeiros requeridos substituíram as fechaduras e entregaram as chaves aos segundos requeridos.
ppp) Este facto encontra-se provado pelo depoimento da chamada R. G.:
a. 202200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 17:54s a 18m14s.
qqq) Os artigos 152º a 156º da Oposição, deveriam ter determinado o seguinte facto provado: Juntamente com os segundos requeridos, no imóvel em causa, passaram a residir os intervenientes chamados, com a sua filha de oito meses o que aconteceu ao longo do mês de janeiro de 2022 até à data em que foram confrontados com a ordem judicial para entregarem o imóvel aos requerentes, ou seja, até ao dia 20 de janeiro de 2022.
rrr) Este facto, encontra-se evidenciado, pelos seguintes meios de prova:
a. 202200307154840_1617088_2871824: Depoimento da chamada R. G. - 3m50s a 4m07s.
sss) Ora, face a tudo o exposto, com todo o respeito, mandaria a prudência que se olhasse com cuidado para as alegações constantes das declarações e dos depoimentos de parte dos recorridos, no caso do S. A. porque mentiu despudoradamente e com toda a naturalidade em tribunal e no caso da M. C. porque não o fez de forma livre.
ttt) Por outro lado, teria sido importante que o tribunal a quo tivesse tido a sensibilidade de entender que os filhos dos recorridos, J. C. e P. G. se encontravam a depor em sentido contrário à posição que os seus pais pretendiam afirmar no tribunal, o que, certamente, se traduziu numa posição muito difícil, angustiante, stressante e constrangedora, pelo que seria natural que não depusessem com a maior das naturalidades, como aconteceria se a outra parte não fosse alguém que lhes dissesse tanto em termos emocionais.
uuu) Ora, aquilo que nos parece que o tribunal a quo considerou, mal, foi que esse menor á vontade, se deveria ao facto de poderem não estar a dizer a verdade.
vvv) Contudo, quem mentiu descaradamente foram as pessoas que falaram com maior naturalidade, à cabeça o recorrido S. A., como acima demonstrado.
www) Face à prova produzida, entre outras coisas, ficou provado que:
a. Os recorrentes são os legítimos proprietários do imóvel, da Rua ..., na sequência da doação efetuada a favor da recorrente I. M., em novembro de 2009.
b. Após a doação, os recorridos continuaram a residir na casa, autorizados pelos recorrentes.
c. A casa encontrava-se à venda, primeiro, por iniciativa do recorrido S. A. e, posteriormente, por iniciativa da recorrente I. M., pelo que os recorridos sabiam que logo que existisse uma proposta que fosse aceite e a casa vendida, teriam de sair da casa.
d. Os recorridos conheciam as diligências de venda da casa, na medida em que a recorrida M. C., acompanhava as visitas, tendo, nomeadamente, estado presente nas visitas efetuadas pela representante dos compradores, a chamada R. G..
e. Para residência dos recorridos, após a venda da casa, os recorrentes arrendaram um apartamento no centro de Valença, no qual a recorrida M. C. ficou a residir entre o dia 1 de janeiro e 20 de janeiro de 2022.
f. Assim, estavam criadas todas as condições e com conhecimento de todos os intervenientes, para que a casa fosse vendida, tal como aconteceu.
xxx) Tendo a casa sido doada aos recorrentes e tendo os recorridos lá continuado a residir, devidamente autorizados, verifica-se que os recorridos, tornaram-se meros detentores ou possuidores precários, por força do constituto possessório, nos termos dos artigos 1263º, alínea c) e 1264º do Código Civil, tendo a posse do imóvel sido transferida para os recorrentes - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 0725035, de 12/04/2007.
yyy) Nos termos do artigo 1251º do CC, para que haja posse, é necessário que, para além dos poderes de facto sobre a coisa, corresponda uma particular intenção de exercer o direito correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real de gozo - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 980/20.0T8PVZ.P1, de 03/08/2021.
zzz) Em alguns casos específicos, a nossa lei atribui os meios de tutela da posse a detentores precários que, por princípio, dela não poderiam beneficiar por não serem possuidores, tal como acontece com os locatários (artigo 1037º CC), com os comodatários (artigo 1133º CC) ou com os depositários (artigo 1188º CC).
aaaa) Contudo, não existe nenhuma provisão legal que atribua os meios de tutela da posse aos meros detentores, por força do constituto possessório, como acontece com os recorridos. Pelo que, face á prova produzida, o tribunal a quo, deveria ter indeferido a providência cautelar de restituição provisória da posse, requerida pelos recorridos, na medida em que sendo estes meros detentores, não poderiam ter recorrido à Providência Cautelar de Restituição Provisória da Posse.
