Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
473/10.3TBVRL-B.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO DA CONTA
CUSTAS
CUSTAS DE PARTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE/PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I) - Por força das disposições conjugadas dos artº. 145º, nº. 1 e 539º, nº. 1 do NCPC e artº. 31º, nº. 6, 1ª parte do RCP, a reclamação da conta de custas consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo seu valor mínimo previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do artº. 7º, nº. 4 deste Regulamento.

II) - Caso a parte reclamante não junte aos autos o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação da conta de custas nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, aplica-se o disposto no artº. 570º do NCPC por remissão da parte final do nº. 3 do artº. 145º do mesmo Código.

III) - O depósito da totalidade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, tal nota é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do artº. 33º, nº. 2 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4, na redacção introduzida pela Portaria nº. 82/2012 de 29/03.

IV) - Tendo a Autora, na sua reclamação, invocado apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, não estava obrigada a depositar o valor total da nota, sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a excepção peremptória.

V) - Resulta do disposto nos artºs 529º, nº. 2 do NCPC e 6º, nº. 1 do RCP que o impulso processual de cada interveniente ou parte interessada constitui o elemento sujeito ao pagamento da taxa de justiça, sendo regra geral que os interessados directos no objecto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça.

VI) – De acordo com o disposto no artº. 14º, nº. 9 do RCP, o valor remanescente da taxa de justiça devida é reclamado da parte vencedora a quem, anteriormente, o respectivo pagamento fora dispensado, a fim de que, pagando-o, o possa reclamar no seu exacto montante, da parte vencida, a título de custas de parte.

VII) - Numa interpretação conforme à Constituição, a ressalva da parte final do n°. 7 do artº. 6º do RCP deve ser entendida como atribuindo ao juiz o poder-dever de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado segundo as regras do Regulamento e

dispensar, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275 000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Na acção declarativa sob a forma de processo ordinário, a correr termos na Comarca de Vila Real – Vila Real – Instância Central – Secção Cível – J2, com o nº. 473/10.3TBVRL, movida por D, S.A. contra DU, S.A., em 13/02/2013 foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré do pedido, sendo a Autora condenada nas custas do processo (fls. 26 a 39).

Na sequência da referida decisão, a Ré DU em 19/05/2014 enviou à Autora, por correio registado, a nota discriminativa e justificativa de custas de parte, no montante de € 5 775,75 (fls. 19).

Em 6/10/2015 foi elaborada a conta de custas, nos termos do artº. 6°, nº. 7 do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), a fim de determinar o remanescente da taxa de justiça em dívida por cada uma das partes, tendo como referência o valor da acção de € 1 575 671,75 uma vez que as partes só haviam procedido ao pagamento da taxa de justiça até ao montante de € 275 000, nos termos do artº. 6º, nº. 1 do RCP (fls. 40, 43 e 44).

Ambas as partes foram notificadas da referida conta de custas em 7/10/2015, sendo a Autora para proceder ao pagamento de € 31 222,20 e a Ré para proceder ao pagamento de € 30 936,60 (fls. 41 a 43).

Em 23/10/2015, a A. apresentou reclamação da conta de custas, alegando, em síntese, que, não obstante o elevado valor da acção, o montante apurado na conta de custas viola os princípios da proporcionalidade e da adequação, configurando um exagerado custo no acesso à justiça, entendendo ser suficiente o montante de € 2 988,80 já pago pela A. a título de taxa de justiça, devendo dispensar-se as partes de qualquer pagamento adicional, e requerendo a reformulação da conta, nos termos do disposto nos artºs 6º, nº. 7, 11º e 31º do RCP, não tendo tal reclamação sido acompanhada do pagamento da respectiva taxa de justiça (fls. 45vº a 48).

Por sua vez, em 23/10/2015, a Ré também apresentou reclamação da conta de custas, alegando, em síntese, que não é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo sido a A. que instaurou uma acção manifestamente infundada onde pediu a condenação da Ré no pagamento de uma quantia superior a € 1 500 000,00 – e era de tal modo infundada que foi julgada improcedente pelo Tribunal de 1ª instância e confirmada pelas instâncias superiores - sendo a A. a responsável pelo “impulso processual” a que alude o artº. 14º, nº. 9 do RCP, limitando-se a Ré a oferecer a sua contestação, no exercício do direito de defesa que lhe assiste, requerendo que:
- Se dê sem efeito a conta de custas, na parte em que solicita à Ré o pagamento do remanescente da taxa de justiça;
- Subsidiariamente, caso assim não se entenda, se ordene a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 6º, nº. 7 e 14º, nº. 9 do RCP;
- Se suspenda a obrigação de pagamento do remanescente até ser proferida decisão sobre a reclamação (fls. 97 a 103).

Na sequência da elaboração da conta de custas, em 26/10/2015 veio a Ré juntar aos autos cópia da nota discriminativa e justificativa das custas de parte enviada à Autora, por correio registado, no montante total de € 63 515,40 (fls. 49 a 53).

Por requerimento de 5/11/2015, a Autora impugnou a nota discriminativa e justificativa das custas de parte reclamadas pela Ré, alegando que a Ré em Abril de 2014 já havia apresentado a sua nota discriminativa das custas de parte, não estando legalmente prevista apresentação de uma segunda nota, sendo esta extemporânea por ter sido apresentada após a elaboração da conta de custas do processo, ou seja, mais de um ano após o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo, tendo caducado o direito ao reembolso das custas de parte por não ter sido exercido dentro do prazo, caducidade essa que pretende ver declarada.

Conclui, requerendo que seja ordenado o desentranhamento dos autos do requerimento apresentado pela Ré ou, caso assim não se entenda, seja determinado que o valor reclamado pela Ré a título de custas de parte é manifestamente exagerado por violação dos princípios de acesso ao direito e aos tribunais e da proporcionalidade (fls. 53vº a 56).

Em cumprimento do disposto no artº. 31º, nº. 4 do RCP, o Sr. Escrivão de Direito pronunciou-se nos termos certificados a fls. 121, concluindo, em síntese, pela regularidade das contas elaboradas nos autos.

O Ministério Público pronunciou-se no mesmo sentido da informação prestada pelo Sr. Escrivão de Direito, concluindo que a conta de custas foi elaborada de acordo com a decisão proferida nos autos e em conformidade com os critérios fixados na lei (fls. 122).

