Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
81001/13.0YIPRT.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Indicando o recorrente determinados depoimentos gravados como relevantes em sede de impugnação da decisão em matéria de facto, mas não tendo cumprido o ónus processual da indicação com exatidão das passagens da gravação em que funda o seu recurso, a cominação imposta pelo art.º 640º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, é a imediata rejeição do recurso na respetiva parte.
2- O apelo simultâneo a determinados documentos juntos aos autos que não constituam prova formal ou vinculada, assim, sujeitos a livre apreciação do julgador, é insuficiente para --- em caso de impossibilidade jurídica de atender à prova gravada --- conduzir à modificação da decisão em matéria de facto.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
I.., LDA, com sede Lugar de .. Mogadouro, instaurou processo de injunção --- posteriormente convertido em ação especial para cobrança de obrigações pecuniárias, em face da oposição da R. --- contra F.., LDA, com sede Rua.. Braga, alegando essencialmente que, com base num contrato entre ambas as sociedades celebrado, datado de 28.3.2011 e cuja vigência decorreu entre essa data e o dia 31.5.2012, lhe forneceu bens e serviços relacionados com o seu objeto social (a investigação, consultoria, educação e formação, centrados na gestão do conhecimento e na promoção do pensamento inovador, assim como serviços de apoio ao desenvolvimento local e organizacional, atividades de higiene e segurança no trabalho, serviços de orientação técnico-pedagógica e vocacional, bem com, estudo, desenvolvimento e transmissão de cultura, ciência e tecnologia).
Tais serviços deram origem à emissão pela A. das faturas nºs 128 e 137, relativas aos serviços que nelas se discriminam como tendo sido prestados, na primeira, entre julho e outubro de 2012 e, na segunda, serviços de acompanhamento psicológico a formandos entre junho de 2011 e outubro de 2012.
Apesar de várias vezes interpelada para pagamento, a R. não pagou os valores faturados que totalizam o montante de € 27.566,54, que se venceu ao fim de 30 dias sobre a data de emissão de cada um daqueles documentos.
Àquele valor de capital, acrescem os respetivos juros de mora (vencidos no montante de € 867,53) e € 153,00 de taxa de justiça, sendo o total em dívida à data da injunção de € 28.587,07.
Citada, a R. deduziu oposição cujos termos se sintetizam assim [1]:
Quanto à fatura nº 128, relativa, entre o mais, ao pagamento da cedência de instalações, abrange um período em que não havia formação, sem que estivesse ocupada a sala, tendo ficado acordado que apenas haveria pagamento pela cedência em período de ocupação efetiva. Neste contexto, e perante os períodos em que aceita ter ocorrido ocupação efetiva, reconhece ser devedora, a esse título, apenas da quantia de € 6.379,79, razão pela qual devolveu a fatura em causa à demandante.
No que respeita à fatura nº 137, sustenta nada dever, por ter ficado estabelecido que os serviços de acompanhamento psicológico, a que se reporta a fatura, dependeriam de aprovação da R., sendo faturados mensalmente, de acordo com os registos de avaliação de cada mês. Pese o acordado, nunca a R. deu aprovação para a realização dos serviços de acompanhamento em causa, nem teve conhecimento da realização dos mesmos. Também nunca recebeu, no decurso das relação contratual, qualquer relatório de acompanhamento psicológico, razão pela qual devolveu à A. a fatura em questão e só depois da sua devolução aquela lhe remeteu um dossier de onde constam os alegados relatórios de acompanhamento psicológico que, no entanto, não só não representam a prestação de um serviço de acompanhamento psicológico, como não foram aprovados pela contestante, não espelhando a realidade. Mais alega que até foram elaborados já depois do encerramento do curso.
Terminou assim:
“Termos em que, deve julgar-se a presente injunção totalmente improcedente, por não provada, com excepção da quantia que a Requerida reconhece relativamente à factura n.º 128, com todas as legais consequências.”
No início da audiência de discussão e julgamento, a A. respondeu à oposição da R. impugnando a matéria com base na qual esta defendeu não dever pagar parte do preço solicitado pelos serviços alegadamente prestados.
Concluída a discussão da causa, o tribunal proferiu sentença fundamentada, de facto e de direito, que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Pelo exposto, julgo totalmente procedente a presente e acção, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 27.566,54 (vinte e sete mil quinhentos e sessenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, desde as datas de vencimento das facturas identificadas no facto 16º, e sobre os respectivos montantes, às taxas de juros comerciais, nos termos do disposto no artº 805º, nº 1, do C.C.; 102º nºs 3 e 4, do C.Com. (na redacção dada pelo D.L. 62/2013, de 10 de Maio, não se aplicando o nº 5, do normativo em função da data de celebração do contrato em causa e do disposto no artº 13º, nº 1, do referido diploma) e Portaria 597/2005, de 19/07 e correspondentes avisos da DGT, até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de legais alterações, nos termos do nº 4, do artº 102, do C.Com. (actual redacção).