bbbb) Ainda que assim se não considerasse, o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite, sempre estaríamos perante uma situação de abuso de direito, na medida em que, no caso concreto, o titular do direito, ao exercê-lo nas circunstâncias e no contexto em que tudo de correu, estaria a exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, nos termos do Artigo 334º do Código Civil - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo nº 3722/16.0T8BG.G1.S1, de 10/03/2019.
cccc) Assim, com todo o respeito, também por esta razão, a boa decisão da causa, determinaria o indeferimento da providência cautelar de restituição provisória da posse, requerida pelos recorridos.
*
Os Requerentes contra-alegaram pugnando pela rejeição do recurso por inobservância dos requisitos formais, quer quanto à impugnação da matéria de facto previstos no artigo 640.º do CPC, quer quanto ao ónus de conclusão nos termos do artigo 639º, do CPC.
*
Em face da invocação da nulidade da decisão recorrida pelos recorrentes, estribada no disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por falta de pronuncia quanto ao pedido de litigância de má fé, foi proferido o despacho a que alude o artigo 617º, nº 1, do mesmo diploma.
Ao abrigo do nº 2, do artigo 617º, do Código de Processo Civil, o Mmº Juiz supriu a nulidade, decidindo que “Tendo presente o disposto no artigo 542º, do Código de Processo Civil, não se vislumbra que os requerentes tenham litigado de má fé”.
Esta decisão foi notificada às partes, que nada requereram.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

São duas as questões a apreciar:
- Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto;
- Dos requisitos da providência de restituição provisória da posse.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados
Na primeira instância foram considerados indiciariamente demonstrados os seguintes factos:
a) Entre 1985 e 1986, os requerentes adquiriram um terreno no lugar de …, na freguesia de ..., concelho de Valença, onde construíram a sua casa de habitação;
b) O imóvel construído corresponde ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …/..., inscrito na matriz urbana sob o artigo …;
c) Foi nessa casa que os requerentes criaram e educaram os seus quatro filhos -I. M., D. A., J. C. e P. G. – até que estes, depois da respectiva maioridade, saíram de casa;
d) Desde 1986 que os requerentes habitam a moradia supra-referida como sua residência permanente, nela pernoitando, fazendo as suas refeições, recebendo amigos, dela cuidando através dos mais variados actos de manutenção, à vista de toda a agente, designadamente da população de Valença, que a reconhece como propriedade e residência dos requerentes, sem qualquer interrupção ou hiato temporal, ou seja, de forma contínua, porque nunca mudaram a sua residência, e sem consciência de se encontrarem a lesar qualquer direito de terceiro;
e) Tendo assim se comportado na convicção de serem os proprietários únicos de tal imóvel;
f) Porque a filha dos requerentes – a primeira requerida - tinha dívidas que não conseguia solver e porque para as pagar necessitava de pedir dinheiro emprestado à banca, pediu ao requerente marido que os requerentes transmitissem a titularidade do imóvel supra-referido para seu nome de molde a poder apresentar garantias à banca;
g) No dia 10 de Novembro de 2009, por escritura pública, os requerentes declararam doar e a primeira requerida aceitou o prédio imóvel supra-referido, conforme se retira da cópia da escritura pública junta aos autos como documento nº 5 do requerimento inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) E porque as entidades bancárias exigiram que o bem oferecido em garantia se encontrasse livre de qualquer ónus ou encargo, em 24 de Novembro de 2009, por escritura pública, os requerentes renunciaram ao direito de usufruto sobre o imóvel em causa de que eram titulares, conforme se retira da cópia da escritura pública junta aos autos como documento nº 8 do requerimento inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
i) No entanto, nem os requerentes pretenderam doar e renunciar ao usufruto, nem a primeira requerida pretendeu receber a doação, e só assim o fizeram, combinados, com o objectivo de colocar o imóvel em nome dos primeiros requeridos, para que estes pudessem obter um empréstimo junto da banca, tendo ainda combinado que assim que o crédito estivesse pago iriam revogar a referida doação, regressando o imóvel ao património dos requerentes;
j) Não tendo os requerentes deixado de habitar o imóvel e nele continuaram a residir nos termos descritos em d) e e);
k) O prédio supra-descrito é o único bem imóvel dos requerentes e a sua única residência;
l) No dia 23 de Dezembro de 2021, os primeiros requeridos declararam vender, e os segundos requeridos, representados pela interveniente R. G., declararam comprar o prédio supra-descrito, conforme cópia da escritura pública junta aos presentes autos como documento nº 13 do requerimento inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
