Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2584/19.0T9BRG.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RECINTO DESPORTIVO
EXIBIÇÃO BANDEIRAS
ABSOLVIÇÃO
ARTºS 14º Nº 2
39º-B Nº 2 A) E 40º Nº 6 DA LEI 39/2009 DE 30.07
COM A REDAÇÃO DA LEI 52/2013 DE 25.07
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. No âmbito da lei 39/2009 de 30.07, com a redação da lei 52/2013 de 25.07 (regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos), a permissão de introdução num estádio de futebol e de exibição por parte de grupos organizados de adeptos (GOA) de bandeiras e tarja de grandes dimensões com o símbolo de um clube, sem que, de tal comportamento, resulte qualquer tipo de perturbação do espetáculo desportivo, não constitui contraordenação ao disposto nos art. 14º nº 2, 39º-B nº 2 a) e 40º nº 6 da referida lei, uma vez que tal permissão não consubstancia uma forma de apoio proibido aos GOA e que só com a lei 113/2019 de 11.09 a dimensão das bandeiras foi limitada.
2. O que a lei essencialmente proíbe é a entrada nos recintos desportivos de objetos ou materiais com mensagens ofensivas, de caráter racista, xenófobo, capaz de gerar violência ou qualquer forma de discriminação, proibição que a exibição de bandeiras com o símbolo de um clube não viola.
Decisão Texto Integral:
Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães.

I.
Por decisão da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto foi a recorrente Clube X – Futebol, SAD condenada pela prática de 13 contraordenações, previstas no artigo 39.º-B nº 2 a) da lei 39/2009 de 30.07, alterada pela lei nº 52/2013 de 25 de julho, na coima única de 35.500€, acrescida de custas processuais.
Tendo a arguida impugnado judicialmente a decisão foi proferida sentença pelo juízo local criminal de Braga que, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou a arguida pela prática, em 24/10/2016, de uma contraordenação p.p. pelos artigos 8º nº 1 al. l), 14º nº 2, 39.º-B nº 2 al. a) e 40º nº 6 da lei 39/2009 de 30/07, na redação introduzida pela lei nº 52/2013 de 25/07, na coima de 3.500€, absolvendo-a das demais.
*
Inconformada com a condenação dela recorreu a arguida concluindo o recurso do seguinte modo: (transcrição)

1) O presente Recurso tem por objecto a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos da qual o Clube X foi absolvido de 12 (doze) contra- ordenações por falta de sustento probatório que permitisse concluir no sentido do seu envolvimento e do consequente preenchimento dos elementos objectivos dos tipos contra-ordenacionais em causa, tendo sido, ao invés, condenado no pagamento de uma coima de € 3.500,00 pela alegada prática de 1 (uma) contra-ordenação por violação dolosa do dever de não apoiar Grupos Organizados de Adeptos (“GOA”) não registados juntos do Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. (“IPDJ”), nos termos conjugados do disposto nos artigos 8.º, n.º 1, alínea l), 14.º, n.º 2, 39.º-B, n.º 2, alínea a), e 40.º, n.º 6, da Lei n.º 39/2009.
2) É o segmento condenatório que a Arguida pretende agora sindicar perante este Venerando Tribunal da Relação.

DA SENTENÇA A QUO

Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

3) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui um vício decisório cuja apreciação está abrangida nos poderes cognitivos do tribunal de recurso, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável pela remissão operada pelo artigo 41.º do RGCO, ex vi artigo 45.º da Lei 39/2009.
4) Da matéria de facto provada, nos pontos 19 a 23, resulta que no dia 24 de Outubro de 2016, no jogo de futebol entre as equipas do Clube Y & Associados - Sociedade de Advogados, SP, RL 30/37 … e do Clube Desportivo W, em momento anterior ao início da partida, os assistentes de recinto desportivo foram informados que as bandeiras e tarjas de grandes dimensões (sem qualquer definição do que significa grandes dimensões), deveriam ser impedidas de entrar, tendo, 15 minutos após o início do jogo, sido permitida a introdução — e posterior exibição — de duas bandeiras e uma tarja de dimensões de cerca de 3 metros por 3 metros, alusivas ao Clube X, para a zona do estádio onde se localizam os adeptos conotados com os grupos “Boys...” e “K”, por parte do coordenador de segurança do Clube X, em cumprimento de ordens emanadas pelo director desportivo do clube.
5) Por sua vez, na sua fundamentação de Direito, o Tribunal a quo, nas páginas 50 a 52, expõe as razões por que entende que a matéria de facto julgada preenche os elementos objectivo e subjectivo do tipo contra-ordenacional por que o Clube X foi condenado.
6) Em concreto, o Tribunal a quo formula a sua convicção, para efeitos de preenchimento do elemento objectivo do tipo contra-ordenacional em causa, alegando, para tanto, conclusivamente, e sem factos provados bastantes para tal, que a exibição de tais bandeiras e da tarja, por estar em causa um jogo relativamente tenso, seriam susceptíveis de “colocar em causa a segurança e, até, gerar ou potenciar atos de intolerância e violência, na medida em que tais bandeiras são suscetíveis de gerar incómodos, perturbações e obstáculos no campo de visão dos demais espetadores presentes no estádio, designadamente dos adeptos do clube rival”.
7) Ora, a factualidade dada como provada nos presentes autos não permite sustentar o escrito neste segmento da Sentença a quo.
8) Mais: tais factos não correspondem à realidade, pois que é público e notório que (i) sendo a bancada destinada aos adeptos do clube rival distinta daquela destinada aos adeptos da Arguida — como em todos os recintos desportivos pertencentes a equipas de futebol profissional que militam nos escalões portugueses, por evidentes razões de segurança — a presença de materiais de apoio ao Clube X em bancada onde se localizam adeptos do Clube X nunca seria apta a gerar “incómodos, perturbações e obstáculos”, nem sequer nos adeptos rivais; e (ii) que um jogo disputado contra o Clube Desportivo W nunca seria jogo tenso, porquanto este clube não é um rival directo do Clube X, nem leva, habitualmente, adeptos em grande número a qualquer estádio.
9) Pelo exposto, assoma-se evidente a inexistência de acervo factual na Sentença recorrida para a formulação das conclusões aduzidas, na sua fundamentação jurídica, pelo Tribunal a quo (por sua vez inverídicas e pouco críveis à luz das regras da normalidade das coisas e dos elementos empíricos),
10) Verificando-se, dessa forma, o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, e, consequentemente deve a Sentença a quo ser revogada e substituída por outra que absolva a ora Arguida.