Em 6/01/2016 foi proferida decisão sobre as supra mencionadas reclamações apresentadas por ambas as partes, com o seguinte teor [transcrição]:

«Da reclamação apresentada pela ré a 23.10.2015 (fls. 1212 e seguintes):
Veio a ré “DU” requerer que:
- Se dê sem efeito a conta de custas com a Ref. ..., na parte em que solicita à ré o pagamento do remanescente da taxa de justiça;
- Subsidiariamente, caso assim não se entenda, se ordene a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos conjugados do disposto nos artigos 6º, nº 7 e 14º, nº 9 do RCP; e, bem assim;
- Se suspenda a obrigação de pagamento do remanescente até ser proferida decisão quanto ao teor do requerimento em referência.
Atento o disposto no artigo 31º, nº 4, veio o Sr. Escrivão de Direito pronunciar-se nos termos que melhor se alcançam de fls. 1230, concluindo, em síntese, no sentido da regularidade da conta elaborada nos autos.
Com vista nos autos, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no mesmo sentido – cf. fls. 1231.
Cumpre apreciar.
Assim, e desde já adiantando, é nosso entender que não assiste razão à ré.
Com efeito, não se vislumbra como a ré não tenha sido responsável por qualquer “impulso processual”. E tanto assim é que os próprios artigos 6º, nºs 1 e 2, e 7º, nºs 1 e 2 do RCP, esclarecem que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual da parte interessada.

Nessa medida, “são responsáveis passivos pelo pagamento, as partes que intervenham no processo na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido e recorrente ou recorrido” – cf. “Custas Processuais – Guia Prático”, Centro de Estudos Judiciários, 3ª Edição, Abril de 2015, pág. 84.
Deste modo, é nosso entender que, nas causas de valor superior a 275.000€, em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº 7 do artigo 6º, e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias, a contar da notificação que ponha termo ao processo, atento o preceituado no artigo 14º, nº 9 do RCP – cf. op. cit., pág. 118.
Sem prejuízo, invoca também a ré a dispensa de pagamento do remanescente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6º, nº 7 do RCP.
Ora, prescreve o normativo em apreço que “nas causas de valor superior a € 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Vejamos.
No caso, estamos perante uma acção com o valor de € 1.575.671,75. E se é certo que o valor da acção não dita necessariamente a respectiva complexidade, tal não sucede no caso.
Com efeito, estamos perante um processo volumoso, com articulados de relevante extensão, acompanhados de um número assinalável de documentos, aos quais se seguiu despacho saneador e respectivas reclamações à base instrutória, com a realização de pelo menos quatro sessões de julgamento, no âmbito de uma produção de prova testemunhal morosa, agravada pela apresentação de diversos requerimentos entre sessões.
À resposta aos quesitos, seguiu-se também a apresentação de reclamação, culminando com a prolação de sentença cuja fundamentação é complexa e se estende por 27 páginas (sendo certo que a resposta aos quesitos se estendeu por 11).
Após seguiu-se fase recursiva que culminou na prolação de Douto Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, a que se seguiu novo recurso para o STJ.
Ademais, a presente acção não foi isenta de incidentes, como bem dá nota o Sr. Escrivão de Direito na sua Cota de fls. 1209.
Nessa medida, entendemos que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo disposto no artigo 6º, nº 7 do RCP.
Ademais, sempre se acrescente que face à relevância da acção para as partes e bem assim à grandeza de valores em discussão, não se vislumbra qualquer desproporção que limite de forma intolerável o acesso ao direito, sendo, em nosso entender, de afastar qualquer juízo de inconstitucionalidade.
Face ao exposto, indefere-se a reclamação em apreço.


*

Da reclamação apresentada pela autora a 23.10.2015 (fls. 1219 verso e seguintes):
Veio também a autora apresentar reclamação da conta de custas, requerendo a sua reformulação, atento o disposto nos artigos 6º, nº 7, 11º e 31º do RCP.
Não obstante, compulsados os autos, constata-se que a autora não liquidou a taxa de justiça devida pela referida reclamação.
Nestes termos, não se conhece da mesma, antes se determinando o respectivo desentranhamento e devolução ao apresentante.

*

Da reclamação à formulada pela autora a 5.11.2015 (fls. 1227 verso), relativa à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela ré a 26.10.2015 (fls. 1223 verso):
Considerando que a nota em apreço foi apresentada na sequência da notificação para pagamento do remanescente da taxa de justiça, é a mesma admissível, tanto mais que só agora foi a ré notificada para proceder a tal pagamento.
Em todo o caso, não tendo a ré [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “Autora” dada a reclamação ter sido apresentada por esta], dado cumprimento ao preceituado no artigo 33º, nº 2 da Portaria nº419-A/2009, de 17 de Abril, decide-se indeferir tal reclamação.
Custas do incidente a cargo da autora, fixando a taxa de justiça em 1 UC, ao abrigo do disposto no artigo 7º, nº 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela II a ele anexa.»