m) No dia 23 de Dezembro de 2021, os requeridos contrataram terceiros para que o portão grande da casa fosse fechado com uma corrente e cadeado, que o portão pequeno fosse soldado ao nível da fechadura, de molde a impedir o acesso substituíram os canhões das fechaduras das duas portas da moradia;
n) No dia 30 de Dezembro, os primeiros requeridos contrataram uma empresa de mudanças, arrombaram as portas de acesso à moradia em causa e retiraram todos os bens móveis e bens pessoais dos requerentes da casa, distribuindo-os, depois, por um barracão sito em Valença e por um apartamento sito na mesma cidade;
o) Os requerentes, antes de 23 de Dezembro, e apercebendo-se das intenções dos requeridos, enviaram para a mediadora imobiliária que interveio no negócio e para a representante dos segundos requeridos as missivas cujas cópias se encontram juntas aos autos como documentos nºs. 10 e 11 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
p) A casa de morada descrita nas alíneas a) e b) encontra-se à venda há vários anos, primeiro colocada à venda pelo requerente, depois pela requerida I. M., tendo os requerentes facilitado o acesso dos interessados ao interior da sua habitação para que estes se pudessem inteirar das suas características;
q) Tinham os requerentes intenção de construírem, com o produto da venda da referida casa, uma casa mais pequena e confortável;
r) Os requerentes combinaram com a requerida I. M. fazerem obras na cave da casa descrita nas alíneas a) e b) para servir, no Verão, como alojamento local e assim rentabilizar o espaço;
s) Os requerentes procederam a obras de pedreiro (grosso) na referida cave;
t) Os requerentes não concordaram e não concordam com os termos da venda descrita em l);
u) A requerida I. M. pagou o IMI relativo ao prédio descrito nas alíneas a) e b), do ponto II.1.;
v) O requerido T. M. executou obras de acabamento na cave referida em r) e s).
*
3.1.2. Factos Não Provados
Ao invés foram considerados como não provados:
Da oposição dos requeridos I. M. e P. A.: artigos 13º, 20º a 66º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas p) a s), 69º a 75º, primeira parte, 78º a 81º, 83º a 112º, 167º a 174º.
Da oposição dos requeridos J. M., A. G., R. G. e T. M.: artigos 11º a 15º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea v), 17º a 41º, 69º, 71º, 72º e 74º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea p), 79º a 83º, 84º, quanto à ciência, 85º, 86º, 92º, 93º, 100º e 101º, 103º a 106º.
*
3.2. O direito
Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto

Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.

Assim, o artigo 640º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o ónus de:

a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
É hoje indiscutível a inadmissibilidade de recursos que se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto: o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erroneamente decididos e indicar também com precisão o que entende que se deve dar como provado.
Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretendem que a matéria de facto provada seja alterada.
Com a imposição destas indicações pretende-se impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” - Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, p.153.
Por estes motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem também que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada.
Quanto a cada um dos factos que pretende que obtenha diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, também discriminada e explicadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada.
Relativamente ao ónus de especificar os concretos meios probatórios, particulariza o nº 2 do artigo 640º, que: “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
A exigência de assinalar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, tem uma triple finalidade: onerar o recorrente com o esforço de se assegurar que existem, na prova gravada em que se pretende fundar, declarações que efetivamente justificam a sua discordância; permitir um mais apurado exercício do contraditório, por conter uma mais concreta explicitação dos fundamentos da pretensão; possibilitar ao tribunal a direta verificação, pelo acesso aos elementos objetivos do processo, apontados pelo recorrente de forma definida e concretizada, da existência de alguns indícios nesse sentido, a exigir posterior análise.
Assim, a lei exige que o recorrente ao impugnar a matéria de facto com base em prova gravada, identifique de forma concreta a sua fonte de discordância, especificando, na gravação, os momentos em que se baseia (seja pela indicação do tempo, seja, mesmo, pela sua transcrição). Não é, pois, suficiente a mera reprodução dos dizeres da ata quanto ao início e final do depoimento de cada testemunha, do nome da testemunha, nem tão pouco a exposição das considerações subjetivas do recorrente sobre o que as mesmas disseram, para se cumprir a exigência prevista na lei.
