Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5573/17.6T8BRG.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
INDEMNIZAÇÃO
CULPA DO LESADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Cai na previsão do art. 570º do CC a situação em que o lesante procede à limpeza de escadas (molhando o respectivo piso de mármore) sem colocar aviso para o facto (piso húmido) e em que a lesada, descendo as escadas com um bebé ao colo, utiliza o lado em que o degrau têm menor largura e onde o apoio para os pés é mais difícil de alcançar conseguir.
II- Fundando-se o juízo de censura da dirigido à lesada numa falha cronologicamente circunscrita aos efémeros segundos da descida dum patamar de escadas, o juízo de censura censura a dirigir ao lesante, assente na incúria e desmazelo no exercício da actividade profissional/laboral exercida (iniciando e prosseguindo a limpeza das escadas sem que fossem tomadas as providências necessárias para evitar que de tal actividade resultasse perigo para direitos de terceiros) é merecedor de mais intensa censura.
III- Mostra-se justa e equilibrada a indemnização de dois mil euros (antes de sobre ela fazer incidir a redução a operar pela aplicação do disposto no art. 570º do CC) para indemnizar o dano patrimonial sofrido por lesada que ao tempo do evento contava com trinta e oito anos e não exercia actividade profissional, ficando a padecer, em consequência das lesões sofridas, de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de um ponto.
VI- Mostra-se ponderado, equilibrado, justo e adequado, conforme aos padrões jurisprudenciais, o montante de três mil euros (antes de sobre ele fazer incidir a redução a operar pela aplicação do disposto no art. 570º do CC) para valorizar o dano não patrimonial sofrido por lesada com 38 anos que, como consequência de queda na caixa de escadas do edifício de andares onde reside (com embate das costas e lado direito do corpo no piso), padeceu, sem qualquer período de internamento, um défice funcional temporário total de dois dias, o quantum doloris de grau três e o défice funcional permanente da integridade física de um ponto (consequente aos fenómenos dolorosos do hemitórax à palpação e do ombro à palpação e à mobilidade, apresentando-se a mobilidade deste normal).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
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RELATÓRIO
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Apelante: Condomínio da Rua ..., nº ... a ..., Braga (co-réu).
Apelada: C. G. (autora)

Juízo central cível de Braga (lugar de provimento de Juiz 2) – Tribunal Judicial da Comarca de Braga.
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C. G. intentou a presente acção demandando os réus Condomínio da Rua ..., nº ... a ..., Braga, e X, Ldª, pedindo a condenação do primeiro réu (ou, concluindo-se não ser este responsável, a condenação do segundo réu) a pagar-lhe as quantias de cem euros (100,00€) a título de danos patrimoniais, a quantia de trinta mil euros (30.000,00€) a título de danos não patrimoniais e montante não inferior a cinquenta mil euros (50.000,00€) a título de indemnização pelo dano biológico, tudo a acrescer de juros desde a citação e até integral pagamento.
Fundamenta a sua pretensão alegando que em consequência de queda nas escadas do prédio em que reside (partes comuns do edifício de cujo condomínio, primeiro réu, é administrador o segundo) pelo facto das mesmas se encontrarem molhadas por estarem a ser limpas (actividade que vinha sendo desempenhada a mando do segundo réu, na execução das tarefas de administração das partes comuns que lhe estavam cometidas), sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve.

Contestada (tendo além do mais os réus negado que a queda da autora tivesse ocorrido por estarem as escadas molhadas – o que também negaram, sustentando que as mesmas estavam secas e limpas –, antes porque, descendo de forma apressada, a autora escorregou), prosseguiu a causa a normal tramitação e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou o primeiro réu a pagar à autora a quantia de sete mil euros (7.000,00€) – dois mil euros a título de danos patrimoniais e cinco mil a título de danos não patrimoniais –, acrescida de juros de mora à taxa legal e até integral pagamento, calculados desde a citação sobre o montante de dois mil eros e desde a data da sentença sobre a quantia de cinco mil euros, julgando prejudicado o pedido subsidiário deduzido contra o segundo réu.

Inconformado com a sentença, apela o primeiro réu, terminado as suas alegações formulando as seguintes conclusões:

I) No que diz respeito à ocorrência do sinistro propriamente dita, a matéria de facto dada como provada nos pontos 2.3, 2.4 e 2.7 da douta sentença recorrida, não tem qualquer sustentação na prova produzida e, nessa medida, deveria ter sido dada resposta diferente;
II) Da prova prestada em sede de audiência de discussão e julgamento, apenas a Autora (em sede de declarações de parte) e a testemunha M. A. (cuja inquirição oficiosa foi determinada pelo tribunal) prestaram declarações relativamente às circunstâncias e causas de tal queda, por terem presenciado a mesma;
III) A matéria de facto dada como provada nos pontos 2.3, 2.4 e 2.7 da douta sentença recorrida, entra em contradição flagrante com o depoimento de tal testemunha M. A., a qual, quanto à dinâmica e causas da queda da Autora, esclareceu que: “quase a chegar ao fundo aquilo faz uma espécie de caracol e as escadas são mais estreitas junto ao corrimão” (03:30 a 03:40); “estava quase a chegar ao fundo e ela ficou sentada no degrau; assustou-se não é, que é natural, deu um grito e ficou sentada com o bebé ao colo… mas ela antes de chegar aí, tinha dito à mãe, que a mãe vinha atrás dela, “oh mãe, cuidado que isto está molhado” e tão depressa diz isto como ela caiu… mas ficou sentada” (04:00 a 04:45); “sei que se calhar foi um bocadinho de descuido, por descer ali naquele sítio tão estreitinho” (04:50 a 04:57); “ela levantou-se pelo próprio pé; ela ficou sentada, ela não caiu (pelas escadas abaixo)” (08:35 a 08:45); “estava a olhar para ela quando ela caiu, foi mesmo à minha frente; o motivo da queda para mim foi por ela estar (a descer) na parte mais estreita, não teve, se calhar, o devido cuidado e como ela também vinha com um bebé ao colo não tinha aquela percepção de estar a ver o que vem à frente, não é, e se calhar descuidou-se um bocadito” (09:50 a 10:30); “ela ficou logo ali sentada na escada, não desceu quatro ou cinco degraus, ficou logo ali” (10:45 a 11:10); “antes disso acontecer, se calhar um segundo ou dois, ela disse “oh mãe, cuidado que as escadas estão molhada”” (11:13 a 11:23);
IV) Para dar tal factualidade como provada, teve o tribunal única e exclusivamente em atenção as declarações de parte da Autora, ignorando positivamente o depoimento da testemunha M. A., o que não poderia ter feito por diversas razões: porque a Autora incumpriu com o ónus da prova que sobre si recaia, dado ter prescindindo do depoimento de testemunhas, nomeadamente a sua mãe que a acompanhava na altura da queda, que presenciaram a mesma; porque a Autora tem um interesse direto no desfecho da causa e, nessa medida, as suas declarações devem ser aceites com muito mais reserva do que o depoimento de uma testemunha que nenhum interesse tem em tal desfecho; porque o próprio tribunal deu como provados diversos factos que contrariam frontalmente as declarações de parte da Autora prestadas em julgamento, donde resulta que às mesmas não pode ser atribuída tanta credibilidade que permita validar, por si só, a dinâmica da queda ora em análise; porque é o próprio tribunal quem reconhece, na fundamentação da decisão recorrida, a existência “de algumas contradições verificadas nas declarações da autora, no que respeita às lesões sofridas e às sequelas resultantes, tendentes a exacerbar essas mesmas consequências”;
V) A única testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento que presenciou a queda, cuja inquirição foi determinada oficiosamente pelo tribunal, foi taxativa ao afirmar que a mesma não se deu pelo facto do piso se encontrar húmido, mas sim porque a Autora descia as escadas na parte em que as mesmas eram mais estreitas, tendo sido esse facto, aliado ao facto de trazer um bebe ao colo que a impedia de ver onde colocava os pés nas referidas escadas, que determinou a queda, rejeitando que tal queda tenha sido determinada por a Autora ter escorregado no piso húmido, rejeitando que tal queda tenha sido violenta e rejeitando que com tal queda a Autora tenha embatido com qualquer parte do corpo nas escadas (designadamente as costas ou o lado direito), pois a mesma ficou absolutamente sentada após a mesma;
VI) Chamando à colação as regras da experiência comum, poder-se-á dizer que, levando a autora uma criança ao colo, não conseguindo por isso ver exatamente onde colocava os pés, e encontrando-se a mesma a descer na parte mais estreita das escadas em questão, atentas as regras da experiência comum, afigura-se inequívoco que a queda teve como causa a colocação indevida do pé de apoio da Autora nas referidas escadas, sendo essa a causa da queda e não qualquer outra;
VII) Em face da prova produzida, a factualidade dos pontos 2.3, 2.4 e 2.7 deveria ter sido dada como provada nos seguintes termos: 2.3. Quando a autora já se encontrava pelo menos a meio da descida, nas escadas que dão do 1º andar para o R/c, deu-se a queda da mesma; 2.4. Com a queda ficou a autora sentada no degrau que provocou a mesma; 2.7. Nessa ocasião, as escadas encontravam-se molhadas e não existia qualquer sinal de aviso do estado em que as mesmas se encontravam;
VIII) Igualmente, por relevante se revelar e por ter resultado da prova produzida, deveria ter sido dado como provado pelo tribunal recorrido o seguinte ponto de facto: a Autora, em momento anterior à queda, apercebendo-se de que o piso estava molhado, recomenda à sua mãe que a acompanhava para a mesma ter cuidado pelo facto do piso estar molhado;
IX) E deveria ter sido dado como não provado em face da ausência de prova nesse sentido e das regras do ónus da prova, que: a autora tenha escorregado num degrau, caindo de forma violenta e totalmente desamparada; a Autora tenha embatido com as costas e com o lado direito do corpo, visto que a sua preocupação era proteger o seu neto, evitando que o mesmo se magoasse, não conseguindo assim amparar-se, nem evitar o embate; tenha sido por as escadas estarem molhadas que a autora escorregou e caiu;
X) Não foi produzida qualquer prova que sustentasse o ponto 2.20 dos factos dados como provados, matéria que foi elevado à categoria dos factos provados apenas tomando em consideração as queixas apresentadas pela autora ao perito médico que elaborou o relatório de exame médico-legal junto aos presentes autos, queixas essas que não foram levadas às conclusões do referido relatório, pelo que, por ausência de qualquer prova nesse sentido e atendendo às regras do ónus da prova, deveria ter sido dado como não provado que a autora apresente atualmente dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumosos, fenómenos dolorosos no ombro e mão direita com o esforço, toracalgia à direita, e parestesias no punho e mão direita;
XI) Relativamente à factualidade dada como provada nos pontos 2.16, 2.17, 2.18 e 2.19, a mesma encontrou sustentação probatória nas conclusões do relatório de exame médico-legal realizado na pessoa da Autora;
XII) O sinistro ora em análise ocorreu no dia 15.11.2014 e que o exame que esteve na origem de tal relatório de exame médico-legal foi realizado em Setembro de 2018, ou seja, quase 4 anos após a data do sinistro;
XIII) Atendendo aos relatórios referentes aos episódios de urgência desenvolvidos na sequência de tal sinistro juntos com a Petição Inicial, mais concretamente o episódio de urgência do próprio dia do sinistro, facilmente constatamos que, para além da inexistência de qualquer fratura, a Autora teve imediatamente alta com indicação apenas de gelo, analgésicos e anti-inflamatórios, não sendo, assim, crível que, tendo em conta as regras da experiências, mais de 4 anos depois a Autora continuasse a padecer de sequelas de tal sinistro, nos termos em que o mesmo ocorreu;
XIV) A serem verdade as sequelas apresentadas pela Autora e constantes do exame médico-legal que deu origem aos factos provados ora em análise, as mesmas terão como sua causa um qualquer outro sinistro sofrido pela autora em momento posterior ao aqui em análise e mais grave do que esse e nunca a ligeira queda sofrida pela Autora;
XV) Seria pouco crível e compreensível que a ligeira prescrição médica efetuada pudesse ter resultado de um sinistro com tal gravidade que, mais de 4 anos depois, ainda causaria limitações graves e até um défice funcional permanente da capacidade física da autora, sendo tal ligeira prescrição médica mais compaginável com um ligeiro sinistro sem quaisquer consequências para autora, ao ponto da mesma, mais de 4 anos passados, já nem conseguir discernir qual a perna que foi afetada em tal sinistro, pois a padecer a mesma das consequências elencadas na específica matéria de facto ora em análise, certamente que a Autora se recordaria e sentiria qual o membro inferior afeitado, não lhe permitindo certamente confundir a perna direita com a esquerda como tendo sido a perna afetada pelo mesmo;
XVI) Deveria a factualidade constante dos pontos 2.16 a 2.19 ter sido elevada à categoria dos factos não provados;
XVII) É manifesta a existência, neste caso, de erro na apreciação por parte do Tribunal "A QUO" da prova produzida ao longo do processo, violando assim o estatuído no artº. 607, nº. 4 do C.P.C., do qual fez uma incorreta interpretação e aplicação, e que conduziu, necessariamente, a uma decisão contrária a essa mesma prova, pelo que deve a presente sentença em recurso ser alterada nos termos supra propostos para cada um dos pontos de facto em reavaliação, tudo de acordo com o disposto no artº. 662, nº.1 do C.P.C.;
XVIII) Em momento algum se poderia concluir pela existência de qualquer responsabilidade do Réu na produção do sinistro em causa, e, nessa medida, deveria a presente ação ter sido considerada como totalmente improcedente, por não provada;
XIX) Ainda que se considerasse, que tal queda se tinha devido, de facto, ao piso molhado associado à ausência de sinalização nesse sentido, ainda assim a presente ação deveria ser julgada totalmente improcedente, visto que a Autora, em momento anterior à queda, se apercebeu de que o piso se encontrava molhado e, por isso mesmo, escorregadio, a ponto de avisar a sua mãe, que a acompanhava, nesse sentido, pelo que, nessa medida, a queda da Autora se deveu a negligência sua e não a qualquer ação ou omissão do condomínio Réu;
XX) Na pior das hipóteses, sempre haveria uma divisão de responsabilidade entre Autora e Réu pela ocorrência do sinistro, mas nunca poderia a mesma ser imputada exclusivamente ao condomínio Réu, uma vez que havendo um dever extra de cuidado a cargo da Autora pelo facto de transportar uma criança ao colo enquanto descia as escadas e tendo podido utilizar o elevador do prédio tenha escolhido não o fazer e vir pelas escadas, tal facto seria imediata e necessariamente gerador de um fator de responsabilidade a cargo da Autora, que obrigaria a tal divisão de responsabilidades, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 570º do CC;
XXI) Ainda que se considerasse, como fez a sentença recorrida, a responsabilidade exclusiva do condomínio Réu pela produção dos danos na Autora e a extensão dos mesmos nos termos dados como provados na sentença recorrida, ainda assim a condenação ao pagamento da quantia de € 7.000,00 (€ 2.000,00 a título de danos patrimoniais e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais) à Autora revela-se absolutamente excessiva, desproporcional, injustificada e desconforme, isto porque a Autora não fraturou qualquer membro, não foi operada, não foi sequer internada, limitou-se a ir ao hospital e a ser-lhe receitados analgésicos e anti-inflamatórios para as “lesões” sofridas, porque a Autora, de etnia cigana, não alegou nem provou possuir à data qualquer fonte de rendimento laboral, não alegou nem provou possuir à data qualquer outra fonte de rendimento que não laboral e que tenha sido impedida de desenvolver por causa do presente sinistro e porque toda a matéria alegada pela Autora para sustentar os supostos danos não patrimoniais de que padeceu e padece foi considerada como não provada pelo Tribunal recorrido;
XXII) Com a decisão recorrida, concedendo uma indemnização global de € 7.000,00 (sete mil euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais pelo sinistro ora em análise e com as (parcas) consequências que do mesmo resultaram, a uma pessoa com historial de depressão, a quem nunca se conheceu qualquer atividade profissional ou outra da qual resultassem rendimentos e que inicialmente pediu € 80.000,00 a título de indemnização pelos factos ora em análise, está o tribunal recorrido a legitimar que acontecimentos como o ora em análise se repitam e sejam utilizados como fonte de rendimento de quem não tenha (ou não queira ter) outra fonte de rendimento, até porque não precisarão tais sujeitos de mais do que as suas próprias declarações para, contrariando qualquer outra prova produzida, obterem uma indemnização desta ordem de grandezas, a qual, a título de mera comparação, corresponde a quase um ano de trabalho de uma pessoa que aufira o salário mínimo nacional;
XXIII) Tal decisão é, salvo o devido respeito, absolutamente desproporcionada e inadequada, bem como ofensiva da equidade e ponderação que devem nortear a boa aplicação da justiça, pelo que urge alterar a mesma, sob pena de se começar a legitimar estes expedientes como fonte de rendimento alternativa ou complementar ao rendimento do trabalho;
XXIV) Ao decidir nos termos em que o fez, julgando o pedido formulado pela Autora parcialmente procedente, condenando o Réu no pagamento da quantia de € 7.000,00 à Autora, bem como condenando o ora Recorrente a suportar as custas processuais na proporção do seu decaimento, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artigos 483º e 570º do Código Civil e 607º, nº. 4 do Código de Processo Civil, dos quais fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso concreto em apreço.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Do objecto do recurso