Inconformada com tal decisão, a Autora D dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
A. Em causa está a aferição da legalidade de um despacho proferido em 06.01.2016, notificado às partes, via Citius, a 7 do mesmo mês e ano.
B. Constitui objecto deste recurso primeiramente a decisão que recaiu sobre a reclamação da conta de custas apresentada pela Autora, nomeadamente o não conhecimento da mesma, determinando-se o desentranhamento por falta de liquidação da taxa de justiça devida pela reclamação.
C. Versa ainda o presente recurso sobre a decisão de indeferir o requerimento apresentado pela autora peticionando a declaração de caducidade do direito ao reembolso de custas de parte apresentado pelo Ré e a consequente condenação em custas por este alegado incidente.
D. Na sequência da notificação para efectuar o pagamento da conta de custas da sua responsabilidade no valor de 34.221,00 €, conta elaborada pela secretaria obedecendo aos critérios contidos no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais a Autora/Recorrente veio requerer a sua reformulação com os fundamentos vertidos no seu requerimento com a Ref.ª 20896657.
E. No despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu quanto à “reclamação apresentada pela autora a 23.10.2015 (fls. 1219 verso e seguintes): veio também a autora apresentar reclamação da conta de custas, requerendo a sua reformulação, atendo o disposto nos artigos 6º, nº 7, 11º e 31º RCP. Não obstante, compulsados os autos, constata-se que a autora não liquidou a taxa de justiça devida pela referida reclamação.
F. Nestes termos, não se conhece da mesma, antes se determinando o respectivo desentranhamento e devolução ao apresentante”.
G. Esta decisão é violadora do disposto nos artigos 145.º, 642º e 539º, todos do Código de Processo Civil, estando por isso ferida de nulidade.
H. Isto porque, prevê expressamente o artigo 145.º, n.º 3 do CPC que a falta de junção do documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça não implica a recusa da peça processual, remetendo paras as consequências dos artigos 570.º e 642.º caso se verifique a sua omissão.
I. Ora, por força daqueles artigos quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
J. Ora, in casu, a secretaria judicial não procedeu à notificação da autora/recorrente para juntar aos autos comprovativo do pagamento da taxa de justiça, o que deveria ter sucedido.
K. Ocorre assim uma violação do dever de gestão processual, consagrado no artigo 6.º do CPC, ao ordenar o desentranhamento da reclamação apresentada pela autora/recorrente, quando deveria ter ordenado a sua notificação para juntar o documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça.
L. O despacho recorrido é também nulo na parte em que decide “da reclamação à formulada pela autora a 5.11.2015 (fls. 1227 verso), relativa à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela ré a 26.10.2015 (fls. 1223 verso)” dizendo que “(…) não tendo a ré dado cumprimento ao preceituado no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, decide-se indeferir tal reclamação. Custas do incidente a cargo da autora, fixando a taxa de justiça em 1 UC, ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II a ele anexa”.
M. O despacho apelado começa, desde logo, por qualificar erradamente o requerimento apresentado pela Autora a 30 de Novembro de 2015 na sequência do pedido de reembolso de custas de partes apresentado pela Ré porquanto não reclama a Autora concretamente sobre os valores vertidos na nota discriminativa e justificativa de custas de parte.
N. A autora invocou apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, por meio de requerimento inominado, dizendo que “(…) o direito ao reembolso de custas de custas de parte caducou por não ter sido exercido dentro do prazo (…). Caducidade que deve ser declarada!” (negrito nosso)
O. A análise atenta de todo o articulado permite aferir que em momento alguma a autora/recorrente apresenta uma verdadeira reclamação na assunção do artigo 33.º da Portaria 419-A/2009 de 17.04,

não estando por isso obrigada ao depósito do valor da nota.
P. Entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 06.10.2015, in www.dgsi.pt: “1 – O depósito da totalidade da nota de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, a nota discriminativa de custas de parte é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do n.º 2 do Artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril. 2 – Tendo os RR./apelados invocado tão-somente a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, por meio de requerimento inominado, não estavam obrigados a depositar o valor total da nota”.
Q. O despacho recorrido é nulo na medida em que indeferiu a pretensão da Autora por falta de depósito do valor da nota, o qual não era devido em virtude de não ter sido apresentada qualquer reclamação nos termos do artigo 33., n.º 2 da Portaria 419-A/2009, de 17/04.
R. Acresce ainda que, na senda do entendimento vertido no Acórdão deste Tribunal da Relação datado de 11.06.2015 – Processo n.º 312/10.5TTBGC.G1, “No âmbito de aplicação do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26/02) com a redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, não há lugar ao depósito do valor da nota discriminativa e justificativa das custas de parte”.
S. Facto gerador do direito ao pedido de reembolso de custas de parte apresentado pela Ré é a condenação contida na sentença proferida nos autos, datada de 18.02.2013.
T. Nessa data encontrava-se em vigor o Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26/02) com a redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, e a Portaria n.º 419.º-A/2009, de 17/04, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29/03 por força dos quais a reclamação judicial contra o pedido de reembolso de custas de parte deve ser admitido por força do princípio geral do contraditório, sem dependência de qualquer depósito, conforme fundamentação do Acórdão supra referido.
U. Consequentemente, mal andou o Tribunal a quo ao condenar a autora nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça em 1 UC.
V. A decisão recorrida violou todas as disposições legais citadas nestas alegações e conclusões.

Termos em que, dando-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser considerada nula e sem efeitos ou, sucedaneamente, ser revogada e substituída por outra que:

- ordene a notificação da recorrente para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pelo pedido de reforma da conta de custas;

- aprecie o requerimento apresentado pela autora/recorrente, peticionando a declaração de caducidade do direito ao reembolso de custas de parte da Ré/Recorrida, revogando a condenação em custas pelo incidente.

A Ré apresentou contra-alegações, abstendo-se de tecer quaisquer considerações relativamente à decisão sobre a reclamação da conta de custas apresentada pela Autora/recorrente, por tal decisão não lhe dizer directamente respeito, pugnando, ainda, pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão proferida sobre a reclamação da Autora relativa à nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pela Ré/recorrida.

O Ministério Público também contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Autora e consequente manutenção da decisão recorrida.