Tão clara e perentória é a norma e tão importante para a salvaguarda da utilidade da impugnação da matéria de facto, reservando-a para os casos em que a parte tem sustento razoável para o efeito, que se entende que a subjugação a esta alínea não se traduz num desnecessário predomínio da forma sobre a matéria, mas à defesa do nível de exigência a que a impugnação da matéria de facto tem que corresponder (impedindo que o seu uso como simples passaporte para o prazo adicional de recurso traga labor acrescido aos tribunais da Relação, sem qualquer utilidade prática) – neste sentido, Abrantes Geraldes, ob. cit.
No caso em apreço, os Recorrentes J. M., A. G., R. G. e T. M. declarando genericamente que não concordam com os factos não especificam os factos objeto da impugnação.
Das conclusões recursivas e respetivas alegações resulta que os Recorrentes não concordam com a decisão da matéria de facto e sua motivação. Porém, atacam-na de forma global, e no percurso de dissensão entremeiam considerandos subjetivos, passagens de declarações e depoimentos.
Ora, a simples discordância, por exegese diferenciada, da prova produzida não impõe a censura da sua convicção.
A abordagem impugnatória realizada pelos Recorrentes não cumpre manifestamente os requisitos legais.

Como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, os Recorrentes:
- não fazem referência aos concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados;
- não indicam os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados;
- não referem a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida;
- e não indicam as passagens da gravação em que se funda o recurso.

Em suma, os Recorrentes só não concordam com a decisão.
E porque assim, reafirma-se que os ónus processuais de impugnação devem ser apreciados à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (Abrantes Geraldes, ob. cit, pag. 161).
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2015 “(…) II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada” – disponível em www.dgsi.pt.
E ainda no Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 05/16/2018, decidiu-se que “Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.” - disponível em www.dgsi.pt.
Termos em que se rejeita o recurso do Recorrentes J. M., A. G., R. G. e T. M. relativo à decisão da matéria de facto.
Apreciando, agora, o recurso dos recorrentes I. M., P. A..
Entendem os recorrentes que a prova produzida determinaria decisão diferente relativamente à generalidade dos factos dados como provados, aos factos dados como não provados e ainda quanto a factos relativamente aos quais se verificou omissão de pronúncia.
Assim, quanto aos factos provados d), e), f), h), i), j), k), q), r), s), t), consideram que deveriam ter sido dados como não provados; quanto à matéria não provada entendem que os artigos 13, 29 a 33, 40 a 49, 53 a 60, 69 a 72, 77 a 80, 100 a 112, da oposição deveriam ser dados como provados propondo a sua redação, e ainda, para além destes factos relativamente aos quais o tribunal a quo tomou posição, também os artigos 91, 95 a 98, 127, 152 a 156 da oposição deveriam constar dos factos provados.
Podemos desde já adiantar que não assiste razão aos impugnantes.
A circunstância de se estar perante um procedimento cautelar, pela sua natureza e finalidade, conduz, necessariamente, a uma menor exigência quanto à prova da matéria de facto relativa ao direito invocado e outros requisitos legais, sem que isso signifique que o procedimento possa ser utilizado para fundamentar pretensões destituídas dos necessários requisitos de facto e de direito.
Na sua generalidade o acervo de factos impugnados (provados, não provados e a aditar) respeita à posse do imóvel por parte dos recorridos, sua natureza e título legitimador.
Ora, no caso, a factualidade relacionada com a posse do prédio e respetivos atos caracterizadores dessa posse resultaram demonstrados com suficiente segurança dos depoimentos das testemunhas J. V., I. B., E. M., D. A., J. P. que por serem familiares, vizinhos e amigos dos requerentes, relataram o comportamento que estes têm mantido, ao longo de mais de 35 anos, sobre o imóvel, como se donos fossem.
As testemunhas indicadas pelos recorrentes, M. A. e M. E., neste particular, não demonstraram conhecimento factual acerca da titularidade do imóvel, e realidade subjacente à doação, centrando-se o seu depoimento na questão da contratação dos serviços de mediação imobiliária.
Também o depoimento das testemunhas P. G., J. C., filhos dos recorridos, J. P., genro dos recorridos, M. V., E. M. e J. P., não é de molde afastar ou neutralizar os depoimentos anteriores, já que, no que respeita à posse da casa, acabam por assumir o seu exercício pelos recorridos.
Assim, a pretensão dos recorrentes de demonstrar que os recorridos continuaram a habitar a casa mas como meros detentores do imóvel, não obteve respaldo na prova produzida, por as testemunhas ouvidas não afastarem o exercício daqueles poderes de facto sobre a casa, como se fossem seus proprietários.