Custas pela ré – artº 527º, do C.P.C.»
Inconformada, a R. apelou desta decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. Do conjunto da prova posta à disposição do Tribunal a quo e produzida na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas arroladas pela apelante, decorre à evidência que foi incorrectamente julgada a matéria de facto vertida no item 17.º, ponto i.) als. e), i, n, e ponto ii) dos factos provados e nas alíneas a), b) e d) dos Factos não provados da sentença recorrida;
II. O depoimento das testemunhas A.., identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 10:37:00 horas e término às 11:34:22 horas, G.., identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 12:00:00 horas e término às 12:17:51horas e S.., identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 12:18:00 horas e término às 12:49:22 horas, que depuseram de forma séria e totalmente isenta, sem qualquer interesse na (im)procedência desta acção, impunha – e impõe – decisão diversa da recorrida sobre os concreto ponto da matéria de facto impugnada;
III. Conforme se percebe da fundamentação da sentença recorrida, o Mm.º Juiz a quo interpreta o teor do contrato fazendo tábua rasa daquilo que foram as negociações que o precederam e a vontade das partes na elaboração do mesmo, limitando-se a fazer uma interpretação literal do contrato;
IV. Ora, a interpretação dos negócios jurídicos rege-se pelas disposições dos arts. 236º a 238º do Código Civil, devendo prevalecer, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário;
V. Conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 5.07.2012, “no domínio da interpretação de um contrato há que recorrer, para a fixação do sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos, os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento) e a finalidade prosseguida (in www.dgsi.pt, sendo nosso o sublinhado e o relevo);
VI. A testemunha A.. esteve na negociação e elaboração do contrato e esclareceu devidamente o Tribunal sobre a real vontade das partes no momento da celebração do contrato, conforme resulta do depoimento da própria, prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 10:37:00 horas e término às 11:34:22 horas, e da testemunha S.., cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 12:18:00 horas e término às 12:49:22 horas;
VII. É assim absolutamente inequívoco que a testemunha A.. negociou e elaborou as cláusulas do contrato de prestação de serviços em causa, sendo que o Tribunal recorrido não identificou uma única razão para desvalorizar o depoimento daquela testemunha, antes o tendo valorizado relativamente a vários factos;
VIII. Relativamente à questão do pagamento da cedência das instalações nos períodos em que as salas não estavam ocupadas (pontos 12.º, 13.º e 14.º dos Factos Provados) - item 17.º ponto i), al. e, i, e dos factos provados e a) dos factos não provados – impõe resposta diferente os depoimentos das testemunhas A..(identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 10:37:00 horas e término às 11:34:22 horas), G.. (identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 12:00:00 horas e término às 12:17:51horas) e S.. (identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 12:18:00 horas e término às 12:49:22 horas);
IX. Destes depoimentos extrai-se de forma irrefutável que na negociação do contrato ficou definido entre as partes que a renda pela cedência das instalações não seria devida no período de prática em contexto de trabalho, ou seja, nos períodos de ocupação efectiva;
X. Resulta também que o curso em causa era financiado a 100% pelo POPH e que as despesas pela cedência das instalações nos períodos em que os formandos estavam em prática em contexto de trabalho (estágio) não seriam elegíveis;
XI. Resulta também daqueles depoimentos, bem como da factura n.º 105, junta pela Ré como doc. n.º 6 na audiência de julgamento, que no mês de Agosto de 2011 a título de cedência de instalações, a Ré apenas pagou os dias em que os alunos ocuparam efectivamente as instalações, descontando o período de férias, tendo pago 600,00€ e não 1 500,00€;
XII. Explicou também a testemunha A.. que o valor que a Autora efectivamente pagava pelas instalações que cedeu à Ré era 450,00€ mensais e que ficou estipulado que a Ré pagaria à Autora o valor de 1 500,00€ mensais (muito superior aos 450,00€ que esta pagava….) precisamente para cobrir os meses em que a Ré não pagaria por não haver ocupação efectiva das salas e para as cobrir as despesas com a limpeza;
XIII. Conforme expressamente refere a testemunha A.., ao introduzirem o n.º 2 da cláusula 3.ª do contrato, “os valores serão facturados mensalmente de acordo com os registos de realização de cada mês” quiseram as partes acautelar, além do mais, a questão da ocupação efectiva das instalações;
XIV. Não obstante a testemunha A.. ter referido que nas negociações que precederam a elaboração do contrato não se ter falado no pagamento das instalações no período de férias, resultou claro para aquela, bem como para a recorrida, que esse pagamento no período de férias não seria igualmente devido;
XV. Nesta conformidade, tem a recorrida como certo que deverá excluir-se do elenco dos factos provados as alíneas i), e), e n) do item 17.º, sendo a seguinte a resposta que deve ser dada àquela concreta matéria de facto:
Não provado que a no âmbito do contrato referido supra a autora tenha prestado os seguintes serviços:
i. quanto à factura nº 128 os relativos a:
(…)
e) Cedência de Instalações Equipadas para CEF de Serviço de Mesa (Agosto 2012);
(…)
i) Cedência de Instalações Equipadas para CEF de Serviço de Mesa (Setembro 2012);
(…)
n) Cedência de Instalações Equipadas para CEF de Serviço de Mesa (Outubro 2012);
Provado que pagamento da cedência das instalações apenas seria devido nos períodos de ocupação efectiva das salas pelos formandos.