Considerando as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), identificam-se como questões a decidir:

a- a alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto (pois que impugnada, nos termos do art. 640º, nº 1 e 662º, nº 1 do CPC, pelo réu apelante),
b- imputação subjectiva do evento à autora lesada, exclusivamente, ou, pelo menos, a repartição de responsabilidade, nos termos do art. 570º do CC (concorrência de culpas),
c- os montantes indemnizatórios atribuídos, que o apelante considera excessivos, desproporcionados, injustificados e desconformes aos danos (lesões e suas consequências) efectivamente sofridos.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

Factos Provados

1. No dia 15 de Novembro de 2014, pelas 18:30h, a autora saiu de casa no 2º andar, juntamente pelo menos com a sua filha V. G., a sua mãe P. S. e o seu neto, criança ainda de colo.
2. Por necessitarem de transportar o carrinho de bebé para o neto da autora, a filha da autora, V. G., desceu com o carrinho de bebé pelo elevador e os restantes foram pelas escadas, indo a autora à frente com o seu neto ao colo.
3. Quando a autora já se encontrava pelo menos a meio da descida, nas escadas que dão do 1º andar para o R/c, escorregou num degrau, caindo de forma violenta e totalmente desamparada.
4. Com a queda, embateu com as costas e com o lado direito do corpo, visto que a sua preocupação era proteger o seu neto, evitando que o mesmo se magoasse, não conseguindo assim amparar-se, nem evitar o embate.
5. Fruto da queda, a autora magoou a perna esquerda, a zona lombar e o braço direito, ficando imediatamente com dor nas zonas colididas.
6. Imediatamente a sua filha V. G. (que, entretanto, já havia chegado de elevador ao R/C), bem como a sua mãe, acorreram em auxílio da autora.
7. Nessa ocasião, as escadas encontravam-se molhadas, tendo sido por as escadas estarem molhadas que a autora escorregou, e não existia qualquer sinal de aviso do estado em que as mesmas se encontravam.
8. Em nenhum dos pisos (R/C incluído) havia sido colocado qualquer aviso de ‘piso molhado’ ou outro.
9. Após alguns momentos, a autora foi transportada para o Hospital. 10. Deslocaram-se ao Hospital Público de Braga, onde a autora deu entrada como episódio de urgência, pelas 19:14, com diagnóstico de ‘dor torácica posterior, mão direita, joelho e perna esquerda’, sendo-lhe atribuído o valor 6 na escala de dor (num máximo de 10).
11. Após a realização de exames raio X, verificou-se que não tinha nada partido, sendo-lhe prescrito ‘Adalgur N’, ‘Ibuprofeno Generis 600mg’ e ‘Reumon Gel’.
12. Não obstante a medicação e o repouso posteriores, a autora continuou a sofrer de dores e incómodos.
13. Tais dores forçaram a autora a regressar ao Hospital no dia 23 de Novembro de 2014, pelas 20:35, com queixas de ‘dores na cervical e braço após queda há uma semana’, bem como dores na zona lombar, tendo-lhe sido prescrito ‘Vimovo’ e ‘Unisedil’, a fim de tentar pôr fim às dores.
14. Com o acidente sofrido, a autora teve assim de se deslocar por duas vezes às urgências.
15. Com o acidente ocorrido, a autora padeceu de dores na zona lombar, no braço direito e na perna esquerda.
16. As lesões sofridas causaram à autora um quantum doloris de grau 3, numa escala de 1 a 7, e determinaram-lhe:
- défice funcional temporário total num período total de 2 (dois) dias, entre 16/11/2014 e 17/11/2014;
- défice funcional temporário parcial num período de 28 (vinte e oito) dias, entre 18/11/2014 e 15/12/2014;
- período de repercussão temporária na actividade profissional total de 30 (trinta) dias.
17. A data da consolidação médico legal das lesões foi fixada em 15/12/2014.
18. Como consequência das lesões, a autora ficou a padecer, pelo menos, das seguintes sequelas:
- tórax: palpação do terço inferior e posterior do hemitórax direito referida como dolorosa, sem deformidades aparentes;
- membro superior direito: palpação do ombro referida como dolorosa; mobilidade do ombro normal, mas dolorosa, sem amiotrofias.
19. As referidas sequelas provocam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 1 ponto, sem dano estético permanente e sem repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer.
20. Por causa dessas sequelas, a autora apresenta dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumosos, fenómenos dolorosos no ombro e mão direita com o esforço, toracalgia à direita, e parestesias no punho e mão direita.
21. A autora tinha 38 anos à data do acidente e da alta.
22. Na altura em que a queda ocorreu, encontrava-se uma pessoa a efectuar a limpeza das partes comuns do prédio, escadas incluídas, que a autora reconheceu como sendo a pessoa que semanalmente procede às limpezas dessas partes comuns.
23. O pavimento das escadas era em mármore.
24. A limpeza das partes comuns do condomínio réu, à data dos factos, era desenvolvida por terceiro, contratado e pago pelo condomínio réu (a D. R. B., no que esta era auxiliada pelo seu marido M. A.).
25. Na altura em que ocorreu a queda, a segunda ré ‘X, Ld.ª’ tinha a seu cargo a administração das partes comuns do prédio, enquanto administradora do condomínio.

