Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
358/22.0T8VRL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
- A impossibilidade de o trabalhador prestar o trabalho, ou de o empregador o receber, a que se reportam os artigos 340.º, alínea a) e 353.º, alínea b), do Código do Trabalho, deve ser entendida nos termos gerais de direito, com as adaptações necessários tendo em conta a especificidade deste ramo do direito.
A caducidade do contrato de trabalho verifica-se quando a entidade empregadora estiver impossibilitada de receber a prestação do trabalhador, se essa impossibilidade for, absoluta, definitiva e superveniente ao contrato.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, intentou a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL ... DA freguesia ..., pedindo que se declare a ilicitude do despedimento e, em consequência, seja o réu condenado:

1. a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou de qualquer outro direito, que detinha à data do despedimento, decorrente da execução do seu contrato de trabalho e da sua extinção, com a exceção dos pedidos das alíneas seguintes;
2. a pagar-lhe as retribuições que deixou de receber desde o despedimento e já vencidas até à presente data (fevereiro de 2022), retribuições que importam em 7.234,50€;
3. a pagar-lhe as demais retribuições que deixar de receber até ao trânsito em julgado da sentença;
4. a pagar-lhe os juros moratórios, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada prestação pecuniária pedida, nas alíneas anteriores, até ao efetivo pagamento;
5. a suportar as custas do processo.
*
Para tanto, alegou, em síntese, que o réu, enquanto instituição particular de solidariedade social se obrigou, nos acordos de cooperação com a Segurança Social, a capacidade da sua ERPI pudesse ir até aos 30 utentes, a existência de “um Diretor Técnico a 50%” (meio tempo), funções que exercia desde 2008, mediante contrato a termo sucessivamente renovado, sendo o horário de trabalho ajustado de 20 horas semanais.

Alega que o réu, em 21 de Julho de 2021, comunicou-lhe a extinção do contrato individual de trabalho, invocando a caducidade do mesmo, por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de prestar o trabalho, a qual não se verifica, manifestando «total disponibilidade para cumprir as funções de Diretora Técnica para as quais [fora] contratada, com a mesma competência, zelo e empenho que sempre demonstrara», considerando que o réu “engendrou um expediente fraudulento para se ver livre da Autora, por portas travessas, sabendo que não há qualquer razão lícita para o despedimento, visando tão só privilegiar uma “afilhada protegida”, colocando-a no cargo em questão (Diretora Técnica)”, atuando em abuso de direito, na modalidade do “tu quoque”, sendo que facilmente se para se evitar incumprir a Portaria 67/2012, de 21 de março, bastaria deixar de admitir um utente para não atingir o limite, que diz ser proibido, de trinta utentes, o que pouparia todos os encargos decorrentes de um Diretor Técnico a tempo inteiro (em vez do meio tempo), pelo que se o réu se colocou na situação de incumprir uma clausula do Acordo de Cooperação, que livremente acordou, sibi imputet.
*
O réu pugna pela total improcedência da ação, impugnando a versão da autora, nomeadamente defendendo, em síntese, que a mesma pretende continuar a exercer o cargo de Enfermeira no Hospital ... e simultaneamente exercer o cargo de Diretora Técnica do réu, nem que isso signifique que este tenha de “deixar de admitir um utente para não atingir o limite”.

Alega que, nos termos do disposto n.º 3 do artigo 11.º da Portaria 67/2012 de 21 de março – diploma que define as condições de organização, funcionamento e instalação a que devem obedecer as estruturas residenciais para pessoas idosas – o quadro de pessoal exigido para 30 utentes, tantos quantos tem o réu, deve contemplar obrigatoriamente um Diretor Técnico a tempo inteiro, sendo que tal ilegalidade já havia sido alertada pelo Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais da Segurança Social, na sequência de ação inspetiva levada a efeito no ano de 2019, situação que a Direção do réu tinha de solucionar, sob pena de ser violado o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do referido diploma legal, constituindo assim contraordenação prevista e punível pela alínea f) do artigo 39.º - B e alínea b) do artigo 39.º- E do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 33/2014 de 4 de março.
Defende que a existência de uma Direção Técnica a tempo inteiro corresponde não só a uma imposição legal, mas também a uma necessidade funcional e organizacional do réu, mercê do seu crescimento nos últimos anos, nada movendo a atual Direção do réu contra a autora, podendo mesmo assegurar-se que a autora estaria atualmente a desempenhar o cargo de Diretora Técnica, desde que manifestasse a sua disponibilidade para assumir tal cargo a tempo inteiro, por 35 horas semanais.
Alega que enviou comunicações escritas à autora, uma vez que se encontrava de baixa, propondo-lhe de adaptar o horário da Direção Técnica à realidade vigente da instituição, que acolhia, à data, 30 utentes, dos quais 4 acamados, e 23 colaboradores, realidade que era bem diferente da que existia em 2008, ano que tinha sido celebrado o contrato de trabalho a tempo parcial com a autora, solicitando que esta se pronunciasse objetivamente sobre a possibilidade de desempenhar o cargo de Diretora Técnica a tempo inteiro, convidando-a inclusive a formalizar uma contraproposta de distribuição do tempo de trabalho por cinco dias, sendo que a autora manifestou indisponibilidade para tal, remetendo para o contrato de trabalho, até que o réu lhe comunicou a caducidade do contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar trabalho, na aceção da alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho.
A autora enfermeira com vínculo contratual por tempo indeterminado com o Hospital ..., emprego esse que tem cariz estável e duradouro, é absolutamente incompatível o cumprimento do vínculo de trabalho com o Hospital e a assunção do cargo de Diretora Técnica no réu, a tempo inteiro, bem como com o exercício de outras funções diferentes das que desempenhava, face à especificidade das funções do cargo de Diretora Técnica, não se afigurando razoável modificar o objeto do contrato em função da limitação de tempo da trabalhadora, colocando-a a desempenhar funções em categoria de menor relevo dentro da estrutura organizacional do réu, não sendo exigível a este aguardar indefinidamente pela futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais por parte da autora.
*
Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgando-se a ação totalmente improcedente, em consequência, decide-se absolver o réu CENTRO SOCIAL E PAROQUIAL ... DA freguesia ... de todos os pedidos formulados pela autora AA.
(…)”

Inconformada a autora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

2. O triunfo da tese da sentença constituiria espantosa surpresa e um precedente inaudito, pois ficaria inventada ou criada uma nova “justa causa” de despedimento ou de extinção dum contrato de trabalho.

15 Exclusividade que, no caso dos autos, a Autora declarou aceitar, perante o Meritíssimo Juiz, em sede da obrigatória diligência de conciliação, que antecede o início da audiência de julgamento, propondo ao Réu que contrapusesse as condições retributivas que estaria disposto a garantir, o que mereceu, como resposta, um rotundo não.
sem sequer ter de indicar qual seria o valor do eventual aumento da retribuição, sem ter de assegurar que a empresa tem boas condições económico-financeiras de viabilidade e durabilidade, sem ter de demonstrar que não dispõe de outro posto de trabalho compatível com as aptidões profissionais do trabalhador excluído, sem ter de demonstrar que o seu ato de gestão de pôr fim ao contrato é a única medida possível, enfim, de modo incondicional
16 –, quando, por ato da sua livre gestão no âmbito da sua atividade, crie uma situação que justifique passar a receber e opte por receber a prestação de trabalho em causa durante mais horas para além das ajustadas no contrato de trabalho e o trabalhador não aceite, bastando notificá-lo para declarar se aceita passar a trabalhar em horário a tempo completo, com a advertência de que, respondendo “não!” ou ficando em “silêncio”, verificar-se-á a imediata e irremediável “rutura”, “rompimento”, despedimento ou extinção da relação laboral, por caducidade.
4. Ora, salvo sempre melhor entendimento, face aos imperativos constitucionais e demais normas legais aplicáveis tal consequência ou penalização para o trabalhador é uma aberração, um absurdo, não tendo qualquer sustentação válida no nosso ordenamento jurídico-laboral.
5. Não é minimamente aceitável a tese de que a livre criação e opção por receber mais 15 horas semanais ou 3 horas diárias de trabalho podem configurar a justa causa da cessação do contrato por caducidade derivada da impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da entidade empregadora receber a prestação anteriormente contratada e vigente das vinte horas semanais.

17 No caso dos autos, está invocada a norma duma portaria, mas tal norma, como adiante se fundamentará, não é uma norma de natureza laboral, que sempre padeceria de inconstitucionalidade formal, e, em todo o caso, jamais se poderia sobrepor à norma fundamental da nossa Constituição que proíbe os despedimentos sem justa causa, norma que o Código do Trabalho repete, sendo certo que, no caso dos autos, havia e há soluções alternativas ao despedimento, acrescendo que a norma da portaria em causa não impõe a solução de despedir.
6. A concreta justa causa da extinção do contrato de trabalho da Autora, aqui em apreço, tem de ser apreciada necessariamente à luz da CRP, art. 53 (segurança no emprego e proibição dos despedimentos sem justa causa) e à luz do CT, arts. 150 e ss. (regime do trabalho a tempo parcial, destacando-se a norma do art. 155/1, quanto à exigência de acordo escrito, para a alteração da duração do tempo de trabalho) e arts. 338, 339 e 343 (proibição dos despedimentos sem justa causa e caducidade).

10. A matéria de facto verdadeiramente relevante, no presente caso, resume-se à celebração e existência do contrato de trabalho entre a Autora e o Réu, que durou por mais de 13 anos, e à declaração da sua extinção pelo Réu, com o único fundamento de que a Autora não aceitou aumentar o seu horário de trabalho contratado de 20 horas semanais e de que havia uma disposição legal a prescrever que as funções em causa deveriam ser asseguradas a tempo inteiro.
11. Tal matéria de facto relevante está dada como assente de modo suficiente, na sentença, nos pontos 15) a 21), 22) - parte final e 23) [celebração, existência e cumprimento do contrato de trabalho, com bom e competente desempenho da Autora] e nos pontos 25), 39) e 40) [declaração da sua extinção por caducidade fundada na norma do art. 343-c do CT].
12. Seja porque se trata de matéria meramente conclusiva, de direito ou argumentativa, seja porque contém contradições e falsidades em relação à prova existente e verificada, seja, noutros casos, por falta de qualquer prova, seja por se tratar de matéria sem qualquer relevo para a decisão final, justifica-se a eliminação da matéria assente sob os números 29), 30), 35), 42), 46), 47), 48), 49), 51), 52) e 53).
13. Justifica-se ainda que à matéria de facto assente sejam aditados novos factos pelas razões adiante especificadas.
14. Quanto à restante matéria assente, embora tenha relevância secundária e, nalguns caos nula, para a decisão a proferir, justifica-se que, por respeito ao melhor cumprimento das regras processuais aplicáveis e por respeito à verdade e à coerência e imparcialidade, sejam introduzidas modificações.

17. Deverá aditar-se o facto 19A) com a redação “A Autora, sob as ordens do Réu, cumpriu sempre o horário de trabalho, que, frequentes vezes, ultrapassou aquele limite de 20 horas semanais e as quatro horas diárias”, pelas razões e provas discriminadas acima.
18. Além das demais razões e provas são relevantes os depoimentos das testemunhas:…
19. Das referidas razões e provas produzidas resulta, salvo o devido respeito, que são improcedentes as razões invocadas pelo Meritíssimo Juiz a quo, na explicitação dos fundamentos da sua convicção de que subsistiam dúvidas sobre o facto do artigo 33 da petição e que, por isso, de acordo com as regras do direito, o julgava não provado, em desfavor da Autora, a quem aproveitaria.
20. O facto deve, pois, ser incluído na matéria de facto assente, muito embora se reconheça que não tem relevância direta para a decisão a proferir, tal como sucede com muitos outros factos e supostos factos que a sentença recorrida entendeu dar como assentes.