XVI. Relativamente à questão acompanhamento psicológico - facto 17.º al. ii) dos factos provados e b)
e d) dos factos não provados – impõe resposta diferente os depoimentos das testemunhas A.. (identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 10:37:00 horas e término às 11:34:22 horas), G.. (identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 12:00:00 horas e término às 12:17:51horas) e S.. (identificada a fls. 129, cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 25 de Fevereiro de 2014 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 12:18:00 horas e término às 12:49:22 horas);
XVII.Dos depoimentos das referidas testemunhas conjugados com o teor do contrato (doc. n.º 1) e dos doc.s n.ºs 6 a 11 juntos pela Ré no início da audiência de discussão e julgamento, resulta claro que: os serviços de acompanhamento psicológico dependeriam de prévia aprovação da Requerida, e seriam facturados mensalmente de acordo com os registos de realização de cada mês, os quais deveriam ser registados no dossier técnico-pedagógico do curso;
XVIII. À excepção da 1.ª factura emitida, factura n.º 103, em que a recorrente efectivamente validou e pagou serviços de acompanhamento de psicologia, respeitantes à selecção dos formandos, não mais a recorrida solicitou a realização desse trabalho, jamais apresentou quaisquer relatórios de acompanhamento psicológico ou apresentou para cobrança qualquer valor a este respeito;
XIX. Ao contrário do estipulado na cláusula 3.ª, n.º 2 do contrato em causa, a recorrida não facturou qualquer serviço de acompanhamento psicológico mensalmente, antes tendo apresentado essa factura na sequência do desentendimento havido com a factura n.º 128, numa atitude claramente retaliatória da recorrida para com a recorrente;
XX. Demonstra-nos a prova produzida em audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos que a não bastava à recorrida disponibilizar serviços de acompanhamento psicológico, antes tinha que solicitar a aprovação da recorrente para a execução e posterior cobrança desses serviços, sendo certo que foi esta a vontade negocial que presidiu à elaboração do contrato em causa;
XXI. E foi também esta a atitude da recorrida durante todo o contrato quando jamais cobra qualquer serviço mensal à recorrente a este título, pois bem sabe não o poder fazer e jamais deu a conhecer que esses serviços se tenham realizado, ou sequer da necessidade dessa realização;
XXII.Dos depoimentos prestados, mormente das testemunhas A.. e S.. resulta claro que estes serviços de acompanhamento psicológico dependiam de prévia aprovação da Requerida para poderem ser realizados, aprovação esta que nunca foi requerida nem concedida;
XXIII. Acresce que, não era minimamente razoável, sequer a um “declaratário normal” que pela simples disponibilização – e não execução – de serviços de psicologia a Ré tivesse que pagar a mesma quantia como se os serviços fosse prestados;
XXIV. Resulta igualmente da prova produzida que os serviços de acompanhamento psicológico que estão em causa não foram sequer prestados, pois em causa estão apenas serviços administrativos;
XXV. Com efeito, a pessoa que alegadamente prestou os serviços de acompanhamento psicológico é a funcionária administrativa da recorrida que, não obstante possuir competências na área de psicologia, não exercia essas funções, mas antes as de assistente administrativa;
XXVI. Note-se que a testemunha G.., formador do curso, não tinha sequer conhecimento que a Dr.ª J.. era psicóloga;
XXVII. Por outro lado, a testemunha J.., cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 14 de Outubro de 2013 e gravado digitalmente na aplicação informática “Habilus Media Studio” com início às 00:00:00 horas e término às 00:35:30 horas, reconhece no seu depoimento que não elaborou os relatórios ao longo do curso, mas já depois do curso terminado, a pedido do sócio gerente da Autora, admitindo por isso lapsos nos mesmos;
XXVIII. Resulta ainda da prova produzida que os relatórios em causa resumem-se a simples conversas com os formandos, conversas estas que são consideradas trabalho administrativo e não psicológico;
XXIX. Do exposto, é forçoso eliminar dos factos provados a al. ii) do ponto 17.º, sendo a seguinte a resposta que deve ser dada àquela concreta matéria de facto:
“Não provado que no âmbito do contrato referido supra a autora prestou os serviços contratados nos seguintes termos:
ii. A factura nº 137 diz respeito aos serviços de acompanhamento psicológico prestados pela autora, a saber:
a) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Maio 2011);
b) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Junho 2011);
c) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Julho 2011);
d) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Agosto 2011);
e) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Setembro 2011);
f) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Outubro 2011);
g) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Novembro 2011);
h) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Dezembro 2011);
i) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Janeiro 2012);
j) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Fevereiro 2012);
l) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Março 2012);
m) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Abril 2012);
n) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Maio 2012);
o) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Junho 2012):
p) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Julho 2012);
q) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Agosto 2012);
r) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Setembro 2012);
s) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - Outubro 2012); à razão de €70 euros por formando, por mês”.