Factos não provados

- que na ocasião referida em 1. a filha T. saiu com a autora,
- que não cabiam todos no elevador e que este apenas transportava quatro pessoas;
- que foi com o pé direito que a autora escorregou, fazendo com que a sua perna esquerda cedesse e se dobrasse para trás do corpo,
- que nas circunstâncias referidas supra em 5., a autora magoou a zona cervical e a cabeça, e que a filha T. a auxiliou,
- que pegaram de imediato no neto da autora e que a autora o abraçou aquando da sua queda,
- que tentaram simultaneamente levantar a autora, mas esta, profundamente dorida, não se conseguiu levantar de imediato,
- que estranharam tal queda,
- que com muito custo, as filhas da autora levantaram-na, levando-a em braços para o R/C,
- que foi ao sair do edifício que todas as pessoas verificaram o que consta em 7.,
- que chegadas ao R/C, a filha da autora V. G., dirigiu-se ao responsável que procedia à limpeza das escadas questionando ‘se aquilo era jeito de deixarem as escadas, todas molhadas, sem qualquer aviso de perigo’, ao que foi respondido que ‘lamentava’, demonstrando de imediato preocupação com o estado de saúde da autora;
- que a filha da autora V. G., disse para ‘sair da frente’ para poderem levar a sua mãe rapidamente ao Hospital, recorrendo de imediato ao carro de familiares, a fim de não perderem mais tempo, - que na ocasião referida em 13. a autora ainda tinha inchaço na zona do peito,
- que a autora teve de suportar despesas com combustível e com o parque do Hospital público de Braga, que foi a autora quem suportou as despesas referentes aos medicamentos prescritos, tudo num total de 100,00€ (cem euros),
- que foi por força do acidente dos autos que sofreu dores na zona cervical,
- que a autora se viu impedida de gozar o seu normal descanso, porque as dores que sofria na zona lombar, cervical e no braço direito a impediam de ‘encontrar uma posição confortável’;
- que quando finalmente adormecia, rapidamente acordava, fruto das dores, sendo mais as horas que não dormia do que aquelas em que conseguia efectivamente descansar;
- que mesmo durante o dia, quando procurava repousar, a autora tinha imensas dificuldades em conseguir encontrar uma posição suficientemente confortável que lhe permitisse repousar e, não obstante os analgésicos e as pomadas receitadas, a dor continuava sempre presente,
- que a autora ficou, na altura do acidente, com pavor que algo de muito grave acontecesse ao seu neto, receio esse que ainda hoje a autora sente, cada vez que pensa em pegar nele, considerando um ‘milagre’ que nada tenha acontecido ao mesmo,
- que o acidente ficou de tal maneira gravado na memória da autora que hoje ela não se sente confortável em pegar no seu neto fora de casa, por ter medo de que o mesmo possa cair,
- que esta ficou durante vários dias após este evento com uma forte sensação de angústia e ansiedade pelo sucedido, em especial pensando constantemente nas consequências gravíssimas que poderiam ter advindo para o seu neto,
- que desde o acidente a autora nunca mais conseguiu voltar a descer normalmente as escadas onde caiu por medo de que as mesmas se encontrem novamente molhadas e novamente sem sinalização própria, usando sempre que possível o elevador,
- que quando este se encontra fora de funcionamento, sendo a autora obrigada a usar as escadas, esta fá-lo de uma forma ‘excessivamente’ cuidadosa, demorando vários minutos para descer dois andares, situação que causa à autora e aos que vivem com ela, um grave transtorno,
- que não têm sido produtivas as várias tentativas das filhas para a fazer ultrapassar o profundo medo que sente, mesmo quando verificam previamente que o piso das escadas está seco,
- que com o sucedido, a autora ganhou pavor a pisos molhados, recusando-se a entrar numa casa de banho pública ou num centro comercial quando este foi limpo recentemente,
- que basta que se aperceba que o piso está molhado para ficar com medo de escorregar e cair, começando a suar das mãos e a sentir-se muito ansiosa, o que limita os seus movimentos e a sua liberdade de circulação,
- que desde a data do evento e até à presente data, a autora possui um ‘inchaço’ na zona da grade costal direita, que surgiu na altura do embate, vindo a aumentar de tamanho nos dias imediatamente a seguir, ‘inchaço’ esse que é visível ‘olho nu’,
- que no dia dos factos, a funcionária da limpeza se encontrava ao serviço da segunda ré, executando as suas ordens e orientações, sabendo da necessidade de deixar o piso seco (através de uma segunda passagem com uma esfregona seca ou outro), ou, pelo menos, da necessidade de colocar no local uma placa a avisar para o perigo até que os lanços de escadas secassem,;
- que como consequência da queda, a autora tenha sofrido outras lesões ou apresente outras sequelas para além das acima descritas,
- que a limpeza e consequente lavagem das escadas do prédio era efectuada ao fim da tarde ou até mesmo à noite, pelo que à hora em que o acidente ocorreu era impossível que as escadas estivessem ainda molhadas,
- que o acidente de que a autora foi vítima ocorreu porque a autora, ao descer as escadas de forma apressada como se encontrava a fazer no dia em questão, tropeçou,
- que que o piso das escadas por onde a autora descia encontrava-se limpo, seco e em bom estado,
- que a autora não trabalhava na altura do acidente,
- que a autora não ficou com qualquer incapacidade decorrente das lesões sofridas pela queda.
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Fundamentação jurídica

1. Da impugnação da matéria de facto

Impugna o apelante a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto sustentando que a valorização da prova produzida nos autos impõe se julgue diversamente a matéria vazada nos números 3, 4, 7, 16, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados [defendendo dever ser julgada não provada a matéria dos factos 16, 17, 18, 19 e 20 e que, quanto aos factos 3, 4 e 7 se julgue antes/apenas provado, respectivamente, que a queda ocorreu quando a autora se encontrava pelo menos a meio da descida, nas escadas que dão do 1º andar para o r/c (facto 3), que com a queda a autora ficou sentada no degrau que a provocou (facto 4) e que na ocasião as escadas se encontravam molhadas, não existindo qualquer sinal de aviso do estado em que as mesmas se encontravam (facto 7), considerando-se assim não provado que a autora tenha escorregado num degrau, caindo de forma violenta e totalmente desamparada (facto 3), que a autora tenha embatido com as costas e com o lado direito do corpo, visto que a sua preocupação era proteger o seu neto, evitando que o mesmo se magoasse, não conseguindo assim amparar-se, nem evitar o embate (facto 4) e que tenha sido por as escadas estarem molhadas que a autora escorregou e caiu (facto 7)] e bem assim se considere provado facto relevante que resultou da discussão da causa, qual seja o de que a autora se apercebeu, em momento anterior à queda, que o piso se encontrava molhado, tendo mesmo recomendado à sua mãe, que a acompanhava, que tivesse cuidado.
Impugnação que se enquadra na previsão normativa do art. 662º do CPC – pretende-se a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – v. g., declarações de parte, depoimentos testemunhais, documentos particulares, perícia) –, mostrando-se cumpridos os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC ao apelante que impugna a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto – identifica nas conclusões os factos impugnados, indica o exacto sentido da decisão que entende deve ser tomada a propósito de cada um eles e especifica os concretos meios de prova que sustentam decisão diversa (indicando, relativamente às provas gravadas, os exactos trechos de depoimentos em que sustenta a impugnação).
Quando convocada a reapreciar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto alicerçada em elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC) – como o são as declarações de parte, os depoimentos testemunhais, as perícias e os documentos particulares –, tem a Relação, ‘assumindo-se como verdadeiro tribunal de instância’, de expressar a partir deles a sua convicção com total autonomia, devendo reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado (confirmando a decisão, decidindo em sentido oposto, ou, num plano intermédio, alterando a decisão no sentido restritivo ou explicativo)(1)– reapreciação que não pode confundir-se com um ‘novo julgamento’, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter (2).
A reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito da previsão dos artigos 662º, nº 1 e 640º, nº 1 do CPC, importa a reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se permitem afirmar, de forma racionalmente fundada, a veracidade da realidade alegada quando o facto tenha sido julgado não provado ou o inverso, quando o facto tenha sido julgado provado pela primeira instância.
Nesta actividade, os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (3).
Apreciação que se não confunde ou resume a certificar o declarado pelas partes ou testemunhas ou o teor de determinado elemento probatório – através da análise crítica dos elemetos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) aprecia-se tanto da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios (da consistência, coerência e verosimilhança de cada um dos referidos elementos, tomado individualmente) como a sua valia extrínseca (da conjugação e compatibilidade entre todos eles).
Trata-se de um processo de análise de todos os elementos probatórios cujo produto final há-de ser o resultado da sua valorização e compatibilização lógica e racional.
As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos. Através delas não se busca criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’ (4) –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida.
A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’ (5).
Estes considerandos conduzirão o tribunal na reapreciação da matéria impugnada.

A propósito da concreta dinâmica e causas do evento que constitui o núcleo da causa de pedir (queda da autora) – matéria a que se referem os impugnados números 3, 4 e 7 da matéria provada e bem assim à matéria que o apelante pretende ver adquirida para o processo, nos termos do art. 5º, nº 2, b) do CPC –, os elementos probatórios (para lá das fotografias de fls. 46 verso e 47, que retratam o exacto local do evento, como referido pelas pessoas que em audiência foram com as mesmas confrontadas - a autora e a testemunha M. A. -, demonstrando que os degraus na zona em que a escada descreve ângulo recto têm largura próxima do zero, ou seja, os degraus têm aí configuração triangular, partindo de largura máxima junto da parede oposta ao corrimão e chegando ao mínimo, quase ao zero, junto do corrimão) trouxeram os seguintes contributos:

- nas declarações de parte, referiu a autora que descia as escadas do prédio (desde o segundo andar onde mora) com o neto (então com idade inferior a um ano) ao colo; que em tal descida era acompanhada pela sua mãe, tendo a sua filha (mãe do neto que trazia ao colo) e marido utilizado o elevador; que não se apercebeu ao iniciar a descida que a caixa de escadas estava a ser limpa (não existia aí qualquer sinal de humidade que evidenciasse que o piso se encontrasse a ser limpo); que no lanço de escadas do primeiro andar para o rés-do-chão o piso das escadas estava molhado, com muita água, por ter sido mal limpo e que caiu quando faltavam cerca de cinco/seis degraus para atingir o patamar do rés-do-chão (‘aquilo faz um virado, uma esquina’); o piso da caixa de escadas só estava molhado no último lanço de escadas; descia devagar (levava o neto ao colo) e escorregou, caindo aos pés da pessoa que fazia a limpeza (mas sem deixar cair o neto, que manteve ao colo), batendo com as costelas nas escadas, ficando com o braço no gradeamento de protecção e com a perna entortada; que a pessoa que se encontrava a fazer a limpeza a ajudou a levantar-se,
- a testemunha R. B., que procedia à limpeza da caixa de escadas nos pisos superiores, não presenciou a queda da autora, desconhecendo por isso a sua concreta dinâmica e causa, referindo tão só que o piso das escadas estava húmido, por estar a decorrer a limpeza delas (a que procediam com utilização de detergente e água, com esfregona), e
- a testemunha M. A. (inquirido por iniciativa do tribunal, nos termos do art. 526º do CPC), referiu que no dia do evento objecto dos autos ajudava a sua esposa, R. B., na execução da limpeza da caixa de escadas do prédio onde reside a autora, sendo ele quem procedia à limpeza do lanço de escadas que liga o primeiro andar ao rés-do-chão; que o piso das escadas não seca imediatamente (considerando até a época do ano em que ocorreram os factos – Novembro) e por isso encontrava-se húmido; que a autora descia as escadas com o neto ao colo, sendo seguida pela mãe, agarrando-se ao corrimão com uma mão; que a configuração das escadas, em caracol, implica que a largura dos degraus, na parte mais próxima do seu eixo (junto ao corrimão), seja mínima, vindo a autora a descer utilizando essa parte das escadas; que a autora caiu e ficou sentada com o bebé ao colo; que um ou dois segundos antes de cair a autora apercebeu-se que o piso estava húmido, tendo mesmo alertado a mãe para esse facto; que a autora terá caído por utilizar a parte em que os degraus têm largura mínima e por vir com um bebé ao colo, tendo dificuldade em aperceber-se onde colocava os pés; que se levantou logo (talvez a mãe lhe tenha dado a mão ajudando-a a levantar-se) e saiu do local pelo próprio pé; que entretanto chegou a família e discutiram pelo facto do piso estar molhado.

Relativamente às lesões sofridas, os elementos produzidos nos autos consistiram:

- na informação clínica dos episódios de urgência (fls. 48), quer no dia do evento (15/11/2014), quer oito dias depois (23/11/2014), dos quais resulta que a autora apresentou, no dia da queda, traumatismos lombar, no joelho esquerdo e no ombro, sem traumatismo abdominal e sem sinais de fracturas, sendo-lhe dada alta com indicação para crioterapia e analgesia e que no dia 23/11/204 recorreu à urgência com queixas de dor na cervical e braço, tendo alta medicada,
- na perícia médica (relatório a fls. 125 e ss.), descrevendo-se não só as queixas coevas do evento (em atenção aos elementos clínicos consultados) como as actuais (na data do exame – dificuldade em pegar e transportar objectos pesados e/ou volumosos, dores no ombro e mão direita com o esforço, toracalgia à direita e parestesias no punho e mão direita) e o resultado do exame objectivo (sem deformidades aparentes no hemitórax, mobilidade do ombro normal, mas dolorosa, sem amiotrofias, e membros inferiores sem alterações), dá-se nota de que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano (adequação entre a sede do traumatismo e a sede do plano corporal resultante, continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, tipo de lesões adequado à etiologia traumática, pois o tipo de traumatismo é adequado a produzir o tipo de lesões constatado, não havendo evidência de causa estranha e excluída a pré-existência do dano) e conclui-se ser de fixar em 15/12/2014 a consolidação médico-legal das lesões, ser de dois dias o período de défice funcional temporário total, ser de vinte e oito dias o período de défice funcional temporário parcial, ser de trinta dias o período de repercussão temporária na actividade profissional total, ser o quantum doloris fixável no grau 3/7, ser o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 1 ponto, serem as sequelas descritas, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, com esforços suplementares, não existindo dano estético permanente nem repercussão nas actividades desportivas e de lazer,
- no depoimento da testemunha H. F., o médico que atendeu a autora no episódio de urgência no dia do evento lesivo, que confirmou o teor do que no registo clínico consta, mais esclarecendo não ser provável nem expectável que um traumatismo lombar como o apresentado pela autora, sem evidência de fractura, possa piorar nos dias posteriores (sendo antes expectável que melhore),
- nas declarações de parte da autora, que a propósito das lesões e sequelas afirmou ter ficado ferida na perna direita (referiu que a lesão foi no membro inferior direito, não no esquerdo, como consta dos registos clínicos da urgência), ter batido com as costelas, ficando com dificuldade em respirar, tendo mesmo ficado com uma fractura (como lhe foi referido no exame médico realizado no âmbito dos presentes autos); que ficou sem conseguir efectuar alguns movimentos com o ombro direito, não conseguindo pegar em coisas pesadas, sentindo também alguma dormência nas mãos; que sentiu dores durante cerca de dois ou três meses, estando de cama sem se conseguir mexer durante um mês; que voltou às urgências várias vezes por não suportar as dores (braço, costelas, em toda o lado direito) e nem conseguir respirar; que ainda actualmente não consegue estar deitada sobre o lado direito.