22. Deverão ainda aditar-se os novos factos 41A), 41B) e 41C), com os seguintes teores:
41A) A Autora deu resposta a qualquer carta das cartas recebidas da Autora sobre a questão do aumento do horário (vd. art. 47 da p.i., não impugnado, e seu contexto).
41B) A Autora respondeu repetidamente, dizendo, além do mais, o que consta da matéria assente no facto 26) – vd art. 48 da p.i., não impugnado, e sue contexto.
41C) A Autora respondera: a. que reafirmava a «total disponibilidade para cumprir as funções de Diretora Técnica para as quais [fora] contratada, com a mesma competência, zelo e empenho que sempre demonstrara»; b. que mantinha «toda a disponibilidade e abertura para o diálogo e para as melhores soluções para ambas as partes»; c. que as «propostas soluções (…) são impossíveis de aceitar e de cumprir porque incompatíveis com a [sua] vida pessoal, familiar e outras ocupações de que não [podia] abdicar»; d. que há normas no CT que «proíbem a alteração unilateral do horário de trabalho acordado e da sua natureza (a tempo inteiro ou parcial)»; e. que «da Portaria 67/2012, de 21 de março, deriva antes de mais a necessidade de serem garantidas as funções próprias da Direção Técnica, nada dizendo se tais funções podem ou não ser exercidas em grupo ou em colaboração, podendo o Diretor/a Técnico/a assegurar as suas funções por delegação, nas suas ausências, por forma a que as funções sejam exercidas efetivamente (pelo próprio Diretor ou por alguém com competência técnica em que este delegue, assumindo aquele toda a responsabilidade), durante o tempo correspondente a Contrato de Trabalho em full-time, nas ausências do Diretor/a»; f. que «haverá modo de interpretar e aplicar as normas da citada Portaria por forma a demonstrar que, se pode haver uma Direção Técnica a meio tempo para vinte e nove utentes, o facto de haver mais um utente (trinta utentes) não justificará a duplicação do horário, sendo certo que o horário atualmente existente é superior a “meio tempo”, pelo que o rácio existente é superior ao suposto nas normas da citada Portaria»; g. que «a questão também poderá ser solucionada pela medida de gestão de se não ultrapassar os vinte e nove utentes, logo que haja uma nova vaga»; h. que «em todo o caso, não há norma ou princípio legal que permita à Entidade Empregadora alterar unilateralmente o horário de trabalho acordado e já praticado ao longo de anos»… (vd. art. 50 da p.i., não impugnado).

24. Ora o Réu não impugnou a matéria de facto alegada nos arts. 47, 48 e 50 da petição inicial…
25. Por fim, quanto á matéria de facto, justificam-se ainda modificações à redação dos factos 32) e 34) que deverão constar com o seguinte teor:
Facto 32) A autora respondeu à sobredita missiva, por carta datada de 25-05-2021, dizendo:
“Exma. Sra. Presidente da Direção:
Acuso a receção da Vossa carta data de 18 de maio.
Surpreendeu-me a carta e o seu teor, surpresa que também ficou acrescida pelo facto de se encontrar suspenso o meu contrato de trabalho, nos termos da lei, em consequência das ausências por doença.
Pelo meu lado, continuo empenhada em que seja mantida entre nós toda a cordialidade, a boa-fé e o diálogo. Porém, peço desculpa e a melhor compreensão para a observação de que não compreendo, entristece-me, causa em mim desconforto, perturbação, constrangimento, desestabilização e a sensação de humilhação e afetação da minha dignidade pessoal e respeito que me é devido tudo causado pela persistência ou repetição de atos de imposição unilateral de condições de trabalho, que não constam do meu contrato inicial de trabalho nem das suas alterações ou vicissitudes posteriores que foram sempre feitas por consenso (acordo).
Espero que seja implementado e respeitado o bom ambiente relacional que perdurou desde o início do meu contrato de trabalho.
Exerci sempre as minhas funções com dedicação incontestável, com empenho e competência reconhecida desde logo pelas técnicas da Segurança Social com quem me fui relacionando em razão das funções exercidas.
Sobre as novas tentativas de me imporem unilateralmente a alteração do meu horário de trabalho, quer na sua duração semanal expressamente acordada no contrato escrito inicial, quer no modo acordado de cumprimento desse horário, diário e semanal que vigorou por estes anos todos, sem qualquer divergência, dou aqui como reproduzido tudo o que consta de comunicações anteriores que enviei à Direção que peço que releiam.
Sem qualquer outro comentário, declaro que me oponho frontalmente às alterações propostas por V. Exas. e que, como bem sabem, constituem para mim uma impossibilidade de cumprimento.
Não renunciarei a qualquer dos meus direitos laborais.
Logo que me seja dada alta médica, estarei disponível para cumprir integralmente o meu horário de trabalho contratado e nas formas ou modalidades em que sempre cumpri ao longo dos anos.
Por outras palavras, não aceito o novo horário proposto. Aliás, V. Exas. citam o art. 217.º do Código do Trabalho, mas terão esquecido de ler o seu n.º 4 que diz “não pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado”.
Os meus cordiais cumprimentos,”
Facto 34)
A autora respondeu à sobredita missiva, nos termos constantes do doc. ... junto com a contestação, cujo conteúdo está em boa parte reproduzido no facto 26)
26. As razões das modificações consistem essencialmente na necessidade de haver coerência e uniformidade de critérios, constatando-se que, por exemplo, nos factos 26), 33) e outros, não foi usada a técnica da simples remissão para o documento “cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido”. Uma coisa é dar como assentes factos e coisa diferente é dar-se como assente a prova do facto ou a simples remissão para o seu conteúdo, não ficando a constar da decisão qual o facto ou factos desse conteúdo que a decisão considere com relevo.

28. Os factos com efetiva relevância para a decisão a proferir restringem-se tão só à celebração e existência do contrato de trabalho entre a Autora e o Réu, que durou por mais de 13 anos, e à declaração da sua extinção pelo Réu, com o único fundamento de que a Autora não aceitou aumentar o seu horário de trabalho contratado de 20 horas semanais, atendendo a pretensão do Réu de aumentar mais 15 horas por semana, o que, segundo este, levou à caducidade por imperativo legal baseado na norma do n. 3 do art. 11 da Portaria 67/2012, imperativo que, no seu entender, é enquadrável na alínea b) do art. 343 do CT.

30. O regime de contrato de trabalho a tempo parcial está regulado nos artigos 150 e ss. do CT, prevendo o art. 155/1 deste Código que é necessário o acordo escrito para que o trabalhador a tempo parcial passe a trabalhar a tempo completo (ou vice-versa).
31. Resulta dos autos que não houve qualquer acordo escrito entre a Autora e o Réu para que o contrato passasse a ser a tempo completo.
32. Por isso, assistia à Autora o direito de não acatar a pretensão do Réu de aumentar o período de trabalho para as 35 horas semanais.

34. Assim sendo, fica, pois, erradicada a hipótese de imputar à Autora qualquer impossibilidade, por ínfima que seja, de realizar a prestação de trabalho contratada com o Réu, sendo certo que não se verificou nem se verifica qualquer impossibilidade – e muito menos superveniente, absoluta e definitiva – de a Autora realizar a prestação contratual …
35. E, salvo melhor entendimento, também não existiu nem existe impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do Réu receber da Autora a prestação de trabalho ajustada contratualmente.
36. Entendeu erradamente a sentença sub judice que se verificou uma impossibilidade legal do Réu receber a prestação de trabalho da Autora, impossibilidade legal que resultaria do imperativo legal contido na norma do “n. 3 do artigo 11.º do referido diploma legal” (cf. facto 28) e que seria enquadrável na previsão da alínea b) do art. 343 do Código do Trabalho (cf. facto 39).
37. Salvo sempre o devido respeito por opinião diversa, a defesa da tese da licitude da declaração do Réu da extinção imediata do contrato de trabalho com tal fundamento, não tem sustentabilidade na normal interpretação e aplicação no nosso ordenamento jurídico-laboral.
38. Com efeito, a referida Portaria 67/2012, que “define as condições de organização, funcionamento e instalação das estruturas residenciais para pessoas idosas”, trata no seu art. 11.º da “Direção Técnica” e o n. 3 deste art. diz exatamente o seguinte: “as funções do diretor técnico podem ser exercidas a 50 %, quando a capacidade da estrutura residencial for inferior a 30 residentes” e pretender extrair desta norma um imperativo legal que inevitavelmente conduza à caducidade do contrato de trabalho de uma Diretora Técnica a tempo parcial, no caso da respetiva Entidade Empregadora decidir livremente admitir apenas mais um utente (para além dos vinte e nove que tinha), esgotando a capacidade máxima do seu Estabelecimento aprovada pela Entidade Fiscalizadora competente, é, salvo sempre o devido respeito, uma interpretação ou conclusão errónea e completamente insustentável face ao nosso ordenamento jurídico-laboral.
39. A referida norma legal do n. 3 daquele art. 11 não obriga à admissão de mais um utente para completar os trinta e a verdade é que o Réu funcionou ao longo dos anos com menos de trinta utentes e, seguramente, desde a admissão da Autora em março de 2008 (ver facto 15) até julho de 2021 (ver facto 25), nada obstou à plena vigência e cumprimento do contrato de trabalho com a Autora.
40. Não há nos autos qualquer prova sobre a data em que o Réu, por sua livre decisão, completou a sua capacidade máxima de trinta utentes, ultrapassando apenas em um o limite referido na norma legal em análise para a possibilidade da Diretora Técnica a meio tempo.
41. É igualmente indiscutível que nenhum imperativo legal obrigou o Réu a assinar um acordo com o Instituto da Segurança Social, pois sempre aí se vinculou “livremente e por sua iniciativa a condições e obrigações” (facto 7), e, dentro dessa sua livre iniciativa, nada o obrigou ou obriga a que a “capacidade da sua ERPI pudesse ir até aos trinta utentes”, sendo certo que está assente na matéria de facto que só “no Acordo celebrado em 10.02.2020, o Réu, “livremente e de boa-fé”, aceitou que a capacidade da sua ERPI pudesse ir até aos 30 utentes (cl. V), sendo que “o número de utentes abrangidos pelo presente Acordo é de 24” [querendo a expressão “abrangidos” significar “subsidiados”], e obrigando-se a reservar três vagas para serem preenchidas pelos serviços competentes do Centro Distrital da Segurança Social” (vd. facto 10).
42. O Acordo acabado de citar apenas abrangia vinte e quatro utentes e a obrigação de reservar três vagas. Isto é, se estas três vagas acrescessem àquele número de vinte e quatro, ainda assim o Réu nem sequer se vinculou a desenvolver o seu negócio até esgotar a capacidade máxima permitida para as suas instalações, que era de trinta utentes.
43. Da referida norma do n. 3 do art. 11 da Portaria 67/2012, lida e interpretada com as regras obrigatórias previstas no art. 9 do Código Civil, e atentas as condições de livre vinculação do Réu acabadas de referir e bem espelhadas nos factos assentes, não resulta minimamente a inevitável caducidade do contrato de trabalho discutido nos presentes autos.
44. A concreta “justa causa” da extinção do contrato de trabalho da Autora, aqui em apreço, tem de ser apreciada necessariamente à luz da CRP, art. 53, que proíbe os despedimentos sem justa causa, e à luz do CT, arts. 338 e 343, que reproduzindo aquela norma constitucional, proíbe os despedimentos sem justa (no art. 338) e disciplina a extinção por caducidade (no art. 342), prevendo, para o que aqui importa, que esta possa ocorrer “por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber” (art. 343, al. b).
45. No presente caso nenhum comando legal obrigou o Réu à admissão de mais um utente para além dos vinte e nove no seu estabelecimento, nem há imperativo legal que o obrigue a manter esse “mais um utente” indefinidamente ou o impeça de regressar aos “29 utentes