Ainda que assim não se entenda,
Da Errada subsunção dos factos imputados ao Direito tendo em vista o escopo da Lei n.º 39/2009 e, subsidiariamente, da exclusão do dolo por erro sobre a factualidade típica e da culpa por erro não censurável sobre a ilicitude
11) O Tribunal a quo concluiu, na página 50, que os comportamentos imputados à Arguida configuram uma forma de apoio, mormente na modalidade de concessão de facilidades de acesso e utilização, nos termos dos artigos 14.º, n.º2 e 39.º-B, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 39/2009, sustentando que a introdução no recinto desportivo das referidas bandeiras e tarja e a sua exibição e utilização durante o jogo só ocorreu em razão das indicações fornecidas para o efeito pelo coordenador de segurança, em cumprimento da indicação emanada pelo director desportivo do Clube X.
12) Dos factos que resultam provados na Sentença recorrida, bem como do normativado na Lei n.º 39/2009, e em especial o que esta visa proteger, a conclusão jurídica firmada pelo Tribunal a quo afigura-se sem sustento legal.
13) Da leitura das disposições legais, quedam sem resposta as dúvidas interpretativas que imediatamente se assomam: não logrando um determinado GOA registar-se — e não o fazendo por razões que são alheias ao clube/SAD — que iniciativas ficam vedadas ao clube/SAD no âmbito da promoção do espectáculo desportivo, sob pena de incorrer na citada infracção? Poderá um promotor de espectáculo desportivo negar a determinados adeptos o exercício de direitos admitidos globalmente apenas pela circunstância de pertencerem a alegado GOA? Fará sentido, e decorrerá da Lei, que um adepto comum pode exibir num estádio uma bandeira legalmente admitida, mas ser simultaneamente tal conduta proibida a outro adepto, porque membro de GOA?
14) Os comportamentos imputados à Arguida não são susceptíveis de configurar um apoio ilícito a GOA não legalizado, não se traduzindo num comportamento visado pelos artigos 14.º, n.º 2, e 39.º-B, n.º 2, alínea a), ambos da Lei n.º 39/2009.
15) A Lei n.º 39/2009, na qual se prevê o ilícito em causa “estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática” (artigo 1.º da Lei n.º 39/2009), possuindo um propósito bastante claro.
16) A permissão de introdução e a sua posterior exibição no recinto desportivo, de meras bandeiras ou tarjas de apoio ao clube de futebol, ainda que de grandes dimensões, não consubstancia uma qualquer modalidade de violência ou de incitamento ao racismo, à xenofobia ou à intolerância, não cabendo no escopo punitivo da norma, tanto por não ser expressamente punido, como por não fazer perigar os bens jurídicos da norma cuja violação se imputa.
17) A introdução de bandeiras de grandes dimensões não era, à data da prática dos factos, proibida pela redacção que então vigorava da Lei n.º 39/2009.
18) Só com a alteração que a Lei n.º 113/2019 veio promover à Lei n.º 39/2009 é que foram introduzidas limitações até então nunca estabelecidas relativas à dimensão dos materiais permitidos nos recintos desportivos.
19) Em homenagem ao princípio da legalidade, na vertente da exigência de lei certa e estrita, não pode o Clube X ser punido por ter autorizado a entrada de um material que a Lei não proibia.
20) Significa isto que a introdução de bandeiras ou tarjas no recinto desportivo alusivas ao Clube X não era, nem poderia ser, à data a que se reportam os factos imputados, proibida pela Lei, quando não reunissem qualquer outra das características expressamente prevista na Lei n.º 39/2009 (incitamento à violência, etc.).
21) Não sendo vedada por Lei (à data) a exibição de bandeiras de grandes dimensões, as condutas em causa, além de lícitas, seriam também e sempre contra-ordenacionalmente inócuas.
22) As bandeiras e tarja ora em crise, limitando-se, designadamente, a serem “alusivas ao Clube X” (destaques nossos) (conforme resulta do facto provado 22), não se enquadram no escopo e âmbito punitivos da norma contra-ordenacional que é (erradamente) imputada à Arguida, uma vez que não se materializam numa forma de violência ou de incitamento ao racismo, à xenofobia ou à intolerância.
23) Não poderia a ora Arguida ter vedado o acesso a tais materiais que são, na verdade, meras manifestações lícitas de expressão e de apoio a uma equipa de atletas, as quais podem — e são — desenvolvidas por qualquer comum adepto.
24) Conforme vem sendo entendimento de entendimento perfilhado pela jurisprudência, este tipo de expressões, mesmo quando exibidas por adeptos integrados em supostos GOA não registados junto do IPDJ, não são susceptíveis de colocar em causa a segurança do evento desportivo e não colhem qualquer relevância contra-ordenacional, sob pena da violação do princípio da igualdade face a outro tipo de expressões que seriam admitidas se exibidas por outros adeptos, e também por tal leitura legal pôr em crise o direito (fundamental) à liberdade de expressão.
25) A conduta imputada à Arguida é necessariamente atípica, pois que não preenche os elementos típicos, o escopo punitivo da norma — isso mesmo resulta, desde logo, dos princípios gerais do direito sancionatório.
26) A norma constante do disposto nos artigos 8.º, 14.º, 23.º, 39.º-B, n.º 2, alínea a) e 40.º, n.º 6, da Lei n.º 39/2009, na redacção que à data vigorava resultante da Lei n.º 52/2013, de 25 de Julho, isolada ou conjuntamente considerados, interpretada e aplicada no sentido de constituir prestação de apoio ilegal a grupo organizado de adeptos não registado a entrada e exibição em recinto desportivo de materiais de apoio exclusivo ao clube, de grandes dimensões, cuja utilização não é proibida, sempre redundará em norma materialmente inconstitucional, por violação dos princípios vertidos nos artigos 2.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 10, todos da Constituição da República Portuguesa, mormente por referência à violação do princípio da igualdade e do princípio da legalidade sancionatória, na vertente da exigência de lei prévia, estrita e certa, inconstitucionalidade que, para todos os efeitos legais, se deixa já expressamente arguida.
27) Tudo quanto agora se afirmou, sempre levaria a concluir pela exclusão do dolo do Clube X por manifesto erro sobre a factualidade típica, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, do RGCO, pois que sendo o quadro legal vigente, à data a que se reportam os factos, omisso relativamente a critérios dimensionais, o Clube X não teria como saber, e assim representar, que introdução e exibição de bandeiras e tarjas de grandes dimensões (o que quer que isso seja) configurava uma proibição relativamente a determinados adeptos, por tal ser susceptível de consubstanciar um apoio ilegal a GOA.
28) Assim, o Clube X desconhecia que a permissão de entrada das duas bandeiras e uma tarja alusivas ao Clube X, tratando-se de uma iniciativa, Y & Associados - Sociedade de Advogados, SP, RL 36/37 como tantas outras, comummente levadas a cabo com vista a promover o apoio à sua equipa — e na medida em que têm por destinatários todos os espectadores e/ou adeptos interessados — era susceptível de configurar um apoio a GOA não legalizados nos termos da Lei n.º 39/2009.
29) Acresce que, a conduta da Arguida sempre configuraria uma situação de erro não censurável excludente da culpa, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do RGCO, igualmente aplicável ex vi artigo 45.º da Lei n.º 35/2009, uma vez que o Clube X actuou convencido de que não estava a beneficiar indevidamente GOA, mas apenas a garantir o cumprimento da Lei, como aliás secundado pela Jurisprudência.
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O recurso foi corretamente admitido.
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O ministério público em 1ª instância respondeu pugnando pela manutenção da decisão.
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Idêntica posição veio a ser defendida pelo ministério público junto deste tribunal da Relação.
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Fui cumprido o disposto no artigo 417.º nº 2 do Código de Processo Penal (CPP).
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Após os vistos, realizou-se conferência.

II.
Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que em matéria de contraordenações o tribunal da Relação funciona como tribunal de revista por conhecer apenas de matéria de direito (artigo 75.º nº 1 do DL 433/82 de 27/10), sem prejuízo do disposto no nº 2 da referida norma e das questões de conhecimento oficioso.
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Analisando a síntese conclusiva são as seguintes as questões trazidas à apreciação deste tribunal:

- a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ( artigo 410.º nº 2 al. a) do CPP);
- a errada subsunção dos factos imputados ao direito aplicável;
- subsidiariamente, a exclusão do dolo por erro sobre a factualidade típica e da culpa por erro não censurável sobre a ilicitude.

É a seguinte a factualidade apurada em 1ª instância com interesse para a decisão ( transcrição parcial da matéria de facto e total da fundamentação de facto e de direito):
(...)
19. No dia 24/10/2016, no Estádio Municipal X, em …, disputou-se o jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Desportivo W, a contar para a Liga "NOS".
20. Anteriormente ao início do jogo, os assistentes de recinto desportivo foram informados que as bandeiras e tarjas de grandes dimensões deveriam ser impedidas de entrar.
21. Decorridos 15 minutos de jogo, após várias reclamações e telefonemas por parte do líder da claque «K», surge na entrada utilizada pelas claques («K» e «Boys...»), o coordenador de segurança, o Sr. P. P..
22. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, P. P. dirigiu-se ao coordenador dos assistentes, A. M. e, afirmando ordem do Dr. J. G., diretor desportivo da arguida, determinou-lhe que permitisse a entrada de duas bandeiras grandes dimensões e uma tarja, medindo na ordem dos 3m por 3 m, alusivas ao Clube X.
23. As referidas bandeiras e tarja foram introduzidas para a zona do estádio onde se localizam os adeptos conotados com os grupos «Boys...» e «K» e foram exibidas durante o jogo.
24. No final do jogo, P. C., acompanhado de mais dois indivíduos, dirigiu-se à viatura, de matrícula PM, marca Mercedes Benz, onde colocou, na bagageira, uma mochila com uma haste própria para bandeiras, após o que abandonou o local.
25. P. C. é líder da claque denominada «K».
26. A viatura acima identificada encontrava-se estacionada junto à entrada de emergência de acesso ao campo de futebol e às bancadas do estádio.
27. Para aceder ao local onde estacionou o veículo mencionado, P. C. teve que passar pelo portão principal, local controlado pelos ARD’s.
28. Tal local é destinado ainda aos veículos oficiais de polícia, segurança privada e cruz vermelha, sendo ainda permitida a passagem a veículos dos condutores de mobilidade reduzida.
(…)

59. Os Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K» não se encontram constituídos como associação e não se encontram registados no Instituto Português do Desporto e Juventude.
60. Em todas as circunstâncias de tempo acima descritas, a arguida tinha, e tem, conhecimento que os Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K»

não se encontram constituídos como associação e não se encontram registados no Instituto Português do Desporto e Juventude.
61. Nas circunstâncias acima descritas em 19, a arguida, por intermédio dos seus dirigentes/diretores, ciente da censurabilidade inerente a sua conduta e das consequências dela decorrentes, quis praticar os factos descritos em 21 a 23, ou seja, permitiu/autorizou a entrada, no estádio, das bandeiras e tarja referidas em 22 e 23, contrariando os procedimentos seguranças e as instruções anteriormente dadas aos assistentes do recinto desportivo, o que representou e quis.
62. É desconhecido qualquer registo de anterior prática de infração contraordenacional à arguida.

2.3. CONVICÇÃO DO TRIBUNAL

O Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto conjugando todos os meios de prova produzidos no processo, designadamente o teor dos documentos coligidos nos autos e os depoimentos das testemunhas, tudo devidamente analisado, conjugado e valorado de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade, como doravante se passa a explicitar.
Como ponto de partida, cabe salientar que, como se sabe, o auto de notícia faz fé em processo de contraordenação, até prova em contrário, quanto aos factos presenciados pela entidade autuante. A fé em juízo dos autos de notícia reconduz-se a um especial valor probatório que não acarreta qualquer presunção de culpabilidade. Esse valor probatório não envolve qualquer manipulação arbitrária do princípio in dubio pro reo, nem põe em crise o direito de defesa da arguida, pois que sempre fica aberta a possibilidade de se produzir qualquer outra prova que se repute necessária. O especial valor probatório dos autos de notícia, reconduzindo-se, ao cabo e ao resto, a simples prova de interim, não põe, assim, em crise o direito de defesa da recorrente.