Provado que: O serviço de acompanhamento psicológico dependia de prévia aprovação da requerida.
Provado que: Os relatórios referidos em 19º, dos factos provados, correspondem a serviços que não existiram”.
XXX. A par disso, fazendo uso dos poderes-deveres ínsitos no art. 662.º do CPCiv., por constarem do processo todos os elementos de prova necessários ou tratar-se de factos de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, e se mostrar essencial para a boa decisão da causa, esse Venerando Tribunal deve ainda aditar aos factos provados a seguinte matéria:
A Ré não requereu a aprovação da realização dos serviços de acompanhamento psicológico;
Os serviços de acompanhamento psicológico reclamados na factura n.º 137 não foram realizados.
XXXI. Isto feito, e fazendo correcta subsunção dos factos apurados ao direito aplicável, é manifesto que a presente acção só pode improceder, apenas se reconhecendo que a Ré deve à Autora a quantia de 6 379,79€ (seis mil trezentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos) relativo a parte da factura n.º 128.» (sic)

A A. respondeu em contra-alegações, onde concluiu assim:
«1- Não assiste qualquer razão à Recorrente no Recurso por si interposto da sentença que a condena no pagamento à Recorrida da Quantia de 27.566.54€, acrescida de juros de mora.
2- As alegações apresentadas pela Recorrente não têm apego ou correspondência com a realidade, como resulta de toda a prova, apresentada em sede de audiência de discussão e julgamento.
3- Resulta irrefutavelmente, do teor do contrato celebrado que era vontade das partes que o pagamento cedência de salas fosse mensal, no valor de 1.500,00€, algo que a testemunha A.. confirma no e-mail à data enviado ao ITI referindo No entanto o contrato é mensal, por isso pode corrigir para o valor total, como ainda no seu depoimento, quando questionada sobre isso, afirma “Está escrito, e o que está escrito por mim está escrito.”
4- Acresce que as salas estiveram ocupadas durante todo o mês em que decorreu a formação, afirmou a testemunha J.. que, mesmo quando não decorriam aulas e ali estavam formando», mantinham-se as instalações ocupadas com equipamentos da Ré, facto acerte também por S.. quando envia um e-mail a questionar qual o prazo que possuíam para levantar todo o material da F.., de Paramos, para organizar e estruturar a sua recolha.
5- Assim, deverá ser mantido o elenco dos factos provados nas alíneas i), e), e n) do ponto i do facto 17.° da douta sentença e a al. a) dos factos não provados.
6- E o mesmo se diga quanto ao elenco dos factos no ponto 17.°, ponto ii dos factos provados e alíneas a) a d) dos factos não provados, respeitantes ao serviço de acompanhamento psicológico.
7- Decorre do teor da Cláusula 2, n.° 1 al. e) do contrato estabelecido entre as partes que cabia à aqui Recorrida disponibilizar o serviço de acompanhamento psicológico, e caso fosse necessário definir um plano de atividades, este mesmo plano é que estaria sujeito à aprovação.
8- Como bem refere a douta sentença do Tribunal a quo Só assim se a forma como foi fixado o preço por tal serviço, ou seja o facto de tais serviços terem um preço mensal, por formando de € 70,00, forma essa que pressupõe um serviço contínuo, ao longo de todo o mês dependente apenas do número de formandos.
9- Resulta a mesma convicção do depoimento das testemunhas apresentadas, nomeadamente, de A.., que afirma “Houve. Houve alguma atividade. Está contratado um serviço de apoio psicológico.”, e ainda da testemunha V.., que», perentoriamente, afirma ter sido apoiada psicologicamente durante todo o curso pelei Dra. J...