A análise crítica destes elementos (valorização conjugada, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, da lógica e da racionalidade) permite concluir, desde logo, que a queda da autora não consistiu numa queda descontrolada (violenta e totalmente desamparada, como julgado provado no facto 3) - desde logo, importa atentar que a autora não deixou cair o bebé que trazia ao colo (ela o admitiu e isso também o referiu a testemunha); depois, refere a autora que o braço que trazia no corrimão se encaixou no gradeamento de protecção da escadaria e que bateu com as costas nas escadas, o que se harmoniza com uma queda não desamparada, antes contida, como referido pela testemunha, que afirmou que a autora escorregou e ficou sentada no degrau (com o bebé ao colo), logo se levantando.

Quanto à razão da queda, tem de ponderar-se a circunstância da autora, ainda que atribuindo-a ao piso molhado/húmido, não ter deixado de referir que escorregou no local em que as escadas configuram ângulo recto (referiu que escorregou no local em que as escadas fazem ‘virada’, uma ‘esquina’), ou seja, onde pela configuração as escadas a largura dos degraus é, na parte mais próxima do seu eixo (junto ao corrimão), mínima (próxima do zero), e por isso sem base de apoio suficiente para permitir uma utilização segura e sem percalços.
A referência feita pela autora à configuração das escadas no ponto onde se verificou a queda (onde escorregou) não pode deixar de ser valorizada, tanto mais quando a testemunha fez radicar a queda da autora não tanto na humidade do piso dos degraus adveniente da limpeza que vinha efectuando mas antes no facto da autora efectuar a descida utilizando a parte mais próxima do corrimão (onde a largura do degrau é menor) e, por ter o neto ao colo, não se aperceber donde colocava os pés.
Por isso que ponderando que o piso das escadas é em mármore (como julgado provado no facto 23 – pelo menos, material cerâmico liso, como referido pelas testemunhas e se constata também das fotografias de fls. 46 verso e 47) que molhado se torna escorregadio, que os degraus na zona em que a escada descreve ângulo recto têm largura próxima do zero no lado do corrimão (os degraus têm nessa zona configuração triangular, partindo de largura máxima junto da parede oposta ao corrimão e chegando ao mínimo, quase ao zero, junto do corrimão) e que a autora trazia um bebé ao colo, não pode deixar de considerar-se, valorizando os elementos probatórios produzidos (declarações de parte da autora e depoimento da testemunha M. A. – e sendo certo que nenhum se alicerça em elementos suficientemente fortes que implique dever o tribunal preferi-lo exclusivamente, em detrimento do outro), que a queda da autora se deveu a uma confluência de causas – ao facto do piso estar molhado e de descer utilizando a parte mais estreita do degrau, junto do corrimão, com um bebé ao colo.

Os assinalados elementos objectivos (natureza do piso, configuração das escadas e degraus no local onde ocorreu a queda, a limpeza que vinha sendo efectuada, estando os degraus ainda húmidos e as concretas circunstâncias do evento), valorizados à luz da razoabilidade, da normalidade, verosimilhança e experiência da vida apontam inequivocamente para a confluência de causas – piso molhado e configuração dos degraus.

As lesões sofridas pela autora no evento corroboram a matéria do facto provado número 4 – as lesões no hemitórax e ombro, bem como no membro inferior, atestam que na queda a autora embateu com essas partes do corpo nos degraus, o que determina a integral manutenção do número 4 dos factos provados.

No que concerne às lesões sofridas pela autora com a queda (e admitindo-se que tenha sido na parte direita que a autora se lesionou – referiu-o não só em audiência, como também já o referira na perícia médica), mesmo tendo caído sentada, terá de admitir-se que embateu com as costas nos degraus (a inércia o implica, até como forma de se imobilizar, dado que protegia com o membro superior livre o seu neto), sendo que as lesões e sequelas apontadas nos factos 16 a 19 são as que o exame pericial levado a efeito nos autos constatou existirem no exame objectivo e concluiu estarem ligadas ao evento por nexo de causalidade adequada. O nexo de causalidade entre as lesões e sequelas apresentadas e consideradas no relatório pericial e o evento lesivo – nexo questionado pelo apelante (vejam-se as conclusões XI a XVI), com argumentos puramente empíricos – mostra-se ali (no relatório pericial) motivada e fundamentadamente justificado, à luz das regras da ciência médico-legal (atente-se na sólida justificação do nexo apresentada, acima referida), perícia que não foi minimamente infirmada por qualquer outro meio de prova.

Outrossim, as sequelas referidas no número 20 dos factos provados foram aludidas no relatório pericial como queixas apresentadas pela autora, não tendo porém sido detectados vestígios delas no exame objectivo a que o perito procedeu (salvo o fenómeno doloroso no ombro), mormente qualquer dificuldade em pegar e/ou transportar objectos pesados e/ou volumosos, toracalgia à direita, parestesias no punho e mão direita e dor na mão, com esforço.

Porque tais sequelas (referidas no facto 20) não foram atendidas no exame pericial realizado nos autos (salvo o fenómeno doloroso no ombro, julgado provado no facto número 18), entende-se não valorizar as declarações de parte da autora em audiência a propósito de tal matéria – melhor, entende-se que as declarações de parte, não corroboradas pelo exame pericial, não são suficientes para demonstrar a realidade da matéria em causa.

Por fim, a matéria que o apelante pretende ver adquirida para o processo nos termos da alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC.

Há muito ultrapassada a orientação segundo a qual o processo civil se encontra na total e completa disponibilidade das partes, em que o tribunal assume posição passiva, e adquirida, na estrutura processual civil, conformação do princípio do dispositivo conforme a concepção social de acordo com a qual a solução dos conflitos ‘não é matéria do mero interesse dos litigantes’ (deixando de ser vistos como titulares abstractos da situação litigiosa e sendo antes tratados como indivíduos concretos com necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta), exigindo a comunidade (em detrimento da indiferença à ameaça da ofensa ou à violação do direito de um indivíduo) um ‘maior empenhamento do tribunal na resolução do litígio’ (6), foi o princípio da preclusão na alegação (e aquisição processual) de factos (emanação do princípio do dispositivo) circunscrito aos factos essenciais, consagrando-se a atendibilidade, na sentença, mesmo oficiosamente, dos factos (para lá dos notórios e dos instrumentais) complementares aos alegados e dos factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico eventualmente feitas, acautelado (substancialmente) o contraditório (art. 5º, nº 2, b) do CPC).

Reservada à parte a invocação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir ou que baseiam a excepção deduzidas (art. 5º, nº 1 do CPC) – por definição, os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor (7) ou de excepção invocada pelo réu: sem eles não se encontra individualizado o direito ou a excepção (8); são constituídos pela matéria que concretizando, especificando ou densificando elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, é absolutamente indispensável à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo (9) –, os poderes oficiosos do tribunal (subordinados ao substancial respeito da sagrada e omnipresente regra do contraditório) na aquisição da matéria de facto (porque quanto a eles eliminado o princípio da preclusão) estendem-se aos factos complementares – conceptualmente, a matéria complementar possibilita, em conjugação com factos essenciais de que sejam complemento, a procedência da acção ou da excepção e sem os quais a acção ou a excepção não pode ser julgada procedente (apesar de indispensáveis à procedência da acção ou excepção, não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte) (10).

Assim que omitindo o tribunal de primeira instância pronúncia sobre factos que, nos termos do art. 5º, nº b) do CPC, deveria, mesmo oficiosamente, ter considerado, pode a questão ser objecto de impugnação em recurso de apelação (art. 662º do CPC) – em tais casos a decisão de primeira instância padecerá de deficiência (insuficiência) que à Relação se imporá suprir constando do processo os elementos probatórios necessários (sem necessidade de anulação da decisão – arti, 662º, nº 2, c) do CPC), como acontece no caso, sendo certo que foi cumprido (substancialmente) o contraditório sobre a matéria e se trata de facto complementar da matéria essencial que delimita (em termos factuais) o poder cognitivo do tribunal.

Respeita a matéria à circunstância da autora se ter apercebido, em momento anterior à queda, que o piso das escadas se encontrava molhado, recomendando cuidado à sua mãe.

Tal circunstância foi espontaneamente referida pela testemunha M. A. (cuja audição foi oficiosamente determinada pelo tribunal) e apresenta-se como perfeitamente verosímil, não sendo sequer desmentida/infirmada pelo depoimento da autora – a autora tão só referiu que ao iniciar a descida, no piso em que mora, não se apercebeu que estivesse a decorrer a limpeza das escadas, não referindo em qualquer altura do seu depoimento o momento em que se apercebeu da humidade do piso das escadas. Referiu a testemunha, de forma espontânea e no fluido decorrer do seu depoimento, que no segundo anterior à queda, a autora avisou a sua mãe, que seguia na sua retaguarda, para que tivesse cuidado pois o piso estava húmido.

Deve pois, tal matéria considerar-se demonstrada - os elementos probatórios revelam-na, com o grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida.

Assim, concluindo a análise da impugnação da decisão de facto:

- mantém-se integralmente a matéria dos números 4 e 16 a 19 dos factos provados,
- julga-se não provada a matéria do número 20 dos factos provados (sem prejuízo do segmento relativo ao fenómeno doloroso no ombro mencionado no fato provado número 18),
- considera-se provado, quanto aos números 3 e 7 dos factos provados o seguinte (passando para a matéria não provada a que agora se não considera provada):
3- Quando a autora já se encontrava pelo menos a meio da descida, nas escadas que dão do 1º andar para o r/c, escorregou num degrau, caindo.
7- Nessa ocasião, as escadas encontravam-se molhadas, tendo a autora escorregado por as escadas estarem molhadas (não existindo qualquer sinal de aviso do estado em que as mesmas se encontravam) e por descer utilizando a parte mais estreita dos degraus (na zona onde a escada, pela sua configuração, descreve ângulo recto e por isso os degraus terem configuração triangular, partindo de largura máxima junto da parede oposta ao corrimão e chegando ao mínimo, quase ao zero, junto do corrimão), com um bebé ao colo.
- considera-se ainda aprovado, por ter resultado da discussão da causa (art. 5º,nº 2, b) do CPC), o seguinte facto (a inserir logo após o facto 7 e antes do facto 8): No momento anterior à queda, a autora apercebeu-se que o piso das escadas se encontrava molhado, recomendando cuidado à sua mãe.

B. Da imputação subjectiva do evento à autora lesada, exclusivamente, ou, pelo menos, a repartição de responsabilidade, nos termos do art. 570º do CC (concorrência de culpas).