Assim, foi fundamental para a convicção do Tribunal relativamente à materialidade dada como provada o auto de notícia de fls.2, cujo teor foi corroborado pelos depoimentos produzidos, em audiência de julgamento, pelos agentes da PSP, J. J. e J. R. (agente autuante); o auto de notícia de fls.5-6, com os registos fotográficos anexos a fls.7-10, o depoimento de A. F., agente da PSP que participou na ação de policiamento levada a cabo no dia 06/03/2016; o auto de notícia de fls.14 e os registos fotográficos de fls.16-19, cujos conteúdos foram reforçados pelos depoimentos de J. M., agente da PSP, e P. C., à data dirigente do grupo de adeptos «K»; o auto de notícia de fls.23, o auto de participação de fls.26-27, os registos fotográficos de fls.28-30, o aditamento de fls.30 e os depoimentos de A. F. (agente da PSP), P. L. (agente da PSP) e C. P. (agente da PSP), que, de modo geral, revelaram possuir conhecimento circunstanciado dos acontecimentos ocorridos no dia 24/10/2016; o auto de notícia de fls.32-33, os registos fotográficos de fls.34-38, em concatenação com o que nos relatou a testemunha E. J., agente da PSP; o auto de notícia de fls.40, o aditamento de fls.43, a fotografia de fls.45, reforçados pelos depoimentos convergentes das testemunhas J. O., agente da PSP, J. A., agente da PSP, e J. R., agente da PSP, que, antecipamo-lo, não deixaram ao Tribunal a mínima dúvida sobre os factos ocorridos no dia 29/12/2016; o auto de notícia de fls.47 e os registos fotográficos de fls.49-51; o auto de notícia de fls.53, o auto de apreensão de fls.54, os registos fotográficos de fls.57-58, complementados pelos depoimentos das testemunhas M. N., agente da PSP (autuante), e C. A.; o auto de notícia de fls.61, o aditamento de fls.63, em harmonização com os relatos produzidos, em audiência de julgamento, pelas testemunhas S. D., agente da PSP, e JOSÉ, também agente da PSP; o auto de notícia de fls.65, o registo fotográfico de fls.67, cujo conteúdo foi cristalizado pelos depoimentos das testemunhas J. B. e M. N., ambos agentes da PSP; o auto de notícia de fls.69-70, os registos fotográficos de fls.71, acrescidos do testemunho de J. P.; os autos de notícia de fls.73 e 77, os registos fotográficos de fls.74 e 79-82; e, por fim, a informação de fls.115, tudo devidamente escrutinado e valorado à luz das regras do normal acontecer, a considerar em situações como as dos autos, e da experiência comum.

