Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1163/13.0TBPTL-G.G2
Relator: JOSÉ FLORES
Descritores: DIVÓRCIO
REGIME DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ALTERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator ):

I - É actualmente direito vigente a possibilidade de se alterar o regime da casa de morada da família previamente estabelecido por homologação do acordo dos cônjuges ou por decisão do tribunal (cf. art. 1793º, nº 3, do Código Civil), nos termos dos arts. 986º e ss., do Código de Processo Civil, ou seja, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, antes adoptando a solução que se julgue mais conveniente e oportuna, contudo, essa modificação deverá estar assente em circunstâncias novas ou de conhecimento superveniente (por ignorância anterior ou motivo ponderoso) que importem uma resolução diversa da anteriormente adoptada.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

Por apenso aos autos de divórcio em que foi autora a Recorrente e réu o aqui Recorrido, veio aquela requerer que se condene o requerido a pagar uma compensação mensal no valor de € 350,00 pelo uso e fruição da casa de morada de família, bem comum do ex-casal, até à partilha definitiva desse bem.

Para tanto, alega que por sentença proferida no processo nº 1163/13.0TBPTL, foi decretado o divórcio entre requerente e requerido, tendo a casa de morada de família ficado atribuída ao requerido até à partilha dos bens comuns do casal, sem que tenha sido acordada e fixada qualquer compensação pelo seu uso. Mais alega que a requerente é assistente operacional e aufere o salário de € 530,00 mensais e tem a seu cargo os dois filhos menores do casal. Paga uma renda de € 250,00. Por seu turno, o requerido é mecânico de profissão e trabalha na oficina do pai, auferindo bem mais que o salário mínimo.

Pede, a final, que se condene, sic, o Requerido ao pagamento de uma compensação à Requerente, no valor mensal de pelo menos 350, 00 €, pelo uso e fruição plenos da casa morada de família, bem comum do ex-casal, até à partilha definitiva dos bens comuns do ex-casal.

O requerido respondeu defendendo que o disposto no art. 1793º do CC invocado pela requerente na acção não tem aplicação nesta situação concreta, pois não parece ser pretensão da requerente tomar de arrendamento a casa em questão.

A 12/1/17, foi proferido despacho que decidiu pela improcedência da acção, por se entender que as partes apresentaram no momento oportuno (tentativa de conciliação) o acordo quanto ao uso da casa de morada de família, sendo extemporâneo o pedido de fixação de uma compensação por parte do requerido.

A requerente recorreu do referido despacho, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão de 28/9/17, revogado a referida decisão, decidindo que não obstante ter sido acordado na acção de divórcio que o cônjuge marido iria ficar a residir na casa de morada de família até à partilha dos bens, sem ter sido acordada qualquer contrapartida, pode a mulher requerer posteriormente ao tribunal que seja fixada em seu benefício uma quantia mensal por aquela ocupação se, entretanto, se alterarem em seu favor, as circunstâncias que estiveram na base daquele acordo.

As partes foram, então, notificadas para a realização de uma tentativa de conciliação, ao abrigo do art. 990º do CPC e, não tendo chegado a acordo, foi o requerido notificado para, querendo apresentar oposição.

O requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, que a situação económica da requerente se mantem desde a data em que foi realizada a tentativa de conciliação. Mais alega que a casa de morada de família é de sua propriedade e que o casal apenas tem direito a um direito de crédito a título de benfeitorias. Por outro lado, é o requerido que, com a ajuda dos pais, tem pago as prestações mensais do mútuo contraído para a execução das obras efectuadas. Pugna, pois, pela improcedência do pedido.

A final foi proferida sentença que julgou improcedente o “incidente”, dele absolvendo o requerido, com custas a cargo da requerente.

Inconformado com essa decisão, a Autora acima identificada apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes conclusões.