Impõe-se apreciar, neste segmento da apelação, do nexo de imputação do evento ao lesante e/ou à lesada (pressuposto da responsabilidade civil aquiliana).
O pressuposto básico da responsabilidade civil por factos ilícitos, o facto (facto humano voluntário), tanto consiste num acto, numa acção, num facto positivo, como numa omissão, numa abstenção, num facto negativo.
Se a omissão não pode gerar física ou materialmente a lesão em direitos alheios, ela é, porém, a sua causa sempre que haja o dever jurídico de praticar um acto que, segura ou provavelmente, teria impedido a consumação ou verificação daquela lesão.
Que a omissão pode constituir a fonte da obrigação de indemnizar, resulta desde logo da regra geral estabelecida no art. 483º, nº 1 do CC, sendo certo que a lei expressamente a menciona no art. 486º do CC, ao estabelecer que as simples omissões são fonte da obrigação de indemnização quando, por força da lei ou de negócio jurídico, existia o dever de praticar o acto omitido.
O dever jurídico de agir existe quando se puder afirmar impor-se ao agente a observância de determinado comportamento ou atitude activa quer em decorrência de norma perceptiva, que directamente imponha certa acção, quer com fundamento em norma que indirectamente imponha a colaboração do agente na prevenção de certo resultado, punido ou reprovado de outro modo na lei – no 1º caso estaremos perante uma omissão pura e no 2º perante uma comissão por omissão (11).
O dever de praticar o acto omitido tanto pode ter fonte negocial e/ou legal como decorrer de dever geral de prevenção do perigo de lesão dos direitos de outrem – dever que a jurisprudência e doutrina alemãs erigiram em princípio geral, fazendo-o recair sobre todos e que se traduz em não expor os outros a riscos ou perigos de danos que são, em princípio, inevitáveis.
Solução da doutrina e jurisprudência alemãs que têm perfeito cabimento no direito português (12).
Na verdade, o nosso ordenamento jurídico tem várias disposições – artigos 492º, 493º, 502º, 1347º, 1348º, 1349º, 1350º, todos do CC – que devem considerar-se simples afloramentos especiais dum princípio geral de recorte mais amplo, segundo o qual a pessoa que cria ou mantém uma situação ou actividade especial de perigo tem o dever geral de agir para o prevenir.
Do nosso ordenamento legal (pode, pois, considerar-se) resulta a existência do dever jurídico de prevenção do perigo para quem cria, por sua iniciativa, uma fonte especial de perigo para terceiros (devendo em tais casos o agente tomar todas as providências razoavelmente exigíveis com vista à prevenção da consumação deste risco (13)) ou ainda para quem, exercendo domínio de facto sobre coisa móvel ou imóvel, ou determinada actividade, susceptíveis de causar danos a terceiro (também nestes casos se exige ao agente que tome as providências adequadas a evitá-los) – a ‘existência de um dever genérico de prevenção impõe assim ao criador ou mantenedor de uma situação especial de perigo que proceda à sua remoção, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão’, tendo os deveres em causa ‘a ver com a prevenção dos perigos em locais privados ou públicos (estradas, edifícios), relacionados com coisas ou actividades perigosas, deles sendo projecção, entre outras, as citadas disposições legais (arts 492.º e 493.º), nelas surgindo a posição do lesante agravada pela presunção de culpa’ (14).
Consideração de um tal dever de prevenção do perigo que se mostra bem expressa nos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil (15), ao expressamente aludirem ao dever de prevenção do perigo para terceiros (art. 4.103 dos referidos princípios), prescrevendo que um dever de agir positivamente para proteger terceiros de danos pode existir nos casos previstos na lei, no caso de o autor criar ou controlar uma situação de perigo, quando haja uma relação especial entre as partes ou quando a desproporção entre a gravidade da lesão e a facilidade de a evitar aponte no sentido da sua existência.
A criação ou controlo de uma situação de perigo constitui-se (erige-se) como fonte do dever de agir (positiva e activamente) para proteger terceiros (para prevenir lesões de direitos tutelados de terceiros) – exercendo determinada actividade ou mantendo situação que é meio adequado ou idóneo a criar perigo de lesão para direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, o agente constitui-se no dever (faz impender sobre si o dever) de adoptar todas as medidas preventivas razoáveis e cabíveis com vista a evitar lesar tais direitos e interesses.
Como decorre do art. 563º do CC, só releva a omissão (do dever de cuidado ou dever de agir) que seja causa adequada (em termos de nexo de causalidade adequada) do dano.
Consagrou a nossa lei a teoria da causalidade adequada, não tomando porém partido por nenhuma das suas duas formulações (positiva ou negativa) gozando por isso o intérprete de inteira liberdade para optar pela solução ‘que, em tese geral, se mostre a mais defensável, dentro do espírito do sistema’, nos termos do art. 10º, nº 3, do CC., e como a ‘doutrina mais criteriosa, quando a lesão proceda de facto ilícito (contratual ou extracontratual), é a da formulação negativa’ será essa a posição que deve, em princípio reputar-se adoptada no nosso ordenamento jurídico (16).
Assim, a omissão de determinado dever de cuidado ou dever de agir só não será considerada como causa de evento lesivo quando este – àquela (omissão) naturalisticamente ligado, dada a sua natureza geral – se tenha verificado em virtude de intercederem no caso concreto circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas.
Determinante será assim apurar, em primeiro lugar, se o dever não observado tinha em vista acautelar e proteger o direito de terceiro que é lesado no evento verificado (ou seja, se o resultado danoso lesa direitos incluídos no círculo de protecção abrangidos pelo dever de cuidado ou dever de agir) e, em segundo lugar, apreciar se no caso intercedem, para a verificação do evento danoso, circunstâncias anormais, imprevisíveis, excepcionais, de todo em todo desconformes à normalidade das coisas.
Apurando-se que o evento danoso lesou direitos incluídos no âmbito de protecção da norma ou regra de conduta donde emergem o dever jurídico de agir ou o dever de cuidado e que a omissão se não mostra indiferente ao resultado verificado (o evento lesivo), deverá concluir-se que a omissão é causa adequada do dano – e logo, pela existência (desde que verificados os demais pressupostos integradores da responsabilidade civil por facto ilícito) da obrigação de indemnizar a cargo daquele sobre o qual impendia aquele dever de agir.
Para se considerar a existência do nexo de causalidade adequada entre o facto (ou a omissão) e o dano não é necessário que aquele (ou aquela omissão), só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido este; essencial é que o facto (ou a omissão) seja condição do dano, nada obstando porém a que (como frequentemente sucede) ele (o facto – ou a omissão) seja apenas uma das condições do dano (17).
A sentença recorrida considerou que a existência do dever de indemnizar a cargo do réu condomínio resulta (além da verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil aquiliana) da circunstância de sobre ele impender o dever de tomar todas as diligências tendentes a evitar a lesão da integridade física e saúde de quem se servisse das escadas (partes comuns do edifício), não cuidando de adoptar as medidas destinadas a afastar o perigo que constituía a limpeza a que delas se procedia (a seu mando e por sua conta – utilizava o concurso de terceiro que para o efeito contratara), com utilização de líquidos que molhavam o piso (em mármore), tornando-o escorregadio, mormente assinalando o decurso da operação (com sinalização adequada).
Conclusão que temos por correcta.
Independentemente da presunção de culpa que sobre si impendesse nos termos do art. 493º, nº 1 do CC, certo é que a actividade de limpeza que era levada a cabo, com utilização de líquidos em caixa de escadas com piso de mármore, é actividade que se apresenta como previsivelmente adequada e idónea a criar perigo de lesão para direitos de terceiros (porque potenciadora de quedas), impendendo sobre o agente o dever de, proactivamente, prevenir o perigo (v. g., diligenciando por secar o piso das escadas antes de alguém as utilizar ou, pelo menos, colocando aviso alertando os possíveis utilizadores para o perigo resultante do piso das escadas se encontrar molhado).
A omissão de tal dever de cuidado (ou dever de agir – seja a remoção da humidade, seja o alerta para a humidade do piso) é causa adequado do evento. Não só o dever omitido era adequado à protecção do direito do terceiro lesado (direito à integridade física da autora) – foi lesado direito incluído no círculo de protecção que o dever de prevenção tinha em vista acautelar e proteger (o dever de secar as escadas ou advertir os potenciais utilizadores para a humidade do piso tem em vista prevenir quedas) – como ainda a sua omissão não foi indiferente ao resultado verificado (veja-se o que se considera provado no número 7 dos facto provados, em resultado da parcial procedência da impugnação da decisão de facto).
Não se diga que o facto da autora se ter apercebido, no momento anterior à queda, que o piso estava molhado, altera tal conclusão – na verdade, tal percepção ocorreu precisamente no momento anterior à queda, quando a autora havia já decidido encetar a descida sem saber que ia encontrar o piso molhado a partir de determinada altura do percurso.
A referida omissão foi, assim, causa adequada do evento ocorrido. Certo que não foi a única causa, como veremos, mas como acima se deixou expresso, tal não é relevante. Relevante e essencial para afirmar este nexo de causalidade é que a omissão imputável à ré foi condição do evento danoso, independentemente de para este ter também contribuído a conduta da própria lesada.
Que a lesada observou conduta também causadora do evento resulta evidente da matéria de facto apurada.
Efectivamente, descia as escadas com um bebé ao colo (o que acrescenta dificuldade ao acto) e pelo lado em que a largura dos degraus é menor, onde é mais difícil conseguir base de apoio suficiente para a utilização segura e sem percalços.
Conduta que foi também causa adequada do evento (queda), como resulta provado – a queda da autora tem de haver-se como resultado normal e verosímil para quem desde caixa escadas com bebé ao colo, fazendo-o, na parte em que elas descrevem ângulo recto, pelo lado onde o degrau tem menor largura e onde é mais difícil conseguir apoio para a colocação dos pés em segurança; pelo menos, a descida das escadas em tais circunstâncias, constitui facto em nada indiferente à verificação da queda.
Temos assim de concluir que a queda da autora (o evento danoso) tem como causas adequadas e concorrentes uma omissão de dever de agir imputável ao réu (rectius, ao comissário que utilizou na limpeza das escadas – art. 500º do CC) e um facto imputável à lesada.
Concausalidade que aporta também situação de culpas concorrentes, regulada no art. 570º do CC.
Preceito que, considerando a sua inserção sistemática, vale para todo o campo da responsabilidade civil, valorizando a conduta do lesado, activa ou omissiva, que concorre para o evento ou para o agravamento dos danos provocados (18).
Rega cujo fundamento assenta numa exigência do Direito e da Justiça (da consciência axiológica jurídica geral que sustenta a arquitectura do ordenamento jurídico nacional) – o lesante não deve responder pelos danos que um lesado razoavelmente diligente e cuidadoso podia ter evitado ou minorado (19).
Na situação dos autos a autora (lesada) descurou as regras da boa e avisada prudência, de segurança, ao enfrentar a descida das escadas nas concretas circunstâncias em que o fez (com um bebé ao colo e pelo lado onde as escadas, atenta a sua largura, oferecem menor base de sustentação/apoio para colocação dos pés).
Condutas negligentes (do comissário a que recorreu o réu para execução do serviço de limpeza, e da autora) – juízo de censura que radica na omissão (por incúria, precipitação, desleixo e leviandade) dos deveres que seriam adequados a evitar a queda.
Ambos violaram o grau de diligência exigível, cuja bitola é, na falta doutro critério legal, o do bom pai de família, em face das circunstâncias do caso (art. 487º, nº 2 do CC) – a referência é do homem normal, medianamente sagaz, prudente, avisado e cuidadoso (não uma referência estatística, antes ética ou deontológica do bom cidadão – por isso devendo desprezar-se as práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível das pessoas de boa formação e são procedimento (20)); referência que aponta não para um qualquer modelo de pessoa irreal, antes para um cidadão consciente e com actuação conforme ao grau civilizacional já atingido pela comunidade.
Padrão de conduta exigível que, como referido nos acima aludidos Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil (art. 4:102, § 1), corresponde ao de uma pessoa razoável colocada nas mesmas circunstâncias do agente, devendo atender-se, especialmente (além doutros factores que aqui não relevam), à natureza e valor do interesse protegido, à periculosidade da actividade, à perícia que é de esperar da pessoa que a exerce, à previsibilidade do dano e até à disponibilidade e custos de métodos preventivos (do perigo previsível).
Padrão de conduta que (enquanto medida de referência ética fundamentadora do juízo de censura em que a culpa se traduz) é um conceito dinâmico e ajustável em face da situação concreta, reportado à natureza e valor do interesse tutelado, à periculosidade da actividade e à previsibilidade do dano.
Na situação trazida na apelação o comissário que levava a cabo a limpeza das escadas (o terceiro que por conta do réu procedia à limpeza das escadas) estava obrigado a prever (e a actuar positivamente, com vista a evitar a verificação de um tal previsível resultado) a ocorrência duma queda por quem utilizasse a escada com o piso molhado. Impunha-se-lhe o dever de obstar a que quem quer que fosse encetasse a utilização das escadas sem pelo menos estar alertado para o facto de estar a decorrer a sua limpeza e o piso se encontrar húmido (omissão irrazoável se se pensar no reduzido custo duma simples placa de aviso, que comummente avistamos em circunstâncias idênticas).
Um tal evento (queda de quem desça escadas com piso em mármore húmido) apresenta-se como altamente previsível, face ao padrão de conduta exigível no caso.
Negligente a sua actuação, ponderando a matéria provada – seja porque devia ter previsto (e não o fez – negligência inconsciente) que da omissão (não secar completamente o piso ou não avisar os possíveis utilizadores da escada para o facto do piso se encontrar molhado) resultaria, adequadamente, o evento danoso, seja porque prevendo-o (a queda) acreditou, de forma precipitada e desleixada, que ele não correria (negligência consciente). Em qualquer das hipóteses, a sua conduta merece reprovação e censura ética, tanto porque estava obrigado a prever a verificação de evento como o ocorrido, tal a alta probabilidade da sua verificação (é uma evidência para quem se dedica à actividade de limpeza de edifícios que o piso molhado potencia as quedas), quer porque, tendo-o previsto, não podia nem devia acreditar na sua não verificação.
Assim, a negligência do comissário utilizado pelo réu na actividade de limpeza radica ou na falta de representação (justa previsão) do evento, ou na leviandade que o levou a acreditar que um tal evento não viria a ocorrer, por isso deixando de tomar providências no caso adequadas e necessárias para o evitar.
Falta de diligência concernente a específicos deveres da actividade exercida – não um qualquer genérico ou menos substanciado dever jurídico de prevenção de perigo para terceiros, mas um dever usual e costumeiro, especialmente ligado à actividade concretamente exercida.
Também a autora é merecedora de juízo de censura, pois que, com um bebé ao colo, descia as escadas utilizando o lado em que os degraus menor largura têm e onde o apoio para os pés é mais difícil de alcançar. Tivesse observado o elementar dever de cuidado que se impõe a quem desce escadas com a configuração das que se lhe apresentavam, certamente que teria a autora procurado colocar os pés no lado em que os degraus têm maior largura maior largura, proporcionando maior apoio para os pés e, por isso, maior segurança na descida.
Qualquer pessoa minimamente diligente e cuidadosa optaria, para mais com bebé ao colo (o que dificulta a tarefa), por efectuar a descida das escadas utilizando a parte mais larga dos degraus, atenta a periculosidade da descida pelo lado em que os degraus têm menor largura.
Conduta imprudente e desleixada, pois estava obrigada a prever que da descida das escadas em tais circunstâncias poderia resultar a sua queda – sendo a ‘«culpa do lesado»’ uma ‘culpa imprópia, não técnica’ (21), tem de reconhecer-se que a autora actuou negligentemente, pois desrespeitou deveres de cuidado adequados, na situação, a evitar a queda.
Ambos – terceiro comissário e autora – foram negligentes, já que omitiram deveres de cuidado que, no caso, a cada um deles se impunham e eram adequados a evitar o evento.