Por outro lado, ainda, em sentido contrário a tais meios de prova, certo é que a factualidade em causa, foi confirmada, em termos claros e objetivos pelas testemunhas I. B., E. M. e J. P., todos vizinhos próximos dos Recorridos.
Ademais, o alto grau de conflitualidade que existe no seio da família (dos requerentes e primeiros requeridos) coloca uma névoa de dúvida carregada quanto aos contornos que envolveram a doação do imóvel, sua finalidade e contrapartidas não suscetível de cabal clarificação no âmbito deste procedimento cautelar.
Significa isto que, à luz de uma apreciação objetiva, equidistante e crítica da prova produzida, não vemos razões, segundo um juízo de normalidade e segundo as regras da experiência, para divergir da convicção evidenciada pelo Tribunal de 1ª instância quanto à demonstração dos factos constante das alíneas d), e), f), h), i), j), k), da factualidade provada, sendo os demais factos q), r), s) e t) instrumentais em relação àqueles e resultantes das declarações de parte dos requerentes, coadjuvadas em parte pela testemunha J. C., e indemontração dos demais dados como não provados.
Daí que se tenha de manter, enquanto tais, os factos provados e não provados contantes da sentença.
Quanto à extensa matéria alegada na oposição e que os impugnantes pretendem ver aditada ao elenco dos factos provados, carece a mesma de utilidade.
Com efeito, uma vez indiciariamente demonstrada a posse dos requerentes sobre o bem, para efeitos do procedimento cautelar apresenta-se sem relevo a validade ou invalidade do título em que essa posse se baseia.
Na verdade, como bem lembrou o tribunal a quo, nesta sede, e quanto à posse, apenas interessa se os requerentes detém ou não o imóvel e se estão convencidos que o fazem na qualidade de proprietários, para além, evidentemente, dos restantes requisitos. Se têm título, se com base nele se podem manter ou não a ocupar o imóvel, é questão que, certamente, será discutida na ação principal, não no procedimento cautelar. Para o legislador, para o Tribunal e para a decisão do procedimento cautelar apenas interessa se os requerentes ali estão e com o animus tutelado por lei.
Por isso, é que o artigo 1278º, nº 1, do Código Civil dispõe que “no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito”. Ou seja, não interessa se a sua posse ou situação equivalente é lícita; o que interessa é que, existindo a situação de facto tutelada, ele não pode dela ser privado sem a intervenção judicial.
Este normativo convoca para a sua compreensão a tutela possessória enquanto corolário da função social da propriedade, na medida em que, como afirma Abrantes Geraldes “acaba por conferir protecção àqueles que fruem das vantagens económicas do bem, em detrimento dos que apenas invocam a sua titularidade jurídica. (...) Em qualquer das situações, os possuidores, ao menos enquanto não forem convencidos da existência de uma posição jurídica que se sobreponha ao exercício dos seus poderes, são merecedores de tutela jurisdicional pelo simples facto de publicamente se apresentarem como titulares dos bens. (1)
A este propósito escrevem Pires de Lima e Antunes Varela que “a protecção conferida ao possuidor traduz-se numa tutela provisória, destinada unicamente a manter determinada situação de facto, enquanto não se provar quem é o verdadeiro titular do direito real correspondente.” (2)
Porque assim, a lei faculta ao possuidor, em caso de esbulho, um meio simples e rápido de ser restituído provisoriamente à sua posse, evitando, por esta via, a tentação à ação direta. Como se pode ler no Acórdão do STJ de 26.05.1985 para “além da ideia de castigo ou repressão da violência, evitar a tentação, por parte do esbulhado, de fazer justiça por meio de acção directa, em princípio gerador de nova violência, compensando-o assim com um meio processual, simples e rápido, de repor a situação anterior”.
Neste segmento, a impugnação não colhe fundamento, pois que não se vislumbra qual o interesse que pode assumir para a decisão da causa a alteração proposta pelos apelantes, demonstrado que está sumariamente que os requerentes possuem a casa como se fossem proprietários.
O circunstancialismo que envolveu a transmissão do bem, a alegada simulação ou outras figuras congéneres com vista a atacar a sua validade, o comportamento ou atuação abusiva das partes, são matéria a apreciar na ação principal, extravasando o objeto próprio desta providência, tendo em conta os seus específicos pressupostos.
Nestes termos, julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto.
*
Dos requisitos da providência de restituição provisória de posse:

O possuidor, no caso de esbulho violento, pode pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando factos que constituem a posse, o esbulho e a violência – artigo 377º, do Código de Processo Civil.
Se o tribunal reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador - artigo 378º do Código de Processo Civil.