I. 1) Vem o presente recurso interposto da sentença, proferida pelo Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo, que julgou " (...) o presente incidente improcedente, dele absolvendo o requerido. Custas do incidente a cargo da requerente." - (Cfr. com sentença recorrida).
2) Salvo o devido e merecido respeito, não partilha a Apelante do mesmo entendimento. Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus.
3) Não pode, todavia, e salvo o devido respeito, a apelante conformar-se com a decisão do tribunal a quo, insurgindo-se contra os seguintes pontos:
a) Matéria de facto dada como provada;
b) Apreciação e interpretação da matéria de facto dada como provada;
c) Aplicação do direito à matéria de facto dada como provada.
4) A Apelante deduziu, por apenso aos autos de divórcio em que é autora a mesma e réu Pedro, incidente no qual requereu a final que o requerido fosse condenado a pagar uma compensação mensal no valor de € 350,00 pelo uso e fruição da casa de morada de família, bem comum do excasal, até à partilha definitiva desse bem.
5) O requerido deduziu oposição, alegando, em síntese, que a situação económica da requerente se mantem desde a data em que foi realizada a tentativa de conciliação. Mais alega que a casa de morada de família é de sua propriedade e que o casal apenas tem direito a um direito de crédito a título de benfeitorias.
Por outro lado, é o requerido que, com a ajuda dos pais, tem pago as prestações mensais do mútuo contraído para a execução das obras efectuadas. Pugna, pois, pela improcedência do pedido.
6) A sentença ora recorrida julgou a presente acção totalmente improcedente.
7) Salvo melhor opinião deveria ter sido dado como não provado o facto descrito em 13 dos factos dados como provados e deveria ter sido dado como provado o facto vertido no 2º parágrafo dos factos dados como não provados. Isto porque,
8) Dos depoimentos conjugados do Requerido, da mãe da Requerente a testemunha M. A., e do depoimento da mãe do Requerido, a testemunha T. C. resulta claramente que o Requerido aufere um vencimento acima do salário mínimo nacional.
9) Tanto a testemunha M. A., como a testemunha T. C. são constantes e unanimes prestando um depoimento coerente no sentido que os ex-cônjuges tinham uma “boa vida”, iam almoçar fora, iam jantar fora, iam de férias para Espanha e para o Algarve.
10) Ora apelando à experiencia de um homem médio é cristalino que não se tem uma boa vida com doze mil euros anuais, sendo que cerca de quatro mil e oitocentos euros (conforme resulta da documentação junta aos autos) se destinava a pagar o empréstimo bancário da casa morada de família.
11) Sendo que o ex casal teria que suportar sempre as despesas de luz, água, gasóleo, médica e medicamentosas, vestir, calçar, tanto seus, como dos dois filhos menores.
12) Qualquer homem médio sabe que com um tão parco rendimento - tendo dois filhos menores a seu cargo - não pode ir esbanjar dinheiro em restaurantes e férias.
13) Mais conforme resulta do depoimento da testemunha M. A., o Requerido apenas declara como rendimentos o salário mínimo nacional, sendo que o resto era pago em dinheiro pelos pais do Requerido – donos da em... na qual trabalha.
14) A testemunha T. C. refere claramente que o ex casal não passava quaisquer necessidades e que até ia de férias para Espanha, corroborando, assim, na íntegra o depoimento prestado pela testemunha M. A..
15) Mais dos depoimentos conjugados da testemunha T. C. e do Requerido resulta que a sociedade comercial tinha lucro suficiente:
- não só para pagar um bom salário ao Requerido, como ainda para sustentar os pais do Requerido (o pai do Requerido era lá funcionário, e a mãe era a socia gerente) e dava ainda para ajudar e muito o ex casal, nas palavras da testemunha T. C.: “Eles tinham muitas ajudas. Comiam diariamente na nossa casa, fui eu que lhes criei os filhos até à idade de ela sair de casa, sempre que eles precisavam de alguma coisa eu estava disposta, mal o mais velho nasceu quem lhe comprou o berço, roupa, biberão, leite, etc., fui sempre eu.”
- e actualmente o lucro da sociedade é suficiente não só para pagar um bom salário ao Requerido, como ainda para sustentar os pais do Requerido, como para a alegadamente pagar o empréstimo da casa do ex casal, “todos os meses transferimos 500€. Isso pode ser provado com documentos.”
16) É facto que em termos declarados para o Serviço de Finanças/Estado em geral, consoante a documentação já junta aos autos, o Requerido aufere apenas do salário mínimo nacional.
17) A Requerente nunca contestou esse facto.
18) Não obstante, não pode nem deve ser ignorado o estilo de vida (ou em linguagem fiscal as manifestações de fortuna - comer em restaurantes, ir passar férias, ter uma boa vida!!!! Quando o agregado familiar depois de pago o empréstimo e fora outras despesas (gasóleo, luz, água, vestir, calçar, médicos) tinha como disponibilidade de rendimento anual per capita cerca de 2000 € [a acreditar na versão do Requerido], ou seja cerca de 160, 00 € por mês para cada membro do agregado familiar) do ex casal, e actualmente do Requerido, para que se conclua que o requerido aufere um vencimento acima do salário mínimo nacional.
19) Concluindo, os depoimentos conjugados das testemunhas T. C., M. A. e do Requerido impunham que deveria ter sido dado como não provado o facto descrito em 13 dos factos dados como provados e deveria ter sido dado como provado o facto vertido no 2º parágrafo dos factos dados como não provados.
20) Com interesse para a decisão da causa, no caso sub iudice foram dados como provados os seguintes factos:
“1. Requerente e requerido celebraram casamento católico no dia 18 de Agosto de 2001, na freguesia de ..., concelho de Vila Verde, sem convenção antenupcial – certidão junta a fls. 15 dos autos principais).
2. Requerente e requerido, na constância do matrimónio construíram no prédio rústico composto de terreno de cultivo, com vinha em ramada, oliveiras, castanheiros, laranjeiras e bouça de mato anexa, sito no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho ..., com a área de 13 060, 00 m2, a confrontar de Norte e Poente com Caminho Público, de Nascente com Herdeiros de F. F., e de Sul com A. F., inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 851º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 680, propriedade do cabeça-de-casal, aquela que viria a ser a, a sua casa morada de família.