10- Pelo que e inegável a realização do acompanhamento psicológico pela Drª J.., que, consistiu na integração dos alunos e acompanhamento de situações de agitação e desmotivação. (vide sentença, pagina 13/17).
11- Acompanhamento esse do integral conhecimento e aprovação da ora Recorrente, que inclusivamente, através da Dra. S.., pedia relatórios de acompanhamento à Dra. J.. com vista a serem entregues junto da CPCJ.
12- Mais ficou demonstrado que o serviço não foi cobrado mensalmente, porquanto foi de boa-fé estabelecido que assim acontecesse, como se observa no depoimento já apresentado de J.., porquanto a F.. passava por difíceis de ordem financeira.
13- As alegações da Recorrente não abalam o vertido na Sentença Recorrida, não devendo por isso proceder.
14- Não são indicados elementos probatórios que possibilitam decisão diversa da proferida.
15- Motivo pelo qual a mesma não merece qualquer censura.» (sic)
Termina no sentido de que seja indeferido o recurso e confirmada a sentença recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que for do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação da R. (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil), com base nas quais nos cumpre apreciar e decidir, essencialmente:
1- Erro de julgamento na decisão em matéria de facto; e, na procedência,
2- Das consequências jurídicas da modificação daquela decisão.
III.
São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo [2]:
1º A A. dedica-se à atividade de prestação de serviços de investigação, consultoria, educação e formação, centrados na gestão do conhecimento e na promoção do pensamento inovador. Compreende, ainda, serviços e comércio de apoio ao desenvolvimento local e organizacional, atividades de higiene e segurança no trabalho, serviços de orientação técnico-pedagógica e vocacional, bem como, estudo, desenvolvimento e transmissão de cultura, ciência e tecnologia.
2º A R. é uma sociedade por quotas, legalmente constituída, que tem como objeto social a formação, consultoria, estudos técnicos de hotelaria e turismo e atividades de enriquecimento curricular, acreditada pela DGERT - Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, desde 26 de abril de 2007, nos domínios de organização e promoção de intervenções ou atividades formativas e de desenvolvimento/execução de intervenções ou atividades formativas.
3º No âmbito das respetivas atividades, A. e R. celebraram no dia 28 de março de 2012 um contrato, que denominaram de «contrato de prestação de serviços», junto a fls. 58 e 59 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que tinha como objetivo a realização do curso n.º 5 – Serviço de Mesa, com a duração total de 2276 horas, no âmbito do projeto n.º 44362/2010/13, cofinanciado pelo Programa Operacional do Potencial Humano (POPH) tipologia 1.3 – Cursos de Educação e Formação de Jovens (CEF).
4º Nos termos da cláusula 2º, nº 1, do referido contrato, competia à A., além do mais:
«c) Disponibilizar espaços adequados para a realização do curso, devidamente equipados”;
e) Disponibilizar serviços de acompanhamento psicológico aos formandos, definindo quando necessário um plano de atividades, individuais e de grupo, que promovam o nível motivacional dos formandos e contrariem o absentismo e abandono da formação, a aprovar pela Primeira outorgante».
5º Nos termos da cláusula 2º, nº 2, do referido contrato, competia à R., além do mais:
«d) Analisar as propostas de atividades e relatórios apresentados pela Segunda Outorgante» (aqui A.)
6º Nos termos da cláusula 3ª, do referido contrato:
«1. Pelos serviços referidos na cláusula anterior, o preço acordado é o seguinte:
a) Cedência de instalações equipadas para aulas teóricas, incluindo projetor multimédia em todas as sessões e computadores sessões de domínios TIC (rácio de um computador para cada dois formandos); vigilância e limpeza das instalações; energia, água e aquecimento; para as aulas práticas, acesso a cozinha e bar – valor mensal 1.500,00 €;
b) Serviços de apoio logístico necessários ao bom funcionamento do curso, ao custo unitário de 6 € por cada hora de formação realizada;
c) Serviços de acompanhamento psicológico – custo mensal por formando em formação 70 €.
2. Os valores serão faturados mensalmente de acordo com os registos de realização de cada mês.
3. As faturas são emitidas com vencimento a 30 dias.»
7º No mês de agosto de 2011, a R. pagou, pela cedência de instalações, a quantia de € 600,00, correspondente a 11 dias de ocupação efetiva da sala.
8º As faturas eram emitidas pela A. apenas depois de rececionarem, da aqui requerida, o respetivo mapa de faturação.
9º O qual era elaborado pela R. com base na avaliação das folhas de presença de cada mês, nos mapas de fotocópias mensais (ambos previamente enviados pela A.) e no cronograma do curso.
10º Na sequência do que a A. emitia a respetiva fatura.
11º Com exceção das faturas em causa nos autos, todas as outras foram elaboradas, emitidas e pagas nos termos acordados.