A Ré DU, por sua vez, também interpôs recurso da referida decisão proferida em 6/01/2016, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1. A Recorrente não se conforma com o despacho de fls. de que ora se recorre, na parte que recaiu sobre a reclamação da conta de custas por si oportunamente apresentada.
2. Desde logo, porquanto o Art. 14.º, n.º 9 do RCP não se aplica Recorrente, pois a mesma não é responsável pelo impulso processual. Depois, mesmo que se aplicasse à Recorrente aquele normativo legal, o que não se concede, no presente caso estão reunidos os pressupostos do Art. 6.º, n.º 7 do RCP, para que seja ordenada a dispensa do pagamento da taxa de justiça.
3. No caso sub judice, foi a A., e não a R., aqui Recorrente, a responsável pelo “impulso processual”, no sentido em que não foi esta que deu causa à ação. A Recorrente limitou-se a oferecer a sua contestação, no exercício do direito de defesa que lhe assiste.
4. Como bem se compreende, se a Recorrente não deu causa a ação, não apresentou pedido reconvencional, nem sequer recorreu da decisão, não pode ser responsável por qualquer impulso processual.
5. A concretização da responsabilidade do impulso processual terá, forçosamente, que ser concretizada de acordo com o CPC, nomeadamente no que concerne ao ónus de impulso processual dos sujeitos processuais, e de acordo com o CPC, este ónus é do Autor, Recorrente, Demandante, e nunca do sujeito processual passivo (Réu, Recorrido, Demandado, etc.).
6. Tal entendimento resulta do texto da própria norma, a qual estatuiu a responsabilização do Autor, Recorrente, etc (sujeito processual ativo – titular do impulso processual) que, mesmo tendo vencido a ação e não tendo sido condenado em custas, se vê na obrigação de proceder ao pagamento desta taxa de justiça remanescente (da qual poderá vir a ser ressarcido em sede de custas de parte) por ter tido o impulso processual na apresentação e condução da ação.
7. Face ao exposto, a Recorrente não poderá ser responsabilizada pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo que deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decida dar sem efeito a conta de custas com a Ref. ..., na parte que solicita o pagamento à Recorrente do remanescente da taxa de justiça.
8. Caso assim não se entenda – o que não se concede e apenas se pondera por dever de patrocínio – a interpretação de que o sujeito processual passivo (Réu, Recorrido, Etc), pelo simples facto de ser sujeito processual e de se ter defendido, pese embora tenha tido vencimento na ação, é responsável pelo impulso processual é inconstitucional, por violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
9. De acordo com o referido artigo 20º, a todos os cidadãos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
10. Na verdade, a interpretação que qualquer sujeito processual (ativo ou passivo) é sempre responsável pelo impulso processual pelo simples facto de ter intervindo no processo, nomeadamente o R. que apresentou uma contestação, e por conseguinte terá de ser responsável, mesmo quando absolvido do processo e da responsabilidade por custas, poderá por em causa o acesso ao direito e aos tribunais por insuficiência de meios económicos.
11. É que segundo esta interpretação um cidadão, confrontado com qualquer ação contra si intentada de valor elevado, poderá impedir ou dissuadir o R. de contestar, pois sabendo que mesmo que seja absolvido do pedido e não seja condenado nas custas, tenha de proceder ao pagamento de um valor avultado em sede de taxa de justiça remanescente, sem qualquer garantia que tal valor será recuperado em sede de custas de parte.
12. Pelo exposto, a interpretação plasmada no despacho recorrido no que concerne à responsabilidade do Réu (sujeito passivo na ação) pelo impulso processual, quando este se limitou a defender-se de uma ação infundada – de acordo com as decisões proferidas nos autos - é inconstitucional por impedir ou dissuadir o exercício do direito de defesa, na medida em que, mesmo na situação em que viesse a ter vencimento e a ação fosse julgada improcedente, a possibilidade de responsabilização pelo pagamento de uma taxa de justiça para a qual poderá não ter capacidade económica para satisfazer levar o R. a impedir ou limitar a sua defesa.
13. Mesmo que assim também não se entenda, o que somente se admite por mero dever de patrocínio, a Recorrente entende que, em qualquer caso, sempre deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos Arts. 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP.
14. Do Art. 6.º, n.º 7 do RCP resulta uma evidente preocupação do legislador em ajustar o valor da taxa de justiça não apenas ao valor da ação, mas também à própria complexidade da causa em apreciação e à conduta processual das partes, com vista a evitar uma desproporção entre os montantes liquidados pela parte (a título de custas) e o concreto encargo judiciário provocado pela ação.
15. No caso dos presentes autos, o resultado da aplicação destas regras – e sem menosprezar as diligências e o trabalho do Mmo. Tribunal a quo – é flagrantemente exorbitante face à especificidade da situação.
16. O litígio não se revestia de complexidade técnica, corporizando, tão-somente, um problema de interpretação contratual das Partes. Além disso, e sem prejuízo da dimensão dos documentos juntos aos autos e da extensão dos depoimentos das testemunhas, as Partes não provocaram incidentes anómalos no processo, nem adotaram condutas processuais censuráveis que obstaculizassem o andamento normal do processo.
17. Em bom rigor, no caso em análise, pese embora o valor da ação seja elevado, a complexidade da causa é diminuta, uma vez que as questões substantivas submetidas à apreciação do Tribunal a quo não têm qualquer densidade e as questões processuais não têm qualquer complexidade.
18. Motivo pelo qual é legítimo afirmar que o valor das custas de € 30.936,60 (trinta mil novecentos e trinta e seis euros e sessenta cêntimos), a acrescer à taxa de justiça inicialmente paga, apresenta-se desajustado face ao concreto encargo judiciário provocado pela ação da A. (não da R., ora Recorrente!).
19. Mais se diga que a cobrança de taxas elevadas pela prestação dos serviços de justiça, não só pode determinar a sua desproporcionalidade, afrontando o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso consagrado no Art. 2º da CRP, como também pode pôr em risco o próprio direito fundamental dos cidadãos de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos (Art. 20.º, n.º 1, da CRP).
20. A fixação da taxa de justiça tem de ser adequada à atividade judicial efetivamente desenvolvida e corresponder à justa medida entre a exigência de pagamento da taxa de justiça e o serviço de administração da justiça. A contrapartida pela prestação dos serviços de administração da justiça não pode restringir de modo intolerável o direito de acesso aos tribunais.
21. No caso sub judice, o valor exagerado das custas a pagar resultou apenas do elevado valor do processo, independentemente da sua complexidade, não havendo correspondência entre os custos da atividade jurisdicional e o valor total das taxas que estão a ser solicitadas. Verifica-se, portanto, face à tramitação do processo e ao teor/ natureza das questões decididas, que o valor das custas é desadequado, porquanto é manifestamente desproporcional ao serviço prestado.
22. Na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional, as normas ínsitas no Art. 6.º, n.ºs 1 e 2 do RCP, em conjugação com a tabela I, interpretadas e aplicadas no sentido de não estabelecer um limite máximo para as custas a pagar, designadamente através de um limite para o valor da ação a considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça, dando azo à fixação de um valor manifestamente desproporcional face aos serviços públicos prestados, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2º da CRP) e do direito de acesso à justiça (art. 20º, n.º 4 da CRP) e, por isso, não deve ser aplicada no caso dos autos – o que se invoca cautelarmente.
23. Por conseguinte, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a dispensa do pagamento de todo o remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos Arts. 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deverá o despacho recorrido:

a) Ser revogado e substituído por outro que decida dar sem efeito a conta de custas com a Ref. ..., na parte que solicita o pagamento à Recorrente do remanescente da taxa de justiça;

Subsidiariamente,

b) Ser revogado e substituído por outro que ordene a dispensa do pagamento de todo o remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos Arts. 6.º, n.º 7 e 14.º, n.º 9 do RCP.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pela Ré e consequente manutenção da decisão recorrida.

A Autora não apresentou contra-alegações.

Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 25.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Nos presentes autos, o objecto dos recursos interpostos pela Autora e pela Ré, delimitados pelo teor das respectivas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) – Recurso da Autora:

1. Do não conhecimento da reclamação da conta de custas apresentada pela Autora, por falta de pagamento da taxa de justiça devida pela reclamação;

2. Do indeferimento do requerimento da Autora em que invoca a caducidade do direito ao reembolso das custas de parte peticionadas pela Ré.

II) – Recurso da Ré:

1. Da inexistência de responsabilidade da Ré pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº. 14°, nº. 9 do RCP;

2. Saber se estão reunidos os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº. 6°, nº. 7 do RCP.

Com interesse para apreciação das questões em causa há que ter em conta a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório e ainda a seguinte factualidade que resulta dos elementos constantes dos autos:

1. A Autora procedeu ao pagamento prévio de taxas de justiça, pela instauração da acção e interposição de recurso da sentença proferida nos autos para o Tribunal da Relação e para o STJ, no montante total de € 2 998,80 (fls. 40).

2. A conta de custas elaborada em 6/10/2015 imputava à Autora/Recorrente o pagamento de custas da sua responsabilidade no valor de € 34 221,00, ao qual foi descontado o montante de € 2 998,80 já pago previamente pela A. a título de taxas de justiça, sendo o remanescente da taxa de justiça a pagar por aquela contabilizado em € 31 222,20 (fls. 40).

3. A Ré procedeu ao pagamento prévio de taxas de justiça, pela apresentação de contestação e de contra-alegações de recurso para o Tribunal da Relação e para o STJ, no montante total de € 3 080,40 (fls. 43).

4. A conta de custas elaborada em 6/10/2015 imputava à Ré/Recorrente o pagamento de custas da sua responsabilidade no valor de € 34 017,00, ao qual foi descontado o montante de € 3 080,40 já pago previamente pela Ré a título de taxas de justiça, sendo o remanescente da taxa de justiça a pagar por aquela contabilizado em € 30 936,60 (fls. 43).

5. As referidas contas de custas foram elaboradas pelo Sr. Escrivão de Direito tendo como referência o valor da acção supra indicado (superior a € 275 000), quer na 1ª instância, quer no Tribunal da Relação e STJ, levando em consideração também os incidentes de fls. 1203 e 1204 (despacho de 17/06/2015) e de fls. 118 do Apenso A (despacho de 28/04/2014) a cargo da Autora, bem como o incidente de fls. 1203 (despacho de 17/06/2015) a cargo da Ré (cfr. cota de fls. 44).

6. Na nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela Ré à Autora está incluído já o valor de € 30 936,60, correspondente ao “remanescente da taxa de justiça a cargo da Ré” indicado na conta de custas elaborada em 6/10/2015 (fls. 49 a 53).


*

Apreciando e decidindo.

I) – Recurso da Autora:

1. Do não conhecimento da reclamação da conta de custas apresentada pela Autora, por falta de pagamento da taxa de justiça devida pela reclamação:

Entende a Autora, ora recorrente, que a decisão recorrida enferma de nulidade por violação do disposto nos artºs 145º, nº. 3, 539º e 642º todos do NCPC, ao não conhecer da reclamação da conta de custas apresentada pela A. por esta não ter liquidado a taxa de justiça devida pela mesma, defendendo que, por força daqueles preceitos legais, quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, deve a secretaria judicial notificar o interessado nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 570º, nº. 3 e 642º, nº. 1 ambos do NCPC, o que não aconteceu “in casu”.

Vejamos se lhe assiste razão.

Por força das disposições conjugadas dos artº. 145º, nº. 1 e 539º, nº. 1 do NCPC e artº. 31º, nº. 6 (1ª parte) do RCP, a reclamação da conta de custas consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo seu valor mínimo previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do artº. 7º, nº. 4 deste Regulamento (cfr. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª ed., 2013, Almedina, pág. 355 e acórdão da RP de 29/05/2014, proc. nº. 643/08.4TVPRT-A, acessível em www.dgsi.pt).

No caso em apreço, a A. não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida por este incidente.

Ora, dispõe o artº. 145º, nº. 3 do NCPC que “Sem prejuízo das disposições relativas à

petição inicial, a falta de junção do documento referido no n.º 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570º e 642º(sublinhado nosso).

Por sua vez, dispõem os artigos 570º, nº. 3 e 642º, nº 1 ambos do NCPC (para os quais remete o supra citado preceito legal) que, quando o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria judicial notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

Acontece que a secretaria judicial não procedeu à notificação da Autora/recorrente para juntar aos autos comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação da conta de custas.

Como refere o Ministério Público, nas suas contra-alegações, os artºs 570º e 642º do NCPC são normas especiais face à regra geral do artº. 145° do mesmo Código, destinando-se a primeira à falta de apresentação do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação e a outra relativa à interposição de recurso.

Todavia, às restantes situações não previstas especificamente na lei aplica-se a regra geral do artº. 145° do NCPC, que no seu nº. 3 estabelece que a falta de junção do documento referido no nº. 1 não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artºs 570º e 642º.

Como vimos, caso a parte não proceda à junção do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida (neste caso, pelo incidente de reclamação da conta de custas) nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, aplica-se o disposto nos artºs 570º e 642º do NCPC por remissão da parte final do nº. 3 do citado artº. 145º.

Relativamente aos casos de falta de pagamento da taxa de justiça devida nos incidentes, tem-se defendido a aplicação por analogia do disposto no artº. 570º do NCPC (cfr. “Custas Processuais – Guia Prático”, Centro de Estudos Judiciários, 3ª ed., Abril de 2015, pág. 131 e acórdão da RP supra citado).

Assim sendo, não tendo a Autora reclamante junto ao processo documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação da conta de custas no momento legalmente definido para o efeito, deverá a secretaria judicial notificar a mesma para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido com o acréscimo previsto no artº. 570º, n°. 3 “in fine” do NCPC, aplicável por força do disposto no artº. 145º, n°. 3 do mesmo Código, juntando ao autos o respectivo documento comprovativo, sob pena de se ordenar o desentranhamento da reclamação e sua devolução à apresentante, procedendo, nesta parte, o recurso interposto pela Autora.