3. A casa morada de família é composta de casa de habitação de rés-do-chão, 1º andar e garagem/anexos e trata-se de um bem comum do ex-casal, sita no Lugar da ..., freguesia de ..., concelho ..., com uma área de implantação de 227, 50 m2, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 2436º da dita freguesia de ....
4. Por sentença proferida e transitada em julgado nos autos, processo nº 1163/13.0TBPTL, que correu termos na Secção de Família e Menores da Instância Central e Comarca de Viana do Castelo, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a requerente e o requerido, tendo estes acordado atribuir a casa de morada de família ao requerido até à partilha dos bens comuns do casal.
5. A Requerente é assistente operacional e aufere o salário mínimo nacional.
6. Tem a seu cargo os dois filhos menores do ex-casal, J., nascido a 31 de Março de 2001, e Jorge, nascido a 3 de Junho de 2005.
7. O ora requerido usufrui da casa de morada de família, sem que no âmbito dos autos de divórcio tivesse sido fixada qualquer compensação à ora Requerente em virtude dessa utilização,
8. Quando saiu de casa com os filhos, a requerente arrendou uma casa, pela qual paga a renda de € 250,00.
9. É com o seu rendimento e com a pensão de alimentos que recebe relativa aos menores que a requerente faz face às despesas de renda de casa, alimentação, higiene, electricidade, água, gás, calçar e vestir tanto seu como dos menores, despesas médicas e medicamentosas, bem como as despesas escolares dos menores.
10. O requerido é mecânico e trabalha na oficina do pai, propriedade deste.
11. O valor de arrendamento do prédio identificado no ponto 3 ascende a € 450,00.
12. O requerido suporta o pagamento da totalidade das prestações e despesas respeitantes ao empréstimo bancário contraído por ambos para a realização das benfeitorias.
13. O requerido aufere o salário mínimo nacional.
14. O requerido paga à requerida a quantia de € 240,00 a título de prestação de alimentos para os seus dois filhos.”
21) Entendeu o Tribunal a quo que: “No entanto, dos factos provados não resulta que tenha ocorrido qualquer alteração das circunstâncias que estiveram na base do acordo sobre o uso da casa de morada de família (a própria requerente admitiu em declarações de parte que nada tinha alterado desde a separação do casal). Posto isto, e porque não se verificam circunstâncias supervenientes que determinem uma alteração do anteriormente acordado, a pretensão da requerente deve improceder.” – (Cfr. com sentença recorrida).
22) Refere o Acórdão já proferido nestes autos que, “Mais recentemente, decidiu-se nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 25/02/2013 que “a atribuição da casa de morada da família é um processo (ou incidente) de jurisdição voluntária, pelo que as suas resoluções podem alteradas com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial não acautelarem, devidamente, os interesses de um dos ex-cônjuges” e de 22/05/2017 que “pode revelar-se atendível o pedido unilateral de modificação do acordo sobre o destino da casa de morada de família homologado pelo tribunal, com fundamento em circunstâncias supervenientes, face ao disposto no n.º 3 do artigo 1793.º (…)”. Também no Acórdão da Relação de Lisboa de 08/10/2015, ainda que a propósito da questão da competência, se decidiu que “em face das citadas disposições legais, não oferece, assim, dúvida que, sendo admissível a alteração do regime, quanto a tal questão, anteriormente fixado, a competência para daquela conhecer, tendo havido acção de divórcio, pertence ao tribunal onde essa acção haja corrido” (todos disponíveis em www.dgsi.pt). Temos pois de concluir que tal como preceituado no nº 3 do artigo 1793º do Código Civil o regime fixado pode ser alterado nos termos gerais de jurisdição voluntária.”
23) Efectivamente, entende a Apelante face aos factos dados como provados, e sendo a atribuição da casa de morada da família (..) um processo (ou incidente) de jurisdição voluntária, pelo que as suas resoluções podem alteradas com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial não acautelarem, devidamente, os interesses de um dos ex-cônjuges,
24) Na presente data ponderados os factos dados como provados o acordo realizado e a decisão judicial proferida não acautelaram devidamente nem os interesses da ex-cônjuge, nem tão pouco dos dois filhos menores.
25) A Apelante aufere o salário mínimo nacional, tem a seu cargo os dois filhos menores do ex-casal, J. nascido a … de 2001, e Jorge nascido a … de 2005, NÃO USUFRUI da casa de morada de família, E AINDA FOI OBRIGADA A SAIR da sua casa (o Requerido trocou-lhe os canhões da fechadura) com os filhos e a pagar uma renda de € 250,00.
26) A Apelante com cerca de quinhentos euros sustenta três pessoas.
27) Salvo o devido e merecido respeito a decisão judicial proferida (anteriormente) bem como a actual, não acautelou NEM ACAUTELA devidamente nem os interesses da ex-cônjuge, nem tão pouco dos dois filhos menores.
28) Mais, porquanto o Requerido se encontra a pagar na integralidade o empréstimo da casa morada de família, da qual expulsou mulher e filhos [“(…) a requerente disse que saiu de cassa pressionado pelo requerido, porque este lhe ameaças e, no divórcio, não lhe exigiu uma compensação pelo uso da casa pois pensava que tudo seria resolvido no inventário, a curto prazo. Admitiu que não ocorreu qualquer alteração na sua situação económica desde a separação do casal, no entanto, referiu que sente dificuldades em gerir a sua situação financeira e que os pais lhe prestam ajuda.”, - cfr. com sentença recorrida], o mesmo para além de não pagar qualquer compensação à Requerente (que na constância do casamento contribui para suportar as despesas de construção e de mobiliário) fica com um crédito sobre a ex cônjuge ora Apelante correspondente à sua quota parte de responsabilidade no mutuo contraído para a construção da casa morada de família.
29) Repete-se! Salvo o devido e merecido respeito a decisão judicial proferida (anteriormente) bem como a actual, não acautelou NEM ACAUTELA devidamente nem os interesses da ex-cônjuge, nem tão pouco dos dois filhos menores.
30) Conforme resulta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, datado de 25 de Fevereiro de 2013 e que transcrevemos:

Recorde-se a atribuição da casa de morada da família é um processo de jurisdição voluntária, pelo que as suas resoluções podem alteradas com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial não acautelarem, devidamente, os interesses de um dos ex-cônjuges.

Quer dizer, o tribunal reponderará, a todo o tempo, a situação dos requerentes (apelante e apelado), caso se alterem os pressupostos de facto (emprego, habitação, situação da filha menor, etc) que fundamentaram a decisão judicial da 1ª instância.

NESTE TIPO DE PROCESSOS IMPORTA, A TODO O TEMPO, ESTAR ATENTO ÀS CONCRETAS SITUAÇÕES DA VIDA REAL E EVITAR MANTER SITUAÇÕES DESAJUSTADAS DA REALIDADE, COM PREJUÍZO DAS PARTES ENVOLVIDAS E SEM REFLECTIREM JÁ OS INTERESSES EM CAUSA.”

31) Face ao supra exposto, deve assim ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se, em consequência, a sentença recorrida por violação, nomeadamente, dos artigos105º n.º 2 e 1793º, ambos do Código Civil e artigos 1409º n.º 2 e 1413º, ambos do Código de Processo Civil, devendo o Requerido ser condenado ao pagamento de uma compensação à Requerente, no valor mensal de pelo menos 225, 00 €, pelo uso e fruição plenos da casa morada de família, bem comum do ex-casal, até à partilha definitiva dos bens comuns do ex-casal.

O Autor opôs-se ao recurso em contra-alegações em que conclui do seguinte modo.