47. Por isso, é insustentável que o Réu, tal como ficou alegado na petição inicial, “tenha tentado justificar a caducidade na falta de resposta da Autora à solicitação para dizer, “no prazo de cinco dias úteis”, “de forma clara e objetiva, se tinha possibilidade de desempenhar o cargo de Diretora Técnica a tempo inteiro, durante 35 horas semanais distribuídas por 7 horas diárias, durante cinco dias por semana, e, caso nada dissesse, de forma clara e objetiva, em termos de «tenho disponibilidade» ou «não tenho disponibilidade» (…) se presumir a falta de disponibilidade para o efeito, o que seria configurado como impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de prestar o seu trabalho, na aceção da alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho (…) o que constituiria causa de caducidade do Contrato de Trabalho”.
48. A boa-fé imposta por lei na formulação, no cumprimento e na alteração de contrato, não consente a referida posição do Réu, sendo que não se pode considerar uma proposta negocial a imposição duma resposta “sim” ou “não” à alternativa entre a sujeição a mais 20 horas semanais ou caducidade do contrato.
49. Para além daquela declaração do Réu não constituir proposta negocial digna desse nome, a verdade é que a sua recusa ou não aceitação, como já ficou dito, não representa qualquer incumprimento por parte da Autora nem pode servir de argumento válido à caducidade do contrato de trabalho, como a Autora, em resposta àquela declaração do Réu comunicou com os fundamentos claros e desenvolvidos que constam da matéria assente no facto 26, que, por brevidade, não se repetem aqui.
50. É certamente peregrina e inaudita a tese de que se «configura» «como impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de prestar o trabalho» (caducidade) o facto do trabalhador, em «cinco dias úteis», não responder ao empregador nos exatos termos por ele exigidos, isto é, «tenho disponibilidade» ou «não tenho disponibilidade», tanto mais que o Réu já tinha recebido dela a referida comunicação do facto 26) da sentença.
51. O Réu foi livre na decisão de aumentar o número de utentes de vinte e nove para trinta e mantém inteira liberdade de passar novamente a acolher menos um utente, seja por morte de um entre os trinta, seja por transferência de qualquer um deles para outra Instituição do género, seja por acordo de negociação com qualquer utente para fazer cessar a assistência… O que é insustentável é que o Réu possa defender com êxito a tese de que está legalmente impedido por imposição legal de não se sujeitar a uma impossibilidade superveniente absoluta e definitiva de receber a prestação de trabalho da Autora.
52. A situação descrita pelo Réu foi por si livremente criada, incorre na previsão legal de que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (art. 334 do CC), deparando-se o Réu com a nulidade incontornável do abuso do direito, por se verificar o venire contra factum proprium, que, como é sabido, contempla a situação tentar tirar proveito da situação em benefício próprio de situação por si livremente criada.
53. A referida Portaria 67/2012 no referido art. 11 apenas dispõe que as funções de “Direção Técnica” sejam asseguradas a tempo inteiro a partir dos 30 utentes.
Não decorre dessa norma que a atividade da Direção Técnica Ora não possa ser assegurada por dois profissionais, que, contratados a tempo parcial, completem o tempo das 35 horas. Nada impede que um deles seja o Diretor Técnico e o outro o Diretor Técnico auxiliar. Ou outro trabalhador qualificado que assegure as atividades da Direção Técnica. Tal como sucede nas ausências do Diretor Técnico por doença, por razões de outras faltas justificadas, por gozo de férias.
54. Se a invocada norma da Portaria tivesse o condão de instituir um novo motivo de caducidade de contrato de trabalho, tal norma sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, seja inconstitucionalidade por vício formal, seja inconstitucionalidade por grave violação dos princípios da segurança no emprego, da proibição dos despedimentos sem justa causa, da proporcionalidade e da razoabilidade.
55. A boa interpretação da norma em causa consentiria o entendimento de que se o regime estabelecido admite o exercício da profissão de Direção Técnica até 17h30 até 29 utentes, não configuraria contraordenação grave a existência de trinta utentes no caso em que havia uma Diretora Técnica contratada durante o horário semanal de 20 horas, ou seja, mais 2 horas e meia por apenas por mais um utente.
*
Em contra-alegações sustenta-se o decidido.
A Exmª PGA deu parecer no sentido da improcedência.
Colhidos os vistos das Ex.mas Desª. Adjuntas e vista a prova há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

1) A autora intentou contra o réu uma ação de impugnação de despedimento que correu termos neste Juízo, com o n.º 1710/21...., com a apresentação, em 30.08.2021, do respetivo formulário.
2) Em 27.09.2021 foi proferida decisão que declarou a existência de erro na forma de processo, a nulidade de todo o processado e determinou a absolvição da instância do réu, que foi objeto de recurso, vindo a ser este julgado improcedente, confirmando-se a referida decisão, por Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 20.01.2022, transitando em julgado.
3) O réu é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS).
4) A IPSS do réu assumiu a forma de Centro Social ..., como Instituição da Igreja Católica, ao abrigo n. 2 do artigo 2.º daquele DL 119/83, e a última versão dos seus estatutos foi superiormente aprovada em junho de 2017, pelo Sr. Bispo ..., D. BB.
5) O réu, como prevê na al. a) do art.º 4.º dos seus estatutos, exerce a atividade principal de dar apoio a pessoas idosas, através duma estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI), atividade esta que exerce atualmente no edifício da sua sede, na Rua ..., ... ..., ..., para onde admitiu a Autora.
6) Em relação a esse seu estabelecimento, o Réu foi celebrando sucessivos Acordos de Cooperação com o Instituto de Segurança Social, IP / Centro Distrital ..., nomeadamente os celebrados em 21.12.2016, 15.01.2019 e em 10.02.2020, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
7) Nesses Acordos, o Réu vincula-se, livremente e por sua iniciativa, a condições e obrigações.
8) Entre essas condições encontra-se a definição do número máximo de utentes ou a capacidade permitida pelo respetivo “equipamento/serviço”, ou seja, pela sua ERPI.
9) No Acordo de Cooperação celebrado em 21.12.2016, o Réu aceitou que a capacidade da sua ERPI era de 23 utentes (cl. V), obrigando-se ainda a reservar duas vagas para serem preenchidas pelos serviços competentes do Centro Distrital da Segurança Social e prevendo-se, no Anexo ao Acordo, além do mais, a existência de “um Diretor Técnico a 50%” (meio tempo, ou seja, 17h30 por semana).
10) Já no Acordo celebrado em 10.02.2020, o Réu, “livremente e de boa-fé”, aceitou que a capacidade da sua ERPI pudesse ir até aos 30 utentes (cl. V), sendo que “o número de utentes abrangidos pelo presente Acordo é de 24” [querendo a expressão “abrangidos” significar “subsidiados”], e obrigando-se a reservar três vagas para serem preenchidas pelos serviços competentes do Centro Distrital da Segurança Social.
11) No Anexo a este Acordo de 2020, repetindo-se que a capacidade possa ir até aos 30 utentes e que o número dos “utentes abrangidos” é de 24, consignou.se, na Cláusula III (Recursos Humanos), que “os recursos humanos afetos à resposta social (…) que constam do quadro seguinte são os necessários para o número de utentes abrangidos pelo presente Acordo (24)”, acrescentando-se, de seguida, que “caso existam utentes em número inferior ou superior, e neste último caso até ao limite da capacidade, a Instituição [o Réu] efetua os ajustamentos necessários no quadro de pessoal, em conformidade com o disposto na legislação que regulamenta esta resposta social”.
12) No “quadro seguinte”, referido na citação anterior, continua-se a prever expressamente a existência de “um Diretor Técnico a 50%” (meio tempo, ou seja, 17h30 por semana).
13) A Autora, por sua vez, é Licenciada em Enfermagem, curso que concluiu em 2005.
14) E é titular da Cédula Profissional n.º ...92, emitida pela Ordem dos Enfermeiros, em agosto de 2005, estando apta a exercer e exercendo também a atividade de Enfermeira.
15) O Réu, em março de 2008, admitiu a Autora para trabalhar na sua referida ERPI, sob as suas ordens e direção, mediante retribuição, e ela, desde então até 28/07/2021, aí trabalhou continuadamente.
16) O Réu colocou a Autora a exercer, sob as ordens e orientações dele, as funções de direção do estabelecimento, responsabilizando-a pela programação de atividades, pela coordenação e supervisão do pessoal, pela promoção de reuniões com o pessoal e com os utentes, planificando e coordenando atividades sociais, culturais e ocupacionais.
17) O Réu atribuiu à Autora a categoria de Diretora Técnica.
18) O horário de trabalho ajustado foi de 20 horas semanais.
19) As folgas semanais eram ao Sábado e ao Domingo.
20) Ultimamente, o Réu pagava à Autora o salário base mensal de 682€, acrescidos de 63€ a titulo de diuturnidades e de 50€ de ajudas de custo, totalizando a remuneração mensal 795,00€.
21) A Autora nunca foi objeto de procedimento nem de sanção disciplinar, por parte do Réu.
22) Em carta data de 28 de maio de 2021 dirigida à Autora, o Réu declarou “deixar bem claro que a preconizada alteração do horário (…) não tem subjacente qualquer desagrado ou desprimor ao trabalho desenvolvido por V. Exa.”.
23) O Réu sempre reconheceu e apreciou a competência e o bom desempenho profissional da Autora.
24) Às relações de trabalho no Réu (e nas demais IPSS) é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais (FNSTFPS), cuja última revisão se encontra publicada no BTE n.º 1, de 8/1/2020, e foi objeto de posterior revisão parcial publicada no BTE n.º 1, de 8/1/2021. Aquele CCT foi objeto de sucessivas Portarias de Extensão, a última das quais se encontra publicada no BTE n. º 34, de 15/9/2021.
25) O Réu, por carta datada de 21 de julho de 2021, recebida pela Autora no dia 28 de julho de 2021, comunicou a esta a caducidade do contrato de trabalho, nos termos constantes da mesma, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
26) A Autora respondeu a cartas do Réu sobre o assunto em causa, dizendo o seguinte, que se transcreve de uma das cartas de resposta dirigida à Direção do Réu: “permitam-me a observação de que quem aconselhou ou produziu as referências legais ou jurídicas insertas na carta, bem poderá também aconselhar, esclarecer e promover a aplicação do seguinte:
a. que nenhuma norma de qualquer Portaria tem a virtualidade de alterar ou modificar o Código do Trabalho;
b. que há normas no Código do Trabalho que proíbem a alteração unilateral do horário de trabalho acordado e da sua natureza (a tempo inteiro ou parcial);
c. que o Código de Trabalho também impõe que a Entidade Empregadora tem de respeitar as funções correspondentes à categoria de cada um dos seus trabalhadores;
 d. que da Portaria 67/2012, de 21 de março, deriva antes de mais a necessidade de serem garantidas as funções próprias da Direção Técnica, nada dizendo se tais funções podem ou não ser exercidas em grupo ou em colaboração, podendo o Diretor/a Técnico/a assegurar as suas funções por delegação, nas suas ausências, por forma a que as funções sejam exercidas efetivamente (pelo próprio Diretor ou por alguém com competência técnica em que este delegue, assumindo aquele toda a responsabilidade), durante o tempo correspondente a Contrato de Trabalho em full- time, nas ausências do Diretor/a…
e. que haverá modo de interpretar e aplicar as normas da citada Portaria por forma a demonstrar que, se pode haver uma Direção Técnica a meio tempo para vinte e nove utentes, o facto de haver mais um utente (trinta utentes) não justificará a duplicação do horário, sendo certo que o horário atualmente existente é superior a “meio tempo”, pelo que o rácio existente é superior ao suposto nas normas da citada Portaria…
f. que a questão também poderá ser solucionada pela medida de gestão de se não ultrapassar os vinte e nove utentes, logo que haja uma nova vaga…
g. que, em todo o caso, não há norma ou princípio legal que permita à Entidade Empregadora alterar unilateralmente o horário de trabalho acordado e já praticado ao longo de anos… Isto dito e/ou sugerido, reafirmo a minha total disponibilidade para cumprir as funções de Diretora Técnica para as quais fui contratada, com a mesma competência, zelo e empenho que sempre demonstrei. Acrescento que, como sempre (…) manterei também toda a disponibilidade e abertura para o diálogo e para as melhores soluções para ambas as partes, desde que não me sejam apresentadas e propostas soluções que, como bem sabem, são impossíveis de aceitar e de cumprir porque incompatíveis com a minha vida pessoal, familiar e outras ocupações de que não posso abdicar. A imposição de alterações ou condições impossíveis significaria a rotura unilateral do meu contrato de trabalho contra a minha vontade, com as consequências que a lei prevê. Os meus cordiais cumprimentos.”
*
27) Dos dossiês herdados da anterior Direção constava o da regularização da situação do tempo de trabalho da Direção Técnica, a qual estava a incumbida a tempo parcial à autora, na sequência de contrato de trabalho celebrado em março de 2008  
28) Tal situação já havia sido alertada pelo Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais da Segurança Social, na sequência de ação inspetiva levada a efeito no ano de 2019, em cujo relatório (págs. 13 e 14 ) se refere que “confrontando o pessoal afeto à ERPI com os rácios definidos na Portaria n.º 67/2012 de 21 de março, verifica-se que o mesmo não está conforme, porquanto, considerando a frequência de 30 utentes, a diretora técnica deverá estar afeta a 100% e não a meio tempo, facto que viola o disposto no n.º 3 do artigo 11.º do referido diploma legal, constituindo assim contraordenação prevista e punível pela alínea f) do artigo 39.º - B e alínea b) do artigo 39.º- E do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 33/2014 de 4 de março”.
29) A existência de uma Direção Técnica a tempo inteiro corresponde também a uma necessidade funcional e organizacional do réu, mercê do seu crescimento nos últimos anos.
Alterado para:

 Mercê do seu crescimento nos últimos anos, a Direção da ré entendeu que a existência de uma Direção Técnica a tempo inteiro, além da exigência legal, correspondia também a uma necessidade funcional e organizacional do réu.
A existência de uma Direção Técnica a tempo inteiro corresponde também a uma necessidade funcional e organizacional do réu, mercê do seu crescimento nos últimos anos.
30) A autora estaria atualmente a desempenhar o cargo de Diretora Técnica do réu desde que manifestasse a sua disponibilidade para assumir tal cargo a tempo inteiro, por 35 horas semanais.
31) Em 18 de maio de 2021, encontrando-se a autora em baixa médica prolongada e na consequente impossibilidade de reunir pessoalmente com esta, o réu enviou-lhe uma missiva, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, solicitando-lhe que se pronunciasse sobre a passagem para um horário de trabalho a 100%.
32) A autora respondeu à sobredita missiva, nos termos constantes do doc. ...  junto com a contestação, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Alterado:
A autora respondeu à sobredita missiva, por carta datada de 25-05-2021, dizendo:
“Exma. Sra. Presidente da Direção:
Acuso a receção da Vossa carta data de 18 de maio.
Surpreendeu-me a carta e o seu teor, surpresa que também ficou acrescida pelo facto de se encontrar suspenso o meu contrato de trabalho, nos termos da lei, em consequência das ausências por doença.
Pelo meu lado, continuo empenhada em que seja mantida entre nós toda a cordialidade, a boa-fé e o diálogo. Porém, peço desculpa e a melhor compreensão para a observação de que não compreendo, entristece-me, causa em mim desconforto, perturbação, constrangimento, desestabilização e a sensação de humilhação e afetação da minha dignidade pessoal e respeito que me é devido tudo causado pela persistência ou repetição de atos de imposição unilateral de condições de trabalho, que não constam do meu contrato inicial de trabalho nem das suas alterações ou vicissitudes posteriores que foram sempre feitas por consenso (acordo).
Espero que seja implementado e respeitado o bom ambiente relacional que perdurou desde o início do meu contrato de trabalho.
Exerci sempre as minhas funções com dedicação incontestável, com empenho e competência reconhecida desde logo pelas técnicas da Segurança Social com quem me fui relacionando em razão das funções exercidas.
Sobre as novas tentativas de me imporem unilateralmente a alteração do meu horário de trabalho, quer na sua duração semanal expressamente acordada no contrato escrito inicial, quer no modo acordado de cumprimento desse horário, diário e semanal que vigorou por estes anos todos, sem qualquer divergência, dou aqui como reproduzido tudo o que consta de comunicações anteriores que enviei à Direção que peço que releiam.
Sem qualquer outro comentário, declaro que me oponho frontalmente às alterações propostas por V. Exas. e que, como bem sabem, constituem para mim uma impossibilidade de cumprimento.
Não renunciarei a qualquer dos meus direitos laborais.
Logo que me seja dada alta médica, estarei disponível para cumprir integralmente o meu horário de trabalho contratado e nas formas ou modalidades em que sempre cumpri ao longo dos anos.
Por outras palavras, não aceito o novo horário proposto. Aliás, V. Exas. citam o art. 217.º do Código do Trabalho, mas terão esquecido de ler o seu n.º 4 que diz “não pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado”.
Os meus cordiais cumprimentos,”
33) Por missiva registada datada de 28 de maio de 2021, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o réu reafirmou a necessidade de salvaguardar a legalidade do funcionamento da instituição e de adaptar o horário da Direção Técnica à realidade vigente da instituição, que acolhia, à data, 30 utentes, dos quais 4 acamados, e 23 colaboradores, realidade que era bem diferente da que existia em 2008, ano que tinha sido celebrado o contrato de trabalho a tempo parcial com a autora, solicitando que esta se pronunciasse objetivamente sobre a possibilidade de desempenhar o cargo de Diretora Técnica a tempo inteiro, convidando-a inclusive a formalizar uma contraproposta de distribuição do tempo de trabalho por cinco dias que não os preconizados na missiva anterior.
34) A autora respondeu à sobredita missiva, nos termos constantes do doc. ... junto com a contestação, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Alterado para:
A autora respondeu à sobredita missiva, nos termos constantes do doc. ... junto com a contestação, cujo conteúdo está em boa parte reproduzido no facto 26)
35) (eliminado) O réu, para o cumprimento pleno dos seus princípios e objetivos assistenciais em tempo de pandemia, reclamava a presença de uma Direção Técnica a tempo completo.
36) Por missiva registada c/AR datada de 18 de junho de 2021, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, o réu solicitou à autora “uma resposta concreta e objetiva sobre a possibilidade de desempenhar o cargo de Diretora Técnica a tempo inteiro”, salvaguardando que, ao contrário do vertido nas anteriores missivas, o limite máximo do período normal de trabalho era de 35 horas semanais, de acordo com o estabelecido na al. a) do n.º 1 do artigo 24.º do CCT entre a CNIS e a FNSTFPS, sendo este o período normal de trabalho que deveria ser considerado.
37) O réu advertiu que seria a “última comunicação sobre esta matéria”, solicitando, enfim, que aquela esclarecesse, de forma clara e objetiva, se tinha disponibilidade para desempenhar o cargo de Diretora Técnica a tempo inteiro, durante 35 horas semanais, distribuídas por 7 horas diárias, durante cinco dias por semana, advertindo que, caso a mesma nada dissesse, de forma clara e objetiva, em termos de “tenho disponibilidade” ou “não tenho disponibilidade”, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da missiva em causa, presumir-se-ia que a autora não tinha disponibilidade para o efeito, o que seria configurado como impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar trabalho, na aceção da alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro, o que constituiria causa de caducidade do contrato trabalho.
38) A autora respondeu a essa carta, em 29 de junho de 2021, nos termos constantes da mesma, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
39) O réu, por carta registada c/AR datada de 21 de julho de 2021, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, comunicou a caducidade do contrato de trabalho, com efeitos a partir da receção da sobredita missiva, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de prestar trabalho, na aceção da alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de fevereiro.
40) A autora recebeu a missiva em causa em 28 de julho de 2021.
41) A autora enviou uma carta ao réu, data de 4 de agosto de 2021, com o assunto “caducidade de contrato ilegal”, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
42) Em todas as missivas enviadas à autora salvaguardou-se sempre o imperativo legal contido no artigo 11.º da Portaria 67/2012 de 21 de março, de onde resulta que o quadro de pessoal exigido para 30 utentes deve contemplar obrigatoriamente um Diretor Técnico a tempo inteiro, como se salvaguardou a necessidade imperiosa de adaptar o horário da Direção Técnica à realidade vigente da instituição, que tinha, à data, 30 utentes, dos quais 4 acamados, e 23 colaboradores, realidade que era bem diferente da que existia em 2008, ano que tinha sido celebrado o contrato de trabalho a tempo parcial.
43) A instituição cresceu ao longo dos anos e as necessidades funcionais e organizacionais tornaram-se diferentes.
44) O réu acolhe, atualmente, 30 utentes, dos quais 4 acamados, e igualmente 23 colaboradores.
45) Os utentes do réu são idosos e pessoas com deficiência motora, a maioria deles que já não podem receber o apoio e os cuidados de enfermagem necessários nas suas casas.
46) As respostas de ERPI (e também de SAD) prestadas pelo réu são absolutamente indispensáveis para a população da freguesia ... e das freguesias limítrofes.
47) Em Portugal, há falta de vagas nas instituições que acolhem idosos, situação que aumentou devido à demografia e ao envelhecimento da população.
48) Se o réu pudesse acolher mais utentes, fá-lo-ia certamente, até porque se está a preparar para expandir a sua capacidade de acolhimento, tendo adquirido recentemente um imóvel para esse efeito na localidade de ....
49) Acolhendo o réu 30 utentes, dos quais 4 acamados, e tendo 23 colaboradores, o mesmo apenas conseguirá cumprir os seus princípios e objetivos assistenciais dispondo de um/a Diretor/a Técnico/a tempo inteiro, que esteja presente em permanência, que assegure diariamente a organização e supervisão dos colaboradores, que estabeleça uma comunicação permanente e diária com as famílias dos utentes, designadamente quando estes vão à instituição ou quando a contactam telefonicamente, que assegure e garanta diariamente a supervisão da higiene, efetuando rondas diárias aos quartos, verificando a eficiente higiene das camas e das casas de banho.
Alterado para:
Acolhendo o réu 30 utentes, dos quais 4 acamados, e tendo 23 colaboradores, no entender da direção da ré, e para conseguir cumprir os seus princípios e objetivos assistenciais, é necessária um/a Diretor/a Técnico/a tempo inteiro, que esteja presente em permanência, que assegure diariamente a organização e supervisão dos colaboradores, que estabeleça uma comunicação permanente e diária com as famílias dos utentes, designadamente quando estes vão à instituição ou quando a contactam telefonicamente.
50) Causou desconforto no seio da anterior Direção do réu, que no contexto dos processos inspetivos que tiveram lugar em 2019, as Sras. Inspetoras da Segurança Social referissem que “não conseguiam falar com a Diretora Técnica porque aquela quase nunca estava presente”.
51) (Eliminado) No início da crise pandémica, em março de 2020, a autora viu-se obrigada a ficar a tempo inteiro no Hospital onde trabalhava como Enfermeira, tendo de delegar informalmente na sua irmã, Enf. CC, as funções de Direção Técnica, num período tão conturbado da vida da ERPI e da comunidade em geral.
52) (Eliminado) Confrontada com esse facto, a autora invocou o regime do teletrabalho, o que era absolutamente incompatível com as necessidades da instituição no pico da crise pandémica.
53) Não obstante o contrato de trabalho celebrado com a autora referir na sua cláusula 4.ª que “o período normal de trabalho será de 20 horas semanais, distribuídas de acordo com as necessidades da instituição”, o certo é que sempre foi a autora a estipular unilateralmente o seu horário, muitas vezes sem o conhecimento formal da Direção, sendo que as 20 horas semanais eram geralmente distribuídas de acordo com as possibilidades da trabalhadora e não com as necessidades da instituição.
Alterado para:
Não obstante o contrato de trabalho celebrado com a autora referir na sua cláusula 4.ª que “o período normal de trabalho será de 20 horas semanais, distribuídas de acordo com as necessidades da instituição”, sempre foi a autora a estipular unilateralmente o seu horário, muitas vezes sem o conhecimento formal da Direção.
54) A autora foi contratada a tempo parcial em março de 2008, numa altura em que o réu acolhia apenas 17 utentes e tinha 13 colaboradores.
55) A autora é Enfermeira com vínculo contratual por tempo indeterminado com o Hospital ....
56) A ré, em 1 de julho de 2020, enviou uma carta à autora, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, solicitando que esta informasse se tinha disponibilidade para o exercício do cargo a tempo inteiro, pelo facto de a instituição ter atingido o número de 30 utentes, sendo obrigada a manter o Diretor Técnico a tempo inteiro.
57) Por carta de 8 de julho de 2020, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, a autora solicitou ao réu que lhe fosse demonstrada a imposição legal de uma diretora técnica a temo inteiro e qual o número de horas que deveriam acrescer ao seu contrato de trabalho.
58) O réu, por carta datada de 15 de julho de 2020, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, informou a autora de que a exigência decorre do disposto no nº 3 do art.º 11.º do Decreto-Lei 67/2012, referindo que o silêncio da autora traduz a rejeição do convite formulado para a ocupação do cargo proposto e que, nessa sequência, iriam proceder à substituição no cargo.
59) Por carta datada de 24 de julho de 2020, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, a autora opôs-se ao que qualificou como “despedimento”, pretendendo continuar as funções próprias do seu contrato de trabalho, mantendo disponibilidade para ultrapassar a questão do horário de trabalho ou outra.
60) O reu, por carta datada de 28 de julho de 2020, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, concedeu à autora mais 5 dias para dizer se aceitava ou não o cargo a tempo inteiro, com a advertência de que caso não aceite essa proposta cessaria funções por sua iniciativa.
61) Logo no dia seguinte ao da carta da Autora datada de 28-07-2020, por intermédio do Advogado Dr. DD, foi feita uma comunicação em que o Réu expressamente diz que “não se entende que o seu contrato de trabalho tenha cessado por qualquer forma, nem se encontra em curso qualquer procedimento no sentido da cessação do contrato de trabalho (…) nem está em curso qualquer despedimento, pelo que deve continuar a prestar o seu trabalho”.
2. Matéria de facto não provada
Com relevo para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
a) A Autora, sob as ordens do Réu, cumpriu sempre o horário de trabalho, que, frequentes vezes, ultrapassou aquele limite de 20 horas semanais e as quatro horas diárias.
b) Na carta referida em 25), o réu referiu que procedia ao despedimento da autora.
***

Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A recorrente coloca as seguintes questões:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto.
Quanto matéria de facto:
Eliminação dos factos 29), 30), 35), 42), 46), 47), 48), 49), 51), 52) e 53), por se tratar de matéria conclusiva de direito ou argumentativa, seja porque contém contradições e falsidades em relação à prova existente e verificada.
- Adição dos seguintes factos:
19A) com a redação “A Autora, sob as ordens do Réu, cumpriu sempre o horário de trabalho, que, frequentes vezes, ultrapassou aquele limite de 20 horas semanais e as quatro horas diárias”.
41A) A Autora deu resposta a qualquer carta das cartas recebidas da Autora sobre a questão do aumento do horário (vd. art. 47 da p.i., não impugnado, e seu contexto).
41B) A Autora respondeu repetidamente, dizendo, além do mais, o que consta da matéria assente no facto 26) – vd art. 48 da p.i., não impugnado, e seu contexto.
41C) A Autora respondera:
a. que reafirmava a «total disponibilidade para cumprir as funções de Diretora Técnica para as quais [fora] contratada, com a mesma competência, zelo e empenho que sempre demonstrara»;
b. que mantinha «toda a disponibilidade e abertura para o diálogo e para as melhores soluções para ambas as partes»;
c. que as «propostas soluções (…) são impossíveis de aceitar e de cumprir porque incompatíveis com a [sua] vida pessoal, familiar e outras ocupações de que não [podia] abdicar»; d. que há normas no CT que «proíbem a alteração unilateral do horário de trabalho acordado e da sua natureza (a tempo inteiro ou parcial)»;
e. que «da Portaria 67/2012, de 21 de março, deriva antes de mais a necessidade de serem garantidas as funções próprias da Direção Técnica, nada dizendo se tais funções podem ou não ser exercidas em grupo ou em colaboração, podendo o Diretor/a Técnico/a assegurar as suas funções por delegação, nas suas ausências, por forma a que as funções sejam exercidas efetivamente (pelo próprio Diretor ou por alguém com competência técnica em que este delegue, assumindo aquele toda a responsabilidade), durante o tempo correspondente a Contrato de Trabalho em full-time, nas ausências do Diretor/a»;
f. que «haverá modo de interpretar e aplicar as normas da citada Portaria por forma a demonstrar que, se pode haver uma Direção Técnica a meio tempo para vinte e nove utentes, o facto de haver mais um utente (trinta utentes) não justificará a duplicação do horário, sendo certo que o horário atualmente existente é superior a “meio tempo”, pelo que o rácio existente é superior ao suposto nas normas da citada Portaria»;
g. que «a questão também poderá ser solucionada pela medida de gestão de se não ultrapassar os vinte e nove utentes, logo que haja uma nova vaga»;
h. que «em todo o caso, não há norma ou princípio legal que permita à Entidade Empregadora alterar unilateralmente o horário de trabalho acordado e já praticado ao longo de anos»… (vd. art. 50 da p.i., não impugnado).

- Alteração dos factos 32) e 34), que deverão constar com o seguinte teor:
Facto 32) A autora respondeu à sobredita missiva, por carta datada de 25-05-2021, dizendo:
“Exma. Sra. Presidente da Direção:
Acuso a receção da Vossa carta data de 18 de maio.
Surpreendeu-me a carta e o seu teor, surpresa que também ficou acrescida pelo facto de se encontrar suspenso o meu contrato de trabalho, nos termos da lei, em consequência das ausências por doença.
Pelo meu lado, continuo empenhada em que seja mantida entre nós toda a cordialidade, a boa-fé e o diálogo. Porém, peço desculpa e a melhor compreensão para a observação de que não compreendo, entristece-me, causa em mim desconforto, perturbação, constrangimento, desestabilização e a sensação de humilhação e afetação da minha dignidade pessoal e respeito que me é devido tudo causado pela persistência ou repetição de atos de imposição unilateral de condições de trabalho, que não constam do meu contrato inicial de trabalho nem das suas alterações ou vicissitudes posteriores que foram sempre feitas por consenso (acordo).
Espero que seja implementado e respeitado o bom ambiente relacional que perdurou desde o início do meu contrato de trabalho.
Exerci sempre as minhas funções com dedicação incontestável, com empenho e competência reconhecida desde logo pelas técnicas da Segurança Social com quem me fui relacionando em razão das funções exercidas.
Sobre as novas tentativas de me imporem unilateralmente a alteração do meu horário de trabalho, quer na sua duração semanal expressamente acordada no contrato escrito inicial, quer no modo acordado de cumprimento desse horário, diário e semanal que vigorou por estes anos todos, sem qualquer divergência, dou aqui como reproduzido tudo o que consta de comunicações anteriores que enviei à Direção que peço que releiam.
Sem qualquer outro comentário, declaro que me oponho frontalmente às alterações propostas por V. Exas. e que, como bem sabem, constituem para mim uma impossibilidade de cumprimento.
Não renunciarei a qualquer dos meus direitos laborais.
Logo que me seja dada alta médica, estarei disponível para cumprir integralmente o meu horário de trabalho contratado e nas formas ou modalidades em que sempre cumpri ao longo dos anos.
Por outras palavras, não aceito o novo horário proposto. Aliás, V. Exas. citam o art. 217.º do Código do Trabalho, mas terão esquecido de ler o seu n.º 4 que diz “não pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado”.
Os meus cordiais cumprimentos,”
Facto 34)
A autora respondeu à sobredita missiva, nos termos constantes do doc. ... junto com a contestação, cujo conteúdo está em boa parte reproduzido no facto 26)
- Caducidade do contrato por impossibilidade da ré em receber a prestação de trabalho, por imperativo legal.
- Criação da “situação “de impossibilidade por ato de gestão.
- Violação da boa-fé.
 ***
Apreciando:

Da matéria de facto:

Eliminação dos factos 29), 30), 35), 42), 46), 47), 48), 49), 51), 52) e 53), por se tratar de matéria conclusiva de direito ou argumentativa, seja porque contém contradições e falsidades em relação à prova existente e verificada.
Constituem conclusões, as asserções que em si mesmo se reconduzem à formulação de um juízo de valor a extrair de circunstâncias de facto.
A consideração de um item da matéria de facto, como conclusivo, deve nortear-se por um critério são, pois factos há que podem ser desmontados noutros factos, numa extensa cadeia. Importa ter em conta a exigibilidade ou não de uma concretização mais miúda, em função da garantia de defesa e contraditório, relevando as circunstâncias do caso e da prova que se pretende considerar, designadamente a sua essencialidade ou não para a resolução da causa.
Assim, tratando-se de factos instrumentais, ou factos que não constituam o cerne da questão, nem resolvam por si a questão de direito, um critério menos exigente e mais “compreensivo”, mais conforme ao modo como a vida se expressa, aceitando termos que embora jurídicos têm ou adquiriram um sentido comum, e acolhidos neste sentido, aceitando asserções factuais que embora mais genéricas não deixem de ser factuais, conquanto constituam o apuro de um conjunto de elementos probatórios que poderiam desdobrar-se, são aceitáveis.
O novo CPC avança no sentido de uma aproximação a uma justiça cada vez mais material, não se atribuindo o relevo que anteriormente se atribuía ao “conceito jurídico”, ou por analogia ao “facto com alguns laivos de conclusão”, se não constituírem matéria que se integre no “thema decidendum”.

Refere Abrantes Geraldes, que ressalta do novo código uma assunção mais clara no sentido de não atribuir excessivo relevo a argumentos formais, que levaram a alguns excessos, importando que a realidade em causa possa ser compreendida, sem que restem dúvidas quanto ao sentido do que é afirmado ou negado. Por conseguinte, propugna-se uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, com prevalência de critérios que não sejam demasiado rigoristas, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando depois os motivos que o determinaram, com destaque para os factos instrumentais de onde extraiu as ilações ou presunções judiciais.” - “Sentença Cível” – António Santos Abrantes Geraldes, “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de janeiro de 2014. Disponível na net.
Assim e levando em conta a prova constante dos autos sobre a qual as partes se pronunciaram, nada obsta a que a realidade possa ser “condensada através de expressões de conteúdo mais abrangente, sem qualquer prejuízo para a compreensão do litígio e para os objetivos da justiça material.” Importará contudo que relativamente aos factos essenciais a resposta não resolva por si a questão de direito, devendo pugnar-se por um nível de concretização que não ponha em risco quer o contraditório quer a realização da justiça material, sendo prudente um maior esmiuçamento da factualidade, evitando assim ainda o risco de a prova acabar por ser ela própria demasiado genérica e incapaz de permitir a sustentação do facto. Vejamos então.

Teor dos itens:
29) A existência de uma Direção Técnica a tempo inteiro corresponde também a uma necessidade funcional e organizacional do réu, mercê do seu crescimento nos últimos anos.
35) O réu, para o cumprimento pleno dos seus princípios e objetivos assistenciais em tempo de pandemia, reclamava a presença de uma Direção Técnica a tempo completo.