Detalhando.
J. J., com um discurso espontâneo e desapaixonado, afiançou que, no dia 31/10/2015, comandava a secção de policiamento no jogo de futebol entre as equipas do Clube X e o B., quando detetou que, nas bancadas destinadas aos Grupos de Adeptos «Boys...» e «K», mais precisamente no setor nascente (A1) e no setor poente (B6), se encontravam painéis publicitários com as inscrições dessas claques, o símbolo das mesmas e o símbolo do clube. Desconhece, porém, em que circunstâncias e por quem esses painéis, que eram distintos dos painéis publicitários fixos, ali foram colocados.
Tal depoimento foi corroborado pela testemunha J. R., que, na qualidade de comandante da 2.ª Secção, também participou na ação de policiamento levada a cabo no jogo de futebol entre as equipas do Clube X e o B., e asseverou ao Tribunal que, nas referidas circunstâncias, durante a revista de segurança, realizada antes de se iniciar o jogo, detetou, nas bancadas destinadas aos Grupos de Adeptos «Boys...» e «K», mais precisamente no setor nascente (A1) e no setor poente (B6), a existência painéis publicitários fixados ao gradeamento com as inscrições dessas claques, o símbolo das mesmas e o símbolo do clube. Não sabe quando nem por quem tais painéis ali foram colocados, explicando que efetuou a participação da ocorrência porque era do seu conhecimento que as referidas claques não estavam registadas.
Já A. F., agente da PSP que participou na ação de policiamento levada a cabo nos dias 06/03/2016 e 24/10/2016, embora sem recordar pormenores do que sucedeu no dia 06/03/2016, confrontado com o auto de notícia de fls.5-6, confirmou o seu conteúdo, frisando que, nas circunstâncias nele descritas, acedeu ao interior do estádio uma bandeira de grandes dimensões com a inscrição «Boys...». Explicitou ainda as razões porque, no auto de notícia, não fez referência ao painel que também é visível nos registos fotográficos de fls.7-10.
Abrimos aqui um parêntesis para dizer que, no que respeita, em especial, aos factos ocorridos no dia 06/03/2016, os registos fotográficos anexos ao auto de notícia, mais precisamente a fls.7-10, são elucidativos da dimensão e caraterística da bandeira em causa, bem como dos dizeres nela contidos.
Quanto aos acontecimentos do dia 24/10/2016, A. F., cristalizando os teores do auto de notícia de fls.23, auto de participação de fls.26-27 e aditamento de fls.30, assegurou que, nas referidas circunstâncias, quando exercia as funções de policiamento na entrada do estádio e após indicações para não deixarem entrar bandeiras de grandes dimensões, faixas e tambores - o que foi negado aos adeptos do Desportivo W -, surgiu P. C., dirigente da claque «K», a reclamar contra esse impedimento, após o que telefonou ao P. P., coordenador de segurança, que se deslocou e deu autorização para a entrada de tais elementos, tendo sido introduzidas no recinto e exibidas durante o espetáculo bandeiras de grandes dimensões e uma faixa.
Aditou que tais elementos foram descarregados do veículo de P. C., que tinha acesso ao topo da alameda, local de acesso restrito, e, no final do jogo, o dirigente da claque do Desportivo W veio confrontá-lo com a discriminação, uma vez que lhes tinha sido negado o acesso de elementos semelhantes.
Por sua vez, P. C. atestou o cargo de dirigente do grupo de adeptos não legalizado «K», entre 2003 e 2017, assim como o acesso ao local onde estacionou o seu veículo Mercedes, explicando que tinha acesso ao mesmo porque era diretor da modalidade de kickboxing do Clube X.
Em termos mais genéricos, confirmou ainda que era frequente transportarem para o recinto desportivo bandeiras e tarjas de apoio ao clube e com o símbolo deste, nunca lhe tendo sido comunicada qualquer proibição, contrariamente ao que sucedeu com a introdução, no estádio, de megafones e tambores, a qual, a partir de certa altura, foi proibida pelo clube.
J. M., com um discurso descomprometido e após avivamento da memória com a exibição do auto de notícia de fls.14-19, sublinhou, em relação ao episódio do dia 22/08/2016, que, nas descritas circunstâncias, estava posicionado na bancada nascente, quando se apercebeu de um veículo Mercedes a estacionar no local destinado às forças de segurança, ambulâncias, veículos prioritários e ARD’s (o acesso a esse local é restrito, sendo necessário autorização). Desse veículo, saiu o ‘P., dirigente da claque «K», e uma pessoa do sexo feminino. Ambos se dirigiram à bagageira do veículo, retiraram mochilas, após o que, com estas, se dirigiram para os setores 7 e/ou 8 das bancadas. Já aí apercebeu-se de pessoas a retirarem as bandeiras das mochilas, desconhecendo, contudo, quem empenhava as mesmas. Corroborou, assim, o conteúdo quer do auto de notícia de fls.14, quer dos registos fotográficos de fls.16-19.
Mais confirmou, quanto aos factos do dia 02/04/2017, o teor do auto de notícia de fls.65-67, que lhe foi exibido, assinalando que, antes de iniciar o jogo, as bandeiras em causa não estavam no local, embora a presença destas fosse regular em quase todos os jogos. Já os painéis alusivos às claques «Boys...» e «K» estavam permanentemente naqueles locais.
P. L., após observar que exerceu, por várias vezes, funções de policiamento no estádio do Clube X, referiu, de modo isento e espontâneo, que, no dia 24/10/2016, P. C., após aceder e imobilizar o seu veículo na parte destinada às forças policiais e veículos prioritários, dirigiu-se à bagageira e dela retirou duas bandeiras e uma tarja. Findo o jogo, regressou ao veículo, guardou as bandeiras e abandonou o local.
Confrontado com o auto de notícia de fls.23 confirmou o seu teor e exibidos, que lhe foram, os registos fotográficos de fls.28-29, disse tratar-se das referidas bandeiras (com o símbolo da claque «K»).
Em reforço dos relatos vindos de descrever, C. P., com uma postura de inegável simplicidade, asseverou que, em outubro de 2016, no jogo entre o Clube X e o Desportivo W, ouviu P. P. a dar ordens aos ARD’s - provindas do diretor desportivo -, para deixarem entrar as bandeiras das claques «Boys...» e «K», o que sucedeu, tendo estas sido exibidas durante o jogo, nas bancadas reservadas às claques, como evidenciam os registos fotográficos de fls.28-29, que lhe foram mostrados.
De igual modo, E. J., que exerceu funções de policiamento, no estádio do Clube X, no dia 03/11/2016, contou que, nesse dia, apercebeu-se da chegada, ao topo nascente – Porta A10-, de um Mercedes cinzento, do qual saiu o dirigente da claque «K», com uma pessoa do sexo feminino, os quais retiraram da bagageira do veículo uma mochila e uma haste (não viu qualquer bandeira).
Também J. O. certificou que, até final do ano de 2016, exerceu funções de policiamento no estádio do Clube X, recordando-se que, em finais de dezembro de 2016, no início de um jogo, no qual entraram várias bandeiras, no percurso de acesso às bancadas, houve uma manifestação dos adeptos relacionada com o facto da “Final Fours” ser realizada no Algarve.
J. A. que, entre 2015-2017, exerceu funções de comandante das ações de policiamento no estádio de Clube X, identificou o Dr. J. G. como o diretor desportivo do clube, acrescentando telegraficamente que este entregou bandeiras de grandes dimensões que foram entregues aos adeptos.
J. R., com um discurso simples e escorreito, afiançou que, no jogo realizado no estádio do Clube X, no dia 29/12/2016, nas bancadas, por adeptos pertencentes aos grupos «Boys...» e «K», foram exibidas bandeiras e trajas de grandes dimensões, tal como resulta do registo fotográfico de fls.45.
M. N., com conhecimento decorrente do facto de ter exercido, entre 2015 e 2017, em vários jogos, funções de spotter, certificou que, no início do ano de 2017, no final de um jogo, que não conseguiu concretizar, apreendeu um tambor e um megafone a um membro ativo da claque «Boys...».
Confrontado com o auto de apreensão de fls.55 e os registos fotográficos de fls.57-58 disse retratarem a medida cautelar realizada e os objetos apreendidos.
Observou, por último, que, nesse jogo, esse grupo de adeptos entoou cânticos.
Confirmando parcialmente este relato, C. A., adepto do Clube X, crismou que lhe foram apreendidos um tambor e um megafone, os quais entraram no estádio pelas mãos de uns amigos. Negou, no entanto, que integrasse, ou integre, o grupo de adeptos «Boys...».
S. D., agente da PSP que, no dia 04/03/2017, exerceu funções de policiamento no estádio do Clube X, disse que, nessas circunstâncias, identificou um segurança que permitiu a entrada de duas bandeiras de grandes dimensões, cujas inscrições não tem presente, na posse das claques «Boys...» e «K», que foram exibidas durante o jogo. Por esse segurança foi-lhe dito que tinha sido um membro do clube a permitir a entrada.
Já J. P., que, no dia 15/04/2017, exerceu funções de spotter, mais concretamente de monotorização de adeptos de risco, no estádio do Clube X, assinalou que, durante o jogo, na bancada do lado da alameda (lado norte), foram exibidas duas bandeiras de grandes dimensões, pelos grupos de adeptos «Boys...» e «K», com símbolos, do que recolheu fotografias.
R. M. destacou apenas um episódio em que, durante o evento desportivo, foi utilizado um bombo, por uma claque não registada – «Boys...» ou «K» -, o qual, atendendo às suas caraterísticas, seria facilmente detetável na linha de revista.
Por último, N. C., na qualidade de gestor de operações por conta da empresa de Segurança 2045, destacou que, antes dos jogos de futebol, havia uma reunião de segurança, na qual participava conjuntamente com subcoordenadores, para orientar os vigilantes, vulgarmente designados ARD’s. Estes recebiam orientações do que podia e não podia entrar no estádio, orientações essas que eram previamente discutidas pelo promotor do evento, no caso, o clube.
Ora, ponderados todos estes depoimentos, que foram produzidos sem sinais de inverdade e de forma séria, descomprometida e suficientemente descritiva da materialidade fáctica que percecionaram no local, com os diversos autos de notícia, aditamentos, registos fotográficos e auto de apreensão e ainda as mais elementares regras da experiência comum, a par da não obtenção de prova consistente ,em sentido diferente, o Tribunal não teve a mais pequena dúvida em dar como provados os factos acima descritos.
Com efeito, sido estes os depoimentos prestados, com pertinência relativamente ao complexo factual que ora nos ocupa, pelas identificadas testemunhas, por via de relatos devidamente circunstanciados, coerentes e, na medida do conhecimento revelado por cada uma, convergentes em si e com os dados que se extraem dos vários autos de notícia carreados para os autos, dúvidas não teve este Tribunal em atribuir-lhes um juízo de inteira credibilidade.
E não se objete que a convicção a que se chegou com base nos meios de prova vindos de referir, ficou abalada com o depoimento da testemunha indicada pela defesa, C. C., diretor financeiro do Clube X, conquanto o que esta testemunha nos relatou não é incompatível nem antagónico com o que nos disseram as testemunhas da acusação.
Na verdade, C. C. começou por confirmar que P. C. é diretor da modalidade de kickboxing e, como tal, no dia dos jogos, tem acesso ao parque “P2”, tal como os demais diretores (já a testemunha tem acesso ao parque “P1”, que possui ligação direta à tribuna presidencial). Esse parque destina-se ainda às viaturas policiais e prioritárias. A esse respeito, esclareceu ainda que o acesso a esses parques é feito através de uma chave eletrónica.
Com relevância à matéria em discussão, afirmou ainda, por um lado, que o clube não prestava, nem presta, qualquer apoio financeiro (não cede bilhetes nem paga deslocações) das claques «Boys...» e «K», porque não estão legalizadas e, por outro, que, há 3-4anos, existiam painéis publicitários dessas claques afixados à frente de diversos setores do estádio, cujos custos eram suportados pelas marcas registadas das claques.
Esclareceu, por fim, o custo anualmente suportado pelo clube com o policiamento e segurança e, bem assim, o valor médio anual das coimas suportadas por comportamentos de adeptos, terminando com a afirmação, porque instado pelo Tribunal nesse sentido, de que o clube está de boa saúde financeira, pois, com exceção dos últimos dois anos, os resultados têm sido positivos.
Como é bom de ver, e independentemente da credibilidade do que nos disse, o que aqui não coloca em causa, este relato não invalidou o conteúdo dos diversos autos de notícias e aditamentos coligidos nos autos e os factos diretamente presenciados pelos agentes da PSP J. J., J. R., A. F., J. M., P. L., C. P., E. J., J. O., J. A., J. R., M. N., S. D., J. P. e R. M., não apresentando, por isso, conteúdo bastante para abalar a convicção a que se chegou nos termos atrás expostos.
Não foi assim, feita prova bastante que afaste a genuinidade dos autos de notícia e aditamentos, nem a credibilidade atribuída aos depoimentos das referidas testemunhas, sendo que, no que tange aos documentos não autênticos, o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a restante prova produzida e as regras da experiência comum.
Afiguraram-se-nos tais elementos decisivos para a apreciação da prática dos ilícitos em referência.
Para que não haja precipitações na apreciação da prova produzida, não podemos deixar de registar que a testemunha A. B., agente da PSP, disse não se recordar de qualquer situação em concreto.
No que tange à falta de registo dos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K» no Instituto Português do Desporto e Juventude e ao conhecimento dessa circunstância pela arguida, diremos, sumariamente, que, além de não se conceber sequer a possibilidade da arguida desconhecer tal facto, tais factos resultam da informação que consta de fls.115, a contrario, e são, como se sabe, de conhecimento público.
Acresce que esse conhecimento pela arguida se infere ainda do depoimento de C. C. que nos assegurou que o clube não presta qualquer apoio financeiro (não cede bilhetes nem paga deslocações) às claques «Boys...» e «K», porque estas não estão legalizadas.
Passando, agora, aos elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta da arguida, no dia 24/10/2016, foram considerados assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto acima dadas como provadas quanto a esse episódio, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Naturalmente que, assentando nas regras da normalidade das coisas e nos ensinamentos empíricos, só é compreensível a ordem dada aos ARD’s, pelo coordenador de segurança, P. P., no sentido de ser autorizada a entrada das bandeiras e tarja em causa, mediante prévia autorização de alguém da direção do clube, o que efetivamente aconteceu, pois acreditamos, tal como sufragaram as testemunhas ouvidas a esse propósito, que, previamente, P. P. terá estado em contactou com o diretor desportivo do Clube X, o Dr. J. G., do qual recebeu indicações em conformidade com o que posteriormente transmitiu aos ARD’s.
Porém, da análise conjugada de todos os demais elementos probatórios à luz das regras do normal acontecer e do senso comum, já não é possível concluir, com um mínimo de rigor, que a arguida, por si e/ou por intermédio de algum ou alguns dos seus dirigentes/diretores/representantes, nas demais circunstâncias de tempo descritas nos factos provados, isto é, nos dias 31/10/2015, 06/03/2016, 22/08/2016, 03/11/2016, 29/12/2016, 22/01/2017, 19/02/2017, 04/03/2017, 02/04/2017, 15/04/2017, 30/04/2017 e 14/05/2017, permitiu e/ou autorizou e/ou apoiou e/ou facilitou, por qualquer meio, a entrada, no recinto desportivo, dos painéis, bandeiras, tarjas e restantes objetos devidamente discriminados nos factos provados, que foram exibidos e utilizados durante os eventos desportivos em questão e, como tal, sabia que os mesmos ali se encontravam para serem exibidos e utilizados, o que representou e quis.
Na verdade, em todas essas ocasiões, ressalvados, porém, o dia 22/08/2016 e, eventualmente, o dia 03/11/2016, desconhecemos as concretas circunstâncias em que esses objetos foram introduzidos no interior do estádio, porque meio e por quem e, relativamente àqueles que já se encontravam no recinto desportivo desde momento anterior ao início do jogo, há quanto tempo ali se encontravam, pelo que, na ausência de tal concretização, não é possível fazer-se, através de um raciocínio lógico-dedutivo, um juízo conclusivo sobre a permissão, autorização, apoio, facilitismo e conhecimento da arguida, como promotora do espetáculo, para a entrada dos mesmos, daí a resposta negativa à facticidade contida nas alíneas b) a f) e h) a n) dos “factos não provados”.
Com relação aos dias 22/08/2016 e 03/11/2016, importa acrescentar que, na nossa ótica, do simples facto de estar demonstrado que, no dia 22/08/2016, a bandeira e tarja mencionadas 12 dos “factos provados” foram transportadas para o interior do estádio por P. C., diretor da modalidade de kickboxing do Clube X, bem como da suposição que pode ser feita da análise articulada da factualidade dada como provada nos pontos 29 a 34, no sentido de que a bandeira exibida no dia 03/11/2016 foi levada para o interior do estádio pelo mesmo P. C., não podemos afirmar, sem uma dúvida razoável, que a arguida permitiu, autorizou, facilitou, apoiou essas práticas, delas tendo conhecimento, uma vez que, como resultou cabalmente da prova produzida, P. C. estava no local não na qualidade de diretor da modalidade de kickboxing, embora dela se aproveitando para beneficiar de estacionamento em local de acesso restrito, mas antes como dirigente do Grupo de Adeptos Organizado «K», cargo que assumiu entre 2003 e 2017.
Aliás, a extrair-se, dos meios de prova produzidos, tal conclusão estar-se-ia a dar um salto no escuro.
Vale o exposto para dizer que os dados probatórios objetivos que se extraem dos meios de prova carreados para os autos revelam-se manifestamente insuficientes para que se possa concluir que a arguida, nas ocasiões já referidas, permitiu, autorizou ou facilitou, por qualquer forma e meio, a entrada, exibição e utilização, no estádio, no decurso dos jogos de futebol, das bandeiras, tarjas, painéis e restantes objetos, no recinto desportivo, o que fomentou e quis.
Ainda que, na decisão colocada em crise, se conclua pela imputação à arguida das infrações contraordenacionais a título de dolo, não podemos deixar de dizer, porque nessa decisão, também se faz, ainda que com ligeireza e brevidade, referência à atuação negligente -como se vê do que se contém na alínea o) dos “factos não provados”, onde se transcreveu a materialidade descrita no penúltimo paragrafo da pág. 97 da decisão -, que, de igual modo, os elementos objetivos apurados nos autos não autorizam conclusão cabal e minimamente consistente de que, nas já referenciadas ocasiões, a arguida não atuou com a diligência que se lhe impunha e de que era capaz, uma vez que permanece, para nós, em absoluto desconhecimento as concretas indicações dadas, previamente a cada um dos jogos em questão, pelos diretores/dirigentes ou representantes da arguida, aos elementos das equipas de segurança, sobre a permissão ou não de entrada, no recinto desportivo, das bandeiras, tarjas e demais objetos a que acima se alude, assim se explicando a factualidade dada como não provada na alínea o) dos “factos não provados”.
A ausência de registo contraordenacional anterior à recorrente foi tido em conta por força da ausência de elementos em sentido diferente.
Os restantes factos não provados – alíneas a) e g) - resultaram da insuficiência de prova a seu respeito ou de prova de circunstancialismo diverso, nos termos constantes da fundamentação que antecede.
À restante matéria não se respondeu por ser irrelevante, conclusiva ou de direito.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