12º No mês de agosto de 2012 as instalações foram ocupadas pelos formandos durante 23 dias.
13º No mês de setembro de 2012 os formandos estiveram em estágio, tendo ocupado as instalações durante sete dias.
14º No mês de outubro de 2012 os formandos estiveram em estágio, tendo ocupado as instalações durante oito dias.
16º Na sequência dos serviços prestados no âmbito do contrato referido supra a A. emitiu e enviou à R. as faturas nºs 128 e 137, no valor de, respetivamente, € 9.485,54 e € 18.081,00, com vencimento a 05/12/2012 e 18/02/2013, juntas, respetivamente, a fls. 60/61 e 62/63, dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
17º No âmbito do contrato referido supra a A. prestou os serviços contratados nos seguintes termos:
i. Quanto à fatura nº 128 os relativos a:
a) Serviço de Apoio Logístico e Administrativo (CEF Serv. Mesa - julho 2012);
b) Cedência de Instalações Equipadas para CEF de Serviço de Mesa (julho 2012);
c) Fotocópias a Preto para CEF Serv. Mesa (julho 2012);
d) Serviço de Apoio Logístico e Administrativo (CEF Serv. Mesa - agosto 2012);
e) Cedência de Instalações Equipadas para CEF de Serviço de Mesa (agosto 2012);
f) Fotocópias a Preto para CEF Serv. Mesa (agosto 2012)
g) Serviço de Apoio Logístico e Administrativo (CEF Serv. Mesa - setembro 2012);
i) Cedência de Instalações Equipadas para CEF de Serviço de Mesa (setembro 2012);
j) Fotocópias a Preto para CEF Serv. Mesa (setembro 2012);
l) Fotocópias a Cores para CEF Serv. Mesa (setembro 2012);
m) Serviço de Apoio Logístico e Administrativo (CEF Serv. Mesa - outubro 2012);
n) Cedência de Instalações Equipadas para CEF de Serviço de Mesa (outubro 2012);
o) Fotocópias a Preto para CEF Serv. Mesa (outubro 2012).
ii. A fatura nº 137 diz respeito aos serviços de acompanhamento psicológico prestados pela autora, a saber:
a) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - maio 2011);
b) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - junho 2011);
c) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - julho 2011);
d) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - agosto 2011);
e) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - setembro 2011);
f) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - outubro 2011);
g) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - novembro 2011);
h) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - dezembro 2011);
i) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - janeiro 2012);
j) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - fevereiro 2012);
l) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - março 2012);
m) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - abril 2012);
n) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - maio 2012);
o) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - junho 2012);
p) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - julho 2012);
q) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - agosto 2012);
r) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - setembro 2012);
s) Serviço de Acompanhamento Psicológico a Formandos (CEF Serv. Mesa - outubro 2012);
à razão de € 70 euros por formando, por mês.
18º A R. depois de rececionadas as faturas referidas supra, devolveu-as, sem pagamento, à A.
19º Depois da devolução da fatura nº 137, a A. remeteu à R. vários relatórios de acompanhamento de formandos, constantes de fls. 116 a 121, inclusive.
*
Foi dada como não provada toda a materialidade restante alegada pela A. e pela R. com relevância para a decisão de mérito, nomeadamente:
a) O pagamento da cedência das instalações apenas seria devido nos períodos de ocupação efetiva das salas pelos formandos;
b) O serviço de acompanhamento psicológico dependia de prévia aprovação da requerida.
c) O serviço de acompanhamento psicológico foi realizado por pessoa que apenas exercia funções de assistente administrativa.
d) Os relatórios referidos em 19º, dos factos provados, correspondem a serviços que não existiram.
IV.
Das questões do recurso
1- Erro de julgamento em matéria de facto
Nos termos do art.º 640º, nº 1, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (al. a));
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b)); e
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c)).
Sob o nº 2, al. a) do mesmo preceito legal, dispõe-se que “no caso previsto na alínea b) do número anterior, … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Se alguma dúvida interpretativa pudesse existir no anterior Código de Processo Civil, a mesma foi dissipada com o novo Código de Processo Civil de onde resulta a conceção de um verdadeiro recurso em matéria de facto que evoluiu no sentido de reconhecer que a Relação é um tribunal de instância e que dispõe dos mesmos poderes e faz uso das mesmas regras que usa a 1ª instância no seu julgamento, designadamente da experiência comum e da livre apreciação da prova, porém, partindo sempre dos indispensáveis limites dos factos e das provas rigorosamente identificados nas alegações (e conclusões) do recurso interposto, jamais se visando a repetição do julgamento ou a realização de um novo julgamento, mas apenas uma nova apreciação da prova e a possível modificação da decisão em matéria de facto, apenas dentro de limites rigorosa e precisamente definidos.
Este justificado esforço exigido ao tribunal de 2ª instância na reapreciação da decisão em matéria de facto teve, do lado das partes, ónus processuais que foram imposto pelo antigo art.º 690º-A em versões do Código de Processo Civil anteriores ao Decreto-lei nº 303/2007 --- que este diploma passou a revelar depois sob o art.º 685º-B --- e que começou por ser o de transcrição datilografada das passagens da gravação em que se fundava o recurso, na versão do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, não facultando então a lei do processo a audição da gravação. A situação evoluiu com o Decreto-lei nº 183/2000, de 10 de agosto, que passou a prever a audição pela 2ª instância da prova gravada (art.º 690º-A, nº 5, do antigo Código de Processo Civil).
Ou seja, as sucessivas reformas legislativas sobretudo libertaram progressivamente as partes de ónus que se foram considerando excessivos, designadamente o da transcrição da prova gravada, mas criaram outros como acontece com o dever do recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sob pena de imediata rejeição do recurso.
A conhecida modernização dos meios de registo da prova (primeiro as cassetes, depois os CD`s e atualmente o registo informático) tornou inútil a exigência da indicação do início e do termo de cada depoimento, por referência ao assinalado em ata nos termos do art.º 522º-C, nº 2, do Código de Processo Civil, tendo passado a impor, como observámos já, a indicação das passagens da gravação em que o recurso se fundamenta, já que os registos informáticos passaram a facultar uma contagem fácil, segundo-a-segundo, minuto-a-minuto e hora-a-hora, os depoimentos gravados, bem longe das antigas cassetes e dos números das respetivas voltas.
O novo legislador do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho compreendeu isso mesmo ao ter retirado qualquer relevância à referência ao início e ao termo de cada depoimento, assinalado na ata, para efeitos de recurso em matéria de facto (cf. respetivo art.º 640º, nº 2). [3] A propósito, A. Santos Geraldes [4] dá conta do absurdo que era a parte final do art.º 522º-C, nº 2, já que não havia depoimentos sobrepostos, sendo sempre possível a identificação precisa e separada dos mesmos.
Sendo aplicável ao recurso este novo regime processual, da análise das alegações da apelação, incluindo as conclusões, resulta com toda a evidência que a recorrente não deu o devido cumprimento à referida exigência processual, ou seja, não indicou (com ou sem exatidão) as passagens da gravação em que funda o seu recurso.
O que a apelante fez foi, simplesmente, indicar o início e o termo da gravação de cada depoimento, o que não só não é exigido por lei, como também não representa qualquer facilitação da atividade da Relação na apreciação do recurso. O que deveria ter feito era discriminar, por referência a unidades de tempo, expressas em horas, minutos e segundos, o início e o termo dos excertos de cada depoimento testemunhal que, em seu critério, relevam para a impugnação da matéria de facto que especificou por referência a determinados pontos dos factos dados como provados e da matéria dada como não provada.
Poderá argumentar-se que, apesar daquela omissão, a recorrente transcreveu algumas passagens da gravação das alegações do recurso. Todavia, como se extrai ainda da citada al. a) do nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil, tal transcrição não passa de uma faculdade concedida ao recorrente (e ao recorrido; cf. subsequente al. b)) e não substitui a obrigatoriedade da indicação exata das passagens da gravação. Sem esta indicação, tão-pouco sem que se identifiquem as passagens transcritas, a Relação teria analisar o recurso em matéria de facto pela audição integral dos depoimentos gravados e indentificados, o que só depois da análise das passagens que deveriam ter sido indicadas se poderá tornar exigível.
De resto, resulta das alegações da recorrente que a importância da prova gravada não se esgota nas passagens que transcreveu, nada indiciando também que se imponha a audição integral dos depoimentos testemunhais. O próprio legislador como que presume que, não sendo impugnada toda a matéria de facto, não interessa toda prova produzida nem a totalidade da prova gravada.
A lei do processo é clara ao cominar, na mesma al. b) do nº 2 do art.º 640º, com a imediata rejeição do recurso, na respetiva parte, o incumprimento daquele ónus processual.
A propósito, é pertinente chamar a atenção para o que escreveu A. Abrantes Geraldes [5]: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida, …”.
Já na sua obra anterior [6], A. Abrantes Geraldes dava conta destes níveis de exigência, por referência ao então vigente regime de recursos emergente da alteração preconizada pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto, respetivo art.º 685º-B.
Cumpre também referir que esta rejeição parcial do recurso não deve ser precedida de despacho de aperfeiçoamento. Em primeiro lugar, porque é a própria lei que refere a rejeição deve ser imediata, ou seja, próxima, sem algo de permeio; em segundo lugar porque quando a lei do processo, sob o art.º 639º, nº 3, prevê, em sede de recurso, o dever funcional de prolação de despacho de aperfeiçoamento, fá-lo apenas relativamente às conclusões deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o anterior nº 2, e não também quanto às alegações propriamente ditas, sendo que, no caso sub judice, as insuficiência são comuns às alegações e às conclusões.
Dir-se-á ainda que a admitir a reapreciação dos depoimentos gravados nos termos em que ela é solicitada, estaria aberta a porta ao incumprimento de um dos pressupostos indispensáveis da impugnação da decisão em matéria de facto, obrigando a Relação à audição de toda a prova gravada em qualquer processo, com todo o esforço inútil que isso pode representar para o tribunal ad quem, tendo como contrapeso a desresponsabilização processual do recorrente. Assim se contrariaria absolutamente todo o sentido e o espírito do circunstancialismo jurídico que orientou os novos termos da admissibilidade do recurso em matéria de facto e o próprio art.º 640º, nº 2, al. a) que lhes dá corpo ao prever a imediata rejeição do recurso --- portanto, sem possibilidade de aperfeiçoamento --- quando é possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, como sempre é, e o recorrente não indica com exatidão as passagens da gravação em que se funda.
Por conseguinte, a Relação não irá ouvir a prova gravada.
A recorrente aponta ainda, mas secundariamente, determinados documentos que estão juntos ao processo (cf. conclusões XI, XVII e XX), mas ela própria o faz sem dispensar a análise conjugada do seu teor com o teor dos depoimentos testemunhais. Trata-se, efetivamente, de documentos de prova livre, não formal ou vinculada (como acontece com a prova plena), e a sua simples análise, desacompanhada de prova testemunhal, não impõe de modo irrefutável a demonstração de factos diversos dos que foram dados como provados ou a modificação da matéria tida como não provada (art.º 662º do novo Código de Processo Civil e anterior art.º 712º, nº 1, al. b)).
Como ensina o Prof. Alberto dos Reis [7], “se estiver junto aos autos documento que faça prova plena ou cabal de determinado facto e o juiz, na sentença, tiver admitido facto oposto, com base na decisão do tribunal colectivo, incumbe à Relação fazer prevalecer a força probatória do documento”.
Nesta senda, é de rejeitar de imediato o recurso em matéria de facto interposto pela R. E rejeitado este, sempre ficaria também esta Relação impossibilitada de aditar factos novos aos factos provados, como pretendia a recorrente, nos seguintes termos:
- A Ré não requereu a aprovação da realização dos serviços de acompanhamento psicológico;
- Os serviços de acompanhamento psicológico reclamados na factura n.2 137 não foram realizados.
Acresce que, se é verdade que o juiz, no atual regime processual (art.º 5º), mais do que no regime do anterior Código de Processo Civil, dispõe de meios tidos por necessários para produzir uma decisão de mérito que atinja, tanto quanto possível, o ideal da justiça material, designadamente pela adição de factos não essenciais e não articulados pelas partes e que resultem da instrução da causa, não é menos exato que essa matéria nova não pode ser aditada em sede de recurso, desde logo porque a Relação, enquanto tribunal de reponderação ou reexame da decisão, apenas pode intervir sobre a matéria de facto nos termos do art.º 662º do Código de Processo Civil, vertendo a sua reapreciação sobre o conteúdo da decisão recorrida.
Rejeita-se o recurso da decisão em matéria de facto e, uma vez que a apelante defendeu apenas a extração de consequências jurídicas a partir da modificação que propôs no âmbito daquela impugnação, impõe-se a rejeição do recurso e a confirmação da sentença recorrida.
*
SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- Indicando o recorrente determinados depoimentos gravados como relevantes em sede de impugnação da decisão em matéria de facto, mas não tendo cumprido o ónus processual da indicação com exatidão das passagens da gravação em que funda o seu recurso, a cominação imposta pelo art.º 640º, nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, é a imediata rejeição do recurso na respetiva parte.
2- O apelo simultâneo a determinados documentos juntos aos autos que não constituam prova formal ou vinculada, assim, sujeitos a livre apreciação do julgador, é insuficiente para --- em caso de impossibilidade jurídica de atender à prova gravada --- conduzir à modificação da decisão em matéria de facto.
V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 29 de setembro de 2014
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Pela sua fidelidade à alegação, segue-se, apenas com alterações de pormenor, o relatório da sentença recorrida.
[2] Por transcrição.
[3] Apesar de continuar a exigir, agora sob a égide do art.º 155º, nº 1, que o funcionário assinale em ata o início e o termo de cada depoimento.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 126. Argumentação que repete na citada obra de 2013, a fl.s 129.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129.
[6] Recurso em Processo Civil – Novo Regime, 2ª edição revista e atualizada, pág.s 146 e 147.
[7] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 472.