A finalidade desta providência é, por um lado, facultar, em termos céleres e abreviados, ao possuidor lesado a devolução da sua posse e, por outro, impedir a persistência da situação danosa e o agravamento dos danos decorrentes da privação daquela posse, enquanto poder de facto sobre a coisa.
Ao contrário do que sucede nos demais procedimentos cautelares comuns, a imediata restituição da posse esbulhada é concedida ao possuidor não em atenção a um perigo de dano iminente irreparável ou de difícil reparação, mas como compensação da violência de que o possuidor foi vítima, pela aplicação da regra spoliatus ante omnia restituendus (3). Não releva, aqui, a verificação do peliculam in mora. A este propósito, pode ler-se no acórdão desta Relação de Guimarães de 23.11.2017, “a decisão favorável no procedimento de restituição provisória de posse, prescinde da efetiva existência de prejuízos de ordem patrimonial já concretizados ou da prova da existência de um verdadeiro periculum in mora” (4).
A providência cautelar de restituição provisória de posse supõe, como seus únicos requisitos, a demonstração da existência de uma situação de posse, seguida de esbulho, com violência.
Pressuposto primeiro desta medida assume a qualidade de possuidor decorrente do exercício de poderes de facto sobre uma coisa, por forma correspondente ao direito de propriedade ou qualquer outro direito real de gozo (artigo 1251.º do Código Civil).
Consagrando a nossa lei substantiva a teoria subjetivista da posse, para que esta possa ser afirmada, não basta o mero exercício de poderes de facto sobre a coisa (corpus), sendo, ainda, necessário que a esse exercício corresponda uma particular intenção (animus possidendi), qual seja a de exercer o direito correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real de gozo (5). Nas palavras do professor Orlando de Carvalho a posse caracteriza-se como “o exercício de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius : do direito real correspondente a esse exercício). Envolve, portanto, um elemento empírico – exercício de poderes de facto – e um elemento psicológico-jurídico em termos de um direito real. Ao primeiro é que se chama corpus e ao segundo animus” (6).
Por consequência, para que haja posse é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto (corpus); é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela (7).
É, aliás, partindo desta construção, como se refere no acórdão da Relação do Porto de 08.03.2021 (8), que se distingue o mero detentor ou possuidor precário e o verdadeiro possuidor pela existência ou não daquele elemento subjetivo (animus possidendi), pois que, segundo o preceituado na alínea a), do artigo 1253º, do Cód. Civil, “São havidos como detentores ou possuidores precários os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito.
É nesta distinção entre possuidor e detentor que reside o entendimento discordante dos recorrentes face à decisão.
Consideram os recorrentes que tendo a casa sido doada e tendo os recorridos lá continuado a residir, devidamente autorizados, verifica-se que os recorridos, tornaram-se meros detentores ou possuidores precários, por força do constituto possessório, nos termos dos artigos 1263º, alínea c) e 1264º do Código Civil, tendo a posse do imóvel sido transferida para os recorrentes.
Consequentemente, sendo os recorridos meros detentores, não poderiam utilizar os meios de tutela da posse, nomeadamente, a providência cautelar de restituição provisoria da posse.
Analisemos, então, a figura do constituto possessório.
Quanto aos meios de aquisição da posse, a lei prevê o constituto possessório (artigo 1263º, alínea c) do Código Civil), e concretiza as situações em que ocorre dizendo que se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa e que se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar (artigo 1264º, nº1 e 2 do Código Civil).
Em anotação a este preceito Pires de Lima e Antunes Varela escrevem que “o constituto possessório é uma forma de aquisição solo consensu da posse, isto é, uma aquisição sem necessidade de um acto material ou simbólico que a revele. Consiste, tradicionalmente, num acordo pelo qual o possuidor, alienada a posse, reserva, por qualquer título, a detenção da coisa e se dispensa, assim, de a entregar ao novo possuidor. O alienante, que tinha em relação à coisa uma causa possessionis, passa a deter a coisa em virtude de uma causa detentionis (M. Rodrigues, ob. cit., pág. 240). O anterior possuidor passa a ter, depois do negócio, o animus alieno nomine detinendi. Está prevista esta modalidade no n.º 1. ... No n.º 2 está previsto um novo caso de dispensa de tradição, e, portanto, de transferência solo consensu. Supõe-se agora que o possuidor transfere a sua posse, estando a coisa, por qualquer título, detida por terceiro. Vende-se, por exemplo, um prédio arrendado ou uma coisa depositada, e pretende-se que o arrendamento ou depósito continue. Também neste caso a tradição material seria inútil”. (9)
Ou seja, com o constituto possessório a posse transmite-se independentemente de qualquer ato expresso nesse sentido, independentemente de um ato material ou simbólico que a revele.