Dispõe o art. 570º do CC que quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
O enfoque da previsão legal é dirigido ao grau (gravidade) de culpa das partes.
Do que acima referimos ao caracterizar o juízo de censura de que cada uma das partes é merecedora, conclui-se que elas devem ser graduadas em medida diferente.
Na verdade, o juízo de censura a dirigir à autora fundamenta-se numa falha cronologicamente circunscrita ao curto período de tempo correspondente ao deflagrar do evento (ao da descida de degraus duma escada, com um bebé ao colo). Apesar da periculosidade da acção que se propunha realizar demandar a observância de elementares e primários deveres de cuidado e cautela, o certo é o que o juízo de censura de que é merecedora se confina cronologicamente aos efémeros segundos da descida dum patamar de escadas.
Por contraponto, o juízo de censura a dirigir ao comissário utilizado pelo réu apelante é tributário duma imprevidência associada à incúria com que a actividade profissional era exercida – a não colocação de aviso tem como antecedente uma opção pelo exercício da actividade sem que determinados deveres de cuidado fossem observados. Mais do que um desleixo momentâneo e fugaz, trata-se de incúria e desmazelo no exercício da actividade profissional/laboral exercida (iniciando e prosseguindo a limpeza das escadas sem que fossem tomadas as providências necessárias para evitar que de tal actividade resultasse perigo para direitos de terceiros), merecedores, por isso, de mais intensa censura.
Propendemos assim, considerando o diferente grau de culpa das partes (e ponderando também que as condutas de cada um, lesante e lesada, contribuíram causalmente para o evento em idêntica medida), em fixar em 60% para o réu (seu comissário) e 40% para a autora a responsabilidade (imputação subjectiva) do evento, devendo a indemnização a conceder ser reduzida nesta exacta proporção, nos termos do art. 570º, nº 1 do CC (embora este normativo não imponha uma coincidência entre a proporção das culpas concorrentes e o montante indemnizatório, não descortinamos qualquer razão relevante para nos afastarmos de tal proporção – sendo que na determinação da encontrada proporção se tiveram já em devida conta as finalidades reparatórias e sancionatórias ou repressivas da obrigação de indemnização (22)).

C- Dos montantes indemnizatórios.

C.1- O montante indemnizatório do dano patrimonial.

Fixou a decisão recorrida em dois mil euros (2.000,00€) o dano patrimonial futuro, resultante do défice permanente da integridade físico-psíquica (um ponto) de que ficou a padecer a autora em consequência do evento lesivo – valorizando o défice funcional por traduzir limitação da capacidade económica geral da lesada.
Insurge-se o apelante contra a fixação de tal montante indemnizatório, não só considerando-o excessivo, desproporcional, injustificado e desconforme ao dano, como questionando a existência do próprio dano patrimonial (a autora não exercia actividade laboral propiciadora de rendimento e não resultou provado ter ficado impedida de desenvolver, em consequência do evento e lesões sofridas, qualquer actividade).
O défice permanente da integridade física do indivíduo (uma incapacidade geral permanente) traduz uma lesão do direito à integridade física (art. 25º, nº 1 da CRP), uma das irradiações ou manifestações da tutela geral da personalidade humana (art. 70º do CC).
Perspectiva-se como dano biológico, enquanto ‘diminuição somático-psíquica e funcional do lesado’, com repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, sendo ‘sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou não patrimonial’ (23).
Repercute-se, objectivamente, na diminuição da condição física e na capacidade de realização de esforços, o que redunda numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas antes desempenhadas, em todas as vertentes do quotidiano pessoal.
Logo que se verifique, o dano biológico merece tutela, seja ao nível compensatório, seja ao nível indemnizatório, seja até a ambos. A ‘extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência, de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve’, contempla-o indemnizatoriamente, enquanto ‘a relevância que a nossa lei confere aos danos não patrimoniais, também aliada à amplitude deste conceito que a jurisprudência vem acolhendo – englobando, nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros – já o contempla’ ao nível compensatório (24).
Dano biológico que é de valorizar (para lá do que signifique na diminuição da qualidade de vida do lesado, a ponderar e atender no âmbito do dano não patrimonial) no âmbito do dano patrimonial (sem que isso signifique uma repetição ou duplicação de valorização do mesmo dano) quando ele se repercuta na actividade laboral do lesado, seja directamente, implicando perda efectiva ou previsível de rendimentos, seja quando implique ao lesado maior esforço e dispêndio de energia para não sofrer diminuição de rendimentos – tal dano deve ser indemnizado na vertente patrimonial independentemente da prova do lesado sofrer ou vir a sofrer diminuição dos seus proventos futuros (isto é, diminuição da sua capacidade de ganho) se for de concluir que tal incapacidade funcional ou fisiológica, repercutindo-se nuclearmente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, irá implicar, previsivelmente, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas e assim, se for de considerar que essa incapacidade exige do lesado um esforço suplementar físico e psíquico para obter o mesmo resultado da sua actividade (25).
Estando em causa dano que se consubstancia numa limitação ou défice funcional (apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais ou na privação duma específica capacidade profissional), ‘perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional’, deverá indemnizar-se o lesado quer pela ‘restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição’, quer pela ‘acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas’ – e assim que ao ‘avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado’ (26).
O fundamento da ressarcibilidade do dano biológico assentará, em tais casos (em que o défice funcional se repercute na exigência do maior esforço para o desempenho de actividades e tarefas), não só na referida ‘restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar’, como na ‘acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo o compensar e ultrapassar’ as deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas (27). Nestas situações em que é previsível que o rendimento auferido com o exercício de actividade laboral não sofra alteração em razão da limitação funcional resultante do evento que está na génese da obrigação de indemnizar (não se apresenta como verosímil a perda efectiva de rendimentos laborais), valoriza-se a circunstância de tal não diminuição de rendimentos ter como correspectivo um acréscimo de esforço corporal e/ou intelectual (28), na exacta medida do grau de incapacidade/limitação funcional, não compensado com qualquer acréscimo de retribuição, sendo por isso adequado atender e valorizar pecuniariamente tal maior esforço ou dispêndio de energia.
Tem, pois, o dano biológico, na vertente patrimonial, uma vasta e alargada abrangência – desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da actividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras actividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas actividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis (29).
Na situação dos autos resulta provado que a autora ficou a padecer, pelas sequelas resultantes das lesões sofridas no evento, de um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em um ponto – ou seja, no primeiro (e mais baixo) grau de valorização médica de afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas suas actividades diárias, incluindo aquelas com repercussão económica (desde a actividade profissional até às simples tarefas domésticas) e, assim, diminuindo em tal grau a sua capacidade económica geral.
Não sendo previsível ou verosímil (o dano futuro é apreciado segundo juízos de normalidade, previsibilidade e verosimilhança – art. 564º, nº 2 do CC) que tal limitação funcional acarrete, directamente, qualquer perda salarial futura (tanto mais não resultando provado que a autora exercesse qualquer actividade laboral remunerada), tem de reconhecer-se que acarreta uma limitação da capacidade da autora desenvolver actividades com relevo na vertente económica ou patrimonial na sua vida – ou, doutro modo, que tal défice representa uma ‘diminuição da sua capacidade económica geral com relevo em sede do chamado dano biológico patrimonial, susceptível, portanto, de indemnização reparatória’ (30), ainda que no ponto mais baixo em que tal limitação pode relevar.
Relevando na generalidade das actividades diárias, está presente nas tarefas desempenhadas, designadamente nas domésticas – que, pode judicialmente presumir-se (art. 351º do CC), a autora efectua (todos os adultos as desempenham na sociedade ocidental).
Trata-se, pois, de dano que assume a categoria de dano patrimonial futuro, cujo montante indemnizatório deve apurar-se (por não ser possível averiguar do seu exacto valor) com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC), segundo juízos de verosimilhança e probabilidade.
A equidade (tratada como fonte de direito sem que necessariamente o seja) é, como resulta do art. 566º, nº 3 do CC, uma ‘via que serve de recurso para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, nomeadamente um crédito indemnizatório, quando o valor exacto dos danos não foi apurado’ (31).
Diferentemente do que acontece relativamente ao apuramento do valor monetário para compensar o dano não patrimonial (em que a equidade funciona como único recurso), relativamente ao julgamento do dano patrimonial, designadamente do dano patrimonial futuro, a ‘equidade funciona como último recurso, para permitir alcançar uma definição concreta do conteúdo de um direito subjectivo, designadamente do direito a uma indemnização, quando o valor exacto dos danos não foi apurado’ (32).
Equidade não significa arbitrariedade, convocando a ponderação do curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar – a particular situação da lesada que, com 38 anos, sofreu lesão da sua integridade física que lhe provocou um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de um ponto.
O apelo a critérios de equidade tem em vista encontrar no caso concreto a solução mais justa – a equidade é uma forma de justiça: por seu intermédio não se criam regras jurídicas nem se encontra a solução através da mediação ou intervenção de regra elaborada pelo julgador, que tão só recorre ao exame das características do caso concreto (33); a equidade é a ‘justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida’ (34).
A equidade é uma forma de justiça concreta, que intenta superar a própria ideia de justiça já cristalizada pela norma legal, pois que o ‘equitativo, sendo embora o justo, não o é em conformidade com a lei, mas antes como aperfeiçoamento do justo legal’ (35).
Norteia a decisão de acordo com a equidade a particular situação do caso concreto.
O que está em causa, no apuramento da indemnização que se vem tratando, não é repor qualquer situação de efectiva ou previsível perda patrimonial, mas antes ressarcir a autora pelo défice funcional de que padece – um défice muito ligeiro, no primeiro e mais baixo grau de valorização médica de afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas suas actividades diárias, incluindo aquelas com repercussão económica (v. g., as simples tarefas domésticas).
A jurisprudência (desde logo a do STJ) tem vindo a considerar que a indemnização pelo dano futuro, onde se compreende a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de rendimento, deve ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir (ou cujo ganho tenha como correspectivo o esforço suplementar implicado pelo défice funcional resultante, com nexo de causalidade adequado, das lesões sofridas no evento lesivo), que se extinga no fim da sua vida provável e que é susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado ou o rendimento auferido com aquele acrescido esforço – estando em causa, fundamentalmente, o método que deve ser adoptado para o respectivo cálculo, vem sendo entendimento jurisprudencial corrente e reiterado o de que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros ‘deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos)’, pois ‘que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão’ (36).
Método que – evitando o subjectivismo que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – começa por procurar o quantum respondeatur com ‘recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado’ (designadamente a descrita no acórdão do STJ de 4/12/2007, no processo nº 07A3836) (37), submetendo depois tal valor estático ‘alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» – e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório’ – ao tempero da ‘equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo’, sejam a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, a inflação provável ao longo do período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros) (38), e bem assim a especificidade do concreto dano a indemnizar (no caso dos autos, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de um ponto, ou seja, no mais baixo grau da afectação da capacidade físico-psíquica das pessoas e, assim, da sua capacidade económica geral).
De forma concisa – as ‘tabelas funcionam apenas como orientação para o cálculo da indemnização, não sendo, em caso algum, susceptíveis de dispensar ou substituir o juízo de equidade que cabe ao julgador nesta hipótese’ (39), pois que da aplicação das tabelas só poderá resultar quer ‘uma justiça abstracta, insensível à circunstância de o caso concreto ter especificidades juridicamente relevantes’, quer uma ‘justiça estática, insensível à circunstância de, entre as especificidades juridicamente relevantes do caso concreto, estarem variantes dinâmicas’ (40).
Método que temos por adequado a casos como o dos autos – neste juízo equitativo de último recurso, servirão os dados colhidos da aplicação dos referidos cálculos financeiros (fórmulas e/ou tabelas matemáticas) como ponto de partida referencial (uma referência primeira) do valor indemnizatório do dano decorrente do défice funcional, nessa primeira abordagem apreciado como se se tratasse, exclusiva e verdadeiramente, dum défice com directo reflexo na perda de rendimento; depois, sempre numa aproximação à ideia de justiça da situação concreta e, assim, do aperfeiçoamento do justo legal, a temperança do juízo equitativo e a valorização das características e especificidades do caso concreto.
Assim, de acordo com o critério orientador da tabela financeira do referido acórdão da Relação de Coimbra de 4/04/1995, considerando a idade da autora ao tempo do evento lesivo (38 anos), uma taxa de juro de 2% (o juízo de ponderação não pode ser perturbado pela crise económico-financeira que atravessamos – e atenderemos a tal taxa de juro, pois que o critério utilizado é meramente orientador e a indemnização a atribuir parte de um juízo de verosimilhança e previsibilidade a longo prazo, sendo certo que valorizando o espaço temporal a considerar, essa taxa, face ao passado, se apresenta como adequada), o valor de 1,5% para a inflação (basta atentar na flutuação da taxa da inflação desde o início do século para justificar a consideração de tal taxa), desconsiderando qualquer factor para progressão na carreira (a autora tinha 38 anos e não desenvolvia qualquer actividade profissional), o valor da retribuição mínima mensal garantida à data da consolidação das lesões, o défice funcional permanente da integridade física de que ficou a padecer (um ponto) e projectando o cálculo até aos oitenta anos (esperança de vida que, em Portugal, para indivíduos do sexo feminino é já superior), encontra-se montante superior a dois mil euros (2.000,00€) (41).
Assim que o valor encontrado na decisão recorrida (que seguiu critérios equivalentes para apuramento do montante indemnizatório) se mostra justo, adequado e equilibrado para (sem o aprisionamento dos espartilhos dos enquadramentos inflexíveis e rígidos das fórmulas matemáticas) indemnizar o dano concretamente sofrido pela autora (partindo deste ponto de partida referencial - referência primeira) – joeirando tal valor encontrado com recurso à fórmula matemática, o juízo de equidade convoca a situação concreta a indemnizar, que revela a justeza, equilíbrio e ponderação da indemnização de dois mil euros (2.000,00€) arbitrada pelo tribunal a quo: não está em causa repor qualquer situação de efectiva ou previsível perda patrimonial, mas antes ressarcir lesada com 38 anos ao tempo do evento que, não exercendo actividade profissional (ainda que se possa presumir que exercia tarefas domésticas), ficou a padecer, em consequência das lesões sofridas, de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de um ponto, não devendo desconsiderar-se que a fórmula matemática acima usada é própria para o cálculo do dano decorrente duma incapacidade profissional, não duma incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia como é o défice funcional resultante da aplicação da Tabela Indicativa para a Avaliação do Dano em Direito Civil (aprovada, juntamente com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais pelo DL 352/2007, de 23/10).
Mostra-se, pois, o montante arbitrado na decisão recorrida fixado equilibrada e equitativamente, sendo proporcionado e adequado à reparação do dano em causa – ainda que sobre ele tenha de incidir a redução determinada em virtude da aplicação do preceituado no art. 570º do CC (e por isso que a autora tenha direito a 60% de tal valor – ou seja, a 1.200,00€).