3.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO

À recorrente é imputada a prática de treze contraordenações previstas e punidas pelas disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º1, alínea l), 14.º, n.ºs2, 6 e 10, 39.º-B, n.º2, alínea a), 40.º, n.º6, da Lei n.º39/2009, de 30/07, na redação conferida pela Lei n.º52/2013, de 25/07.
Cumpre, então, analisar se, perante os factos dados como provados, a recorrente incorreu na prática das contraordenações pelas quais se encontra acusada ou de qualquer outra.
A Lei n.º39/2009, de 30/07, estabelece o regime jurídico do combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmo com segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática. É o que resulta do seu artigo 1.º.
Assim, sem prejuízo de outros deveres que lhes sejam cometidos nos termos da presente lei, e na demais legislação ou regulamentação aplicáveis, são deveres dos promotores do espetáculo desportivo não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na secção iii do capítulo ii – cfr. artigo 8.º, n.º1, alínea l), da Lei n.º39/2009, de 30/07, na redação dada pela Lei n.º52/2013, de 25/07.
De facto, é obrigatório o registo dos grupos organizados de adeptos junto do IPDJ, I. P., tendo para tal que ser constituídos previamente como associações, nos termos da legislação aplicável ou no âmbito do associativismo juvenil – artigo 14.º, n.º1, da Lei n.º39/2009, de 30/07.
E o incumprimento do disposto no número anterior veda liminarmente a atribuição de qualquer apoio, por parte do promotor do espetáculo desportivo, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material – cfr. n.º2 do artigo 14.º.
A concessão de facilidades de utilização ou a cedência de instalações a grupos de adeptos constituídos nos termos da presente lei é da responsabilidade do promotor do espetáculo desportivo, cabendo-lhe, nesta medida, a respetiva fiscalização, a fim de assegurar que nestas não sejam depositados quaisquer materiais ou objetos proibidos ou suscetíveis de possibilitar ou gerar atos de violência, racismo, xenofobia, intolerância nos espetáculos desportivos, ou qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política – cfr. n.º6 do artigo 14.º..
A entidade que pretenda conceder facilidades ou apoios a qualquer grupo organizado de adeptos tem de confirmar previamente junto do IPDJ, I. P., a suscetibilidade de aquele grupo poder beneficiar dos mesmos – cfr. n.º10 do artigo 14.º.
Por conseguinte, constitui contraordenação a atribuição de qualquer apoio, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, de apoio técnico, financeiro ou material, em violação do disposto no n.º2 do artigo 14.º - cfr. artigo 39.º-B, n.º2, alínea a), do referido diploma legal.
Tal contraordenação é punida com coima entre €2.500,00 e €200.000,00 – cfr. artigo 40.º, n.º6, da Lei n.º39/2009.
A negligência e a tentativa são sempre puníveis, sendo, no caso da negligência, os limites mínimos e máximos dos montantes das coimas reduzidos a metade e, no caso da tentativa, reduzidos de um terço – cfr. n.ºs8 e 9, do artigo 40.º.
Sendo este quadro legal, no caso sub judice, coloca-se a seguinte questão: são os factos provados suscetíveis de integrarem os elementos objetivos da infração contraordenacional em apreço?

Relembremos, em breve síntese, que está assente que:

. no dia 31/10/2015, no Estádio Municipal X, em …, antes do início do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do B., as forças policiais, em serviço no local para policiamento do evento desportivo, constataram que, na bancada nascente, junto ao setor A1, se encontrava um painel publicitário, que continha a inscrição «Boys...», o símbolo desta claque e do Clube X e, na bancada poente, junto ao setor B6, estava um outro painel idêntico, mas com a inscrição «K», o símbolo da claque e do clube da casa;
. no dia 06/03/2016, no Estádio Municipal X, em …, no decurso do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Futebol Clube..., nas bancadas do estádio reservadas ao Grupo Organizado de Adeptos «Boys...», foi exibida uma bandeira de grandes dimensões, com os caracteres «BOYS...»;
. no dia 22/08/2016, no Estádio Municipal X, em ..., no decurso no jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Futebol Clube Z, no sector AS, local onde se encontrava a claque denominada «K», foram exibidas uma bandeira de grandes dimensões e uma tarja com a frase «MAIS FORTES», que tinham sido transportadas para o interior do estádio pelo P. C., dirigente da claque «K»;
. no dia 24/10/2016, no Estádio Municipal X, em ..., 15 minutos depois do início do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Desportivo W, após várias reclamações e telefonemas por parte do líder da claque «K», surgiu, na entrada utilizada pelas claques («K» e «Boys...»), o coordenador de segurança, o Sr. P. P., que se dirigiu ao coordenador dos assistentes, A. M. e, afirmando ordem do Dr. J. G., determinou que fosse permitida a entrada de duas bandeiras dimensões e uma tarja, medindo na ordem dos 3m por 3 m, alusivas ao Clube X, que foram introduzidas para a zona do estádio onde se localizam os adeptos conotados com os grupos «Boys...» e «K» e exibidas durante o jogo;
. no dia 03/11/2016, no Estádio Municipal X, em ..., antes do início do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do …, no topo nascente, junto à entrada A10, P. C., responsável pela claque denominada «K», fazendo-se acompanhar por uma pessoa do sexo feminino, retirou da bagageira do seu veículo, da marca Mercedes, cor cinzenta, matrícula PM, um saco e uma haste própria para hastear bandeiras, material que transportaram para o interior do estádio, tendo-se dirigido para o local onde se encontrava a respetiva claque, setor A8, e, durante o jogo, foi exibida uma bandeira;
. no dia 29/12/2016, no Estádio Municipal X, em ..., no jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Futebol Clube Z, foi constatado pelas forças policiais que os assistentes de recinto desportivo que ali se encontravam a efetuarem a revista aos adeptos, ao efetuarem a revista, não se opuseram à entrada de bandeiras e respetivas hastes, de pequenas e grandes dimensões, assim como tarjas e outro tipo de cartazes, tendo as referidas bandeiras e tarjas sido transportadas para o interior do estádio, pela porta 10, por um grupo de adeptos pertencentes às claques do Clube X, «Boys...» e «K» e, durante o jogo, nas bancadas, por espectadores afetos aos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K», foi exibida uma tarja com os dizeres: «ESTA É A BANCADA QUE A LIGA MERECE»;
. e, quando da entrada no estádio dos espectadores afetos aos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K», foi exibida e entrou nova tarja de dimensões idênticas à anterior, com os dizeres: «ESTA É A BANCADA QUE O X MERECE»;
. no dia 22/01/2017, no Estádio Municipal X, em …, no decurso do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Sport Clube …, nas bancadas do estádio afetas aos adeptos do Clube X membros do Grupo Organizado de Adeptos «K», foram exibidos e utilizados um tambor, um megafone e duas bandeiras de grandes dimensões;
. no dia 19/02/2017, no Estádio Municipal X, em ..., no decurso de um jogo de futebol, no qual interveio a equipa do Clube X, nas bancadas do estádio, nos sectores A7 e A8, onde se concentram os adeptos do Clube X membros dos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K», foram utilizados um tambor e um megafone, com o qual o utilizador incentivava os restantes adeptos a cantar e pronunciar frases e palavras de ordem de apoio e incentivo aos atletas do Clube X;
. no dia 04/03/2017, no Estádio Municipal X, em …, no âmbito do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do F.C. …, pelas forças policiais em serviço no local foi constatado que o assistente desportivo PC., a prestar serviço para a empresa de Segurança 2045, com o cartão de vigilante n.º ........., ao efetuar revista aos adeptos do Clube X, junto à porta n.º .., não se opôs à entrada de bandeiras e respetivas hastes, de pequenas e grandes dimensões, tendo as referidas bandeiras e tarjas sido transportadas para o interior do estádio, por um grupo de adeptos pertencentes às claques «Boys...» e «K», e exibidas durante o jogo;
. no dia 02/04/2017, no Estádio Municipal X, em …, no decurso do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Marítimo, nas bancadas do estádio afetas aos adeptos do Clube X membros dos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K», no topo norte da bancada inferior nascente (sectores A7 e A8), por elementos pertencentes a estes Grupos Organizados de Adeptos, foram exibidas três bandeiras de grandes dimensões;
. o dia 15/04/2017, no Estádio Municipal X, em ..., no decurso do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do F. C. …, nas bancadas do estádio afetas aos adeptos do Clube X membros dos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K», no topo norte da bancada inferior nascente (sectores A7 e A8), por elementos pertencentes a estes Grupos Organizados de Adeptos, foram exibidas duas bandeiras de grandes dimensões;
. no dia 30/04/2017, no Estádio Municipal X, em …, no decurso do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Clube …, nas bancadas do estádio afetas aos adeptos do Clube X membros dos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K», foram exibidas duas bandeiras de grandes dimensões;
. no dia 14/05/2017, no Estádio Municipal X, em …, no decurso do jogo de futebol entre as equipas do Clube X e do Desportivo Nacional da …, nas bancadas do estádio afetas aos adeptos do Clube X membros dos Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K» e durante todo o espetáculo desportivo, foram exibidas duas bandeiras de grandes dimensões, bem como tarjas contendo as frases: «AOS H. S. O AVISO ESTÁ DADO DUAS CARAS É DO OUTRO LADO», e «NUM PAÍS DE VENDIDOS A COERÊNCIA E MENTALIDADE VIRA ILEGALIDADE»;
. os Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K» não se encontram constituídos como associação e não se encontram registados no Instituto Português do Desporto e Juventude;
. em todas as circunstâncias de tempo acima descritas, a arguida tinha, e tem, conhecimento que os Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K» não se encontram constituídos como associação nem registados no Instituto Português do Desporto e Juventude.

Ora, uma primeira conclusão é, desde já, de retirar: não há a mínima dúvida que os grupos organizados de adeptos «Boys...» e «K», afetos à recorrente, não se encontram legalizados e esta disso tinha, e tem, conhecimento.
Com relação ao mais, e com o devido respeito por opinião diversa, antecipamo-lo, desde que, com exceção do que se passou no dia 24/10/2016, o que infra se analisará, entendemos que os apurados comportamentos não integram os elementos objetivos da contraordenação de que a recorrente vem acusada.
De facto, excetuados os factos provados relativos ao dia 24/10/2016, não se vislumbra da restante materialidade apurada qualquer tipo de atribuição pela recorrente, promotora dos jogos de futebol em causa, de apoio técnico, financeiro ou material, nomeadamente através da concessão de facilidade de utilização das instalações, aos identificados grupos organizados de adeptos não legalizados, dado que os factos objetivos que resultaram provados não permitem dar o salto no sentido de se afirmar que, nos dias 31/10/2015, 31/10/2015, 06/03/2016, 22/08/2016, 03/11/2016, 29/12/2016, 22/01/2017, 19/02/2017, 04/03/2017, 02/04/2017, 15/04/2017, 30/04/2017 e 14/05/2017, a recorrente, por intermédio dos seus órgãos - como diretores de segurança, oficial de ligação aos adeptos, dirigentes e gestores de eventos desportivos -, permitiu que, os já referidos grupos organizados de adeptos, introduzissem, exibissem e utilizassem, no estádio, bandeiras e tarjas de grandes dimensões, algumas delas com símbolos identificativos dos grupos organizados de adeptos, tambores e megafones. E, muito menos, que o fez dolosamente.
Como acima já se expressou a propósito da convicção que se formou, mas que, por pertinente, aqui se reitera, desconhecem-se as concretas circunstâncias em que tais objetos foram introduzidos no interior do estádio, porque meio e por quem e, relativamente àqueles que já se encontravam no recinto desportivo desde momento anterior ao início do jogo, há quanto tempo ali se encontravam, daí que não é possível afirmar-se, como o fez a decisão administrativa, que, nas referidas circunstâncias, a recorrente prestou qualquer tipo de apoio – autorizando, permitindo ou facilitando -, para a introdução, exibição e utilização, no recinto desportivo, durante o evento, das sobreditas bandeiras, tarjas, megafone e tambor.
E não é por a recorrente ser um dos maiores clubes desportivos nacionais, com uma estrutura organizada e profissional, que se pode conjeturar ou concluir, sem mais, pela verificação de tal apoio, pois que, como se sabe, é mais regular e frequente do que o desejado, perante a proibição imposta pela promotora do espetáculo, a introdução dissimulada, no recinto desportivo, desse tipo de objetos (e mesmo de outros de natureza bem mais perigosa).
Significa isto que, ponderada a matéria de facto provada, entendemos não se verificar, no caso, relativamente aos episódios dos dias 31/10/2015, 31/10/2015, 06/03/2016, 22/08/2016, 03/11/2016, 29/12/2016, 22/01/2017, 19/02/2017, 04/03/2017, 02/04/2017, 15/04/2017, 30/04/2017 e 14/05/2017, os elementos objetivos que constituem a contraordenação prevista no artigo 39.º-B, n.º2, alínea a), da Lei n.º39/2009, de 30/07, nem de qualquer outra, daí que se imponha a absolvição da recorrente de doze das treze contraordenações de que vem acusada.
Porém, tais elementos objetivos já se mostram preenchidos em relação aos factos ocorridos no dia 24/10/2016. Passemos, então, à sua análise.
Nesta situação, como flui dos factos provados n.ºs19 a 25, a introdução das duas bandeiras e da tarja a que se aludem no ponto 22 só aconteceu por ordem de P. P., coordenador de segurança, que, por sua vez, transmitiu a ordem do Dr. J. G., diretor desportivo da recorrente.
Ou seja, não fossem essas indicações, a entrada, no estádio, daquelas bandeiras e tarja, porque detetadas, teria sido “barrada”.
E tal comportamento do diretor desportivo e coordenador de segurança consubstancia, no nosso modesto entendimento, o conceito de apoio, mormente na modalidade de concessão de facilidades de acesso e utilização, previsto nos artigos 14.º, n.º2 e 39.º-B, n.º2, alínea a), da Lei n.º39-B/2009, de 30/07. Com efeito, a introdução no recinto desportivo, a exibição e utilização durante o jogo de futebol das sobreditas bandeiras e tarja só ocorreram porque os órgãos – diretor desportivo e coordenador de segurança – da recorrente o permitiram, sendo certo que, nos termos do artigo 7.º, n.º2 do RGCO, a recorrente é responsável pela infração cometida pelos seus órgãos no exercício das suas funções, como manifestamente foi o caso.
Acresce que a exibição e utilização de duas bandeiras e uma tarja com dimensões de 3m por 3m, no decorrer de um jogo relativamente “tenso”, são suscetíveis de colocar em causa a segurança e, até, gerar ou potenciar atos de intolerância e violência, na medida em que tais bandeiras são suscetíveis de gerar incómodos, perturbações e obstáculos no campo de visão dos demais espetadores presentes no estádio, designadamente dos adeptos do clube rival.
Na verdade, exigia-se da recorrente, através dos seus órgãos, uma atitude de neutralidade e autorresponsabilidade, e uma conduta socialmente adequada, por forma a garantir a segurança de todos os intervenientes e espectadores presentes no local.
São, portanto, reconhecidamente acrescidas as exigências de quem, como a recorrente, na qualidade de um dos maiores clubes nacionais, deve procurar evitar atos de intolerância e insegurança que possam potenciar ou incitar à violência.
É, assim, legítimo, para nós, dizer-se que, com tais condutas, foram colocados em causa a finalidade e o bem protegidos pelo diploma legal.
E não se diga que tal raciocínio está ferido de inconstitucionalidade, pois que, não se vê, certamente por defeito nosso, onde o mesmo viola os comandos constitucionais previstos nos artigos 1.º, 2.º, 13.º, 18.º, n.º2, 29.º, n.º1 e 37.º, n.º1 da CRP.
Por último, apraz assinalar que a recorrente não só sabia que os Grupos Organizados de Adeptos «Boys...» e «K» não se encontram constituídos como associação, nem registados no Instituto Português do Desporto e Juventude, como também atuou, por intermédio dos seus órgãos, com conhecimento e vontade de praticar os factos em causa, porquanto, ciente da censurabilidade inerente a sua conduta e das consequências dela decorrentes, permitiu/autorizou a entrada, no estádio, das sobreditas bandeiras e tarja, contrariando os procedimentos seguranças e as instruções anteriormente dadas aos assistentes do recinto desportivo, o que representou e quis, ou seja, agiu com dolo direto.
Atenta a definição de dolo que nos é feita no artigo 14.º, do Código Penal, pode afirmar-se que há dolo quando o agente tem conhecimento e consciência do significado antijurídico da sua atuação ao verificar-se a intenção ou vontade consciente e livre de realizar o facto, prevendo-o e aceitando-o como consequência direta (dolo direto), necessária (dolo necessário) ou possível (dolo eventual) da sua conduta.
Deste modo, a apreciada conduta da recorrente é censurável a título de dolo direto, uma vez que, aquela, um dos maiores clubes nacionais, atuou com conhecimento e vontade de praticar os factos, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e, ainda assim, não obviou às consequências da mesma, o que é contrário aos princípios éticos inerentes à prática desportiva.
Alegou a recorrente que atuou com erro sobre os elementos do tipo.
O erro sobre os elementos do tipo, sobre a proibição ou sobre o estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente exclui o dolo (artigo 8.º, n.º2, do Decreto-lei n.º433/82, de 27/10).
Acontece que, in casu, como vimos, está assente que a recorrente sabia que a sua conduta era ilícita e, ainda assim, não se absteve de praticar, o que, desde logo, afasta a aplicação da previsão contida no artigo 8.º, n.º2.
De tudo o quanto se deixou dito, concluímos que, com a conduta praticada no dia 24/10/2016, a recorrente incorreu, a título de dolo, na contraordenação prevista nas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º2, 39.º-B, n.º2, alínea a) e 40.º, n.º6, da Lei n.º39/2009, de 30/07, na redação conferida pela Lei n.º52/2013, de 25/07.
Resultando, como resulta, do que acima se expôs, que a recorrente apenas incorreu na prática de uma das treze contraordenações de que vem acusada, naturalmente que, fica prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela mesma, em sede de recurso, sobre a natureza continuada das infrações e do seu concurso homogéneo e, bem assim, da exclusão de culpa por erro invencível, o que se determina.
*
Apreciação do recurso.