Relativamente ao “crescimento nos últimos anos”, importa desde logo considerar os factos dados como assentes, números 9, 10, 11, 28.
Mas vejamos. Na decisão refere-se que se fundamenta na “nas declarações de parte de EE, Presidente da Direção do Réu, de FF, Vice-Presidente da Direção e do depoimento de GG… os quais, de forma absolutamente credível e isenta, foram unânimes em explicar a inserção sociocultural do réu, a evolução a nível de utentes, as necessidades sentidas pela população, com lista de espera e demanda de uma Diretora Técnica a tempo inteiro, nomeadamente para resolução imediata dos problemas surgidos na instituição, no contacto com fornecedores, entidades externas, utentes e famílias destes, referindo que a autora estando a tempo parcial, a 50%, não obstante lhe reconhecerem mérito na sua atuação profissional, nem sempre poderia cumprir com as suas obrigações, porque fisicamente não se encontrava na instituição, uma vez que é Enfermeira no Hospital ..., a tempo inteiro, o que colocava constrangimentos vários, por ausência de pronta decisão.2021, os quais, de forma absolutamente credível e isenta, foram unânimes em explicar a inserção sociocultural do réu, a evolução a nível de utentes, as necessidades sentidas pela população, com lista de espera e demanda de uma Diretora Técnica a tempo inteiro, nomeadamente para resolução imediata dos problemas surgidos na instituição, no contacto com fornecedores, entidades externas, utentes e famílias destes, referindo que a autora estando a tempo parcial, a 50%, não obstante lhe reconhecerem mérito na sua atuação profissional, nem sempre poderia cumprir com as suas obrigações, porque fisicamente não se encontrava na instituição, uma  vez que é Enfermeira no Hospital ..., a tempo inteiro, o que colocava constrangimentos vários, por ausência de pronta decisão.“
A depoente EE, atual legal representante da ré, refere que atualmente têm 30 utentes residentes, desde 2019, e têm 12, 13 de apoio domiciliário e 23 colaboradores. A questão da autora vinha da anterior direção. Sobre o período em que esta era diretora, referiu que raramente via lá a Drª AA. Aludiu à evolução da ré, que começou com poucos utentes, referindo que há uns anos atrás tinha entre 17 a 20 utentes e depois foi aumentando, tendo sido feitas obras. Alude à necessidade da presença da diretora técnica a tempo interior, e presença física, como indispensável, para acompanhar a atividade da ré. Referiu o processo inspetivo, tendo sido chamada à segurança social para dar conhecimento das irregularidades e de que não podiam continuar assim. Tentaram resolver com a autora, tendo havido troca de correspondência, mas ela nunca respondeu concretamente nem fez qualquer proposta. Com a presença da diretora técnica a tempo inteiro as coisas melhoraram 
A depoente FF, vice-presidente da ré, confirmou no essencial este depoimento. Aludiu ao problema relativo à legalidade da situação e à tentativa de o resolverem cm a autora., no entender da depoente é indispensável uma diretora técnica a tempo inteiro, que coordene, que gira, para o lar funcionar bem, referindo a pouco formação de algumas funcionárias. Aludiu à procura destes serviços.
O depoente GG, anterior presidente, referiu a insistência dos outros diretores no sentido de terem uma diretora técnica a tempo inteiro, referindo que “pus-lhe a mão por cima durante alguns anos”, referindo também os custos, “não temos dinheiro para isso”. Depois em 2019, 2020, o lar ficou melhor, passaram arreceber mais da segurança social, e toda a direção concordou que era bom ter diretora a tempo inteiro. Aludiu às tentativas de resolver com a autora. Referiu que muitas vezes a autora não estava no lar, e as pessoas queriam falar com ela. Assuntos urgentes às vezes não respondia porque estava ocupada no hospital. Referiu ainda a ordem das inspetoras para terem diretora a tempo inteiro. O depoente deixou o assunto para a direção seguinte. Quanto ao horário referiu que a autora fazia o seu horário livremente. Confirmou que quando a autora entrou o lar tinha 16 ou 17 utentes e depois foi crescendo até chegar aos 30 idosos, pensa que em 2020. As inspetoras foram lá e referiram a necessidade de diretora técnica a tempo inteiro.  
Relativamente ao ponto 35 não resulta da prova clara a sua demonstração. Quanto ao ponto resulta da factualidade que a ré foi crescendo até atingir os 30 utentes, capacidade máxima autorizada, que legalmente exige uma diretora técnica a tempo inteiro. Resulta ainda dos depoimentos ser entendimento da direção da ré, quer a anterior, que reclamava junto do presidente uma diretora a tempo inteiro, quer a atual, e face ao crescimento havido, quer por força dos avisos relativos à situação de ilegalidade, ser uma necessidade ter uma diretora a tempo inteira, resultando dos depoimentos que ocorreram melhorias com a alteração. Assim o artigo 35º passa a ter a seguinte redação:
29) mercê do seu crescimento nos últimos anos, a Direção da ré entendeu que a existência de uma Direção Técnica a tempo inteiro, além da exigência legal, correspondia também a uma necessidade funcional e organizacional do réu.
Elimina-se o ponto 35.
*
30) A autora estaria atualmente a desempenhar o cargo de Diretora Técnica do réu desde que manifestasse a sua disponibilidade para assumir tal cargo a tempo inteiro, por 35 horas semanais.
            Relativamente a esta matéria as missivas trocadas e a disponibilidade da ré em continuar com a autora, mas a tempo inteiro, resultam claras. Resultou aliás do depoimento do anterior presidente da ré, o HH, a boa relação que tinha com a autora, que não pretendia afrontar, tendo deixado a questão para a direção seguinte. Nas missivas sempre foi colocada a possibilidade de desempenho das funções a tempo inteiro. Na ata de 14-9-2021, junta com PI, a ré em resposta à pretensão de reintegração responde que aceita desde que possa prestar as 35 horas semanais, cinco dias por semana. Na resposta à carta de 18 de maio a autora não manifestar qualquer disponibilidade, referindo opor-se à alteração do horário “frontalmente”, alterações que “constituem para mim uma impossibilidade de cumprimento”. É de manter o decidido.
*
42) Em todas as missivas enviadas à autora salvaguardou-se sempre o imperativo legal contido no artigo 11.º da Portaria 67/2012 de 21 de março, de onde resulta que o quadro de pessoal exigido para 30 utentes deve contemplar obrigatoriamente um Diretor Técnico a tempo inteiro, como se salvaguardou a necessidade imperiosa de adaptar o horário da Direção Técnica à realidade vigente da instituição, que tinha, à data, 30 utentes, dos quais 4 acamados, e 23 colaboradores, realidade que era bem diferente da que existia em 2008, ano que tinha sido celebrado o contrato de trabalho a tempo parcial.
Na fundamentação referem-se os mesmos depoimentos atrás referidos e o teor das cartas enviadas. Docs. ... e ..., ..., ..., ..., ... da contestação. Resulta das cartas não só a referência legal, mas ainda a nova realidade da instituição. É de manter o decidido.
*
46) As respostas de ERPI (e também de SAD) prestadas pelo réu são absolutamente indispensáveis para a população da freguesia ... e das freguesias limítrofes.
47) Em Portugal, há falta de vagas nas instituições que acolhem idosos, situação que aumentou devido à demografia e ao envelhecimento da população.
48) Se o réu pudesse acolher mais utentes, fá-lo-ia certamente, até porque se está a preparar para expandir a sua capacidade de acolhimento, tendo adquirido recentemente um imóvel para esse efeito na localidade de ....
Os depoimentos aludiram à procura destas instituições e as listas de espera. Neste sentido ainda o depoimento da atual diretora técnica. O anterior presidente aludiu à intenção de expandir a capacidade com um novo local. Quanto ao ponto 47 trata-se de facto notório, sendo situação não recente. É de manter as respostas.
*
49) Acolhendo o réu 30 utentes, dos quais 4 acamados, e tendo 23 colaboradores, o mesmo apenas conseguirá cumprir os seus princípios e objetivos assistenciais dispondo de um/a Diretor/a Técnico/a tempo inteiro, que esteja presente em permanência, que assegure diariamente a organização e supervisão dos colaboradores, que estabeleça uma comunicação permanente e diária com as famílias dos utentes, designadamente quando estes vão à instituição ou quando a contactam telefonicamente, que assegure e garanta diariamente a supervisão da higiene, efetuando rondas diárias aos quartos, verificando a eficiente higiene das camas e das casas de banho.
Relativamente a esta matéria resultou provado que esse é o entendimento da direção da ré. Não pode considerar-se, no entanto, que “apenas conseguirá…”, o que resultará será um serviço menos eficiente, e naturalmente, dado parecer evidente que a presença física da diretora técnica num período de tempo maior beneficia o serviço a prestar, que esta coordena e gere. O depoimento da atual diretora confirma igualmente esta matéria.
Altera-se nos seguintes termos:
49) Acolhendo o réu 30 utentes, dos quais 4 acamados, e tendo 23 colaboradores, no entender da direção da ré, e para conseguir cumprir os seus princípios e objetivos assistenciais, é necessária um/a Diretor/a Técnico/a tempo inteiro, que esteja presente em permanência, que assegure diariamente a organização e supervisão dos colaboradores, que estabeleça uma comunicação permanente e diária com as famílias dos utentes, designadamente quando estes vão à instituição ou quando a contactam telefonicamente.
*
51) No início da crise pandémica, em março de 2020, a autora viu-se obrigada a ficar a tempo inteiro no Hospital onde trabalhava como Enfermeira, tendo de delegar informalmente na sua irmã, Enf. CC, as funções de Direção Técnica, num período tão conturbado da vida da ERPI e da comunidade em geral.
52) Confrontada com esse facto, a autora invocou o regime do teletrabalho, o que era absolutamente incompatível com as necessidades da instituição no pico da crise pandémica.
53) Não obstante o contrato de trabalho celebrado com a autora referir na sua cláusula 4.ª que “o período normal de trabalho será de 20 horas semanais, distribuídas de acordo com as necessidades da instituição”, o certo é que sempre foi a autora a estipular unilateralmente o seu horário, muitas vezes sem o conhecimento formal da Direção, sendo que as 20 horas semanais eram geralmente distribuídas de acordo com as possibilidades da trabalhadora e não com as necessidades da instituição.
Referem-se na fundamentação os mesmos depoimentos atrás referidos, referindo-se ainda os depoimentos de II e JJ, relativamente aos constrangimentos, e da atual DT KK. Alude-se às listagens de utentes e aos acordos com a segurança social.
O depoente II, enfermeiro, trabalha na ré, tendo sido contratado na altura do Covid. Refere que era difícil o contacto com a autora. Referiu que ela era habitual fazer manhãs, das 9 às 12, sendo que a atual diretora tem horário fixo, das 9 às 17, o que é benéfico, dando mais estabilidade a colaboradores e familiares, tendo melhorado muito.
A depoente JJ, auxiliar no lar, referiu que a autora uns dias ai de manha, outros de tarde, outros não ia. Não tinham conhecimento de quando ela ia, não estavam afixados os horários dela. Quando precisavam dela telefonavam. Se estava a trabalhar não atendia, mas depois devolvia a chamada. Esta situação provocava certo “desentendimento” em situações que não podiam resolver. Aludiu ao crescimento da ré ao longo dos anos.
A KK, atual diretora técnica, referiu que nessa qualidade orienta e coordena a equipa, faz supervisão das funções, a orientação da vida diária da instituição. Acha importante cumprir horário, aludindo a que estão a comunicar com outras entidades, designadamente a segurança social, hospitais, fornecedores, contabilidade. Lida diariamente, por mail, telefone e pessoalmente. Também lida com familiares dos utentes. Sobre partilhar funções, referiu que não seria impossível, podem resultar visões diferentes.
Não resultam claros os factos 51 e 52, pelo que serão eliminados.
Quanto ao 53, os seus dizeres foram essencialmente confirmados pelos depoimentos prestados, sem dissonância, referindo-se com especial relevo o depoimento do depoente GG. Alguns depoimentos referiram que horário da diretora também estava afixado, mas no computo geral dos depoimentos tal não resulta claro e demonstrado. Altera-se a redação no sentido de melhor traduzir o demonstrado, já que não resulta que a autora não tenha cumprido escrupulosamente o contrato, designadamente as horas contratadas. 
53) Não obstante o contrato de trabalho celebrado com a autora referir na sua cláusula 4.ª que “o período normal de trabalho será de 20 horas semanais, distribuídas de acordo com as necessidades da instituição”, sempre foi a autora a estipular unilateralmente o seu horário, muitas vezes sem o conhecimento formal da Direção.
*
- Adição dos seguintes factos:
 19A) com a redação “A Autora, sob as ordens do Réu, cumpriu sempre o horário de trabalho, que, frequentes vezes, ultrapassou aquele limite de 20 horas semanais e as quatro horas diárias”.
Invoca os registos do tempo de trabalho.