C.2- O montante indemnizatório do dano não patrimonial.

Insurge-se também o apelante contra o valor arbitrado na sentença recorrida para compensar a autora pelo dano não patrimonial – a decisão recorrida entendeu justo e adequado o valor de cinco mil euros (5.000,00€), sustentando o réu que se trata de indemnização excessiva, inadequada e desproporcionada ao dano sofrido.

Segundo o artigo 496º nº 1 do CC, na fixação da indemnização devem atender-se os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
A indemnização por danos não patrimoniais (aqueles que não atingem os bens materiais do lesado ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação pa­trimonial, ou seja, aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária) não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido ou até uma satisfação (tal dano, porque relativo a bens que não integram o património do lesado, apenas pode ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao lesante, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização) (42).
De atentar (como já acima notado) que na responsabilidade civil por factos ilícitos a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza mista: se por um lado visa compensar o lesado (função essencialmente reparatória), não lhe é alheio o propósito (acessório) de reprovar, sancionar ou castigar o lesante pela conduta causadora do dano.

O montante da reparação pecuniária dos danos não patrimoniais é fixado equitativamente em atenção ao grau de culpa do lesante, sua situação económica e demais circunstâncias relevantes (arts. 496º, nº 3 e 494º do CC).
Equidade (que neste âmbito funciona como único recurso) que convoca juízo que, ponderando os critérios jurisprudenciais, atenda o curso normal das coisas, a particular situação do caso concreto e o próprio dano a reparar – no caso, a particular situação da lesada, com 38 anos, que caiu na caixa de escadas do seu prédio de habitação, embatendo com as costas e lado direito do corpo, padecendo de dores na zona lombar e nos membros (inferior e superior), quantificáveis no grau 3 duma escala de sete graus, sofrendo défice funcional temporário total por dois dias e défice funcional temporário parcial por vinte e oito dias, ficando a padecer em consequência de dores na palpação do terço inferior e posterior do hemitórax direito, sem deformidades aparentes e palpação e mobilidade dolorosa do ombro direito (ainda que a mobilidades seja normal e sem amiotrofias), lesões que lhe provocam défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de um ponto, sem dano estético permanente e sem repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer.
O critério legal a atender para a fixação do montante indemnizatório do dano não patrimonial é o da sua gravidade, nos termos do art. 496º, nº 1 do CC.
O valor compensatório deve, desde logo, ser adequado e suficiente para conter em si a afirmação da validade do bem tutelado (para lá de proporcionado à reprovação ou castigo pela conduta causadora do dano).
O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para a justa medida do montante compensatório é encontrado nos padrões jurisprudenciais atinentes à indemnização destes danos.

Constata-se presentemente a tendência para alargar o círculo de danos ressarcíveis, conformando o ordenamento à compreensão abrangente do ser humano – o ‘homo faber ou homo economicus da época industrial dá lugar ao homo ludicus ou homo aestheticus da época do lazer, da cultura e da informação’, e a pessoa humana corporeamente encarnada ‘dá-se a conhecer em todas as suas concretas dimensões (v. g., trabalhador, pai de família, amigo, ser lúdico e relacional) e interioriza e vivencia como todas elas são decisivas no seu estado de equilíbrio físico-psíquico, em que a saúde se consubstancia’, erigindo-se um conceito de dano que questiona e repudia a concepção puramente economicista do ser humano, reconhecendo antes uma intrínseca dignidade e uma ‘essencialidade ontológica da pessoa que está muito para além (antes, durante e depois) do chamado homo faber, radicando em sólidos princípios civilizacionais que os ordenamentos normativos foram erigindo à categoria de direitos fundamentais de personalidade’ (43).

Componentes relevantes do dano não patrimonial, ao lado do dano biológico – aqui visto na sua vertente de alteração morfológica, enquanto privação da capacidade de utilizar o corpo da forma como antes do evento lesivo o lesado fazia, a perda da fruição dos prazeres da vida e mesmo a diminuição da expectativa da duração da vida –, surgem (44) o dano estético – o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima –, o ‘pretium doloris’ – as dores físicas e psíquicas (desgostos, inibições, frustração, revolta, etc.) –, o prejuízo de afirmação pessoal – dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural, cívica) –, o prejuízo da saúde geral e da longevidade – o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida –, o ‘pretium juventutis’ ou prejuízo da distracção ou passatempo que põe em evidencia a especificidade da frustração do viver a vida na plenitude das funções do corpo e espírito – e a perda de qualidade de vida.
A matéria de facto apurada espelha um grau de gravidade dos danos sofridos pela autora (com 38 anos a tempo do evento lesivo) num limiar baixo, ainda assim suficiente para merecer a tutela do direito.
Atendível o quantum doloris padecido, quantificado no terceiro grau duma escala ascendente com sete graus de gravidade
Ao nível das sequelas definitivas (e portanto, no campo da irreversibilidade) surge a sequela anátomo-funcional traduzida no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de um ponto, consequente aos fenómenos dolorosos do hemitórax à palpação e do ombro à palpação e à mobilidade (apresentando-se normal a mobilidade deste).
A decisão recorrida entendeu justa e adequada para compensar tais danos a quantia de cinco mil euros.