*

2. Do indeferimento do requerimento da Autora em que invoca a caducidade do direito ao reembolso das custas de parte peticionadas pela Ré:

Vem a Autora, ora recorrente, invocar a nulidade do despacho recorrido na parte em que decidiu indeferir a reclamação por ela formulada em 5/11/2015, relativa à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela Ré em 26/10/2015, por a A. não ter dado cumprimento ao preceituado no artº. 33º, nº. 2 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4, e condenar esta nas custas do incidente, defendendo que não era devido o depósito do valor da nota, em virtude de não ter apresentado qualquer reclamação concretamente sobre os valores vertidos na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, tendo a Autora/recorrente apenas invocado a intempestividade da apresentação da referida nota, defendendo a caducidade do direito ao reembolso das custas de parte por não ter sido exercido dentro do prazo, não configurando o seu requerimento uma verdadeira reclamação nos termos do artº. 33º da citada Portaria nº. 419-A/2009.

Como bem refere o Ministério Público, nas suas contra-alegações, a nota discriminativa e justificativa das custas de parte apresentada pela Ré em 26/10/2015 foi efectuada na sequência da notificação da conta de custas elaborada nos termos do artº. 6°, nº. 7 do RCP, para a Ré proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça da sua responsabilidade.

Não era, pois, possível à Ré proceder à apresentação da referida nota antes da contabilização do remanescente da taxa de justiça da sua responsabilidade.

Nesta medida, assiste razão ao Tribunal “a quo” quando afirma que a referida reclamação da nota em apreço é admissível. E ao declarar que a nota discriminativa e justificativa das custas de parte é admissível, está a afastar a alegada caducidade invocada pela Autora.

Na verdade, sempre se dirá que não se verifica a caducidade do direito de reclamar as

custas de parte, quando só foi possível à Ré contabilizar o seu montante após a notificação da conta de custas a que alude o artº. 14º, nº. 9 do RCP (cfr. artº. 25º, nºs 1 e 2 do RCP e artº. 31º, nº. 1 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4) – sobre esta matéria se pronunciaram os acórdãos da RG de 13/03/2014, proc. nº. 52/12.0TBAVV-B e da RP de 30/09/2014, proc. nº. 2424/07.3TBVCD-A, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

No entanto, embora o Tribunal “a quo” tenha começado por conhecer da tempestividade da apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, considerando-a admissível, acabou por indeferir a reclamação da A. relativa àquela nota discriminativa, por esta não ter cumprido o disposto no artº. 33º, nº. 2 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4, condenando-a nas custas do incidente.

Atento o teor do requerimento apresentado pela Autora/recorrente em 5/11/2015 e o ali peticionado, não subsistem dúvidas de que o mesmo consubstancia, em bom rigor, uma reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela Ré/recorrida, como bem entendeu o Tribunal “a quo” no despacho recorrido.

Dispõe o artº. 33º, nº. 2 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4, na redacção introduzida pela Portaria nº. 82/2012 de 29/03, que “A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”.

Foi esta a norma invocada no despacho recorrido como fundamento para não admitir a reclamação da ora recorrente à nota justificativa de custas de parte apresentada pela Ré.

Ora, na sequência do pedido de reembolso de custas de parte apresentado pela Ré, a Autora, no seu requerimento de 5/11/2015, não reclama concretamente dos valores vertidos na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, mas apenas invoca a intempestividade da apresentação dessa nota discriminativa, ao alegar que “A apresentação de segunda nota discriminativa e justificativa de custas de parte é extemporânea porque apresentada após a elaboração da conta de custas do processo, isto é, mais de um ano após o trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo” e “(…) o direito ao reembolso de custas de custas de parte caducou por não ter sido exercido dentro do prazo (…). Caducidade que deve ser declarada!”

Sobre esta matéria se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 6/10/2015 (proc. nº. 1466/14.7T8CBR-E, acessível em www.dgsi.pt), referindo que «o depósito da totalidade da nota apenas se impõe quando, cumulativamente, a nota discriminativa de custas de parte é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados.

Tendo os RR./apelados invocado tão-somente a intempestividade da apresentação da nota discriminativa, por meio de requerimento inominado, não estavam obrigados a depositar o valor total da nota, “sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a excepção peremptória”».

Assim, no seguimento deste entendimento, podemos concluir que a apresentação da reclamação pela A., invocando apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte e peticionando a declaração de caducidade do direito ao reembolso dessas custas, não está sujeita ao depósito a que alude o artº. 33º, nº. 2 da mencionada Portaria nº. 419-A/2009.

Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, sufragamos a posição defendida no acórdão deste Tribunal da Relação de 11/06/2015, proferido no processo nº. 312/10.5TTBGC (acessível em www.dgsi.pt): “No âmbito de aplicação do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26/02) com a redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13/02 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, não há lugar ao depósito do valor da nota como requisito de apreciação da reclamação judicial da nota descritiva e justificativa das custas de parte”.

Nestes termos, terá de proceder o recurso interposto pela Autora, com a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que aprecie a reclamação apresentada pela Autora/recorrente, na qual invoca a caducidade do direito ao reembolso de custas de parte da Ré/recorrida, dando sem efeito a condenação nas custas do incidente.


*

II) – Recurso da Ré:

1. Da inexistência de responsabilidade da Ré pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº. 14°, nº. 9 do RCP:

Pretende a Ré, ora recorrente, a revogação do despacho que indeferiu a sua reclamação da conta de custas, devendo o mesmo ser substituído por outro que dê sem efeito tal conta, na parte em que solicita à Ré o pagamento do remanescente da taxa de justiça, alegando que o artº. 14º, nº. 9 do RCP não se aplica à Ré, pois a mesma não é responsável pelo impulso processual, no sentido em que não foi a Ré que deu causa à acção, não deduziu pedido reconvencional e nem sequer recorreu da decisão, tendo aquela se limitado a oferecer a sua contestação, no exercício do direito de defesa que lhe assiste, e a contra-alegar os recursos que foram interpostos pela A., pelo que não poderá ser responsabilizada pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Invoca, ainda, a recorrente, caso assim não se entenda, a inconstitucionalidade do artº. 14º, nº. 9 do RCP na interpretação efectuada pelo Tribunal “a quo”, de que o sujeito processual passivo (réu ou recorrido) que não foi condenado a final, é responsável pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº. 6º, nº. 7 daquele Regulamento, em virtude de o mesmo ser considerado responsável pelo impulso processual, defendendo subsidiariamente que, em qualquer caso, sempre deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 6º, nº. 7 e 14º, nº. 9 do RCP.