Na fundamentação consta:
“por dúvida sobre a sua ocorrência, pois que os registos do tempo de trabalho, juntos aos autos, foram elaborados pela autora, tal como resultou das declarações de parte de EE, Presidente da Direção do Réu, de FF, Vice-Presidente da Direção e do depoimento de GG, Presidente da Direção até 2021, sem que tivessem sido objeto de controlo pela Direção”
Trata-se de matéria controversa. Refere a autora que se trata de documentos da responsabilidade da própria ré, não negando embora ser a autora deles. Dos depoimentos resulta que tais registos não eram objeto de controlo. Neste quadro de circunstâncias não vemos que possa censurar-se o decidido. Trata-se aliás de questão sem relevo para o caso.
*
41A) A Autora deu resposta a qualquer carta das cartas recebidas da Autora sobre a questão do aumento do horário (vd. art. 47 da p.i., não impugnado, e seu contexto).
41B) A Autora respondeu repetidamente, dizendo, além do mais, o que consta da matéria assente no facto 26) – vd art. 48 da p.i., não impugnado, e seu contexto.
41C) A Autora respondera:
a. que reafirmava a «total disponibilidade para cumprir as funções de Diretora Técnica para as quais [fora] contratada, com a mesma competência, zelo e empenho que sempre demonstrara»;
b. que mantinha «toda a disponibilidade e abertura para o diálogo e para as melhores soluções para ambas as partes»;
c. que as «propostas soluções (…) são impossíveis de aceitar e de cumprir porque incompatíveis com a [sua] vida pessoal, familiar e outras ocupações de que não [podia] abdicar»; d. que há normas no CT que «proíbem a alteração unilateral do horário de trabalho acordado e da sua natureza (a tempo inteiro ou parcial)»;
e. que «da Portaria 67/2012, de 21 de março, deriva antes de mais a necessidade de serem garantidas as funções próprias da Direção Técnica, nada dizendo se tais funções podem ou não ser exercidas em grupo ou em colaboração, podendo o Diretor/a Técnico/a assegurar as suas funções por delegação, nas suas ausências, por forma a que as funções sejam exercidas efetivamente (pelo próprio Diretor ou por alguém com competência técnica em que este delegue, assumindo aquele toda a responsabilidade), durante o tempo correspondente a Contrato de Trabalho em full-time, nas ausências do Diretor/a»;
f. que «haverá modo de interpretar e aplicar as normas da citada Portaria por forma a demonstrar que, se pode haver uma Direção Técnica a meio tempo para vinte e nove utentes, o facto de haver mais um utente (trinta utentes) não justificará a duplicação do horário, sendo certo que o horário atualmente existente é superior a “meio tempo”, pelo que o rácio existente é superior ao suposto nas normas da citada Portaria»;
g. que «a questão também poderá ser solucionada pela medida de gestão de se não ultrapassar os vinte e nove utentes, logo que haja uma nova vaga»;
h. que «em todo o caso, não há norma ou princípio legal que permita à Entidade Empregadora alterar unilateralmente o horário de trabalho acordado e já praticado ao longo de anos»… (vd. art. 50 da p.i., não impugnado).

- Alteração dos factos 32) e 34) que deverão constar com o seguinte teor:
Facto 32) A autora respondeu à sobredita missiva, por carta datada de 25-05-2021, dizendo:
“Exma. Sra. Presidente da Direção:
Acuso a receção da Vossa carta data de 18 de maio.
Surpreendeu-me a carta e o seu teor, surpresa que também ficou acrescida pelo facto de se encontrar suspenso o meu contrato de trabalho, nos termos da lei, em consequência das ausências por doença.
Pelo meu lado, continuo empenhada em que seja mantida entre nós toda a cordialidade, a boa-fé e o diálogo. Porém, peço desculpa e a melhor compreensão para a observação de que não compreendo, entristece-me, causa em mim desconforto, perturbação, constrangimento, desestabilização e a sensação de humilhação e afetação da minha dignidade pessoal e respeito que me é devido tudo causado pela persistência ou repetição de atos de imposição unilateral de condições de trabalho, que não constam do meu contrato inicial de trabalho nem das suas alterações ou vicissitudes posteriores que foram sempre feitas por consenso (acordo).
Espero que seja implementado e respeitado o bom ambiente relacional que perdurou desde o início do meu contrato de trabalho.
Exerci sempre as minhas funções com dedicação incontestável, com empenho e competência reconhecida desde logo pelas técnicas da Segurança Social com quem me fui relacionando em razão das funções exercidas.
Sobre as novas tentativas de me imporem unilateralmente a alteração do meu horário de trabalho, quer na sua duração semanal expressamente acordada no contrato escrito inicial, quer no modo acordado de cumprimento desse horário, diário e semanal que vigorou por estes anos todos, sem qualquer divergência, dou aqui como reproduzido tudo o que consta de comunicações anteriores que enviei à Direção que peço que releiam.
Sem qualquer outro comentário, declaro que me oponho frontalmente às alterações propostas por V. Exas. e que, como bem sabem, constituem para mim uma impossibilidade de cumprimento.
Não renunciarei a qualquer dos meus direitos laborais.
Logo que me seja dada alta médica, estarei disponível para cumprir integralmente o meu horário de trabalho contratado e nas formas ou modalidades em que sempre cumpri ao longo dos anos.
Por outras palavras, não aceito o novo horário proposto. Aliás, V. Exas. citam o art. 217.º do Código do Trabalho, mas terão esquecido de ler o seu n.º 4 que diz “não pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado”.
Os meus cordiais cumprimentos,”
Facto 34)
A autora respondeu à sobredita missiva, nos termos constantes do doc. ... junto com a contestação, cujo conteúdo está em boa parte reproduzido no facto 26)
Dos factos resultam as respostas dadas pela autora às missivas da ré. O substancial da posição da autora consta do facto 26, e quanto às restantes missivas remete-se par ao teor das mesmas. Nada obsta a que se transcreva o teor das respostas, tornando-se mais compreensível a factualidade.

Assim alteram-se os factos 32 e 34 nos termos sugeridos.
*
Passemos à apreciação da questão

- Caducidade do contrato por impossibilidade da ré em receber a prestação de trabalho, por imperativo legal.
- Criação da “situação “de impossibilidade por ato de gestão.
- Violação da boa-fé.
*
Sobre a caducidade do contrato refere o artigo art.º 343.º do Código do Trabalho:

“O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) …
b) Por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber.
(…)”

A remissão para os termos gerais do direito remete-nos para o artigo 790º do CC., nos termos do qual a obrigação se extingue quando a prestação se tornar impossível por causa não imputável ao devedor. A causa da impossibilidade pode ser qualquer circunstância, legal, natural ou humana, seja relativa ao objeto da prestação, seja à pessoa, seja outra, como por exemplo uma proibição ou exigência legal.
Importa ter em mente que o regime geral deve ser aplicado com as adaptações necessárias que este especifico ramo do direito reclama. Assim o sentido de impossibilidade e definitividade devem ser lidas à luz da dinâmica própria da relação laboral, e das exigências reclamáveis e uma e outra parte, tendo em conta o tipo de prestação em causa e a inserção dessa prestação numa estrutura produtiva e geradora de valor – para o empregador e para a sociedade -.
Não se trata de um conceito de impossibilidade estritamente naturalístico (por exemplo o objeto da prestação pereceu, o trabalhador sofreu sinistro e ficou com incapacidade total para o trabalho), podendo tratar-se de uma impossibilidade jurídica, a lei passou a proibir o exercício de determinada atividade, a lei passou a exigir determinado requisito para o exercício da atividade, por exemplo, o trabalhador deixou caducar a licença de que dependia o exercício da atividade, ou não conseguiu obter tal licença ( cd. Acórdão STJ fade 12-3-18, processo nº07S740, disponível na net.

Sobre a impossibilidade jurídica, vd. Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Manual de Direito do Trabalho”, 4ª Edição, 2020, pág. 722-723, referindo como critério de aferição “a não exigibilidade” à entidade empregadora em receber a prestação em determinadas condições. Refere o autor que “deve equiparar-se aos casos de impossibilidade absoluta aqueles que afetam de tal modo o programa da prestação que não será exigível à entidade empregadora recebê-la… devem considerar-se como casos de impossibilidade definitiva aqueles em que se comprove que a impossibilidade vai durar tanto tempo que não será exigível à empresa aguardar a futura e sempre incerta viabilização das relações contratuais”. O Ac. STJ de 12.3.2008, refere a previsibilidade de que a impossibilidade “fosse durar tanto tempo que não era exigível à Ré aguardar uma futura e incerta aquisição de habitações do Autor ou autorização provisória por parte da DREL para o Autor continuar a lecionar.”
A impossibilidade deve ser superveniente, absoluta e definitiva. Refere a propósito o Ac. STJ de 20-3-2002, processo nº 01S3444, disponível na net, como os restantes referenciados.
“Porém, no tocante ao contrato de trabalho, nem toda a impossibilidade, seja para o trabalhador prestar o seu trabalho, seja para a entidade empregadora o receber, constitui causa determinada da sua cessação por caducidade. Esta somente ocorrerá quando essa impossibilidade seja, cumulativamente, superveniente, absoluta e definitiva. Devendo entender-se por:
a) superveniente, a impossibilidade que seja posterior à celebração do contrato de trabalho. A impossibilidade originária, anterior ou contemporânea da celebração do contrato, gera a sua nulidade e não a sua caducidade, como decorre dos artigos 280º, nº1, e 401º, nº1, do Cód.Civil;
b) absoluta, a impossibilidade que se não traduza na mera impossibilidade relativa ou económica. A difficultas praestandi, manifestada na simples dificuldade ou onerosidade de prestar o trabalho ou de o receber, não extingue o contrato, porquanto a nossa lei afastou a chamada doutrina do "limite do sacrifício", pela perigosa incerteza e pelos inevitáveis arbítrios a que dava lugar a sua aplicação prática;
c) definitiva, a impossibilidade que não seja apenas temporária, uma vez que esta importa a suspensão - e não a extinção - do contrato de trabalho.

Além disso, e por regra, a impossibilidade deve ser ainda total e não apenas parcial, posto que esta última pode comportar a modificação do contrato e não, necessariamente, a sua extinção por caducidade (cf. art. 23º do Dec-Lei nº 49408 de 24.11.69).”
O caráter absoluto “incide sobre objeto da prestação acordada pelo trabalhador vista na sua globalidade, ocorrendo impossibilidade absoluta quando a prestação seja atingida no seu núcleo fundamental e já não seja possível a respetiva efetivação, mesmo em parte” – STJ de 10-7-2013, processo nº 101/12.....
A impossibilidade reporta-se à atividade contratualmente devida, e deve considerar-se como definitiva, atentas as caraterísticas da relação laboral, em termos tais que abranja as situações em que não se mostre exigível a manutenção da relação, tendo em consideração a incerteza quanto ao afastamento do obstáculo e num futuro (expectavelmente) não próximo. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Almedina, pág. 903, refere que “o carácter definitivo da impossibilidade apresenta uma certa relatividade, não constituindo obstáculo à caducidade a mera eventualidade de o impedimento cessar.”
Deve considerar-se ocorrer impossibilidade quanto, embora fisicamente possível a prestação (como é o caso dos autos), esta, em virtude de determinada circunstância legitima, deixou de ser apta para satisfazer o interesse do credor.
*
A autora foi contratada para exercer as funções de diretora técnica.
Sobre estas funções no lar, refere a Portaria n.º 67/2012 de 21 de março, no seu artigo 11º

1 - A direção técnica da estrutura residencial é assegurada por um técnico com formação superior em ciências sociais e do comportamento, saúde ou serviços sociais e, preferencialmente, com experiência profissional para o exercício das funções.
2 - Ao diretor técnico compete, em geral, dirigir o estabelecimento, assumindo a responsabilidade pela programação de atividades e a coordenação e supervisão de todo o pessoal, atendendo à necessidade de estabelecer o modelo de gestão técnica adequada ao bom funcionamento do estabelecimento, e em especial:
a) Promover reuniões técnicas com o pessoal;
b) Promover reuniões com os residentes, nomeadamente para a preparação das atividades a desenvolver;
c) Sensibilizar o pessoal face à problemática da pessoa idosa;
d) Planificar e coordenar as atividades sociais, culturais e ocupacionais dos idosos.
3 - As funções do diretor técnico podem ser exercidas a 50 %, quando a capacidade da estrutura residencial for inferior a 30 residentes.
4 - Quando a capacidade da estrutura residencial for inferior a 15 residentes, o diretor técnico poderá ter um horário semanal variável, mas deve assegurar, no mínimo, uma permanência diária de três horas no estabelecimento.
Antes dispunha em sentido idêntico o Despacho Normativo n.º 12/98 (ao abrigo do ao abrigo do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 133-A/97, de 30 de maio),
Norma XI
Direção técnica
1 - A direção técnica do lar deve ser assegurada por um elemento com formação técnica e académica adequada, de preferência na área das ciências sociais e humanas.
2 - Ao diretor compete, em geral, dirigir o estabelecimento, assumindo a responsabilidade pela programação de atividades e a coordenação e supervisão de todo o pessoal, atendendo à necessidade de estabelecer o modelo de gestão técnica adequada ao bom funcionamento do estabelecimento, e em especial:
a) Promover reuniões técnicas com o pessoal;
b) Promover reuniões com os utentes, nomeadamente para a preparação das atividades a desenvolver;
c) Sensibilizar o pessoal face à problemática da pessoa idosa;
d) Planificar e coordenar as atividades sociais, culturais, recreativas e ocupacionais dos idosos.
3 - As funções do diretor técnico podem ser exercidas a meio tempo, quando a capacidade do estabelecimento for inferior a 30 utentes.
4 - Quando a capacidade dos lares for inferior a 15 utentes, o diretor técnico poderá ter um horário semanal variável, mas deve assegurar, no mínimo, uma permanência diária de três horas no estabelecimento.