A primeira questão a apreciar consiste em saber se a decisão recorrida padece de insuficiência da matéria de facto para a solução jurídica encontrada, o que consubstancia o vício constante da al. c) do artigo 410.º nº 2 do CPP.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada ocorre quando o tribunal não indaga e conhece factos, quando podia e devia fazê-lo, tendo em vista a decisão justa a proferir de acordo com o objeto do processo.
Ao invocar este vício deve o recorrente dizer quais os factos que deveriam ter sido apurados e não o foram, nomeadamente pelo confronto com as normas jurídicas aplicáveis.
Trata-se de um vício que sempre seria de conhecimento oficioso e que não se confunde nem com insuficiência da prova para a fixação da factualidade, nem com a discordância na fixação da matéria de facto.
Entende a recorrente que a matéria de facto apurada nos pontos 19 a 23 (acima transcritos) não permite, só por si, a conclusão, na fundamentação, de que “a exibição e utilização de 2 bandeiras e uma tarja com dimensões de 3 m por 3m, no decorrer de um jogo relativamente “tenso” são suscetíveis de colocar em causa a segurança e, até, gerar ou potenciar atos de intolerância e violência, na medida em que tais bandeiras são suscetíveis de gerar incómodos, perturbações e obstáculos no campo de visão dos demais espetadores presentes no estádio designadamente dos adeptos do clube rival”.
E, efetivamente se, em tese, se poderia perceber a conclusão a que chegou o tribunal a quo, na medida em que a exibição de bandeiras de grandes dimensões num espetáculo desportivo poderá acarretar a suscetibilidade de dificultar a visão de quem se encontra em local cujo campo de visão seja perturbado pelo obstáculo que uma bandeira possa constituir- o que justifica a introdução pela lei 113/2019 de 11 de 09 de limites na dimensão das bandeiras – e, nessa medida, gerar episódios de confrontação ou violência, designadamente dos adeptos do clube rival que se vejam impossibilitados de assistir ao espetáculo desportivo, e se se percebe ainda a afirmação de que se tratava de um jogo “tenso”, não porque tal resulte da factualidade apurada, mas porque para um adepto que verdadeiramente gosta do seu clube, como é o caso dos elementos das claques formalmente organizadas ou não, qualquer jogo é emotivo e nessa medida “tenso”, já não se percebe a afirmação de que a exibição daquelas concretas bandeiras poderia constituir foco de violência por gerar incómodos, perturbações e obstáculos no campo de visão dos espetadores v. g. do clube rival.
E não se percebe na medida em que, contraditoriamente, no ponto 23 é dito que as bandeiras em causa foram exibidas na zona do estádio onde se localizavam os seus portadores, isto é, os grupos “Boys...” e “K”.
Isto é, se as bandeiras foram exibidas no local onde se encontravam apenas os adeptos delas portadores (não se pode ignorar a separação nos estádios de futebol das claques por forma a evitar a sua mistura ou junção durante o jogo), afigura-se contraditória a conclusão -a que chegou o tribunal a quo- existente entre o facto provado 23 e a fundamentação constante da sentença, o que constitui além do vício da insuficiência da matéria de facto na vertente alegada, também o vício de contradição insanável de fundamentação, de conhecimento oficioso, constante do artigo 410.º nº 2 al. b) do CPP .
Este vício verifica-se, além de outras situações, quando o raciocínio lógico a elaborar a partir da factualidade apurada conduziria ao contrário do que acabou por ser decidido.
Ora, para o tribunal fazer radicar a possibilidade de existirem atos de violência nos incómodos provocados pelas bandeiras e tarja enquanto obstáculos no campo de visão, designadamente de adeptos do clube rival, teria de ter apurado que as bandeiras foram colocados em local onde se encontravam tais adeptos, o que não ocorreu.
Assim sendo, nesta vertente, a conclusão a que chegou o tribunal a quo, não pode ser mantida, isto é, não pode concluir-se que as bandeiras e tarja foram obstáculos ao campo de visão dos adeptos do clube visitante e, nessa medida, geradores ou potenciadores de violência.