Nos termos das disposições conjugadas dos artºs 529º, nº. 2 do NCPC e 6º, nº. 1 do RCP, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente ou parte interessada e é fixada em função do valor e da complexidade da causa de acordo com aquele Regulamento.

Nessa medida, “são responsáveis passivos pelo pagamento as partes que intervenham no processo na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido e recorrente ou recorrido” (cfr. Custas Processuais – Guia Prático, Centro de Estudos Judiciários, 3ª ed., Abril de 2015, pág. 84).

Resulta da lei que o impulso processual de cada interessado constitui o elemento sujeito ao pagamento da taxa de justiça. Temos, assim, como regra geral, que os interessados directos no objecto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça.

Com efeito, o responsável pelo pagamento de taxa de justiça é sempre a parte ou o sujeito processual autor do impulso processual, independentemente de a final ser vencedor ou vencido, podendo acontecer que o vencedor, por virtude da dinâmica da evolução do valor da causa para efeito de custas ou da sua complexidade, tenha de proceder a final ao pagamento do remanescente da taxa de justiça devida (cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pág. 60, 61 e 194).

O montante apurado na conta de custas corresponde ao remanescente que a lei não exige às partes aquando do impulso processual, remetendo a sua contabilização para final, nos termos do artº. 6°, nº. 7 do RCP: “Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

A questão que se coloca, no entanto, é a da imputação à Ré da responsabilidade de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta fase do processo em que já se conhece a sua absolvição, com a inerente imputação da responsabilidade pelas custas da causa à Autora.

Ora, importa ter presente que o montante apurado no conta de custas imputado à responsabilidade da Ré nada tem a ver com a condenação final da Autora nas custas da acção, mas tão só com o pagamento da taxa de justiça inerente ao impulso processo da Ré.

Deste modo, bem andou o Tribunal “a quo” ao entender que, nas causas de valor superior a € 275 000, em que deva ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do nº. 7 do artº. 6º do RCP, e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias, a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo, atento o preceituado no artº. 14º, nº. 9 do mesmo Regulamento.

Conforme entendimento expresso no acórdão da RP de 30/09/2014 (proc. nº. 2424/07.3TBVCD-A, acessível em www.dgsi.pt), a que aderimos, «esse valor remanescente da taxa de justiça é reclamado da parte a quem, anteriormente, o respectivo pagamento fora dispensado, a fim de que, pagando-o, o possa reclamar no seu exacto montante, da parte vencida, a título de custas de parte. É o que dispõe o nº. 9 do artº. 14º do RCP: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo”».

Deste regime resulta que a imputação à Ré, ora recorrente, da sua responsabilidade pelo pagamento dos € 34 017,00, dos quais já pagou € 3 080,40, tendo por pagar € 30 936,60, em nada contende com a condenação da parte vencida (a Autora na acção) nas custas do processo.

É que tal condenação não implica que a ora recorrente não deva satisfazer o valor de taxa de justiça que lhe competia (correspondente aos actos com que impulsionou o processo até que este chegasse ao fim); pelo contrário, tem a mesma de pagar a posteriori aquele montante que antes lhe fora facultado não realizar. A condenação da parte vencida em custas significa apenas que a parte vencedora, pagando efectivamente o que lhe competia, o possa exigir junto da parte vencida, a título de custas de parte, como aliás já o fez.

Em conclusão do exposto, não pode deixar de considerar-se exigível à ora recorrente a quantia de € 30 936,60, correspondente à parte das custas que lhe competia satisfazer e que se encontrava por pagar, por referência a um total de € 34 017,00. O facto de ter vencido a causa, a final, não significa que deixe de estar obrigada ao pagamento da taxa de justiça inerente às fases processuais que impulsionou; significa tão só que tem direito a ser reembolsada dos valores de taxa de justiça efectivamente satisfeitos, pela parte vencida, a título de custas de parte (cfr. acórdão da RP de 30/09/2014 supra citado).

Por outro lado, contrariamente ao que é alegado pela recorrente, não existe qualquer inconstitucionalidade na interpretação que o Tribunal “a quo” fez do artº. 14°, nº. 9 do RCP.

O Estado suporta custos elevados ao proporcionar a todos os cidadãos o acesso à justiça, custos estes que terão de se repercutir nos seus utentes, sem contudo violar o preceituado no artº. 20°, nº. 1 da CRP: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

No caso em apreço, existe uma proporcionalidade entre o valor da acção submetida a apreciação do Tribunal (€ 1 575 671,75), a sua complexidade, o trabalho material e intelectual inerente ao serviço prestado às partes e a taxa de justiça devida pelo impulso processual da Ré/recorrente (€ 34 017,00), cujo remanescente no valor de € 30 936,60 apenas foi contabilizado a final nos termos do artº. 6°, nº. 7 do RCP.

O remanescente da taxa de justiça apurado a final é adequado e proporcional ao valor da acção, pelo que não contende com o princípio constitucional de acesso ao direito e à justiça plasmado no citado artº. 20° da CRP.

Para além disso, a conta de custas foi elaborada em total respeito pelo disposto no artº. 6°, nº. 7 do RCP que acima transcrevemos.

Improcedendo até aqui a pretensão formulada pela Ré no presente recurso, resta apreciar a questão por ela suscitada subsidiariamente, ou seja:


*

2. Saber se estão reunidos os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artº. 6°, nº. 7 do RCP:

À presente acção foi atribuído o valor de € 1 575 671,75.

De acordo com o disposto nos artºs 6º, n°. 7 e 7º, n°. 2 do RCP, a Ré/recorrente pagou de taxa de justiça o valor de € 3 080,40, ascendendo o remanescente a € 30 936,60.

Ora, em harmonia com o juízo subjacente à decisão recorrida, nenhuma razão se mostra comprovada que permita fundamentar a dispensa de pagamento de tal remanescente, à luz do disposto no artº. 6º, nº. 7 do RCP.

Numa interpretação conforme à Constituição, a ressalva da parte final do n°. 7 do supra citado artº. 6º deve ser entendida como atribuindo ao juiz o poder-dever de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado segundo as regras do RCP e de reduzir, total ou parcialmente, aquele montante na medida necessária para garantir aquela proporcionalidade.

Nessa aferição da proporcionalidade deve atender-se, antes de mais, à correlação entre o montante das custas e a utilidade económica da causa, ao princípio da igualdade e ao particular circunstancialismo dos autos.