1 – A douta sentença proferida nos autos supra e à margem referenciados não merece qualquer censura, sendo manifestamente improcedentes os fundamentos aduzidos pela requerente/apelante;
2 – Não existem, nos autos, quaisquer provas que imponham decisão diversa da proferida em primeira instância quanto à matéria de facto em julgamento;
3 – Como resulta das respectivas alegações de recurso, a Apelante apenas pretende extrair dos elementos analisados nos autos uma diferente convicção, fazendo o seu próprio julgamento, impondo as suas próprias deduções e o seu próprio raciocínio, tudo que postergaria o princípio fundamental da livre apreciação da prova.
4 – A veracidade do descrito no ponto 13) dos factos provados é patenteada por toda a prova produzida nos autos, quer documental (cfr. docs. 24 e 25 juntos com a oposição), quer testemunhal, (cfr. designadamente, depoimento da testemunha T. C., do requerido e das próprias declarações da requerente), pelo que não poderia ter sido outra a decisão tomada neste ponto;
5 – Não existe nos autos qualquer prova de que o requerido auferisse um salário superior ao salário mínimo nacional, como o contrário é evidenciado quer pelo depoimento da testemunha T. C., quer pelo teor dos docs. nrs. 24 e 25 juntos pelo requerido com a sua oposição, razão pela qual deve ser mantida a decisão proferida no 2º parágrafo dos factos tidos como não provados.
6 – Acresce ainda que, no âmbito do processo de divórcio, apelante e apelado acordaram ambos em atribuir a casa de morada de família ao apelado até à partilha dos bens comuns do casal.
7 – Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.09.2017, disponível em www.dgsi.pt, na sentença e que se refere nos próprios autos que, “Tendo sido acordado no âmbito de acção de divórcio, onde foi proferida sentença já transitada em julgado, que o cônjuge marido ficaria a residir na casa de morada de família até à partilha dos bens, sem ter sido fixada a contra partida de qualquer compensação/renda, pode a mulher requerer posteriormente ao tribunal que seja fixada em seu beneficio uma quantia mensal por aquela ocupação se, entretanto, se alterarem em seu desfavor, as circunstâncias que estiveram na base daquele acordo”. (sublinhado nosso).
8 – Ora no caso concreto, a requerente/apelante tem os filhos do casal a seu cargo e vive em casa arrendada, pagando para o efeito 250.00 €, ganha o salário mínimo nacional e recebe a quantia de 240.00 € a título de prestação de alimentos fixados aos menores.
9 – O requerido/apelado vive na casa de morada de família, paga as prestações referentes ao mútuo contraído pelo casal para a construção da casa e a pensão de alimentos aos filhos, aufere o salário mínimo.
10 – Ora, na data em que foi decretado o divórcio e em que ambos acordaram em atribuir a casa de morada de família ao requerido até à partilha dos bens, sem qualquer contra partida, a requerente/apelante auferia o salário mínimo nacional, note-se que à data era no montante de 530.00 €, actualmente é no montante de 580.00 €, recebia a prestação de alimentos referente aos filhos menores no montante de 225.00 €, actualmente recebe 240.00 € (cfr. docs. 27 a 31 juntos à oposição), o valor da renda do imóvel que arrendou aquando o divórcio, continua a ser de 250.00€, não tendo até á data sofrido qualquer aumento.
11 – Acresce ainda que, a requerente admitiu nas suas declarações de parte, que não ocorreu qualquer alteração na sua situação económica desde a separação do casal.
12 – Pelo que, salvo o devido respeito, não se provou que tenha havido uma alteração substancial das concretas circunstâncias em desfavor da requerente, que se justifique a alteração do acordo firmado na acção de divórcio pela requerente e pelo requerido quanto à casa de morada de família.

NESTES TERMOS

E nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vªs. Exªs. deverá a presente apelação ser julgada totalmente improcedente, mantendo-se, na integra, a decisão recorrida.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. (1) Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (2) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (3)

As questões enunciadas pela recorrente são as seguintes:

a) A pedida alteração da matéria de facto julgada;
b) Apreciação e interpretação da matéria de facto dada como provada;
c) Aplicação do direito à matéria de facto dada como provada.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA

De acordo com o disposto no art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, este Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, devendo ainda, assim proceder oficiosamente, nos termos previstos no seu nº 2.

No caso em apreço a Recorrente pretende que se modifique a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância para que, singelamente, se considere provado que o Recorrido aufere um vencimento acima do salário mínimo nacional (sem indicar o seu valor) e se considere não provado que mesmo aufere o salário mínimo nacional.

Antes de se colocar a questão da viabilidade formal e substancial desse pedido à luz da previsão dos arts. 640º e 662º, do Código de Processo Civil, há que ponderar o seguinte.