O artigo 15º, 26º, c) do Decreto-Lei n.º 133-A/97, referia-se ao diretor técnico, como atualmente os artigos 27º, 1, c); 31º, do D.L. nº 64/2007 (Define o regime jurídico de instalação, funcionamento e fiscalização dos estabelecimentos de apoio social geridos por entidades privadas).
Trata-se, como resulta destas normações, de um elemento fundamental e central de um lar, devendo a prestação ocorrer num quadro contratual legalmente definido – tempo completo para 30 utentes ou mais, um horário fixo desde que haja 15 utentes.
*
Importa verificar se ocorre ou não uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a autora prestar trabalho e de o réu o receber.
Tendo a unidade atingido os 30 utentes, por força da lei, o lar da ré tem que ter um diretor técnico a tempo inteiro.
A recorrente refere a possibilidade de contratação de outra pessoa para completar a necessidade.
Sobre a possibilidade de contratar outra pessoa para completar o horário, refere-se com acerto na decisão recorrida:
tendo em consideração as exigentes tarefas e funções de um Diretor Técnico de uma ERPI, seria impraticável que existissem duas ou três pessoas como “rosto” da instituição, desdobrando-se a sua imagem, por mais do que uma pessoa, perante colaboradores, fornecedores, entidades externas (instituições públicas) utentes e familiares, uma vez que a autoridade, estabilidade das as ideias e dos valores prosseguidos e a organização da cadeia hierárquica estariam claramente comprometidas, numa instituição que, em toda a sua cadeia, precisa de saber quem é a pessoa que exerce as funções de Diretor Técnico e que responde por elas.
Veja-se o caso de um colaborador, um fornecedor, uma família que que colocasse uma situação que exigisse uma decisão rápida da Direção Técnica, aquém iria contactar? Um, dois ou três Diretores Técnicos? Quem vincularia a Direção Técnica? E se existissem posições diferentes de cada um dos Diretores Técnicos, qual vincularia o réu?”
Atente-se por outro nos termos das normas, que se referem a uma pessoa responsável, a qual será a face do lar junto de outras entidades, designadamente da segurança social.
Afastada esta possibilidade, aliás nunca proposta, deparamo-nos com uma situação em que, por força da norma legal, a empregadora está impossibilitada de receber a prestação da autora, tal como concretamente contratada – meio tempo -, o que importa uma impossibilidade definitiva a partir da constatação da impossibilidade por banda da autora em alterar os termos contratuais. A autora só pode prestar a sua prestação nos exatos termos contratados, a ré não pode receber tal prestação e naqueles estritos termos, sob pena de agir na ilegalidade.
Tendo em conta a intenção da ré em expandir a sua capacidade, a enorme procura destes serviços, com listas de espera, não é expetável que a unidade retorne a um nível de utentes anterior, não sendo consequentemente exigível a manutenção deste contrato, que já não satisfaz as exigências legais para a ré manter a atividade.
Uma palavra sobre a questão levantada no sentido de que foi criada a situação por ato de gestão da própria ré, invocando-se ainda a boa-fé.
Ignoram-se as negociações havidas aquando da contratação, se as partes previram a possibilidade de surgir posteriormente esta impossibilidade ou não, se a questão foi abordada. Não resulta da prova qualquer compromisso na manutenção do contrato tal como celebrado ainda que fosse ultrapassada a barreira dos 29 utentes, se bem que também não resulte o contrário. Com muita probabilidade não se pensou no assunto.
A recorrente invocou a intenção da ré em colocar outra pessoa no seu lugar, mas não resulta demonstrado da prova que a ré tenha tido a intenção, ao invés resulta que tentou manter a trabalhadora como sua diretora técnica, a tempo inteiro, não resultando que a autora tenha manifestado qualquer disponibilidade nem efetuado qualquer proposta tendo em vista a resolução da questão.
Resulta da prova que desde a admissão da autora a ré foi crescendo, aumentando o número de utentes até atingir a capacidade máxima de 30 utentes, número que exige a contratação de um diretor a tempo inteiro. E tal crescimento foi acompanhado pela autora.
Deveria a ré limitar o numero de utentes a 29, evitando assim a questão da obrigatoriedade de contratação de diretora técnica a tempo inteiro?
Esta exigência contraria não só os objetivos da ré, a sua função, contraria a legítima pretensão da ré de levar até ao possível a oferta do serviço que abraçou, na prossecução dos seus objetivos, e inclusive de crescer ainda mais, como é seu propósito.
Note-se que nos termos acordados com Segurança Social a instituição se obriga a proceder à admissão de utentes com base em critérios definidos – C.l., VII, 1, e)

A limitação constituiria um entrave à liberdade de iniciativa – artigo 80º da CRP -; e aos objetivos da ré, vejam-se os princípios orientadores constantes da L. 30/2013 de 8/5, artigo 5, sobretudo al. a):
“As entidades da economia social são autónomas e atuam no âmbito das suas atividades de acordo com os seguintes princípios orientadores:
a) O primado das pessoas e dos objetivos sociais”
Importa atentar ainda nos interesse sem jogo, como se dá nota na sentença:
“Por outro, o art.º 72.º da CRP, sob a epígrafe “Terceira Idade”, modificado em 1982 e em 1997, consagra atual e explicitamente específicos direitos das pessoas idosas (n.º 1), como típicos direitos sociais, aos quais correspondem determinadas imposições e obrigações estaduais (n.º 2).
A dignidade da pessoa humana não cessa na velhice, pelo que incumbe ao Estado promover uma política de terceira idade que respeite a autonomia pessoal do idoso. Esta política de terceira idade não se deve basear apenas na prestação de apoios materiais, mas também deve passar pela adoção de medidas sociais e culturais que respeitem a sua autonomia pessoal e sejam tendentes a superar o isolamento e a marginalização social. Este paradigma constitucional de pessoa idosa acolhe as ideias da aceitação, promoção e inserção dessa pessoa, visando dar-lhe um estatuto autónomo e ativo. Neste sentido, e com a influência da União Europeia, tem-se vindo a apostar no envelhecimento ativo em várias dimensões – veja-se a título exemplificativo a Resolução da Assembleia da República n.º 61/2012, de 4 de maio (“Por um envelhecimento ativo”).
Por outro lado, a autonomia pessoal significa o reconhecimento e respeito pelo direito de autodeterminação pessoal das pessoas de idade em relação às várias formas de acolhimento, desde os centros de dia e centros de convívio até ao apoio domiciliário e internamento em lares.
“Em caso de colisão de direitos, a chave para uma tomada de decisão por parte do juiz sobre qual dos direitos deve prevalecer e do modo como devem ser harmonizados os direitos em causa está no princípio da proporcionalidade, consagrado na parte final do nº 2 do art. 18º da Constituição da República Portuguesa, que, por via dos seus três subprincípios da adequação, da exigibilidade e da justa medida, fornece uma estrutura formal tripartida à ponderação, a fazer em concreto e casuisticamente, entre os fins prosseguidos pelas normas, os bens, interesses e valores em conflito, as medidas possíveis e os seus efeitos, por forma a estabelece uma relação equilibrada entre os direitos em confronto.”
– Acórdão do STJ de 18.102.2018, Relatora: Conselheira Rosa Tching, in www.dgsi.pt.
Tendo por base os direitos em conflito, não se vê que fosse exigível, em concreto, ao réu ficar inibido nas suas decisões de admissão de utentes, tendo condições para lotar a sua capacidade, perante a impossibilidade de a autora passar a ser uma Diretora Técnica a tempo inteiro, sendo a solução proposta (a passagem da autora a regime de tempo inteiro, 35 horas por semana) a que conciliaria os direitos constitucionais em presença, harmonizando-os, cumprindo-se inteiramente o escopo do réu…”
*
Consequentemente, tendo em conta o objeto social da ré, a sua intenção de dar uma resposta às necessidades que no âmbito do serviço que presta se verificam na sua área de atuação, amplamente demonstrados, intento que ressalta do progressivo crescimento da ré ao longo dos anos, e da intenção de expandir ainda mais a sua capacidade, situação que a autora acompanhou, já que era diretora, sendo durante o exercício das suas funções que a ré atingiu os trinta utentes, com a sua natural conivência, já que coordenava toda a atividade da ré; tendo em conta que a autora não podia ignorar que a ré mais cedo ou mais tarde esgotaria a sua capacidade; - tal resultava dos acordos celebrados com a Segurança Social, em que se comprometia a admitir utentes de acordo com critérios definidos,  como já referido, e se prescrevia  no Anexo – vd acordo de 2020 por exemplo -,  na Cláusula III (Recursos Humanos), que “os recursos humanos afetos à resposta social (…) que constam do quadro seguinte são os necessários para o número de utentes abrangidos pelo presente Acordo (24)”, acrescentando-se, de seguida, que “caso existam utentes em número inferior ou superior, e neste último caso até ao limite da capacidade, a Instituição [o Réu] efetua os ajustamentos necessários no quadro de pessoal, em conformidade com o disposto na legislação que regulamenta esta resposta social” (facto provado em 11)) -; o facto de a situação resultar de um ato da ré, admissão do utente número 30, não é por si obstáculo à aplicação do regime da caducidade, e no quadro das circunstâncias em que ocorre, não resulta que seja violado o principio da boa-fé. O preço a pagar seria não prestar o serviço a uma pessoa dele carecida, não prosseguir o seu objetivo até ao limite da sua possibilidade legal – 30 utentes -.
Voltando à situação, não se trata em bom rigor de uma impossibilidade por banda da trabalhadora, mas antes de uma impossibilidade por parte da empregadora em receber o “trabalho” tal como contratado (meio tempo), impossibilidade que resulta de um imperativo legal – a necessidade passar a ter que dispor de um diretor técnico a tempo inteiro.
A norma que prescreve tal imposição (portaria indicada) não tem reflexo direto no contrato ou sua caducidade, como parece pretender a recorrente, não é ela que determinada a caducidade do contrato. A norma apenas é dada, a este nível, como “circunstância de facto” a reclamar (ou não) a aplicação da previsão do artigo 343º, al b) do CT.
A terminar e retomando a decisão recorrida, não se excedem os limites da boa-fé, sendo notórios os esforços da ré para resolver o problema a contento de ambas as partes, remetendo-se nesta parte para o constante na decisão recorrida.
Improcede o recurso.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão
Custas pela recorrente.
11-5-23

Antero Veiga
1.º Adjunto: Vera Sottomayor
2.º Adjunto: Maria Leonor Barroso