A correlação entre o montante das custas e a utilidade económica do pedido é o primeiro, e determinante, factor índice a considerar; se o montante das custas se aproxima muito ou, porventura, excede a utilidade económica do pedido, expressa no valor da causa, isso constitui sinal seguro de que a proporcionalidade se encontra afectada. Ora tal, manifestamente, não ocorre no caso dos autos onde, não obstante ser elevado, o remanescente das custas devidas não ascende a 2% da utilidade económica do pedido (do valor da causa).

Do princípio da igualdade resulta que a todos os cidadãos deve ser solicitado idêntico grau de “taxa de esforço” no financiamento do sistema de justiça que utilizam, não se podendo aplicar a mesma taxa de justiça numa causa no valor de € 275 000, quando o valor da causa é de € 1 575 671,75 - fazê-lo seria tratar igualmente situações que manifestamente não são iguais, violando o princípio da igualdade.

Tal situação só poderia encontrar justificação perante a verificação de especiais circunstâncias do caso concreto que moldem a situação em termos de se tornar um imperativo de justiça a equiparação de situações originariamente dissemelhantes, o que não se nos afigura ocorrer “in casu”.

Aliás, nada vem alegado e demonstrado que nos permita concluir que a causa apresente qualquer especificidade que torne desproporcionada a exigência do remanescente em questão, ou que a complexidade da causa ou a conduta processual das partes revele de igual modo tal desproporção.

Pelo contrário, a decisão recorrida enumera razões para a não aplicação de tal solução excepcional, e tendo o Tribunal “a quo” analisado e tramitado todo o processo até final, dispõe de todos os elementos necessários para aferir da complexidade da causa e apreciar o comportamento processual das partes.

Relativamente a esta matéria, refere o Tribunal “a quo”, no segmento da decisão recorrida relativo à pretensão da Ré de ver alterada a conta de custas, o seguinte:

«Com efeito, estamos perante um processo volumoso, com articulados de relevante extensão, acompanhados de um número assinalável de documentos, aos quais se seguiu despacho saneador e respectivas reclamações à base instrutória, com a realização de pelo menos quatro sessões de julgamento, no âmbito de uma produção de prova testemunhal morosa, agravada pela apresentação de diversos requerimentos entre sessões.

À resposta aos quesitos, seguiu-se também a apresentação de reclamação, culminando com a prolação de sentença cuja fundamentação é complexa e se estende por 27 páginas (sendo certo que a resposta aos quesitos se estendeu por 11).

Após, seguiu-se fase recursiva que culminou na prolação de Douto Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, a que se seguiu novo recurso para o STJ.

Ademais, a presente acção não foi isenta de incidentes, como bem dá nota o Sr. Escrivão de Direito na sua Cota de fls. 1209.

Nessa medida, entendemos que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo disposto no artigo 6º, nº 7 do RCP.

Ademais, sempre se acrescente que face à relevância da acção para as partes e bem assim à grandeza de valores em discussão, não se vislumbra qualquer desproporção que limite de forma intolerável o acesso ao direito, sendo, em nosso entender, de afastar qualquer juízo de inconstitucionalidade».

Não se vislumbra, pois, que o remanescente da taxa de justiça a considerar na conta final ultrapasse os limites da proporcionalidade, tendo em atenção o que é dito na decisão recorrida quanto à complexidade processual, ao comportamento das partes, ao valor da acção, ao trabalho material e jurídico inerente à tramitação dos autos, não havendo motivo que justifique a dispensa do seu pagamento.

Nestes termos, deverá improceder o recurso de apelação interposto pela Ré.




SUMÁRIO:

I) - Por força das disposições conjugadas dos artº. 145º, nº. 1 e 539º, nº. 1 do NCPC e artº. 31º, nº. 6, 1ª parte do RCP, a reclamação da conta de custas consubstancia um incidente processual inominado, sujeito ao pagamento prévio da taxa de justiça nos termos gerais, a autoliquidar pelo seu valor mínimo previsto na Tabela II que faz parte integrante do RCP, nos termos do artº. 7º, nº. 4 deste Regulamento.

II) - Caso a parte reclamante não junte aos autos o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação da conta de custas nos 10 dias subsequentes à prática do acto processual, aplica-se o disposto no artº. 570º do NCPC por remissão da parte final do nº. 3 do artº. 145º do mesmo Código.

III) - O depósito da totalidade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, tal nota é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do artº. 33º, nº. 2 da Portaria nº. 419-A/2009 de 17/4, na redacção introduzida pela Portaria nº. 82/2012 de 29/03.

IV) - Tendo a Autora, na sua reclamação, invocado apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, não estava obrigada a depositar o valor total da nota, sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a excepção peremptória.

V) - Resulta do disposto nos artºs 529º, nº. 2 do NCPC e 6º, nº. 1 do RCP que o impulso processual de cada interveniente ou parte interessada constitui o elemento sujeito ao pagamento da taxa de justiça, sendo regra geral que os interessados directos no objecto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça.

VI) – De acordo com o disposto no artº. 14º, nº. 9 do RCP, o valor remanescente da taxa de justiça devida é reclamado da parte vencedora a quem, anteriormente, o respectivo pagamento fora dispensado, a fim de que, pagando-o, o possa reclamar no seu exacto montante, da parte vencida, a título de custas de parte.

VII) - Numa interpretação conforme à Constituição, a ressalva da parte final do n°. 7 do artº. 6º do RCP deve ser entendida como atribuindo ao juiz o poder-dever de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado segundo as regras do Regulamento e

dispensar, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275 000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.




III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré DU, S.A. e procedente o recurso interposto pela Autora D, S.A. e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se que seja substituída por outra que:

a) ordene a notificação da Autora para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de reclamação da conta de custas, com o acréscimo previsto no artº. 570º, n°. 3 do NCPC, aplicável por força do disposto no artº. 145º, n°. 3 do mesmo Código, sob pena de se ordenar o desentranhamento da reclamação e sua devolução à apresentante;

b) aprecie a reclamação apresentada pela Autora relativa à nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pela Ré, em que invoca a caducidade do direito ao reembolso de custas de parte da Ré, dando sem efeito a condenação nas custas do incidente.

No mais, decide-se manter a decisão recorrida.

Custas de ambos os recursos pela Ré.




Guimarães, 9 de Fevereiro de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)



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(Maria Cristina Cerdeira)



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(Espinheira Baltar)


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(Eva Almeida)