Tal como foi configurada e contextualizada a presente demanda, quer pela Requerente (nomeadamente em sede das alegações de ambos os recursos que interpôs), quer pelas decisões entretanto proferidos nos autos (nomeadamente por este Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão que se pronunciou sobre a viabilidade do pedido formulado por si), estamos perante um incidente de alteração do acordo fixado pelas partes sobre o uso da casa de morada de família, estabelecido e homologado no processo principal, de divórcio, a final consensual (cf. item 4. dos factos assentes na sentença em crise).

Com efeito, embora a Requerente tenha dado ao seu requerimento inicial um figurino próprio de um pedido original de fixação de renda, cedo cedeu à tese de que o mesmo configura um incidente de alteração do regime estabelecido nesse acordo fixado pelas partes em 18.2.2015, tendo este Tribunal da Relação aceite tal posição e ordenado o prosseguimento dos autos, nesse pressuposto.

Para tanto, a Requerente disse que alegou e demonstrou, inequivocamente, que ocorreu uma alteração substancial e anormal das circunstâncias que foram tidas em consideração no acordo sobre a atribuição da casa de morada de família que foi homologado pro sentença (4).

Ainda agora no recurso em apreço, a Recorrente funda o seu pedido de modificação da decisão da primeira instância seguindo o entendimento propugnado por jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto (cf. item 30) das suas conclusões) de que essa alteração superveniente determina a modificação das resoluções anteriores do Tribunal, em sede de jurisdição voluntária, como é caso.

Todavia, não vislumbramos na alteração da decisão da matéria de facto proferida, neste concreto caso, qualquer mudança que nos permita concluir em tal sentido.

Em bom rigor, não se percebe tal alteração superveniente com ou sem essa modificação da decisão de facto, já que não se alegou qual a realidade, distinta, nessa matéria, que existia à data de tal acordo ou decisão de 2015, que entretanto foi modificada no sentido agora proposto. Aliás, se repararmos bem, na impugnação dessa decisão a Recorrente dá a entender que essa era a realidade existente e conhecida à data do acordo, pois se reporta a um cenário que ocorria já em tempo em que o casal ainda convivia como tal, assim como o fazem as testemunhas citadas!

Deste modo, não vemos que exista qualquer interesse para a decisão a proferir nestes autos que se conheça dessa concreta pretensão recursiva.

É que, como se afirma em arresto deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 1.3.2018, relatado pela Des. Maria João Matos (5), a jurisprudência veio precisar que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.

“Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).

Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o (s) facto (s) concreto (s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (conforme Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12.0T2AVR.C1).

Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo nº 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10.3TBLRA.C1, onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação»).”

Nesta medida, ao abrigo do disposto nos arts. 2º, nº 1, 6º e 130º, do Código de Processo Civil, decide-se não conhecer desta particular impugnação.

3.2. FACTOS A CONSIDERAR

Os tidos em conta pela primeira instância, aliás citados pela Recorrente nas suas conclusões (para os quais se remete no termos do disposto no art. 663º, nº 6, do Código de Processo Civil).

3.3. DO DIREITO APLICÁVEL

A noção de casa de morada de família flui dos artigos 1682º-A e 1682º-B do Código Civil, pelos quais se verifica que abrange a casa arrendada por um ou ambos os cônjuges e a de propriedade de um deles ou comum.

A doutrina tem entendido que o conceito de casa de morada de família implica que a casa constitua ou tenha constituído a residência principal do agregado familiar e que um dos cônjuges seja titular de um direito que lhe confira a utilização dela para aquele fim. (6)

Já antes da redacção actual dessa norma se entendia que em determinados casos seria alterável o regime dessa atribuição.

Num sentido comum, a casa de morada de família é o edifício ou a estrutura com destino a habitação, onde reside um conjunto de pessoas do mesmo sangue ou ligadas por algum vínculo familiar. (7)

Em termos jurídicos, e porque os textos legislativos não fornecem qualquer noção, a casa de morada de família tem sido definida pela doutrina como “a casa de residência comum dos cônjuges, o local em que os cônjuges, no exercício do seu comum poder de imprimir uma direcção unitária à vida familiar, determinaram fixar a residência da família” (Nuno Espinosa da Silva, Posição sucessória do cônjuge sobrevivo, Reforma do Código Civil, Ordem dos Advogados, 1981, pg. 72) ou “a casa que constitua a residência habitual principal do agregado familiar, ou seja, aquela residência, determinável caso por caso, que, pela sua estabilidade e solidez, seja a sede e o centro principal da maioria dos interesses, das tradições e das aspirações familiares em apreço” (Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2.ª edição reimpressão, 1990, pg. 246).