Temos de considerar que tal montante padece de alguma prodigalidade, distanciando-se notoriamente da sensibilidade que se extrai dos padrões jurisprudenciais a atender, ponderando as seguintes decisões (em que os danos atingem gravidade bem superior ao dos que agora se impõe valorizar):

- no acórdão da Relação do Porto no processo nº 23088/15.5T8PRT.P1 (45) foi arbitrada compensação de dez mil euros (10.000,00€) por danos não patrimoniais a jovem adolescente de 15 anos que sofreu fracturas dos ramos ilío e isquiopúbicos à direita e fractura por impacção do sacro contralateral, estando parcialmente incapacitada, após internamento de oito dias, durante cerca de cinco meses, apresentando, por força das lesões sofridas, limitações na sua vida desportiva, tendo dificuldade em realizar determinados exercícios físicos (na corrida e em exercícios de ginástica) e em caminhar por períodos prolongados, sentindo-se inferiorizada em relação aos colegas com quem participava nas actividades desportivas escolares, sentindo dores (também futuras) agravadas na marcha prolongada e na permanência em pé, apresentando um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 2 pontos e um prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 1;
- no acórdão da Relação do Porto no processo nº 26376/15.7T8PRT.P1 (46) foi fixada a indemnização de doze mil euros (12.000,00€) a lesada sexagenária que sofreu traumatismos variados, entre os quais distensão do ombro direito com rotura longa porção do bicípite e contusão do joelho, submetendo-se diariamente a tratamentos clínicos de reabilitação durante três meses e efectuando 40 sessões de fisioterapia, ficando a padecer de dores no ombro e membro superior direitos, provocando-lhe dificuldades de locomoção e perda de mobilidade e força no membro superior direito, sofrendo défice funcional temporário com repercussão na actividade profissional temporário de 174 dias e ficando a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de três pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares;
- no acórdão da Relação de Guimarães no processo nº 2051/17.7T8GMR.G1 (47) foi fixada a compensação de doze mil e quinhentos euros (12.500,00€) pelos danos não patrimoniais a lesada que sofreu período de repercussão temporária da actividade profissional total de 164 dias, dos quais 55 dias de défice funcional temporário total e 109 dias de défice funcional temporário parcial e que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, embora implicando esforços suplementares, sendo o quantum doloris quantificado no quarto grau da escala crescente de sete graus de gravidade, tendo ficado totalmente imobilizada durante quase dois meses, limitada a um quarto durante quase três meses e não podendo deslocar-se à casa de banho durante o tempo em que esteve acamada e por isso constrangida a usar fraldas;
- no acórdão da Relação do Porto no processo nº 171/14.9TVPRT.P1 (48) foi arbitrada indemnização de quinze mil euros (15.000,00€) pelos danos não patrimoniais a lesada (atropelada em passadeira destinada a peões) com setenta e oito anos de idade que sofreu fractura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita e foi submetida a intervenção cirúrgica, esteve acamada na residência durante pelo menos um mês, necessitando então de ajuda de terceira pessoa para os cuidados de higiene, foi submetida a dolorosos tratamentos de fisioterapia durante cera de três meses, fazendo três ciclos de vinte sessões de fisioterapia, andou engessada durante um mês, chegando a deslocar-se de canadianas, ficando com cicatrizes várias na perna (duas de tipo cirúrgico), sofrendo em consequência do acidente: défice funcional temporário total de 15 dias, défice funcional temporário parcial entre de 157 dias, quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente, défice funcional permanente da integridade física-psíquica (em resultado do joelho doloroso e de talalgia) fixado em quatro pontos e dano estético permanente fixado no grau 1, numa escala crescente de sete graus de gravidade; e
- no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 559/10.4TBVCT (49) foi mantida a indemnização de quinze mil euros (15.000,00€) para lesada com 31 anos que sofreu em consequência do evento lesivo (acidente de viação) traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos, ascendendo o quantum doloris ao grau quatro, tendo défice funcional temporário total de 5 dias, défice funcional temporário parcial de 106 dias e ficando a padecer de défice funcional permanente da integridade físico psíquica de dois pontos.
As apontadas decisões judiciais reportam-se a situações em que as lesões e sequelas atingem nível superior ao das que a matéria de facto revela no caso concreto a valorizar nestes autos – dano decorrente duma queda em escadas do prédio de habitação onde reside (com embate das costas e lado direito do corpo no piso), sem qualquer período de internamento, com um défice funcional temporário total de dois dias, o quantum doloris de grau três, o défice funcional permanente da integridade física de um ponto.
Ponderando os padrões jurisprudenciais a atender, tem de admitir-se pecar a decisão recorrida por algum excesso e prodigalidade, tendo-se por ponderado, equilibrado, justo e adequado o valor de três mil euros (3.000,00€) – considerando-se o valor da moeda à data da prolação da sentença da primeira instância (montante sobre o qual há incidir a redução determinada em virtude da aplicação do preceituado no art. 570º do CC (e por isso que a autora tenha direito a 60% de tal valor – ou seja, a 1.800,00€).
Considerando o exposto, procede parcialmente a apelação, reduzindo-se a indemnização ao valor de três mil euros (3.000,00€), sendo mil e duzentos euros (1.200,00€) concernente a danos patrimoniais e mil e oitocentos (1.800,00€) a danos não patrimoniais, a acrescer de juros desde a data da citação sobre o montante de mil e duzentos euros e desde a data da decisão da primeira instância sobre o restante
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente o a apelação e, em consequência, em fixar a indemnização a pagar pelo apelante à apelada no valor de três mil euros (3.000,00€), a acrescer de juros desde a data da citação sobre o montante de mil e duzentos euros e desde a data da decisão da primeira instância sobre a totalidade.
Custas da apelação (tal qual da acção) a suportar na proporção do decaimento.
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Guimarães, 21/05/2020
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)

Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Jorge Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 290.
2. Autor e obra citados, p. 300.
3. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que a doutrina e a jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot) de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
4. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
5. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.
6. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 61 e 69.
7. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, p. 27, classificam como factos essenciais nucleares os que identificam ou individualizam o direito em causa na acção (contendo a matéria que constitui a causa de pedir).
8. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), p. 70.
9. Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, p. 200.
10. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos (…), pp. 70/71. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código (…), p. 27, aludem aos factos essenciais complementares – os que, não desempenhando a função individualizadora do direito em causa, se revelam imprescindíveis para que a acção proceda, por serem também constitutivos do direito invocado. Complementar será assim, numa acção fundada em contrato de compra e venda ou empreitada (que traçam a causa de pedir), a matéria concernente à determinação do preço.
11. A. Varela, Das obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pp. 551 e 552.
12. Cfr. acórdão do STJ de 8/07/2003 (Afonso Correia), no sítio www.dgsi.pt, louvando-se para tanto nos ensinamentos de A. Varela, na RLJ, ano 114, p. 40 e p. 72 e ss. Ver também o acórdão R. Porto de 6/03/2007 (Pereira da Silva), no sítio www.dgsi.pt.
13. A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 552 e ainda na RLJ, Ano 114, p. 79.
14. Ac. R. Lisboa de 14/01/2014 (Maria Domingas Simões), no sítio www.dgsi.pt.
15. A eles se pode aceder no sítio www.egtl.org/petl.html, consultando-os nas várias línguas, designadamente na língua portuguesa. Tais princípios, não tendo força de lei, são base importante para a interpretação da lei - a sua valia axiológica, retratando nos documentos de trabalho onde foram expressos os princípios do direito na sua pura essência, é inteiramente conforme à consciência axiológica jurídica geral que sustenta a arquitectura do ordenamento jurídico nacional, valendo como ensinamento doutrinário na procura do direito e da justiça.
16. A. Varela, Das Obrigações …, Vol. I, 10ª edição, pp.900 e 901 e também pp. 893 e 894, onde se explica que deve preferir-se a formulação negativa de causa adequada nos casos de responsabilidade por facto ilícito, aquiliana ou contratual, porquanto na génese da obrigação de indemnizar está a prática de um facto ilícito pelo responsável que actuou como condição do dano e se justifica então que o prejuízo recaia sobre a pessoa que agindo ilicitamente criou a condição do dano.
17. A. Varela, obra citada, pp. 894 e 895.
18. José Brandão Proença, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa (coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença), nota I ao artigo 570º do CC, p. 577.
19. Neste sentido, José Brandão Proença, obra citada, nota I ao art. 570 do CC, p. 578.
20. A. Varela, obra citada, p. 575, nota 3.
21. José Brandão Proença, obra citada, nota II ao art. 570 do CC, p. 578 - o lesado, na ausência de um dever geral de autoprotecção, ‘age, apenas, dolosa ou negligentemente, contra os seus interesses pessoais e patrimoniais, suportando os efeitos da sua liberdade pessoal ao pretender responsabilizar o lesante’ culpado; não ‘lesando direitos ou interesses alheios, nem atentando contra normas de proteção mista, a falta de cuidado ou de zelo com os seus bens não envolve ilicitude mas, somente, e segundo o entendimento dominante, a inobservância de um ónus jurídico’ ou de um ‘encargo ou incumbência’.
22. No direito português constituído, a indemnização, revestindo embora uma função essencialmente reparatória, não pode deixar de assumir também, acessoriamente, uma função repressiva ou sancionatória, como resulta entre outros, do disposto no art. 494º do CC – cfr., p. ex., A. Varela, Das Obrigações em Geral. 10ª edição, p. 894. e Meneses Cordeiro, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1997, p. 481 (dando nota do carácter punitivo da indemnização - do seu papel retributivo e carácter preventivo).
23. Acórdãos do STJ de 16/12/2010 e de 6/12/2011 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt.
24. Acórdão do STJ de 26/01/2012 (João Bernardo), no sítio www.dgsi.pt.
25. Acórdãos do STJ de 17/01/2008 (Pereira da Silva) e de 19/05/2009 (Fonseca Ramos); no mesmo sentido, cfr., por mais recentes, os acórdãos do STJ de 7/03/2019 (Tomé Gomes), de 28/03/2019 (Tomé Gomes) e de 11/04/2019 (Bernardo Domingos), todos no sítio www.dgsi.pt.
26. Acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego).
27. Citados acórdãos do STJ de 16/12/2010 e de 6/12/2011.
28. Esforços acrescidos relativamente àqueles que o normal desempenho das actividades já acarretaria, independentemente daquela limitação.
29. Citado acórdão do STJ de 28/03/2019.
30. Citado acórdão do STJ de 28/03/2019.
31. Acórdão do STJ de 19/04/2018 (Rosa Ribeiro Coelho), no sítio www.dgsi.pt.
32. Acórdão do STJ de 14/03/2019 (Nuno Pinto de Oliveira), no sítio www.dgsi.pt.
33. Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 2ª edição, p. 219, apud acórdão do STJ de 14/03/2019 (Nuno Pinto de Oliveira).
34. Acórdão do STJ de 10/02/98, na Colectânea de Jurisprudência, 1998, Tomo I, p. 65.
35. Castanheira Neves, Questão de Facto - Questão de Direito, 1967, p. 317, citando Aristóteles.
36. Acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt/jstj. Cfr., ainda, nos mesmos termos, o citado acórdão do STJ de 7/03/2019 (Tomé Gomes).
37. Tabela que constitui simplificação das fórmulas matemáticas utilizadas pelo acórdão do STJ de 5/05/1994, publicado na Colectânea de Jurisprudência do STJ, Ano II, Tomo II, pp. 86 e ss, ou pelo acórdão da Relação de Coimbra de 4/04/1995, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1995, Tomo II, p. 26 (esta, uma evolução daquela, introduzindo os factores da inflação e da progressão na carreira).
38. Citado acórdão do STJ de 10/11/2016 (Lopes do Rego).
39. Acórdão do STJ de 8/01/2019 (Catarina Serra), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
40. Acórdão do STJ de 21/03/2019 (Nuno Pinto Oliveira), louvando-se (quanto às expressões utilizadas) nos acórdãos do STJ de 10/11/2016 (acima citado) e de 25/05/2017 (Lopes do Rego), todos no sítio www.dgsi.pt.
41. Mais exactamente (desprezando nos cálculos todos os algarismos que, para lá da dúzia, compõem os números a operar) o valor de 2.095,41€ - ponderando o rendimento mensal de 505,00€, doze vezes por ano (descurando subsídios de Natal e de férias).
42. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 601.
43. João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e aspectos resarcitórios, Almedida, 2001, pp. 13 e 14 e 100.
44. Acórdãos do STJ de 5/07/2007 (Nuno Cameira), de 18/06/2009 (Raúl Borges) e de 14/09/2010 (Sousa Leite), todos no sítio www.dgsi.pt).
45. De 7/12/2018 (Anabela Dias da Silva), no sítio www.dgsi.pt.
46. De 5/11/2018 (Manuel Domingos Fernandes), no sítio www.dgsi.pt.
47. De 16/05/2019 (Maria dos Anjos Nogueira), no sítio www.dgsi.pt.
48. De 7/04/2016 (Rodrigues Pires), no www.dgsi.pt..
49. De 6/12/2017 (Maria da Graça Trigo), no sítio www.dgsi.pt..