Ainda a propósito deste meio, António Lima Araújo e Fernando Reboredo Seara explicam que o constituto possessório consiste na conversão de uma posse em detenção, em consequência da realização de dois atos jurídicos simultâneos – um principal e outro acessório: um ato jurídico que tenha como consequência a transferência de posse daquele que até ali era o seu titular, e depois um outro em virtude do qual seja considerado como detentor. O anterior possuidor passa, então, a ser considerado como um simples detentor ou possuidor precário.” (10)
Em suma, para que ocorra a aquisição da posse por constituto possessório é necessário, como o próprio nome indica, que, subjacente à alienação do direito real, haja “um acordo” no sentido de manutenção da detenção da coisa pelo antepossuidor ou por terceiro, entre o possuidor titular que aliena o seu direito real, in casu o direito de propriedade, e o adquirente desse mesmo direito (11). Como quer que seja, o adquirente do direito de propriedade sobre a coisa adquire a posse da mesma, não obstante a detenção sobre ela continue a ser exercida pelo anterior possuidor ou por terceiro, mediante acordo nesse sentido.
Com recurso à figura dogmática do constituto possessório, decidiu-se no acórdão da Relação de Coimbra de 09.01.2018 que se o proprietário, que habitava uma fracção habitacional, por contrato de compra e venda titulado por escritura pública, tiver vendido a mesma, mas continuado a residir nela com consentimento e autorização dos adquirentes, o que resulta é que aquele perdeu a posse, por ausência do elemento intencional (solo animo), pois que, de sujeito da posse, se converteu em detentor. (12)
No caso, a factualidade apurada não autoriza a conclusão de que houve consenso ou acordo de qualquer natureza no sentido de manutenção da detenção da coisa pelo antepossuidor, que por via da transmissão do bem sabe que perdeu o animus de proprietário. Os requerentes impugnam a transmissão e continuam desde 2009, data da escritura de doação, a residir na casa e a comportar-se como seus legítimos proprietários.
É por isso que o artigo 1252º nº 2 do Código Civil determina que em caso de dúvida, se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257.º, isto é, sem prejuízo se presumir que a posse continua em nome de quem a começou.
Desde que se prescindiu, para a manutenção da posse, de atos efetivos de atuação sobre a coisa, correspondentes ao corpus da posse, por se entender que a prática pode não os exigir do possuidor, tal como nem sempre os exige do verdadeiro titular do direito sobre a coisa, não podia o legislador deixar de admitir, em qualquer caso, a presunção da continuidade da posse por parte de quem a começou. (13)
Pode ser afirmado, à luz das normas substantivas, que a posse, enquanto poder de facto exercido sobre a coisa, é protegida pelo sistema jurídico porque corresponde, por princípio, à aparência da titularidade do direito correspondente, tando significando, que aquele que exerce aqueles poderes de facto sobre a coisa correspondentes ao exercício do direito real é, tudo o indica, segundo as regras da experiência comum, o verdadeiro titular do direito real.
Ademais, é sob esta perspetiva que se deve compreender a presunção consagrada no artigo 1268º, n.º 1, do Código Civil de que o possuidor é o titular do direito (real) correspondente ao exercício do direito sobre a coisa.
Através da posse tutela-se, no fundo, a exteriorização ou a aparência do direito, relevado pela retenção e fruição da coisa, independentemente da averiguação da sua titularidade e, consequentemente, sempre que ocorra o exercício fáctico de poderes sobre a coisa, o titular passa a beneficiar da proteção possessória.
As razões desta proteção prendem-se com a defesa da paz pública e da continuidade do exercício das posições jurídicas.
Como explica Menezes Leitão, “Efectivamente, se alguém, pela violência, resolve perturbar ou mesmo subtrair-lhe essa coisa, o Direito, para reprimir essa situação, não necessita da efectiva demonstração de que o lesado é titular de direitos reais sobre a coisa. O simples facto de se encontrar a exercer poderes sobre ela é suficiente para que ordem jurídica lhe permita a manutenção ou a restituição da coisa, independentemente da discussão sobre a efectiva titularidade do direito”. (14)
Pelo exposto, o exercício dos poderes de facto sobre a coisa com o animus de proprietários, conferem aos requerentes a qualidade de possuidores e não de meros detentores como defendem os Recorrentes.
Seguindo na análise dos requisitos da restituição provisória da posse, há esbulho sempre que alguém for privado do exercício de retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar. (15)
Por sua vez, é violento todo o esbulho que impede o esbulhado de contactar com a coisa possuída em consequência dos meios usados pelo esbulhador.
Nos termos do disposto no artigo 1261º, n.º 2, do Código Civil, a posse considera-se violenta quando para obtê-la o possuidor usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 255º. Assim, consolidou-se o entendimento, que também seguimos, que o esbulho ocorre quando a violência é exercida, quer sobre as pessoas, quer sobre as coisas, bastando que o ato do esbulhador coaja o possuidor, por criar um impedimento a que este a exerça nos termos em que o fazia anteriormente (16).
Com efeito, a criação de um obstáculo de tal forma vigoroso que impeça o possuidor de aceder à coisa como o fazia contém já em si violência e coerção bastantes que justificam a sua caracterização nos termos que vimos discutindo, devendo, por isso, a posse que foi violada por essa forma ser sujeita à mais fácil defesa que o procedimento cautelar da restituição provisória da posse concede, face a um procedimento cautelar comum, por dispensar a audição prévia do esbulhador. Tem isto como fundamento a ideia no nosso direito que a ação violenta constitui, pelo menos na maioria dos casos, uma conduta reprovável e sempre a evitar (artigo 1º do Código de Processo Civil).
Ficam, por isso, de fora desta proteção todos os casos em que a ação do esbulhador não é passível de ser considerada violenta, por, não obstante os seus efeitos no esbulhado, não ter em si, objetivamente considerada, a capacidade de privar um “bonus pater familiae” do exercício da retenção ou da fruição do objeto possuído ou da possibilidade de o continuar a exercer (sem prejuízo de recurso, verificados os demais requisitos, ao procedimento cautelar comum). (17)
A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da sua posse como até então a exercia.
Como se afirma no acórdão do STJ de 10.09.2016, interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa. (18)
Portanto, face ao quadro factual apurado perfunctoriamente (alíneas m e n), só se pode concluir que os requerentes foram esbulhados com violência da posse da casa.
Aduzem, por fim, os recorrentes que a presente situação sempre configuraria um abuso de direito, pois estar-se-ia perante o exercício de um direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou execução, comprometendo o gozo de direitos de terceiros, criando uma desproporção entre os respetivos exercícios, de forma ofensiva e clamorosa dos valores sociais que se têm como adquiridos.
Sucede que o recurso à figura do abuso de direito é feito tendo por fundamento circunstancialismo factual que não se provou.
Ademais, o princípio da proporcionalidade no decretamento de uma providência cautelar previsto no artigo 368.º, n.º 2 do CPC (quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar), não tem aplicação na restituição provisória de posse, conforme decorre do disposto no artigo 376.º, n.º 1 do CPC.
Como afirma Abrantes Geraldes, “são indiferentes os prejuízos porventura decorrentes da execução da restituição provisória decretada, em comparação com as vantagens alcançadas pelo requerente, atenta a inaplicabilidade do disposto no artigo 368.º, n.º 2” (19).
Do que fica exposto resulta a total improcedência da apelação, com a necessária confirmação da decisão recorrida.
*
IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 15 de Junho de 2022

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes


1. In Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol., Almedina, 2001, pags. 24/25.
2. In Código Civil Anotado, Vol. III, pag. 50.
3. Neste sentido, acórdão da Relação do Porto de de 08.03.2021, disponível em www.dgsi.pt.
4. Disponível em www.dgsi.pt.
5. Neste sentido, Orlando de Carvalho, RLJ, ano 122º, pag. 68.
6. Orlando de Carvalho, RLJ, nº 3781, pags. 104 e 105.
7. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pag. 5.
8. Disponível em www.dgsi.pt.
9. In “Código Civil Anotado”, Vol. III, pag. 25,
10. In “Direitos Reais”, pags. 215 a 217.
11. Neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 04.12.2007, disponível em www.dgsi.pt.
12. Neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 09.01.2018, disponível em www.dgsi.pt.
13. Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, pág 16.
14. In Direitos Reais, 2009, pag. 109.
15. Assim, Manuel Rodrigues, A Posse, pag. 400.
16. Neste sentido, acórdão do STJ de 10.19.2016, disponível em www.dgsi.pt.
17. Neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães, de 19.03.2020, onde interveio como adjunta a aqui relatora, disponível em www.dgsi.pt.
18. Disponível em www.dgsi.pt.
19. In Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. Almedina, pag. 58.