A presente demanda tem a ver com a decisão de atribuição da casa, por efeito do divórcio, a qualquer dos ex-cônjuges, ao abrigo do artigo 1793º do Código Civil (8), maxime a sua alteração, que é o que o demandante pretende na sequência do acordo estabelecido em audiência de julgamento.

Se a casa de morada de família for bem próprio ou comum dos cônjuges, o tribunal pode dar a mesma de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, quer esta seja comum ou própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e os interesses dos filhos do casal, fixando as condições do contrato de arrendamento, designadamente a sua duração e valor mensal (artigo 1793.º, n.º 1 do Código Civil).

Se a casa pertencer, na totalidade, a um dos cônjuges, a renda fixada ser-lhe-á paga na totalidade. Sendo pertença de ambos, pagará a sua quota-parte nessa renda, ou seja, metade desse valor. Se, na futura partilha dos bens comuns, o imóvel vier a ser adjudicado ao cônjuge arrendatário, cessa o arrendamento mas, no caso contrário, passará a pagar a totalidade da renda. (9)

Convém notar que estamos perante direito a declarar no âmbito de jurisdição voluntária (cf. art. 990º, do Código de Processo Civil), de acordo com as regras do art. 986º e ss., do mesmo Código, maxime tendo em mente que o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (cf. o seu art. 987º).

A norma do art. 1793º dita que se deve decidir considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.

O legislador quis com esta norma (art. 9º, nº 1, do Código Civil) resolver uma necessidade provocada pela separação definitiva dos cônjuges.

Porém, questão prévia à decisão do presente caso era e é o da admissibilidade da superveniente fixação de uma compensação ou renda pela utilização acordada originalmente sem qualquer retribuição, com parece ter sido o espírito do acordo estabelecido entre as partes em litígio.

Cremos que a previsão do art. 1793º, nº 3, do Código Civil (introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro), ao admitir a superveniente alteração do acordo nos termos gerais da jurisdição voluntária não deixa margem para dúvidas. Aliás, já assim pensavam a doutrina e a jurisprudência (vide Ac. do T.R. do Porto anotado com extensa argumentação nesse sentido (10)).

Como se afirma nesse arresto, em suma, a alteração será possível desde que tenha ocorrido alteração substancial e anormal das circunstâncias tidas em consideração aquando da celebração e homologação do acordo - Salter Cid, A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português, págs. 314/316 .

(…)
Por isso que, o mesmo autor Salter Cid, desenha o quadro em que, verificados certos pressupostos cumulativos, aceita a alteração:

a) Que se tenha produzido uma alteração no conjunto de circunstâncias ou de representações consideradas ao tempo da adopção das medidas, o mesmo é dizer, uma alteração ou transformação do “cenário” contemplado pelos cônjuges ou pelo juiz na convenção, aprovação ou determinação das medidas cuja modificação se postula. (...);
b) Que a alteração seja substancial, quer dizer, importante ou fundamental em relação às circunstâncias contempladas na determinação das medidas judiciais ou acordadas, ainda que em si mesma ou isoladamente considerada a novidade não resulte tão extraordinária ou transcendental. (...);
c) Que a alteração ou mudança evidencie sinais de permanência que permitam distingui-la de uma modificação meramente conjuntural ou transitória das circunstâncias determinantes das medidas em questão e considerá-la, em princípio, como definitiva. (...);
d) E, finalmente, que a alteração ou variação afecte as circunstâncias que foram tidas em conta pelas partes ou pelo juiz na adopção das medidas e influíram essencial e decisivamente no seu conteúdo, constituindo pressuposto fundamental da sua determinação. (...).»

E acrescenta:

«A alteração substancial das circunstâncias justificativas da modificação das medidas pode (...) ser motivada tanto pela ocorrência de factos novos, como pelo conhecimento de factos anteriores de significativa transcendência ignorados na sua adopção.(…).

Posto isto, é actualmente direito vigente a possibilidade de se alterar esse regime, nos termos dos arts. 986º e ss., do Código de Processo Civil, ou seja, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, antes adoptando a solução que se julgue mais conveniente e oportuna, contudo, essa modificação deverá estar assente em circunstâncias novas ou de conhecimento superveniente (por ignorância anterior ou motivo ponderoso) (11) que importem uma resolução diversa da anteriormente adoptada, neste caso, pelas partes. É que, como já dizia Alberto dos Reis (12), não se pode concluir dessa livre alteração que não é possível a formação de caso julgado nos processos de jurisdição voluntária.

Daí que a nova resolução do Tribunal deverá ter em conta a existência ou conhecimento superveniente de circunstâncias que importem um juízo diverso do que foi anteriormente foi realizado pelas partes ou pelo Tribunal no que, neste particular, diz respeito ao uso da casa de morada de família, sem o que, em vez de estarmos perante uma nova questão, estaríamos perante uma reapreciação extemporânea, desde logo em primeira instância, de uma decisão anteriormente transitada nos termos dos arts. 619º e 628º, do Código de Processo Civil (ex vi, do seu art. 549º, nº 1).

A Requerente parece entender coisa diversa e inadmissível nas conclusões do seu recurso, fazendo uma interpretação muito própria das normas acima citadas e da jurisprudência que cita, pois pretende, em bom rigor, que se reaprecie a bondade da solução anterior apenas sobre uma diferente perspectiva da realidade já existente ou então previsível (cf., v.g., item 24. das suas conclusões)

É que, bem vistas as coisas, não ressalta dos “factos dados como provados”, com ou sem a alteração pretendida, que tenha ocorrido alguma mudança nos rendimentos que ambas as partes tinham à data do mesmos (antes parece até do recurso da matéria de facto que a realidade era essa) e não se pode concluir, sem mais, que os restantes factos não eram conhecidos ou previstos no momento do acordo agora posto em causa.

Aliás, se olharmos à p.i. da Requerente no processo principal de divórcio acima citado (cf. arts. 662º, nº 1, e 986º, nº 2, do Código de Processo Civil), constata-se que a mesma já estaria separada de facto do Requerido desde 3.10.2013, data em que este lhe “deu €1000” para ela arrendar uma casa, sendo que em 18.2.2015 (13), dois anos mais tarde, ambas as partes aceitaram no acordo que permitiu o divórcio por mútuo consentimento, que a regulação das responsabilidades dos seus dois filhos já se encontrava estabelecida no apenso B destes mesmos autos, em cujo requerimento inicial a aqui Recorrente afirmava que, desde a separação do casal, vivia, com os filhos, em casa arrendada, pela qual pagava 250 euros. Em 20.12.2013, neste mesmo apenso B, foi fixado regime parental provisório, que manteve as crianças com a mãe e fixou a pensão de alimentos em 200 euros (100 por cada criança). (14) A final, ainda nesse apenso, por acordo das partes, por sinal outorgado na mesma hora e data (15) do referido em 4. dos factos assentes na sentença em crise, perante o mesmo Tribunal, foi mantido essa residência das crianças e fixada ao pai uma obrigação de alimentos que previa uma prestação pecuniária, por cada criança, de €112,50, bem como a entrega regular de alimentos em espécie e despesas indeterminadas de educação e saúde.

Visto o exposto, inexiste na matéria julgada assente ou na que os autos permitiriam extrair oficiosamente, razão para se considerar que ocorreu neste caso alguma circunstância relevante superveniente ou que alguma foi ignorada ou deixou de ser alegada por motivos ponderosos, razão pela qual, se julga acertado o juízo de improcedência formulado pelo Tribunal recorrido e se considera insustentada a presente apelação.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.
Custas pela apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
*
*
Guimarães, 17.12.2018

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Sandra Melo
2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio


1. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
2. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
3. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
4. Cf. alegações do anterior recurso, a fls. 68
5. In http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/e59018c01102be3e80258257004d9b55?OpenDocument
6. – Nuno de Salter Cid, in A Proteção da Casa de Morada de Família no Direito Português, Coimbra, 1996, págs. 53 e 54.
7. In Guia Prático do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, CEJ, p.47
8. 1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer essa seja comum quer própria de outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. 2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem. 3 - O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.
9. Cf. Guia Prático do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, CEJ, p.48
10. Tendo sido celebrado na pendência de divórcio acordo nos termos do qual o cônjuge marido ficaria a residir na casa de morada de família – bem comum do casal – até à partilha dos bens – sem a contrapartida de qualquer pagamento, pode a mulher requerer que o tribunal fixe em seu benefício uma quantia mensal por aquela ocupação se, entretanto, se alteraram em seu desfavor, as circunstâncias que estiveram na base da gratuitidade daquela consentida ocupação. In Ac. do T.R.P., 5.2.2007, http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/418ed198e4038bbf802572810055b44b?OpenDocument
11. 1 - Nos processos de jurisdição voluntária, as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.
12. In Processos Especiais, vol. II, 1982, p. 403
13. Cf. Acta dessa mesma data no processo principal de divórcio
14. Cf. acta com essa data
15. Cf. acta com a mesma data