Vejamos agora se a permissão na entrada das bandeiras e tarja por parte dos diretores desportivos e coordenadores de segurança da recorrente é suscetível de consubstanciar violação ao disposto nos artigos 14.º nº2, 39.º B nº 2 al. a) e 40.º nº 6 da lei 39/2009 de 30/07 na redação da lei 52/2013 de 25.07.
A lei 39/2009 de 30/07 estabelece o regime jurídico de segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância no espetáculo desportivo.
Efetivamente se há atividade inclusiva e capaz de irmanar os seres humanos, é sem dúvida o desporto e, muito especialmente, o futebol. É um desporto de massas que fica valorizado pela junção, à volta de um emblema, de um grande número de pessoas, unidas por uma emoção comum quaisquer que sejam as suas idades, proveniências, níveis culturais, sociais ou económicos.
É esta grandeza inegavelmente associada ao desporto de massas que a lei pretende salvaguardar ao punir atitudes racistas, xenófobas ou intolerantes no âmbito de um espetáculo desportivo.
A decisão recorrida entende que a recorrente incorreu na prática da contraordenação ao disposto no artigo 14.º nº 2, 39.º-B nº 2 al. a) e 40.º nº 6 da lei 39/2009 na redação da lei 52/2013 de 25/07, ao permitir a entrada no recinto desportivo de grupos organizados de adeptos na posse de bandeiras e tarja de grandes dimensões.
A noção de grupo organizado de adeptos consta da alínea i) do artigo 3º da referida lei e é definida como “o conjunto de pessoas, filiadas ou não numa entidade desportiva, que atuam de forma concertada, nomeadamente através da utilização de símbolos comuns ou da realização de coreografias e iniciativas de apoio a clubes, associações ou sociedades desportivas, com caráter de permanência”.
Obrigava e continua a lei a obrigar, no nº 1 do artigo 14º que os GOA se registem junto da APCVD (antes IPDJ, IP), e constituam previamente como associação, nos termos da legislação aplicável, sob pena de lhes ficar vedada a atribuição de qualquer apoio por parte do promotor do espetáculo desportivo, nomeadamente através da concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações, apoio técnico, financeiro ou material.
No que concerne ao apoio técnico, financeiro ou material o nº 3 do artigo 14º determina que seja objeto de protocolo com o promotor do espetáculo desportivo a celebrar em cada época desportiva e nos termos da lei, também referidos; no que concerne à concessão de facilidades de utilização ou cedência de instalações decorre do nº 6 do mesmo artigo que é da responsabilidade do promotor do espetáculo desportivo, cabendo-lhe, a respetiva fiscalização a fim de assegurar que não entrem nas instalações desportivas quaisquer materiais ou objetos proibidos, designadamente bandeiras com mensagens ofensivas de caráter racista ou xenófobo ( de acordo com a previsão, ao tempo, do art. 22 nº 1 e) da lei 39/2009, na redação da lei 52/2013 de 25.07), a que a lei atual veio acrescentar a proibição de atos suscetíveis de possibilitar ou gerar violência, intolerância ou qualquer outra forma de discriminação, ou que traduzam manifestações de ideologia política, incluindo cânticos (art. 22 nº 1 f) da referida lei na atual redação decorrente da lei 113/2019 de 11.09).
Esta norma é aplicável às claques, como tal formalmente organizadas, mas também a qualquer grupo organizado de adeptos, por força do nº 9 do mesmo artigo 14º, devendo a entidade que pretenda conceder facilidades ou apoios a qualquer GOA, confirmar junto do IPDJ, IP a suscetibilidade de aquele grupo poder beneficiar dos mesmos.
É este o quadro legal em que nos movemos para concluir se deve ser ou não mantida a punição imposta à recorrente.
Entendeu a decisão recorrida que “a introdução no recinto desportivo, a exibição e a utilização durante o jogo de futebol de bandeiras e tarja só ocorreu porque os órgãos – diretor desportivo e coordenador de segurança- o permitiram”. Mais entendeu que “a exibição de 2 bandeiras e 1 tarja com dimensão de 3m por 3m no decorrer de um jogo relativamente “tenso” são suscetíveis de colocar em causa a segurança e até gerar ou potenciar atos de intolerância e violência, na medida em que tais bandeiras são suscetíveis de gerar incómodos, perturbações e obstáculos no campo de visão dos demais espetadores presentes no estádio, designadamente dos adeptos do clube rival”.
Já atrás se viu que as bandeiras foram exibidas por grupos organizados de adeptos da recorrente em local a esses grupos destinado, e portanto, onde não havia adeptos da parte contrária, cuja visão não ficaria prejudicada; por outro lado, os dizeres da bandeira e da tarja não eram suscetíveis de ser interpretados como apelativos a atitudes violentas racistas ou xenófobas e nessa medida violadoras da lei em vigor ao tempo ( mas também não intolerantes, discriminatórias ou políticas, violadoras da lei atualmente em vigor) na medida em que se limitavam a reproduzir o símbolo do seu clube, nada se provando além disso.
Assim sendo, não se percebe por que razão teriam de ser proibidas, mais se configurando incorreto dizer, como na sentença recorrida, que foram colocados em causa a finalidade e o bem protegido pelo diploma legal.
É que sendo o objetivo do diploma legal a reprovação de atividades que afetem valores de cidadania, de igualdade, de fraternidade, conquistados ao longo de séculos e do enriquecimento civilizacional que os países foram adquirindo, e não se extraindo da posse das bandeiras e dos seus dizeres que tais valores fossem beliscados pelo comportamento dos adeptos “Boys...” e “K”, afigura-se temerária a afirmação de que a finalidade da lei foi maculada. Isto é, se não está em causa a entrada e presença daquele grupo de adeptos no jogo, não se percebe por que razão o facto de serem portadores de bandeiras com o símbolo do clube tornaria a sua presença ilícita. O plus que o porte de duas bandeiras e uma tarja constitui, não é bastante para tornar ilícita uma presença considerada lícita de adeptos, quer se dirijam ao jogo em grupo, quer individualmente. Diferente seria se as bandeiras e a tarja exibissem dizeres fomentadores de violência, como algumas que foram exibidas noutros jogos, mas que por força da decidida absolvição não estão agora em apreciação.
Note-se que não é por se tratar de matéria de natureza contraordenacional que é menor a exigência na apreciação da eventual ilicitude do comportamento em apreço.
Detenhamo-nos aqui um pouco.
O direito contraordenacional, surgido do movimento descriminalizador dos anos 70, começou por afirmar-se como um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal, com o objetivo de reservar este ramo do direito para a tutela dos valores ético-sociais fundamentais, expurgando-o da tutela do sancionamento de condutas axiologicamente neutras, ou sem a mesma ressonância ética, ou ainda utilizando a expressão de Yescheck/Weigend, de condutas que não atinjam o socialmente insuportável.
Mas ao nível das contraordenações cedo se verificou a tendência contrária, isto é, a expansão severa do ilícito contra-ordenacional, nos mais diversos setores da vida em sociedade.
Só que, à semelhança do direito penal, também o direito contraordenacional está sujeito a determinados princípios, v.g. o princípio da legalidade (só a lei pode distinguir a atividade delituosa da atividade legítima), que tem como corolário o princípio da tipicidade (é a lei que diz o que é ilícito) o princípio da culpabilidade (toda a sanção contraordenacional tem como suporte uma culpa concreta, dolosa ou negligente, isto é, intencional ou descuidada), o principio da não retroatividade da lei (artigo 3º do RGCO) e o princípio da proporcionalidade, segundo o qual também no direito das contraordenações se deve tentar encontrar “o justo equilíbrio entre os interesses em conflito, obrigando o legislador, os juízes e demais operadores do direito a ponderar os interesses em conflito para em função dos valores subjacentes e os fins prosseguidos os resolver segundo medida adequada” (cfr. Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, I, fl 75).

Como diz Inês Ferreira Leite (in Autonomização do direito sancionatório administrativo, em especial, o direito contraordenacional- coleção de formação contínua, 2013-2014, CEJ, 48), a vinculação do legislador ao princípio da proporcionalidade no âmbito sancionatório integra várias exigências v.g. cumprimento de critérios da restrição de direitos, liberdades e garantias (proporcionalidade em sentido amplo), adequação da gravidade de sanção à gravidade da infração (proporcionalidade em sentido estrito) e, em conjugação com o principio da legalidade, a previsão de margens de determinação concreta da sanção suficientemente flexíveis para adaptar a sanção à gravidade do caso concreto, mas não tão amplas que não confiram um mínimo de vinculatividade do julgador à lei.
A gravidade da infração pode aferir-se, numa perspetiva objetiva, pela natureza do dano provocado; sob o ponto de vista subjetivo pelo grau de culpabilidade.
Ora, se assim é, mesmo que se entendesse - o que não nos parece defensável - que a permissão de introdução por parte de adeptos de bandeiras e tarja no estádio constituía algum tipo de apoio sancionado por lei a um grupo organizado de adeptos, apoio de que não resultou qualquer dano, ou consequência negativa a nível de espetáculo desportivo (note-se que à data dos factos o porte e a dimensão das bandeiras ainda não estavam sujeitos às circunstâncias e medidas que vieram a ser introduzidas pela Lei 113/2019 de 11.09), sempre seria forçoso concluir, pelo menos à luz do princípio generalíssimo de direito que é o princípio da proporcionalidade, que levar bandeiras com um emblema desportivo para um estádio de futebol se tratou de comportamento bagatelar carecido da imputada dignidade contraordenacional. É que, não sendo posto em causa que o grupo de adeptos pudesse entrar no estádio, só se questionando que pudesse entrar com as duas bandeiras e tarja, sempre seria de entender, como o Acórdão da Relação de Lisboa, referido pela recorrente que não tendo sido colocada “em causa a finalidade e o bem jurídico na lei - a segurança- não pode ser apenas a circunstância da falta de constituição legal do grupo de adeptos para o porte da faixa a indicar a infração, sob pena de estarmos a violar o principio de igualdade e liberdade de expressão, ao permitir manifestações idênticas a cidadãos adeptos, mas não agrupados”.

Pelo exposto não poderá ser mantida a decisão recorrida, impondo-se ainda a alteração da redação do ponto 81 da matéria de facto provada dele se eliminando o segmento “ciente da censurabilidade inerente à sua conduta e das consequências dela decorrentes” o que, ao abrigo do disposto no art. 75 nº 2 a) do RGCC, se determina.
Assim sendo, forçoso é concluir, sem necessidade de outras considerações, pela procedência do recurso.
*
III.
DECISÃO

Em face do exposto decidem os juízes da secção penal do tribunal da relação de Guimarães conceder provimento ao recurso interposto por Clube X- Futebol, SAD e, em consequência, revogam a sentença recorrida e absolvem a recorrente da contraordenação e coima que lhe foram impostas.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 25 de janeiro de 2021

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho