Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
727/16.5PBGMR.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: RELATÓRIO PERICIAL
VALORAÇÃO EM JULGAMENTO
ROUBO
CONSUMAÇÃO
ARTº 355º Nº 1 DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A circunstância de relatórios de perícias médico-legais não terem sido analisados em sede de audiência de julgamento não invalida que sejam valorados no processo de formação da convicção do tribunal.

II) Com efeito, está sedimentado na nossa jurisprudência o entendimento de que o disposto no artº 355º, nº 1, do CPP, é inaplicável aos elementos probatórios de natureza documental e aos meios de obtenção de prova.

III) A consumação do furto deve partir da distinção entre "subtração" e "domínio", para se concluir que o crime se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é instantâneo domínio de facto, pois exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da mesma.

IV) Assim, não se verificará a consumação do furto/roubo quando o agente é surpreendido no momento em que subtrai a coisa, sem existir possibilidade real de disposição dela, ou quando é efetuada uma perseguição sem solução de continuidade (ininterrompida) e coroada de êxito pelo perseguidor. Mas haverá consumação se a perseguição tiver lugar depois de descoberto o furto, isto é, quando o agente pôde hipoteticamente dispor do bem subtraído.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de Tribunal Coletivo, com o NUIPC 727/16.5PBGMR, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Guimarães - J4 (anterior Secção Criminal da Instância Central), foi proferido acórdão, datado e depositado a 06-04-2017, com o seguinte dispositivo (transcrição[1]):
«Em face do exposto e sem necessidade de maiores considerações:

1) Julga-se a acusação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena-se o arguido M. S.,
a) pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo sob a forma tentada, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 e 24º do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão por cada um dos crimes;
b) pela prática em coautoria de um crime de burla para obtenção de alimentos, previsto e punido pelo artigo 220º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão;
c) pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo consumado, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão por cada um desses crimes;
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas condena-se o arguido na pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva.

2) Julga-se a acusação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condena-se o arguido A. M., a) pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo consumado, previsto e punido pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão por cada um desses crimes;
b) pela prática, em coautoria, de um crime de burla para obtenção de alimentos, previsto e punido pelo artigo 220º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão.
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas condena-se o arguido na pena única de quatro anos e seis meses de prisão efetiva.

3) Absolve-se o arguido J. M. do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º do Código Penal, pelo qual vinha acusado.

4) Absolve-se o arguido A. M. do crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º do Código Penal, pelo qual vinha acusado.
O tribunal decide ainda manter a sujeição do arguido M. S. à medida de coação de obrigação de permanência na Comunidade Terapêutica do Centro de Solidariedade de Braga “Projeto Homem”, com fiscalização do seu cumprimento mediante recurso aos meios de vigilância eletrónica.
Custas pelos arguidos A. e M., com taxa de justiça de 4 Ucs para o arguido A. e de 2 UCs para o arguido M..»

2. Dessa decisão foram interpostos os seguintes recursos:
2.1 - Pelo arguido M. S., que concluiu a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição):

«CONCLUSÕES:
1 - O presente recurso centra-se na discordância da qualificação jurídico-penal quanto aos factos praticados, bem como na medida e graduação das penas aplicadas e na contradição entre os factos dados como provados e a motivação.
2 - No entendimento do Tribunal a quo foi o recorrente condenado pela prática de dois crimes de roubo sob a forma tentada, previsto e punido pelo artigo 210º n.º 1 e 24° do Código Penal, na pena de dez meses de prisão por cada um dos crimes pela prática em coautoria de um crime de burla para obtenção de alimentos, previsto e punido pelo artigo 220° n°1 alínea a) do C.P., na pena de 3 meses de prisão, pela prática, em coautoria, de dois crimes de roubo consumado, previsto e punido pelo artigo 210° n° 1 do C.P., na pena de dois anos de prisão por cada um desses crimes.
3 - Salvo o devido e muito respeito, não assiste qualquer razão para a aplicação destas penas.
4 - Quanto ao crime de roubo na forma tentada, a vítima apenas trazia consigo € 30,00 (cfr fundamentação do Acórdão), pelo que tratando-se de um crime contra o património, como é o roubo, na medida da pena há que sopesar o valor do que poderia ter sido efetivamente apropriado e esse valor é absolutamente irrisório, pelo que a pena aplicada deveria ter sido próxima do seu limiar mínimo e até suspensa na sua execução, tendo em conta os pressupostos do art. 50° do C.P e as exigências de prevenção impostas.
4 - O Tribunal a quo entendeu que no crime de burla p. e p. pelo art. 220° do C.P., os arguidos agiram previamente acordados e em conjugação de esforços e deu como provado que o valor do prejuízo foi de € 8,50.
5 - No nosso entendimento a prova produzida não pode formar essa convicção, resultando da norma vertida no art. 220° do C.P. que tem de haver intenção no não pagamento, o que não resultou demonstrado.
6 - Pelo que, não se encontram preenchidos os requisitos do tipo de crime da burla.
7 - Por esse motivo, o arguido deve ser absolvido e, só no caso de assim não se entender, também, e tendo em conta o valor do prejuízo causado, que é bastante diminuto, senão mesmo irrisório, sempre a pena é perfeitamente desajustada, devendo ter-se optado pela pena de multa, ou
8 - A aplicar-se a pena de prisão, ter sido suspensa na sua execução.
9 - O Tribunal a quo condenou, ainda, o Recorrente pela prática em coautoria de dois crimes de roubo consumado p. e p. pelo art. 210º n° 1 do C.P e, ao fazê-lo, efetuou uma errada qualificação jurídico-penal, verificando-se contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, bem como se considera a medida da pena concreta de 2 anos de prisão, quanto a cada um dos crimes, desajustada.
10 - Pois não permite incluir a conduta do arguido na tipicidade objetiva da coautoria.
11 - Na verdade, não foram carreados factos que permitam provar a coautoria, mas apenas, e tão só que, cada um deles cometeu um crime de roubo.
12 - O arguido foi condenado por crimes que atentam contra o património, ou seja, que têm o património como bem jurídico protegido — burla e roubo — e, sendo assim, na medida das penas há que sopesar os valores efetivamente apropriados, e estes são de facto irrisórios.
13 - Os valores em causa em todos estes ilícitos contra o património são irrisórios, pelo que, mesmo tendo em conta o CRC do arguido, as penas parcelares a aplicar-lhe teriam de ser fixadas no seu limiar mínimo, e no caso da burla, ser mesmo uma pena de multa, quando se considere que os factos constantes do Acórdão constituem crime.
14 - Nos termos do disposto no art. 40° do C.P. a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
15 - Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo uma vez que a prova produzida não reflete violência dos atos nem antes nem após a prática dos mesmos, qualquer tipo de ameaça e, tem como lesão nos patrimónios, valores absolutamente irrisórios.
16 - Verificam-se os pressupostos para a aplicação da suspensão da pena na sua execução.

Pelo exposto,

- não deve o arguido/recorrente ser condenado como autor pela prática de dois crimes de roubo sob a forma tentada, previsto e punido pelo artigo 210º n° 1 e 24° do Código Penal, na pena de dez meses de prisão por cada um dos crimes, mas antes, deve a pena ser fixada no seu limiar mínimo, atento o valor do bem jurídico protegido
- deve o arguido Recorrente ser absolvido da prática do crime de burla para obtenção de alimentos, p. e p. pelo art. 220° do C.P., e , mesmo que se considere haver uma correta qualificação jurídica, atento o valor, ser-lhe aplicada uma pena de multa.
- não deve o arguido/Recorrente ser condenado como coautor, da prática dos crimes de roubo , p. e p. pelo art. mas apenas como autor pela prática de um crime de roubo na forma consumada, devendo a sua pena sofrer um desagravamento, e ser reduzida para o seu limite mínimo de um ano, devendo também aqui atentar-se no valor do prejuízo sofrido, e suspendendo-se a mesma na sua execução.
- deve dar-se ao arguido a possibilidade de, a ser-lhe aplicada pena privativa de liberdade, não sendo suspensa, poder ser cumprida na Comunidade Terapêutica, atentos os Relatórios juntos e as necessidades de prevenção e reintegração

TERMOS EM QUE, INVOCANDO-SE O DOUTO SUPRIMENTO DO VENERANDO TRIBUNAL, DEVE O PRESENTE RECURSO SER DECLARADO PROCEDENTE E POR VIA DISSO REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA»

2.2 – Por seu turno, o arguido A. M. extraiu da motivação do seu recurso conclusões que, pela sua excessiva extensão, se afastam claramente do que é legalmente previsto e desejável (um resumo das razões do pedido), mas que, ainda assim, se opta por transcrever integralmente:

«CONCLUSÕES:

1- O arguido interpõe recurso da decisão que decidiu condená-lo pela prática de dois crime de roubo na forma consumada a uma pena de 3 anos de prisão por cada um e de um crime de burla para obtenção de alimentos na pena de 4 meses de prisão, operando o cúmulo jurídico condenou o arguido na pena única de quatro anos e seis meses de prisão efetiva, quer quanto à parte da matéria de facto dada como provada, quer sobretudo quanto à aplicação do Direito.
2- Existem determinadas questões que merecem a discordância do recorrente, relativamente à matéria de facto dada como provada, e se lhe afiguram passíveis de reparo, nomeadamente parte do vertido no artigo 7º, 8º, 13º, 18º, 19º dos factos dados como provados que, face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, deveriam ter sido dados como não provados, com as inevitáveis consequências quanto ao julgamento de direito, assim como parte do vertido nos artigos 11º (na parte que refere “puxando-o com força”), 12º (na parte que refere “ puxando-o com força”) 13º, 14º, 15º e 16º (na parte que refere “ exerceram violência contra os ofendidos”) que não deveriam ter sido dados como provados da forma como o foram.
3- Atendendo à fundamentação da decisão tomada pelo Tribunal a quo, o arguido/recorrente, interpõe o presente recurso que assenta em três questões fundamentais:
· Impugnação da matéria de facto dada como provada e contradição com a Motivação;
· Do enquadramento jurídico-penal da conduta dos arguidos quanto ao crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços e aos crimes de roubo;
· Escolha e determinação da medida da pena
4- No que concerne ao crime de burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços, previsto e punido pelo artigo 220º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal, o Tribunal Coletivo entendeu que os arguidos previamente acordados e, em conjugação de esforços, pediram alimentos e bebidas, no valor global de 8,50 euros. Que os arguidos atuaram de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de levar os ofendidos, iludidos pela encenação realizada, a servir-lhes alimentos e bebidas num estabelecimento de restauração, bem sabendo que estavam obrigados a efetuar o seu pagamento. Que os mesmos agiram desde o início com intenção de não pagarem e de obterem para si um proveito económico ilegítimo, à custa do correspondente prejuízo patrimonial dos ofendidos, tudo conforme o vertido nos artigos 7º, 8º, 18º e 19º dos factos provados no douto acórdão recorrido.
5- No modesto entendimento do recorrente, a prova produzida não poderia levar o Tribunal a quo a formar a firme convicção de que os arguidos, desde o início, tinham delineado o plano de consumir as bebidas e os alimentos e de não pagarem, uma vez que das declarações do arguido M., conjugadas com as declarações da testemunha A. T. não se depreende que os arguidos planearam fazê-lo.
6- O arguido M. refere que antes tinham estado noutros estabelecimentos comerciais, onde consumiram e o arguido A./recorrente pagou. Pelo que, em momento algum, o arguido M. referiu que combinaram naquele café consumirem e não pagarem. Aliás, conforme refere a testemunha A. T. o recorrente pediu a conta e disse ao arguido M. para pagar.
7- O arguido M. nunca referiu que o Recorrente soubesse que ele não tinha dinheiro, pelo que das suas declarações constata-se que não existiu nenhuma combinação entre eles de consumirem a comida e a bebida e de não pagarem.
8- A este respeito as declarações do arguido M. S., cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, ata da audiência de discussão e julgamento do dia 30/03/2017, que se transcreveram parcialmente Minuto 07:21 a 08:42 e,
9- Declarações da testemunha A. T., cujo depoimento encontra-se gravado em suporte digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, ata da audiência de discussão e julgamento do dia 30/03/2017, que se transcreveram parcialmente-Minuto 04:33 a 05:39.
10- Pelos depoimentos transcritos e pelo que acima ficou dito os artigos 7º, 8º, 18º e 19º dos factos provados no douto acórdão não deveriam ter sido dados como provados, da forma como o foram.
11- No que concerne à prática e condenação do recorrente por 2 crimes de roubo em coautoria, previstos e punidos pelo 210, n.º 1 do Código Penal, o Tribunal a quo deu como provado que o recorrente agarrou o fio de ouro que o ofendido A. T. tinha ao pescoço e, puxando-o com força, arrancou-o e que o arguido M. terá efetuado o mesmo à ofendida M. F., ou seja, arrancou com força o fio de ouro que a mesma trazia consigo, dando como provado as lesões descritas nos exames médicos juntos aos autos, mas que em momento algum foram apreciados esses exames médicos em sede de audiência de discussão e julgamento, nem questionados os ofendidos se, em virtude daqueles factos, tinham ido ao hospital, comprovando assim que aqueles exames eram referentes aqueles factos.
12- Deu, ainda, o Tribunal a quo como provado que, após estes factos os arguidos abandonaram o local levando consigo os fios que pertenciam aos ofendidos, sendo que o valor do fio da ofendida teria um valor patrimonial de 250,00 euros e o do ofendido tinha um valor não concretamente apurado, tudo conforme artigos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º dos factos provados da douta decisão recorrida, os quais não deveriam, também, ser dados como provados, da forma como o foram.
13- Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não poderia o Tribunal a quo a dar como provado que os ofendidos puxaram com força os fios, mas apenas que arrancaram os fios dos ofendidos. Isso sim, ficou provado. Nem poderia o tribunal a quo, com o devido respeito que o mesmo nos merece, dar como provado que os arguidos abandonaram o local levando consigo os fios, uma vez que o fio da ofendida caiu no local, tendo sido recuperado pela mesma.
14- O Tribunal a quo não poderia ter dado como provado que o valor do fio da ofendida teria o valor de cerca de 250,00 euros e o do ofendido de valor não concretamente apurado, uma vez que o valor do fio do ofendido, de acordo com as suas declarações rondaria os 200 euros, um pouco menos ou um pouco mais, conforme referido pelo mesmo, ao contrário do valor do fio da ofendida que não se conseguiu apurar o seu valor, até porque o mesmo foi recuperado.
15- Pelo que, são evidentes as discrepâncias dos factos dados como provados, com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
16- O Tribunal a quo dá como provado no artigo 13º que após terem puxado os fios os arguidos abandonaram o local levando consigo os mesmos, sendo que o valor do fio do ofendido era de valor não concretamente apurado;
17- Certo é que, na Motivação da sua decisão o Tribunal a quo refere que o ofendido A. T. confirmou o valor do fio de ouro que lhe foi arrancado e que o fio da mulher foi encontrado no local, conforme página 18 do douto acórdão recorrido.
18- Pelo que, existe contradição com a matéria dos factos dados como provados e a motivação explanada pelo Tribunal a quo.
19- A este respeito vide as declarações do arguido M. S., cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, ata da audiência de discussão e julgamento do dia 30/03/2017, que se transcreveu parcialmente - Minuto 04:42 a 05:08 e,
20- Declarações da testemunha A. T., cujo depoimento encontra-se gravado em suporte digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, ata da audiência de discussão e julgamento do dia 30/03/2017, que se transcreveu parcialmente-Minuto 01:47 a 02:13.
21- No crime de burla para obtenção de alimentos, previsto e punido pelo artigo 220º, n.º 1 alínea a) do CP, ressalta do escopo da norma a intenção do não pagamento, sendo que a intenção de não pagar tem que existir antes do consumo dos alimentos ou bebidas, tal como refere o acórdão n.º JTRP00038046, de 18/05/2005, cujo relator é Dias Cabral, disponível em www.dgsi.pt, relativamente à burla para acesso a meios de transporte.
22- O artigo 220º limita-se a subordinar a burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços a um regime punitivo mais favorável, em termos de moldura penal, mas que quanto ao resto, coincide com a infração do artigo 217º do Código Penal, tendo que preencher todos os elementos constitutivos do tipo legal aí previsto nesse normativo.
23- Das declarações do arguido M. e das declarações da testemunha A. T., parcialmente transcritas, resulta que os arguidos ao pedirem a comida e as bebidas que consumiram, não o fizeram com a intenção de não proceder ao seu pagamento, até porque o recorrente pediu a conta e quando a mesma foi entregue solicitou ao arguido M. que a pagasse, sendo que ambos acabaram por não o fazer.
24- Atenta a prova produzida não se demonstrou a intenção do recorrente, quando se deslocou ao estabelecimento comercial, em consumir e não pagar, não houve um plano delineado para esse efeito.
25- Aliás, de acordo com as declarações do arguido M. antes destes factos os arguidos tinham estado em outros estabelecimentos a consumir e o arguido/recorrente pagou sempre a conta.
26- Pelo que, o recorrente não agiu desde o início com a intenção de não pagar, falecendo, assim, um dos pressupostos para o crime do artigo 220º, nº 1 alínea a) do CP.
27- Desta forma, entende o recorrente, com o devido respeito por opinião contrária, que quanto a este crime o mesmo deveria ser absolvido, o que se pede a este Venerando Tribunal.
28- Para o caso de V.exas assim não o entenderem, o que apenas por hipótese se admite, sempre se dirá que a pena aplicada ao recorrente é desproporcional face ao valor do consumo em questão, ou seja, 8,50 euros.
29- O crime em questão é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
30- Entende o aqui o recorrente que o Tribunal a quo deveria, caso estivessem preenchidos todos os pressupostos do ilícito em questão, que na sua modesta opinião não estão, ter optado por uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão atento o diminuto valor do consumo dos alimentos e bebidas em questão.
31- A pena de prisão deve ser reservada para situações de maior gravidade e alarme social. Ora a situação em apreço nos autos revela que o consumo total efetuado pelos dois arguidos foi de 8,50 euros, não tem o recorrente qualquer condenação por crime idêntico, pelo que a pena de multa, no seu modesto entendimento, cumpriria de forma adequada e suficiente as exigências e finalidades da punição.
32- A ser aplicada ao recorrente pena de prisão, esta deveria ser reduzida ao mínimo devendo ser suspensa a sua execução. A pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. Ora, tal situação não se aplica ao aqui recorrente, neste crime em concreto, uma vez que a aplicação ao mesmo de uma pena de substituição, nomeadamente a suspensão da execução da pena, não poria de modo algum, de acordo com a prova produzida, em causa a tutela dos bens jurídicos nem a estabilização das expectativas comunitárias.
33- No que se refere aos dois crimes de roubo pelos quais o recorrente foi condenado, entende o mesmo, com o devido respeito por opinião contrária, que de acordo com a prova produzida o mesmo apenas teria que ser condenado por um crime de roubo em coautoria, relativamente ao ofendido A. T. e um crime de roubo na forma tentada relativamente à ofendida M. F..
34- Da prova produzida resulta á evidência que no momento em que o arguido M. arrancou do pescoço da ofendida o fio, o mesmo terá caído, não tendo o arguido consumado a subtração. Aliás, é o próprio ofendido A. T. que refere que os arguidos apenas roubaram um fio, porque o da mulher foi encontrado no local, minuto 2:34 a 03:34.
35- Pela prova produzida, julga o recorrente, que não houve roubo consumado relativamente ao fio da ofendida M. F., uma vez que o mesmo caiu ao ser arrancado do pescoço da ofendida.
36- Existe tentativa no crime de roubo se não se consumou a subtração ou a entrega da coisa móvel alheia e/ou não se conseguiu o efetivo constrangimento, havendo atuação criminosa, através de atos de execução do crime de roubo.
37- “O crime de roubo, tal como o de furto, consuma-se “quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa”. Ou, dito com a doutrina espanhola, consuma-se quando o agente passa a poder dispor da coisa (teoria da disponibilidade)”. Vide a este respeito o acórdão da Relação de Lisboa, datado de 24-11-2009, cujo relator é Pedro Martins, em www. dgsi.pt.
38- Pelo que, no modesto entendimento do recorrente, não deveria o recorrente ser condenado por dois crimes de roubo em coautoria, mas sim pelos crimes em coautoria de um crime roubo e de um crime de roubo sob a forma tentada, por não ter havido efetiva subtração, de acordo como artigo 210º, nº 1 e 22º e 23º todos do Código Penal.
39- Relativamente ao crime de roubo em coautoria perpetrado contra o ofendido A. T. sempre se dirá que a pena aplicada ao arguido/recorrente de 3 anos de prisão efetiva é, com o devido respeito que o Tribunal a quo nos merece, manifestamente exagerada.
40- O conceito de violência previsto no crime de roubo é um conceito que não é de todo pacífico, havendo entendimento que todo o emprego da força física cai sob a alçada do tipo legal de crime e havendo entendimento contrário.
41- No caso em concreto, pese embora o fio tenha sido arrancado do pescoço do ofendido, não houve, não ficou demonstrado que foi com força que o mesmo foi arrancado. Admite-se, contudo, que a atuação do recorrente seja abrangida por este conceito, uma vez que a violência que foi exercida no fio, na coisa em si, eventualmente, poderá ter atingindo de forma indireta o ofendido.
42- No entanto, a agressão, a eventual lesão provocada no ofendido ao arrancar o fio, no modesto entendimento do recorrente, foi irrelevante à sua integridade física, estamos no, caso em concreto, perante as chamadas “ insignificâncias”.
43- O recorrente não usou de qualquer ameaça, não usou de violência física contra o ofendido de molde a colocar a sua integridade física em causa.
44- Além de que, o fio roubado não tem um valor elevado, nem se demonstrou que afetivamente o tivesse.
45- Pese embora, o recorrente admita a censurabilidade da sua atuação, não pondo em causa a condenação, facto é que, entende com o devido respeito, que a pena que lhe foi aplicada deve ser reduzida.
46- É certo que o recorrente tem um percurso criminal que não o favorece, contudo o mesmo é marcado sobretudo por condenações pelo crime de condução sem habilitação legal, estando inclusive a cumprir pena por esse crime.
47- O arguido/ recorrente é de etnia cigana, o que por si só, implica o estigma da marginalidade associada. Nunca esquecendo a culpa do arguido e o seu livre arbítrio, não se pode deixar de considerar as condições de vida que teve, o início de vida e constituição de família precoce, a absoluta ausência das figuras parentais, e as diminutas oportunidades que se depararam durante a sua fase de formação.
48- No entanto, o recorrente sempre tentou ser pro ativo a nível laboral, tendo no exterior trabalhado como feirante e, posteriormente, em 2014 iniciou atividade por conta própria no comércio de veículos automóveis.
49- O seu percurso dentro do estabelecimento prisional tem sido ordeiro, não se lhe conhece nenhuma infração disciplinar, estando a frequentar a escola que lhe conferirá a equivalência ao 9º ano de escolaridade.
50- O disposto no artigo 40º do Código Penal fornece os critérios que hão de presidir à aplicação das penas: a proteção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo certo que “em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Compaginando o teor do artigo 40.º nº 2 e os elementos contidos no artigo 71.º, ambos do Código Penal, temos que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente (limite inultrapassável), das exigências de prevenção e tendo-se ainda em linha de conta todas as demais circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime (dos elementos essenciais da infração), deponham a favor do arguido ou contra ele.
51- A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção conforme dispõe o art.º 71º, n.º 1 do Código Penal. Na determinação concreta da pena devem ponderar-se todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no n.º 2 da mesma disposição legal. A sua culpa e responsabilidade pelos factos praticados não pode ser escamoteada, mas tem também de ser vista e analisada à luz do seu passado e do processo de formação, da personalidade em que o mesmo ocorreu.
52- Tudo exposto, é nosso entendimento que, no caso concreto, a pena aplicável ao recorrente pelo crime de roubo é excessiva, devendo a mesma e pelas razões supra referidas ser reduzida para muito próximo do limite mínimo da moldura penal, atentas as circunstâncias em que ocorreu o delito em questão.
53- Ao crime de roubo simples na forma consumada corresponde a pena de prisão de um a oito anos e ao crime de roubo sob a forma tentada, de acordo com os artigos 23º, n.º2 e 73º do Código Penal corresponde a pena de um mês de prisão a 5 anos e três meses de prisão.
54- Pelo que, julga o recorrente que quanto ao crime de roubo em coautoria não lhe deva ser de aplicar uma pena de prisão superior a 18 meses e quanto ao crime de roubo sob a forma tentada a pena de prisão de 6 meses, operando o cúmulo jurídico de tais penas nos termos do artigo 77º do Código Penal devendo o arguido ser condenado na pena única, atento o concurso de crimes corresponder a um “ único episódio” de um ano e seis meses de prisão, e ser a mesma suspensa, por igual período de tempo, na sua execução pelas razões infra invocadas.
55- O aqui recorrente foi condenado na pena de quatro anos e seis meses de prisão que, conforme se deixa explanado é, no modesto entendimento do recorrente, exagerada. Face à redação do artigo 50º do Código Penal introduzida pela Lei 59/2007 e considerando o artigo 2º do mesmo diploma importa considerar a aplicabilidade do regime de suspensão da execução da pena.
56- O que se afirma é então que, na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão –, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Significa o exposto que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador – artigo 71º do Código Penal – a partir da ideia de que um ordenamento de prevenção – e esse de prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo Tribunal; sendo igualmente um ordenamento de agora de prevenção geral, no seu grau mínimo – o único que (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial.
57- Assim, reafirma-se o princípio de que as considerações de culpa não devem ser levadas em conta no da escolha da pena. Na verdade, o juízo de culpa já foi feito: antes de se colocar a questão da escolha da pena importou já decidir sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente.
58- Como já referido, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. Ora, tal situação não se aplica ao aqui recorrente, uma vez que a aplicação ao mesmo de uma pena de substituição, nomeadamente a suspensão da execução da pena, não põe de modo algum, de acordo com a prova produzida, em causa a tutela dos bens jurídicos nem a estabilização das expectativas comunitárias.
59- A aplicação de uma pena de substituição – suspensão da execução da pena – mostra-se suficiente, ainda que acompanhada com regime de prova, o que só se refere para mero efeito de raciocínio previsto no artigo 53º do Código Penal, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar a limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem pública, uma vez que hoje é unanimemente conhecido e acolhido que qualquer das formas de substituição da pena de prisão clássica à luz do código penal vigente, não deixa de envolver a inflição de um mal que comporta um efeito mais ou menos penoso para quem o sofre, constituindo nesse sentido, uma verdadeira pena.
60- O que assim se acentua é que o castigo e a reprovação públicas que se exprimem através das penas de substituição satisfazem, nesse sentido, as exigências de justiça que o sentimento geral da comunidade requer assegurando-se, assim, a manutenção da fidelidade do público ao direito e a sua confiança na validade daquele (cfr. Recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.10.2007).
61- A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, como sucede com o Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça de 09-01-2002 (Proc. n.º 3026/01 - 3.ª Secção), divulgado em http://www.stj.pt, que “A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado”, em que na sua base está sempre um juízo de prognose social favorável ao agente, baseada num risco de prudência, em que se deverá “refletir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infração”.
62- No douto acórdão recorrido o Tribunal a quo justifica a não suspensão da pena com base nos seguintes fundamentos: “Relativamente ao arguido A., as considerações são semelhantes: o arguido apresenta um passado criminal intenso e recente para além de não ter um projeto de vida credível ou um substrato de apoio familiar que possa ser tido em consideração.
63- Quer dizer, pensamos que apenas a pena de prisão efetiva é suficiente para corresponder às exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir”.
64- Ora, salvo o devido respeito, em nosso entendimento, não tem razão o Tribunal a quo, uma vez que de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento os factos cometidos foram-no de uma forma amadora, o recorrente não foi violento no momento em que arrancou o fio ao ofendido, nem antes ou posteriormente teve qualquer comportamento de violência ou ameaça. Aliás, o arguido M. confessou que andaram, no dia dos factos, em vários cafés a beber para ganharem coragem.
65- O registo criminal do recorrente, como se disse, é maioritariamente por condução sem habilitação legal.
66- A conduta do recorrente no período de permanência no Estabelecimento Prisional de Guimarães tem sido ajustada às regras em impostas, adotando uma postura ativa, encontrando-se a frequentar o curso de formação de nível B3, que lhe conferirá a equivalência ao 9º ano, sendo, ainda assim e apesar do seu registo criminal, possível realizar um juízo de prognose social favorável ao arguido.
67- Acresce as circunstâncias em que tais factos aconteceram ou ocorreram eram bem diferentes ou distintas das atuais, uma vez que o arguido à data de tais factos vivenciava uma situação familiar difícil, por manter uma relação de namoro com a ex-companheira do filho mais velho, situação que terá provocado desentendimento entre os elementos das duas famílias, originando desequilíbrio no seu comportamento, conforme consta do artigo 77º, do douto acórdão, referente às condições pessoais do recorrente.
68- Ora, atualmente, e como resulta do relatório social, o arguido tem apoio da mãe e do pai. No entanto, o recorrente pretende viver e constituir família com a namorada, e quer conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes.
69- Sem prescindir, é nosso entendimento que o Tribunal a quo não averiguou suficientemente e devidamente as condições sociais, a sua atual inserção e integração após a reclusão do recorrente.
70- Pelo exposto, e sem prescindir, e tendo também em conta o já supra referido quanto à medida da pena, que aqui se dá por reproduzido, deverá a pena a que o aqui recorrente for condenado ser suspensa por igual período, uma vez que entendemos que a reprovação e ameaça contida naquela pena, e tendo em conta o comportamento do arguido desde e durante a reclusão permitem uma prognose favorável e realizam (a reprovação e ameaça) de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Termos em que deve ser revogada o douto acórdão do Tribunal a quo que condenou o recorrente por um crime de burla para obtenção de alimentos, p.p. pelo artigo 220º, n,º 1, alínea a) do Código Penal, absolvendo o recorrente deste crime, quanto aos crimes de roubo, deve o recorrente ser condenado apenas por um crime em coautoria de roubo simples previsto e punido pelo artigo 210º do Código Penal e por um crime em coautoria de roubo sob a forma tentada, de acordo com o artigo 23º do Código Penal, devendo haver redução da pena de prisão aplicada ao recorrente e a mesma ser suspensa na sua execução, como é de inteira JUSTIÇA!»
3. A Exma. Procuradora da República junto da primeira instância respondeu aos recursos, entendendo que ambos devem ser julgados totalmente improcedentes, porquanto, em suma:
3.1 - Em relação ao recurso interposto pelo arguido M. S.:
- A pena de 10 meses de prisão encontrada para cada um dos crimes de roubo na forma tentada apresenta-se como justa e adequada, considerando a mediana ilicitude dos factos, o dolo direto com que o arguido atuou, as elevadas necessidades de prevenção geral associadas a este tipo de crime e, quanto à prevenção especial, o facto de o arguido ter já extensos antecedentes criminais, mas também e em seu favor o facto de ter confessado e ter revelado arrependimento.
- Quanto ao crime de burla para obtenção de alimentos, dos pontos 7º a 10º e 17º a 20º dos factos provados constam todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo, sendo que, quanto ao facto de os arguidos terem delineado de início o plano de consumirem alimentos e não os pagarem, que o recorrente sustenta não resultar da prova produzida, pretendendo ele atacar o processo de formação da convicção do Tribunal, teria de ter impugnado a decisão quanto à matéria de facto, nos termos previstos no art. 412º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o que não fez. Ainda em relação a este crime, atenta a personalidade revelada no facto e o percurso de vida do arguido e as múltiplas condenações já sofridas, impõe-se a aplicação de uma pena de prisão, apresentando-se como insuficiente a pena de multa.
- Em relação aos dois crimes de roubo na forma consuma, não só é manifesto não existir qualquer contradição insanável entre a fundamentação e a decisão no que respeita à existência de coautoria, conforme foi abundantemente fundamentado no acórdão, como também a violência sobre as pessoas se traduziu nos movimentos repentinos e bruscos que resultaram no rebentar dos fios, até com consequências físicas visíveis na zona do pescoço dos ofendidos, tal como resulta dos factos provados nos pontos 14º e 5º, e, ainda, no que concerne à escolha e medida da pena, a circunstância de um dos fios ter ficado caído nas imediações não consubstancia qualquer restituição voluntária por parte do agente que deva ser atendida como conduta posterior nos moldes configurados no art. 71º, n.º 2, aI. e) do Código Penal.
- Tal como as penas parcelares, também a pena única encontrada não pode considerar-se excessiva, considerando que os crimes foram cometidos em duas ocasiões, num período inferior a dois meses, o arguido sofreu já inúmeras condenações, tendo deposto a seu favor apenas as circunstâncias de ter confessado a prática dos factos e revelado arrependimento, sendo que, como bem assinalou o tribunal a quo, o passado criminal do arguido e a gravidade dos crimes praticados impõem a efetividade da pena de prisão, apenas esta se ajustando às necessidades de prevenção geral e especial.
3.2 - Quanto ao recurso do arguido A. M., entende a Exma. Procuradora da República, em suma, que:
- Relativamente ao crime de burla para obtenção de alimentos, não merece censura a decisão do tribunal a quo, ao dar como provado que os arguidos atuaram previamente acordados e em conjugação de esforços, com o propósito de levarem os ofendidos a servir-lhes alimentos e bebidas, atuando desde o início com a intenção de não pagarem, por tal resultar da conjugação das declarações do arguido M. S. e dos depoimentos do ofendido A. T..
- Quanto aos crimes de roubo e respetivo enquadramento jurídico, também não merece censura a decisão recorrida, ao dar como provado que os arguidos puxaram com força os fios de ouro dos ofendidos, porquanto encontram-se juntos aos autos os relatórios das perícias médico-legais realizadas, nos quais os peritos se pronunciaram sobre as lesões que observaram e a sua compatibilidade com a informação prestada quanto à história do evento, constituindo esses relatórios prova documental, forçosamente presente na audiência e submetida ao contraditório, sem necessidade de serem lidas, já que os sujeitos processuais têm conhecimento do seu conteúdo, para além de que é do senso comum que um fio de metal não rebenta senão sofrer um puxão (seja ele voluntário ou não), não sendo possível arrancá-lo sem fazer uso da força. É igualmente acertada a decisão de considerar como consumado o crime de roubo que teve como ofendida M. F., porquanto, como resulta das declarações do arguido M. S., conseguiu retirar o fio de ouro do pescoço daquela, apenas o tendo deixado cair porque foi perseguido e agarrado pelo ofendido A. T., tendo sido encontrado junto da entrada a dois três metros, já fora do estabelecimento, pelo que, muito embora por pouco tempo, os arguidos conseguiram retirar o fio de ouro do domínio da ofendida.
- As penas aplicadas a cada um dos ilícitos e a pena única do concurso de crimes não são excessivas, sendo de realçar, além do mais, as múltiplas condenações criminais do arguido que, além das condenações por condução sem habilitação legal que invoca no seu recurso, sofreu ainda uma pena de seis anos de prisão por crimes de roubo e coação agravada, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional em 04.04.2012, acabando por ser uma vez mais condenado em pena de prisão efetiva, por um crime de condução sem habilitação legal cometido em 05.03.2014 e datando de julho de 2016 os crimes em causa nestes autos, que são crimes que envolveram violência contra as pessoas. Por fim, também a decisão de não suspensão da pena não merece reparo, atento o percurso de vida do arguido e a ausência de um projeto de vida credível e estruturado, impeditivos de se formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do mesmo.
4. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, perfilhando integralmente a posição defendida pela Magistrada do Ministério Público na primeira instância, emitiu parecer no sentido de os recursos deverem ser julgados improcedentes.
5. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nenhum dos recorrentes respondeu a esse parecer.
6. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente (cf. art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso[2], no caso vertente, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir são as seguintes, elencadas de acordo com a ordem pela qual deverão ser conhecidas:
a) - Erro de julgamento quanto, por um lado, aos pontos 7º, 8º, 18º e 19º e, por outro lado, aos pontos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º dos factos provados (recurso do arguido A. M.).
b) - Contradição insanável da fundamentação quanto ao ponto 13º dos factos provados (idem).
c) - Não preenchimento dos elementos típicos do crime de burla para obtenção de alimentos e bebidas (ambos os recursos).
d) - Não verificação da atuação em coautoria nos crimes de roubo consumados (recurso do arguido M. S.).
e) - Não consumação do crime de roubo em relação à ofendida M. F. (recurso do arguido A. M.).
f) - Escolha da pena em relação ao crime de burla na obtenção de alimentos e bebidas e medida das penas parcelares dos crimes de roubo e da pena unitária (ambos os recursos).
g) - Suspensão da execução das penas (idem).

2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO
2.1 - A primeira instância considerou provados os seguintes factos (transcrição):
«1.º
No dia 02 de Junho de 2016, cerca das 17h00, os ofendidos Á. V. e M. S. seguiam apeados pela Rua D. .., Oliveira do Castelo, área desta instância local de Guimarães, tendo sido abordados pelo arguido M. S..
2.º
Seguidamente, o arguido exibiu uma navalha e apontou-a aos ofendidos exigindo-lhes a entrega de todo o dinheiro que tinham.
3.º
Nesse momento, os ofendidos saltaram um muro existente no local e, ato contínuo, compareceram duas pessoas, uma delas irmã do arguido que, em tom de voz alto, disseram-lhe para sair dali, o que acatou.
4.º
O arguido exibiu uma navalha aos ofendidos de forma a, por meio de ameaça com perigo iminente para a vida, constrangê-los a entregar-lhe as quantias monetárias que tivessem na sua posse tendo agido com o intuito de integrar as mencionadas quantias na sua esfera patrimonial, apesar de saber que as mesmas não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade dos seus legítimos proprietários.
5.º
Contudo, por razões alheias à sua vontade, nomeadamente pelo facto de os ofendidos terem logrado saltar um muro e terem comparecido no local outras duas pessoas, não logrou os seus intentos.
6.º
Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
7.º
No dia 25 de Julho de 2016, cerca das 21:30 horas, os arguidos M. S. e A. M., bem sabendo que não tinham consigo qualquer importância monetária, combinaram ir consumir produtos alimentares ao estabelecimento de restauração denominado de “Café …", sito na Rua … - Guimarães, pertencente aos ofendidos A. T. e M. F. .
8.º
Em obediência ao plano previamente acordado e em conjugação de esforços, aí chegados pediram diversos alimentos e bebidas, designadamente, cervejas e um picadinho, que lhes foram entregues, no valor global de € 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos).
9.º
Os arguidos consumiram os referidos alimentos e bebidas.
10.º
Após a refeição, os arguidos queriam abandonar o local sem efetuar o pagamento dos bens que haviam consumido, motivo pelo qual o ofendido A. T. disse que iria chamar a polícia.
11.º
Nesse momento, os arguidos dirigiram-se aos ofendidos, tendo o arguido M. agarrado o fio de ouro que a ofendida M. F. trazia ao pescoço e, puxando com força, arrancou-lho.
12.º
Por sua vez, o arguido A. agarrou o fio de ouro que o ofendido A. T. tinha ao pescoço e, puxando com força, arrancou-lho.
13.º
Após, os arguidos abandonaram o local levando consigo os fios que pertenciam aos ofendidos, sendo que o que a ofendida trazia colocado tinha um valor patrimonial de € 250,00 e o que o ofendido trazia colocado, um valor não concretamente apurado.
14.º
Como consequência direta da agressão, sofreu a ofendida, M. F. as lesões descritas e examinadas no exame médico de fls. 125 e designadamente, no pescoço equimose transversal com 12 cm de comprimento na região lateral esquerda.
As referidas lesões demandaram um período de doença de 5 dias sem impossibilidade para o trabalho.
15.º
Por sua vez, como consequência direta da agressão, sofreu o ofendido, A. T., as lesões descritas e examinadas no exame médico de fls. 128 a 130 designadamente, no pescoço escoriação linear cm 3 cm de comprimento vertical, na região anterior esquerda.
As referidas lesões demandaram um período de doença de 3 dias sem impossibilidade para o trabalho.
16.º
Os arguidos agiram de forma concertada e em conjugação de esforços e exerceram violência contra os ofendidos, com o intuito concretizado de integrar na sua esfera patrimonial os objetos que possuíam, apesar de saber que os mesmos lhes não pertenciam e que atuavam contra a vontade daqueles.
17.º
Os arguidos não efetuaram o pagamento da quantia supra indicada relativa ao preço dos bens que consumiram, pelo que os ofendidos sofreram um prejuízo patrimonial de, pelo menos, o valor correspondente àquela.
18.º
Os arguidos atuaram de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de levar os ofendidos, iludidos pela encenação realizada, a servir-lhes alimentos e bebidas num estabelecimento de restauração, bem sabendo que estavam obrigados a efetuar o seu pagamento.
19.º
Agiram desde o início com intenção de não pagarem e de obterem para si um proveito económico ilegítimo, à custa do correspondente prejuízo patrimonial dos ofendidos.
20.º
Atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
*
Quanto aos antecedentes criminais:
21.º
O arguido M. S. foi condenado:
- Pela prática de um crime de dano, praticado em 18.02.1997, na pena de 180 dias de multa;
- Pela prática de um crime de furto simples, praticado em 16.10.1996, na pena de 90 dias de multa;
- Pela prática de um crime de furto qualificado e roubos, por decisão proferida a 17.12.1997, na pena de 9 anos de prisão;
- Pela prática de um crime de cheque sem provisão, praticado em 27.05.1996, na pena de 100 dias de multa;
- Pela prática de um crime de recetação, praticado em 13.09.1996, na pena de 200 dias de multa;
- Pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, praticado em 09.10.1996 na pena de 30 dias de multa;
- Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, por decisão proferida a 23.02.1999, na pena de 6 anos de prisão,
- Pela prática de um crime de recetação, praticado em 17.07.1996, na pena de 5 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de furto qualificado e emissão de cheque sem provisão, na pena de 6 anos e 3 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de roubo, e em cúmulo jurídico, praticados em 15.04.2002, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de furto simples, praticado em 10.08.2002, na pena de 9 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de roubo, praticado em 26.04.2003, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de roubo, praticado em 27.07.2003, na pena de 2 anos de prisão;
- Pela prática de um crime de furto, em 17.07.2003, na pena de 7 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, praticado em 17.07.2003, na pena de 7 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, praticado em 30.03.2004, na pena de 1 ano de prisão;
- Pela prática de um crime de furto simples, em 19.05.2003, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de um crime de furto simples, em 19.05.2004, na pena de 1 ano de prisão.
22.º
O arguido A. M. foi condenado:
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 1.12.1999, na pena de 80 dias de multa;
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 04.09.2004, na pena de 6 meses de prisão;
- Pela prática de dois crimes de roubo, um crime de burla qualificada na forma tentada e um crime de burla qualificado, em 05.04.2004, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- Pela prática de 6 crimes de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, em 1.11.2005, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 06.2005, na pena de 5 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, e de um crime de condução perigosa de veículo, em 30.11.2004, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão;
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 13.02.2009, na pena de 6 meses de prisão;
- Pela prática de um crime de roubo, de um crime de detenção ilegal de arma, de um crime de coação agravada, de um crime de roubo, de um crime de roubo, de um crime de coação agravada e de um crime de roubo, em 12.02.2002, na pena de 6 anos de prisão;
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 04.12.2012, na pena de 1 ano de prisão;
- Pela prática de um crime de falsidade de depoimento, em 13.02.2009, na pena de 1 ano de prisão;
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 05.03.2014, na pena de 7 meses de prisão.
23.º
O arguido J. M. foi condenado:
- Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 26.09.2016, na pena de 100 dias de multa.
*
Quanto às condições pessoais do arguido M. S.:
24.º
O processo de desenvolvimento de M. S. ocorreu no seio de um agregado familiar de condição socioeconómica desfavorecida, constituído pelos progenitores e 5 descendentes, pautado por fortes carências socioeconómicas, numa situação de grande vulnerabilidade.
25.º
A mãe encontra-se institucionalizada num lar em Stª Eulália – Guimarães.
26.º
O seu percurso de escolarização iniciou-se em idade normal, tendo concluído o 4º ano de escolaridade, com 13 anos, altura em que terá abandonado os estudos por falta de interesse, dificuldades de aprendizagem e elevado nível de absentismo.
27.º
Mais tarde e já em cumprimento de pena de prisão frequentou um curso de formação na área da marcenaria, que lhe deu a equivalência ao 9º ano de escolaridade.
28.º
Apresenta uma trajetória laboral pouco consolidada, registando experiência profissional numa empresa de calçado e numa outra de instalações elétricas, tendo nesta última, permanecido cerca de 5 anos.
29.º
Este percurso foi interrompido aos 17 anos, na sequência de um acidente de trabalho, que lhe provocou sequelas ao nível dos membros superiores, tendo recebido indemnização para o efeito, com consequente período de inatividade prolongada.
30.º
Desde então não mais conseguiu desenvolver atividade de forma regular e contínua.
31.º
Foi nesta fase que registou os primeiros contactos com o consumo de substâncias aditivas (cocaína e heroína), o qual passou a condicionar o seu percurso de vida de forma negativa.
32.º
Este comportamento aditivo remonta ao início da adolescência (14/15 anos), altura em que iniciou o consumo de drogas leves (haxixe).
33.º
A este propósito refere que, há cerca de 13 anos a esta parte, se encontra abstinente de consumos de heroína e cocaína.
34.º
A incapacidade evidenciada por M. S. em conformar o seu comportamento às regras e valores sociais conduziu-o a sucessivos contactos com o sistema de justiça penal que remontam a 1996, altura em que cumpriu uma pena de prisão, tendo sido libertado aos 5/6 da pena, em 20Out2001.
35.º
Em liberdade condicional integrou o agregado de uma irmã, onde permaneceu por um curto período de tempo.
36.º
Desde então, passou à condição de sem abrigo, encontrando-se sem qualquer ocupação laboral, persistindo num quotidiano centrado na satisfação das suas necessidades pessoais e no recurso à mendicidade como forma de assegurar o consumo de estupefacientes, recorrendo inclusive a atividades ilícitas.
37.º
É neste contexto que surge novo confronto com o sistema de justiça, e consequente cumprimento de pena de prisão.
38.º
Na sequência de um cúmulo jurídico efetuado no proc. 880/04.0TBGMR do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães - Juiz 4, (que englobou as penas dos processos nºs 1682/02.4PBGMR, 347/02.1PBGMR, 1148/02.2PBGMR, 812/03.3PBGMR, 147/03.1PBGMR, 1396/03.8PBGMR, 17/03.3PEGMR, 947/04.2PBGMR e 880/04.0PBGMR), M. S. cumpriu pena de 31Mai2004 a 30Mai2016, tendo sido liberdade aos 5/6 da pena.
39.º
Durante o longo período de reclusão, M. S. beneficiou de saídas ao exterior, as quais decorreram com normalidade, tendo integrado o agregado de uma irmã, elemento que lhe facultava algum apoio e alguma estabilidade emocional, situação que se alterou com a reclusão desta, encontrando-se atualmente a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo.
40.º
Assim, com a concessão de liberdade condicional o arguido reintegrou o agregado de origem, onde residiam os irmãos, também estes com hábitos aditivos e sem quaisquer condições de vida organizada.
41.º
À data dos factos constantes na acusação, M. S. integrava o agregado familiar de origem, constituído por dois dos seus irmãos, ambos toxicodependentes e com contactos regulares com o sistema de justiça.
42.º
Trata-se de uma habitação localizada em Guimarães, inserida num bairro social, pese embora sem condições habitacionais necessárias.
43.º
O arguido, neste período, encontrava-se desempregado, centrando o seu quotidiano na satisfação das necessidades pessoais, circunscrevendo as suas rotinas à frequência de contextos de desviância.
44.º
Ao nível da saúde, M. S. beneficiava de acompanhamento especializado no Centro de Respostas Integradas de Braga, integrando para o efeito o programa de substituição por metadona, e efetuando consultas na especialidade de infeciologia, situação que se mantém atualmente.
45.º
M. S. apresenta uma retaguarda familiar pautada por constrangimentos de vária ordem, nomeadamente económicos, não dispondo de condições de subsistência asseguradas, num futuro próximo, situação que condiciona o seu processo de ressocialização.
46.º
No meio sócio residencial, é conhecida a situação do arguido, estando associado a contextos desviantes, não sendo, no entanto, percetíveis sentimentos de rejeição face ao mesmo.
47.º
À data dos factos constantes no presente processo, o arguido encontrava-se em liberdade condicional, no âmbito do proc. 3958/10.8TXPRT-B do 2º Juízo do Tribunal de Execução das Pena do Porto, com termo previsto para 31Maio2018.
48.º
O presente processo teve implicações na sua vida pessoal, decorrente da aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
49.º
Esta medida de coação decorre em contexto de internamento em Comunidade Terapêutica, mais concretamente no Centro de Solidariedade de Braga – Projeto Homem, sendo que da articulação que tem sido realizada com a equipa terapêutica que acompanha o arguido, é-nos referido que este tem revelado um comportamento ajustado às normas vigentes, encontrando-se integrado e beneficiando de acompanhamento terapêutico à problemática da toxicodependência, o qual tem vindo formalmente a cumprir de forma adequada, revelando grandes progressos ao nível comportamental e emocional.
50.º
O arguido tem demonstrado empenhamento e interesse no âmbito da atividade de ressocialização que tem vindo a ser aplicada na comunidade terapêutica onde se encontra atualmente inserido.
51.º
O arguido M. S. encontra-se arrependido.
*
Condições pessoais do arguido A. M.:
52.º
A. M. provém de um agregado familiar com um padrão sociocultural marcado pela etnia cigana a que pertencem.
53.º
É o mais velho de cinco descendentes, originários de Coimbra e, posteriormente, fixados em Guimarães.
54.º
A dinâmica familiar ficou significativamente marcada pela reclusão de ambos os progenitores, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, pelo que os filhos menores ficaram aos cuidados de uma tia materna, residente em Guimarães.
55.º
Durante este período, coincidente com o final da infância e início da adolescência, o arguido autonomizou-se face àquele agregado familiar e, com quinze anos de idade, constituiu relação, de acordo com os costumes da etnia, com uma jovem mais nova.
56.º
O arguido frequentou o sistema de ensino até ao 5º ano de escolaridade e passou a dedicar-se à atividade de feirante.
57.º
Esta constitui-se a única experiência laboral significativa, no entanto, nos últimos anos sem carácter regular.
58.º
A situação financeira do agregado era suportada por apoio social.
59.º
Em 2014, e segundo o próprio, iniciou atividade por conta própria de comércio de veículos automóveis, não especificando o montante auferido.
60.º
Em termos sociais, A. M. foi criando uma imagem social muito marcada pelo seu estilo de vida e da sua família de origem, conotado com inatividade laboral e comportamentos desviantes/criminais, aos quais não eram alheios os seus contactos com a justiça e cumprimentos de pena de prisão efetiva, próprios e de familiares (pais, irmãos e tios).
61.º
A. M. e a companheira fixaram residência em Rio Tinto, mas mantiveram contacto com o agregado de origem do arguido, em Guimarães.
62.º
Da relação nasceram quatro descendentes, hoje com idades compreendidas entre os dezoito e os quatro anos de idade.
63.º
O casal entrou em rutura em 2013, situação que levou à separação efetiva, passando o arguido a oscilar a residência entre a habitação da progenitora, em Guimarães, e a localidade de Rio Tinto.
64.º
Entre Abril de 2002 e Janeiro de 2003 esteve sujeito a medida de prisão preventiva, indiciado por crime de tráfico de estupefacientes juntamente com os pais, em processo no qual foi absolvido.
65.º
Porém, em Fevereiro de 2006 foi detido para cumprimento de prisão efetiva, que manteve até Abril de 2012, tendo registado um período de ausência ilegítima, entre Dezembro de 2008 e Abril de 2009.
66.º
Saiu em liberdade condicional, aos 5/6 da pena, em Junho de 2013.
67.º
Entre Março de 2014 e Julho de 2015 cumpriu novamente pena de prisão efetiva, sendo libertado no término da pena.
68.º
À data dos factos, A. M. residia no imóvel do agregado de origem, localizado em bairro social no centro urbano de Guimarães, residência que intercalava com pernoitas no imóvel de uma cunhada, localizado no mesmo meio comunitário.
69.º
Ambos os progenitores encontravam-se presos, ela preventivamente e ele em cumprimento de pena de prisão efetiva.
70.º
O arguido constituía agregado com o filho mais velho e coarguido no presente processo, J. M..
71.º
O quotidiano não apresentava rotinas definidas, sendo pautado pelos contactos com elementos da família, conhecidos e amigos residentes naquele meio urbano e outros pertencentes ao seu círculo social de suporte.
72.º
De acordo com o próprio, subsistia com o proveniente das comissões da compra e venda de veículos automóveis, sobretudo através da internet.
73.º
Manteve este estilo de vida até Outubro de 2016 quando foi conduzido ao Estabelecimento Prisional de Guimarães para cumprimento de uma pena de prisão, após condenação pela prática de crime sem habilitação legal.
74.º
Socialmente, a imagem do arguido é fortemente conotada com um estilo de vida sem rotinas estruturadas ou pertença a contextos convencionais.
75.º
Atualmente goza de suporte por parte da progenitora, que o visita com regularidade no EP.
76.º
O progenitor, em cumprimento de medida de liberdade condicional, também se mostra disponível para o apoiar, nomeadamente no acolhimento quando o mesmo for colocado em liberdade.
77.º
Antes da reclusão atual, A. M. manteve uma relação de namoro com a ex-companheira do filho mais velho, situação que provocou um desentendimento entre os elementos das duas famílias.
78.º
De acordo com o próprio, o projeto para a vida em liberdade passará pela constituição de agregado familiar com a mesma.
79.º
Desde Outubro de 2016 que A. M. cumpre pena de prisão em regime comum e sem saídas ao exterior.
80.º
Encontra-se ativo a frequentar curso de educação e formação de nível B3, que lhe conferirá equivalência ao 9º ano de escolaridade.
90.º
No seu registo disciplinar não constam incidentes/punições.
91.º
O arguido demonstra uma postura reveladora de baixa consciência crítica perante a ilicitude do comportamento passado, com tendência para a legitimação externa do comportamento e/ou minimização da sua gravidade.»

2.2 - Quanto a factos não provados, o tribunal a quo considerou que (transcrição):
«Com interesse para a decisão da causa apenas não se provou que:
- No dia 3 de Setembro de 2015, pelas 17h30m, o arguido A. M., em conjugação de esforços e vontades com o arguido J. M., abeiraram-se do ofendido S. R., quando este se encontrava apeado na Avenida São Gonçalo, Creixomil – Guimarães e num gesto rápido retiraram-lhe a carteira que trazia no bolso das calças, a qual continha cerca de € 600,00 (seiscentos euros) em numerário.
- Na posse daquele dinheiro, os arguidos A. M. e J. M. fugiram do local, levando consigo o mesmo, integrando-o nos respetivos patrimónios.
- Apercebendo-se do sucedido, o ofendido S. R. iniciou a perseguição aos larápios, tendo-os alcançado, altura em que foi atingido com um golpe desferido por um deles na sua cabeça, com objeto que não foi possível apurar, ficando inanimado no chão.
- Em consequência direta e necessária das referidas agressões, o ofendido, S. R. apresentou, no crânio, uma cicatriz irregular associada a crosta com cerca de 2 cm por 1cm localizada na transição da região parietal / região occipital esquerda, as quais demandaram para a sua cura/consolidação um número ainda não apurado de dias.
- Os arguidos A. M. e J. M. sabiam que não podiam retirar os valores pertencentes ao ofendido, sem a sua autorização e contra a sua vontade, usando da força física, mas não obstante tal cognição, fizeram-no, bem sabendo que faziam seus a dita carteira e o dinheiro que não lhe pertenciam e que os integravam nos seus patrimónios por atos contrários à vontade do respetivo dono e em prejuízo deste.
- Os arguidos A. M. e J. M. agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.»

2.3 - O tribunal recorrido explicitou o processo de formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
«Na formação da sua convicção, o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada as declarações do arguido M. e das restantes testemunhas ouvidas em audiência.
O arguido M. S. quis prestar declarações e confessou integralmente e sem reservas os factos constantes na acusação.
Concretizou referindo que “a gente andou a beber para ganhar coragem para fazer aquilo, ali foi planeado o que eu ia fazer e o que ele ia fazer, presumo eu que ele já sabia que ele tinha um fio”.
Clarificou que momentos antes tinham combinado o que cada um ia fazer, tendo ficado acertado que o M. ia agarrar a senhora e o A. o homem.
Referiu que estava alcoolizado mas que se recorda perfeitamente do que se passou.
O arguido depôs de uma forma isenta e objetiva revelando espontaneidade e sinceridade nas suas respostas. O tribunal valorou integralmente as suas declarações, tendo as mesmas, conjuntamente com as das testemunhas ouvidas em audiência, servido para o tribunal ficar convencido de que o A. foi coautor dos crimes descritos no libelo acusatório, e que envolviam estes dois arguidos.
Os restantes arguidos não prestaram declarações.
A nível de prova testemunhal:
A testemunha, S. R., tipógrafo, não conhece os arguidos.
Referiu que em Setembro, vinha trabalhar e foi abordado por dois indivíduos que lhe retiraram a carteira a qual continha cerca de € 600,00. Ia numa rua adjacente aos campos de ténis.
Num gesto rápido, tiraram-me a carteira e o dinheiro”, foi incapaz de reconhecer os arguidos, dizendo apenas que olhou para a cara deles “mas não está aqui nenhum, tenho a certeza absoluta”.
Contou igualmente que os arguidos fugiram e que foi atrás deles e que, posteriormente, desferiram com um objeto na cara e a testemunha perdeu os sentidos.
A testemunha referiu que nessa altura viu a cara desses arguidos mas que “não é nenhum destes”. A testemunha depôs de uma forma nitidamente cautelosa e amedrontada, a determinado momento do seu depoimento, o tribunal ordenou que os arguidos e os seus familiares saíssem da sala de audiências mas, ainda assim, a testemunha não alterou o seu depoimento e manteve a sua versão no sentido de que não reconhece qualquer dos arguidos presentes na sala como sendo os autores dos crimes de que foi vítima.
A testemunha A. T., é dono do café C.
Confirmou que foi o arguido A. quem arrancou o seu fio de ouro, identificando-o na sala de audiências.
Confirmou o valor do fio de ouro que lhe foi arrancado.
Confirmou igualmente que foi o arguido M. quem arrancou o fio à sua mulher, M. F.. A testemunha disse igualmente que o fio foi encontrado no local, concretamente, metade dentro do café e a outra metade fora do café.
A testemunha P. A., agente da PSP em Guimarães, responsável pela investigação dos crimes em causa nos autos.
A testemunha não demonstrou qualquer conhecimento relevante para a descoberta da verdade material dos factos.
Finalmente, a testemunha P. S., empresário em nome individual, é amigo do arguido M. S. Conhece o arguido desde miúdo.
A testemunha referiu que a família do arguido foi sempre destruturada e que o mesmo, numa determinada altura da sua vida, recebeu uma grande indemnização em virtude de um acidente que teve, “a partir dessa altura ele perdeu-se”.
A testemunha disse igualmente que considera que estar na comunidade poderá ser uma mais-valia para o arguido.
O tribunal valorou ainda as declarações prestadas pela testemunha A. V. – as quais foram lidas em audiência, atendendo à concordância de todos os intervenientes.
De útil, extrai-se deste depoimento que o mesmo tinha na sua posse não mais de € 30,00.
O tribunal valorou igualmente os exames médico-legais de fls. 6 a 9 – apenso B e fls. 124 a 126 e 128 a 130.
Quanto às condições pessoais, familiares, profissionais e socioeconómicas dos arguidos, bem como quanto à respetiva reputação e conceito sociais, tiveram-se presentes o teor dos relatórios sociais constantes dos autos e ainda o relatório de acompanhamento emitido pela comunidade terapêutica onde o arguido se encontra atualmente inserido.
Mais se atendeu ao teor dos Certificados de Registo Criminal juntos aos autos, no que interessa aos antecedentes criminais registados dos arguidos.»

3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

3.1 - Do erro de julgamento
Em sede de recurso sobre a matéria de facto, insurge-se o recorrente A. M. contra a factualidade dada como provada, por um lado, nos pontos 7º, 8º, 18º e 19º, e, por outro lado, nos pontos por 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º, invocando que tais factos não deveriam ter sido dados como provados, da forma como o foram.
3.1.1 - Esta forma de impugnação da matéria de facto traduz-se na invocação da existência de erro de julgamento, o qual resulta da forma como foi valorada a prova produzida, ocorrendo quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que o deveria ter considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Tal erro pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Nesta situação, o recurso visa a reapreciação da prova gravada em primeira instância, impondo-se a sua audição pelo tribunal de recurso. Os poderes de cognição deste último não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, aquele e este preceitos ambos do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os artigos doravante citados sem menção quanto à origem.
Todavia, conforme jurisprudência constante[3], esse recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento sobre essa matéria, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Sendo certo que nesta forma de recurso sobre a matéria de facto (impugnação ampla), o tribunal da relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
In casu mostram-se cabalmente cumpridos os ónus de especificação previstos no art. 412º, n.º 3, als. a) e b), sendo manifestamente inaplicável a exigência da al. c).
Com efeito, o recorrente, no lugar próprio, ou seja, nas conclusões extraídas da motivação (conforme exige o art. 417º, n.º 3), indicou não só os factos individualizados que considera terem sido incorretamente julgados (por um lado, os pontos 7º, 8º, 18º e 19º, e, por outro lado, os pontos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º, da matéria de facto provada), bem como procedeu à indicação das concretas provas que, em seu entender, impõem decisão diversa (as declarações prestadas pelo coarguido M. S. e o depoimento da testemunha A. T.), com explicitação do conteúdo específico desses meios de prova e das razões da imperatividade de decisão diferente da recorrida em relação a cada um deles. E, em obediência ao disposto no art. 412º, n.º 4, fê-lo por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, isto é, aos suportes onde se encontra gravada a prova, indicando concretamente os minutos e os segundos do início e do termo da gravação das passagens dos depoimentos que suportam a sua tese, que inclusivamente transcreve no corpo da motivação, permitindo, assim, ao tribunal da relação proceder à fácil localização e audição das mesmas, para além, naturalmente, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6).
3.1.2 - O primeiro motivo de inconformismo do recorrente A. M. contra a decisão da matéria de facto, relativa ao crime de burla para obtenção de alimentos e bebidas, prende-se com ter o tribunal a quo dado como provado que os arguidos atuaram “em obediência ao plano previamente acordado e em conjugação de esforços”, “de comum acordo”, “desde o início com intenção de não pagarem”, iludindo os ofendidos com a “encenação realizada”, conforme consta dos pontos 7º, 8º, 18º e 19º da factualidade provada.
Para demonstrar a imposição de decisão diversa da recorrida, alega o recorrente que a prova produzida não poderia levar o tribunal a formar a firme convicção de que os arguidos, desde o início, tinham delineado o plano de consumir as bebidas e os alimentos e de não os pagarem, por tal não se depreender das declarações do coarguido M. S., conjugadas com o depoimento da testemunha A. T.. Assim, alega que o primeiro referiu que anteriormente tinham estado noutros estabelecimentos comerciais, onde consumiram e o recorrente pagou a despesa, sem, em momento algum, referir que combinaram naquele café consumir e não pagar, nem que o recorrente soubesse que o coarguido não tinha dinheiro, tendo a testemunha A. T. afirmado que ele (recorrente) pediu a conta e disse ao arguido M. para pagar.
Porém, da audição integral dessas declarações e depoimento, únicos elementos probatórios que versaram sobre os factos em apreço, porquanto o arguido A. M. remeteu-se ao silêncio e a ofendida M. F. foi prescindida, resulta que, ao invés do sustentado pelo recorrente, ao pedirem os alimentos e bebidas, os arguidos agiram de comum acordo e com intenção de não os pagarem.
Na verdade, segundo o próprio arguido M. S., tinham ambos percorrido, desde as 14h daquele dia, vários estabelecimentos de café, com o propósito de subtraírem ouro que as pessoas tivessem com elas, o que apenas se verificou no estabelecimento dos ofendidos, por volta das 21h e 30m, os quais tinham os fios em ouro ao pescoço. Mais acrescentou (a partir do minuto 10:20 da gravação) que combinaram retirar o ouro no momento em que chamassem o ofendido para lhe pedirem a conta, o que, necessariamente, implicava o não pagamento desta, por terem de se pôr imediatamente em fuga, na posse do ouro, como efetivamente vieram a fazer. Assim, o consumo nesse estabelecimento, sem pagar, foi o pretexto necessário para poderem cometer o assalto. E o facto de o recorrente ter pedido a conta ao ofendido não significa que tivesse intenção de a pagar, servindo antes para despoletar a subtração dos fios.
Aliás, a intenção de não proceder ao pagamento por parte de ambos os arguidos foi de tal forma notória que, como referiu o arguido M. S. (a partir do minuto 10:40 da respetiva gravação), a ofendida M. F., ao aperceber-se que não havia dinheiro para pagar, começou a aproximar-se da porta, para tapar a saída.
Se é certo que, como também referiu esse arguido, nos estabelecimentos anteriores, o recorrente sempre pagou as despesas, tal deveu-se naturalmente ao facto de as pessoas que aí se encontravam não terem ouro de que se pudessem apropriar.
Acresce que, de acordo com o depoimento da testemunha A. T. (a partir do minuto 05:00), ambos os arguidos se recusaram a pagar, dizendo que não tinham dinheiro, mais acrescentando o M. S. que não tinha pedido nada, sendo que, tinham sido os dois a consumir e a pedir os bens alimentares.
Em face do exposto, os elementos probatórios que vimos referindo, conjugados com as regras da experiência comum, permitem claramente inferir que, ao pedirem os alimentos e bebidas no estabelecimento de restauração dos ofendidos, os arguidos agiram de acordo com o que tinham combinado, em conjugação de esforços e com o propósito de não os pagarem, conforme consta dos segmentos dos pontos 7º, 8º, 18º e 19º dos factos provados impugnados pelo recorrente, pelo que, nesta parte, não merece censura a decisão recorrida.
3.1.3 - Sustenta igualmente o recorrente A. M., agora relativamente à decisão de facto atinente aos crimes de roubo cometido no "Café C.", que o tribunal a quo não poderia dar como provado, nos pontos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º, que os arguidos puxaram com força os fios dos ofendidos, mas apenas que os arrancaram, nem as lesões daí decorrentes, nem, ainda, que abandonaram o local levando consigo os fios, uma vez que o da ofendida caiu no local, tendo sido recuperado pela mesma, nem, por fim, que esse fio tinha o valor de cerca de € 250 e o do ofendido um valor não concretamente apurado.
Para tanto, alega o recorrente que na audiência de discussão e julgamento não foram apreciados os exames médicos juntos aos autos, nos quais estão descritas as lesões dadas como provadas, e que os ofendidos não foram questionados sobre se tinham ido ao hospital, por forma a comprovar que tais exames eram referentes aos factos em apreço. Mais apela às declarações prestadas pelo arguido M. S., ao afirmar que o fio que arrancou à ofendida caiu ao chão e foi recuperado por esta, que ele não chegou a fugir porque foi apanhado pelo dono do café e por quem estava lá dentro, bem como ao depoimento da testemunha A. T., ao referir que o fio em ouro que o arguido A. M. lhe arrancou do pescoço e levou com ele tinha um valor aproximado de € 200 e que o fio da esposa ficou no local, pois quem o tentou tirar deixou-o cair.
3.1.3.1 - Em primeiro lugar, refira-se que os relatórios das perícias médico-legais realizadas aos ofendidos, nos quais são efetivamente descritas as lesões constantes dos pontos 14º e 15º dos factos provados, encontram-se juntos a fls. 124 a 126 e 128 a 130, constam do elenco dos meios de prova indicados na acusação e foram valorados pelo tribunal a quo, conforme expressamente é referido na motivação da decisão de facto.
A circunstância de tais elementos não terem sido analisados em sede de audiência não invalida que sejam valorados no processo de formação da convicção do tribunal.
Com efeito, está sedimentado na nossa jurisprudência o entendimento de que o disposto no art. 355º, n.º 1, segundo o qual “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, é inaplicável aos elementos probatórios de natureza documental e aos meios de obtenção de prova.
A propósito da confusão gerada com a interpretação deste artigo, tem sido considerada pelos tribunais superiores[4] absurda a exigência de que todas as provas, incluindo as documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respetiva audiência de julgamento, se se pretender convocá-las para formar a convicção do tribunal.
Tal exigência prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do julgador provas que não tenham sido apresentadas e juntas ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e já não que tenham de ser reproduzidas na audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais, todas as provas documentais constantes dos autos. Basta que existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que, assim, puderam inteirar-se da sua natureza, importância, conteúdo e valor probatório, para que qualquer deles possa, em audiência, requerer o que se lhe afigurar pertinente sobre elas, bem como examiná-las, contraditá-las e realçar o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios. Neste sentido, tais provas são examinadas em audiência, sob a presidência dos princípios da imediação e do contraditório, podendo concorrer sem reservas para a formação da convicção do tribunal.
Assim, se as provas, nomeadamente documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que tenham de ser obrigatoriamente lidas, examinadas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento, para poderem ser valoradas.
O Tribunal Constitucional[5] já emitiu um juízo de não inconstitucionalidade, por não violarem o disposto no art. 32º, n.º 5 da Constituição, dos preceitos ínsitos no art. 355º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos até à fase de julgamento não têm de ser lidos em audiência de julgamento, considerando-se os mesmos examinados desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.
Ora, no caso em apreço, os relatórios das perícias médico-legais encontram-se juntos aos autos e foram indicados na acusação como meio de prova das lesões apresentadas pelos ofendidos em consequência dos atos de violência praticadas pelos arguidos e das respetivas consequências, pelo que o recorrente teve a oportunidade de os examinar, impugnar ou questionar o seu valor probatório. Se o não fez foi porque não quis ou porque não tinha motivos para tanto. Logo, inexiste motivo que impeça a sua valoração pelo tribunal a quo, como foi feito, para formar a sua convicção quanto às lesões em apreço, independentemente de os ofendidos não terem sido questionados sobre se se tinham deslocado ao hospital, tanto mais que os peritos médicos, nos ditos relatórios, pronunciaram-se sobre a presença das lesões, observando-as no exame objetivo que efetuaram, logo no dia a seguir à ocorrência dos factos, bem como sobre a compatibilidade das mesmas com a informação prestada por aqueles quanto à história do evento.
Por outro lado, o facto de os arguidos terem “puxado com força” os fios em ouro dos ofendidos resulta claramente demonstrado da circunstâncias de lhos terem arrancado do pescoço, inclusivamente um deles partindo-se, o que implica necessariamente o uso de violência, traduzida no emprego de força física, evidenciada também na equimose e na escoriação causadas no pescoço dos ofendidos, pelo que também neste ponto nada há a censurar a decisão recorrida.
3.1.3.2 - Insurge-se também o recorrente A. M. contra ter sido dado como provado que os arguidos abandonaram o local, levando consigo os fios, uma vez que o fio da ofendida caiu no local, tendo sido recuperado pela mesma, o que poderá ter reflexos na forma de cometimento do correspondente crime de roubo.
Efetivamente, como resulta da audição das respetivas declarações, o arguido M. S. afirmou (a partir do minuto 04:56 da gravação) que não levou o fio que arrancou do pescoço da ofendida, porque o mesmo caiu ao chão, tendo sido encontrado por ela, não sabe se ainda dentro ou já fora do café, mais esclarecendo que o deixou cair na confusão, aquando da fuga, frisando que não chegou a fugir, porque foi apanhado no exterior, pelo dono do café e por quem aí se encontrava. A partir do minuto 12:14, esclareceu que, primeiramente, o arguido A. M. tirou o fio ao ofendido, quando este chegou à mesa, e, nessa sequência, ele próprio, ao fugir, quando viu a ofendida perto da porta, retirou-lhe o fio que a mesma tinha ao pescoço.
Essas declarações mostram-se consentâneas com o depoimento da testemunha A. T., ao afirmar que o arguido M. S. tentou tirar o fio da sua mulher, mas deixou-o cair, acrescentando que na confusão deitou a mão aos dois arguidos e o fio da esposa rebentou, tendo ficado metade na parte de dentro do café e a outra metade na parte de fora do mesmo.
A respeito destes factos, o tribunal coletivo deu como provado que «Após [terem arrancados os fios em ouro que os ofendidos tinham ao pescoço], os arguidos abandonaram o local levando consigo os fios que pertenciam aos ofendidos, (…).»
Em face daqueles elementos probatórios, e sendo certo que nenhuma outra prova foi produzida quanto a tais factos, não se apresenta inteiramente correto o referido segmento da matéria de facto provada, impondo-se introduzir-lhe uma explicitação, não só quanto à recuperação do fio da ofendida, mas também às circunstâncias em que o arguido M. S. o deixou cair, por tais factos poderem assumir relevância para a apreciação da questão da consumação do crime.
Assim, de acordo com o que, sem margem para dúvidas, resulta das declarações do arguido M. S. e do depoimento da testemunha A. T., e procedendo à apontada correção do detetado erro de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 431º, al. b), o transcrito segmento do ponto 13º dos factos provados, correspondente à primeira parte do mesmo, passará a ter a seguinte redação:
“Após, os arguidos abandonaram o local, pondo-se em fuga, tendo o arguido A. M. levado consigo o fio que pertencia ao ofendido A. T., enquanto que o arguido M. S. foi de imediato perseguido e agarrado por esse ofendido, que o logrou deter já no exterior do café, tendo o arguido deixado cair ao chão o fio pertencente à ofendida M. F., o qual se partiu, ficando uma parte no interior do café e a outra parte no exterior do mesmo, tendo sido recuperado por aquela.”
Consequentemente, por razões de coerência, impõe-se introduzir na redação do ponto 16º dos factos provados, a seguir à palavra “concretizado”, o segmento “em relação ao fio pertencente ao ofendido A. T.”.
Como veremos adiante, estas alterações têm implicações na forma de cometimento deste crime de roubo.
3.1.3.3 - Por fim, defende o recorrente que o tribunal a quo não poderia ter dado como provado, conforme consta da segunda parte do mesmo ponto 13º, que o fio da ofendida tinha um valor de € 250 e o do ofendido um valor não concretamente apurado, uma vez que, de acordo com o depoimento deste último, o valor do seu fio rondaria os € 200, não se tendo conseguido apurar, sim, o valor do fio da ofendida.
Efetivamente, da audição desse depoimento constata-se que, ao ser questionado sobre o valor do fio que lhe foi arrancado, a testemunha respondeu que era de cerca de € 200, não tendo feito qualquer alusão ao valor do fio da esposa, sobre o que nem sequer foi questionado.
Acresce que sobre tais factos, relativos ao valor dos fios em ouro, não foi produzida qualquer outra prova, já que, designadamente, foi prescindido o depoimento da ofendia M. F. e o arguido M. S. não se pronunciou sobre o assunto.
Por outro lado, o aludido depoimento não foi infirmado por qualquer outro elemento probatório, pelo que inexistem razões para pôr em causa a credibilidade da testemunha, sendo certo que o tribunal a quo referiu expressamente na motivação da decisão de facto que a mesma confirmou o valor do fio de ouro que lhe foi arrancado, omitindo, no entanto, qualquer referência à fundamentação da decisão sobre o valor do fio da ofendida.
Em face do exposto, afigura-se-nos patente o erro na apreciação da prova apontado pelo recorrente, pelo que, procedendo à reapreciação da prova produzida a respeito do valor dos fios em ouro subtraídos aos ofendidos, ao abrigo do disposto no art. 431º, al. b), a segunda parte do ponto 13º dos factos provados passa a ter a seguinte redação: “(…) sendo que o fio que a ofendida trazia colocado tinha um valor não concretamente apurado e o fio que o ofendido trazia colocado tinha um valor de cerca de € 200.”
Nos termos expostos, procede parcialmente a questão da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente A. M..

3.2 - Do vício de contradição insanável da fundamentação
Ainda que sem indicar a respetiva previsão legal (art. 410º, n.º 2, al. b)), o recorrente A. M. invoca também a existência de contradição entre a matéria de facto dada como provada no ponto 13º e a motivação da decisão de facto explanada pelo tribunal a quo.
3.2.1 - Esse preceito consagra, a par da impugnação ampla a que se refere o artigo 412º, n.ºs 3 e 4, uma segunda e distinta forma de impugnar a matéria de facto (através da chamada revista alargada), dispondo que "Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: (…) b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; (…)."
Conforme resulta do texto legal, qualquer dos vícios aí mencionados, que são de conhecimento oficioso[6], tem que emergir da própria decisão recorrida, na sua globalidade, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando vedado o recurso a elementos a ela estranhos para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[7]. Tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença, quanto a eles, esta terá que ser autossuficiente, não se podendo recorrer à prova documentada.
No âmbito da revista alargada, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla, o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto no sentido da reapreciação da prova, limitando-se a detetar os vícios que a sentença evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art. 426º, n.º 1).
Refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015[8], que «o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando no texto da decisão constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspetiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respetivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito».
Nas palavras de Simas Santos e Leal-Henriques[9], «por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não possam ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade e qualidade.»
Tal vício consiste, pois, numa incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre a fundamentação ou entre esta e a decisão.
A contradição insanável da fundamentação respeita não só à contradição na própria matéria de facto (entre os factos provados ou entre estes e os não provados), mas também à contradição na fundamentação probatória da matéria factual.
Assim, há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
Com efeito, tal contradição da fundamentação pode consistir basicamente numa incompatibilidade entre a matéria de facto provada (dão-se, por exemplo, como provados dois ou mais factos que estão, entre si, em oposição, sendo, por isso, logicamente incompatíveis, excluindo-se mutuamente), entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada (dá-se, por exemplo, como provado e como não provado o mesmo facto) ou numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto (por exemplo, dá-se como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correta).
Tal pode acontecer quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que a fundamentação justifica precisamente decisão oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se considere que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados[10].
Por seu lado, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ocorre quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova indicados na fundamentação probatória como base dos factos provados ou não provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da sentença (por exemplo a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final e no dispositivo consta decisão de sentido inverso).
Como resulta da letra da al. b) do citado preceito legal, tal vício só se deve e pode ter por verificado quando ocorre uma contradição insanável, isto é, um conflito inultrapassável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, o que significa que nem toda a contradição é suscetível de o integrar, mas apenas a que se incida sobre elementos relevantes do caso e se mostre insanável ou irredutível, ou seja, que não possa ser ultrapassada ou esclarecida de forma suficiente com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência.
3.2.2 - O recorrente localiza a contradição insanável da fundamentação que imputa ao acórdão recorrido no conflito entre os factos que foram dados como provados na segunda parte do ponto 13º e o teor da respetiva motivação decisória.
Esse ponto da decisão de facto tinha a seguinte redação, coincidente com o que já constava da acusação: «Após, os arguidos abandonaram o local levando consigo os fios que pertenciam aos ofendidos, sendo que o que a ofendida trazia colocado tinha um valor patrimonial de € 250,00 e o que o ofendido trazia colocado, um valor não concretamente apurado.»
O coletivo de juízes fez constar da motivação da decisão de facto que «… o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada as declarações do arguido M. e das restantes testemunhas ouvidas em audiência.»
No entanto, com relevância para a decisão relativa ao valor dos mencionados fios, menciona-se aí que a testemunha A. T. “Confirmou que foi o arguido A. quem arrancou o seu fio de ouro, (…). Confirmou o valor do fio de ouro que lhe foi arrancado. Confirmou igualmente que foi o arguido M. quem arrancou o fio à sua mulher, M. F.. A testemunha disse igualmente que o fio foi encontrado no local, concretamente, metade dentro do café e a outra metade fora do café.», nenhuma alusão se fazendo a qualquer outro elemento probatório, sendo certo que a testemunha M. F. foi prescindida pelo Ministério Público (cf. ata da audiência - fls. 581).
Constata-se, efetivamente, que, de acordo com um raciocínio lógico, a motivação se orientou no sentido contrário ao da decisão de facto que foi tomada quanto ao valor do fio arrancado ao ofendido. Com efeito, não tendo os julgadores colocado qualquer reserva à credibilidade do depoimento deste último, e mencionando expressamente que o mesmo confirmou o valor do fio que lhe foi arrancado, não se compreende ter sido dado como provado que este tinha valor não concretamente apurado, detetando-se, pois, uma incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto, na medida em que foi dado como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correta.
No entanto, essa contradição da fundamentação foi eliminada, fruto da procedência da impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente, com a consequente alteração da factualidade dada como provada no ponto 13º, do qual passou a constar que o fio pertencente ao ofendido A. T. tinha um valor de cerca de € 200 e o fio pertencente à ofendida M. F. um valor não concretamente apurado.
Deixou, pois, de subsistir o apontado vício decisório, nada havendo a determinar a esse respeito.

3.3 - Do não preenchimento dos elementos típicos do crime de burla para obtenção de alimentos
Sustentam ambos os recorrentes não estar preenchido o elemento típico do crime de burla para obtenção de alimentos ou bebidas pelo qual foram condenados, traduzido na intenção do não pagamento.
De acordo com o art. 220º, n.º 1, do Código Penal, comete tal ilícito “Quem, com intenção de não pagar: a) Se fizer servir de alimentos ou bebidas em estabelecimento que faça do seu fornecimento comércio ou indústria; (…) e se negar a solver a dívida contraída.”
Efetivamente, constitui elemento do tipo subjetivo o dolo específico, ou seja, a intenção de o agente não pagar as utilidades em causa, intenção essa que tem de existir, por parte dele, no momento em que as recebe[11].
No entanto, in casu, esse elemento típico resultou demonstrado, porquanto conforme resulta dos pontos 8º, 9º, 17º, 18º e 19º da matéria de facto provada, os arguidos, no estabelecimento de restauração dos ofendidos, pediram alimentos e bebidas, que consumiram e não pagaram, tendo agido desde o início com intenção de não procederem a esse pagamento.
É certo que, quanto a este último facto, o recorrente A. M., em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, invocou a existência de erro de julgamento. Por seu lado, embora o recorrente M. S. também tenha alegado que a prova produzida não permite formar a convicção quanto aos factos de os arguidos terem agido previamente acordados, em conjugação de esforços e com intenção de não pagamento, o que poderá ser encarado como tentativa de impugnar essa factualidade, porém, não cumpriu os requisitos exigidos pelo art. 412º, n.ºs 3, al. b), e 4, ou seja, não especificou as concretas provas que, em seu entender impõem decisão diversa, por referência ao consignado em ata, com indicação concreta das passagens da gravação das declarações e depoimentos que sustentam a sua tese, o que é impeditivo da apreciação de tal impugnação.
Como analisámos supra, aquele segmento do recurso do arguido A. M. improcedeu, mantendo-se inalterada a matéria de facto vertida nos referidos pontos, a qual, como vimos, integra o elemento típico em apreço, termos em que improcede esta questão.

3.4 - Da não verificação da atuação em coautoria nos crimes de roubo
Defende também o recorrente M. S. que o tribunal a quo, ao condená-lo pela prática, em coautoria, dos dois crimes de roubo consumado, efetuou uma errada qualificação jurídico-penal, pois não é possível incluir a sua conduta na coautoria, não tendo sido carreados factos que a demonstrem, mas apenas que cada um dos arguidos cometeu um crime de roubo.
3.4.1 - De acordo com o disposto no art. 26º do Código Penal, os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, que, traçando um plano criminoso, visam pô-lo em prática.
O coautor executa o facto, toma parte direta na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou determina outrem à prática do mesmo.
A coautoria é a execução coletiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas.
Na comparticipação criminosa sob a forma de coautoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.
Exige-se, assim, um elemento subjetivo e um outro objetivo.
O primeiro exige uma decisão conjunta, podendo consistir num acordo, expresso ou tácito, ou, pelo menos, uma consciência de colaboração com carácter bilateral.
O elemento objetivo consiste na participação na execução do facto criminoso, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto, ou numa contribuição objetiva para a consumação do tipo legal visado.
A doutrina e a jurisprudência consideram como elementos da comparticipação criminosa sob a forma de coautoria os seguintes:
- A intervenção direta na fase de execução do crime (“execução conjunta do facto”);
- O acordo para a realização conjunta do facto, acordo esse que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto, que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente, e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respetivo coautor;
- O domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do facto típico”, ou seja, o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspetiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada[12].
3.4.2 - No caso concreto, conforme resulta do elenco da matéria de facto provada, designadamente do ponto 16º, existiu um acordo na sequência do qual os arguidos cometeram os crimes de roubo no interior do “Café C.”. Cada um deles praticou um ato, que consistiu em agarrar e puxar com força, arrancando-o, o fio em ouro que tinha ao pescoço o ofendido a quem se dirigiu (o arguido A. M. ao ofendido A. T. e o arguido M. S. à ofendida M. F.), com o propósito comum de os fazerem seus.
Conforme se referiu, o elemento subjetivo da coautoria consiste na resolução comum de realizar o facto. Vontade consciente e querida, na sequência da qual se partilham as tarefas e, consequentemente, se assumem as inevitáveis responsabilidades. No caso vertente claramente existiu esse querer, consubstanciado nos atos concretos que cada um dos arguidos praticou na sequência do acordo entre eles estabelecido.
O recorrente foi, pois, coautor dos dois crimes de roubo em apreço, como se mostra condenado, assim improcedendo esta parte do seu recurso.
Ainda a propósito desta questão da prática em coautoria dos crimes de roubo consumados, alega o recorrente M. S. que se verifica uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão sem, contudo, a concretizar minimamente, ficando-se, pois, sem saber onde a localiza e em que, em seu entender, consiste a mesma, sendo certo que da leitura dos factos provados e não provados e da respetiva motivação não se deteta a existência de qualquer contradição suscetível de integrar o vício previsto no art. 410º, n.º 2, al. b).
Por fim, ao alegar que a prova produzida não permite incluir a sua conduta na tipicidade objetiva da coautoria, parece pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
No entanto, a ser essa a sua intenção, o certo é que, mais uma vez, não cumpriu os requisitos previstos no art. 412º, n.ºs 3, al. b), e 4, o que é impeditivo da apreciação de tal questão.

3.5 - Da não consumação do crime de roubo
No que concerne aos dois crimes de roubo pelos quais foi condenado, entende o recorrente A. M. que o relativo à subtração do fio de ouro pertencente à ofendida M. F. não se consumou, devendo a sua condenação pelo mesmo ser na forma tentada.
3.5.1 - Nos termos do art. 22º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se, sendo atos de execução os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime, os que forem idóneos a produzir o resultado típico, ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas anteriormente.
Sobre os conceitos de tentativa e de consumação do crime de furto, transponíveis para o crime de roubo, a jurisprudência[13], na esteira da doutrina mais avalizada, tem entendido que não basta a posse instantânea para se verificar a consumação, sendo, no entanto, já suficiente a transferência da disponibilidade da coisa do seu titular para o agente, não se exigindo, porém, que este último a detenha de forma pacífica, em tranquilidade ou sossego.
Trata-se de uma posição intermédia, entre a que é defendida por aqueles que, como Eduardo Correia[14], para considerar verificado o elemento “subtração” exigem a posse pacífica da coisa apropriada, o que será certamente uma exigência excessiva, e a posição de quem, por outro lado, defende que basta a posse instantânea para a consumação do crime.
Este critério intermédio proposto pela doutrina a acolhido na jurisprudência mostra-se apoiado em razões ligadas à estrutura finalista (ou finalidade) da ação empreendida, pois se o que o agente da infração visa é fazer entrar no seu domínio de facto as utilidades da coisa que estava anteriormente no sujeito que a detinha, faz sentido considerar consumado o crime quando ele, além da transferência da disponibilidade da coisa por via da subtração ao domínio de facto do precedente detentor, adquire um mínimo de estabilidade no respetivo domínio do facto, o que, no entanto, não significa que este domínio tenha de se operar em pleno sossego.
Por outras palavras, justifica-se reconhecer que o crime de furto só se considera consumado quando o agente tem esse mínimo de possibilidade de disposição da coisa subtraída, isto é, nas palavras de Faria Costa[15], “um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa”.
Doutra forma, explica este autor[16], estaria vedado o recurso à legítima defesa (própria ou alheia) contra o agente do crime quando este entra em fuga na posse dos objetos apropriados, o que seria absurdo. E também estaria prejudicada a relevância da desistência da tentativa e o arrependimento ativo. Uma interpretação do elemento “subtração” que elimine a aplicabilidade prática desses institutos do direito penal é evidentemente de afastar, por incoerente com o sistema.
Por sua vez, Paulo Saragoça da Matta[17] veio propor um critério idêntico, defendendo que o furto se consuma quando a coisa entra no domínio de facto do agente com “tendencial estabilidade”, isto é, não pelo facto de ela ter sido removida do respetivo lugar de origem, mas por ter sido transferida para fora da esfera de domínio do seu fruidor pretérito.
Parece, assim, adequado optar-se por um conceito de subtração que exija uma apropriação relativamente estável, como tal podendo considerar-se aquela que consegue ultrapassar os riscos imediatos de reação por parte do próprio ofendido, das autoridades ou de outras pessoas agindo em defesa do ofendido.
Sintetizando o que antecede, diremos que a questão da consumação do furto deve partir da distinção entre “subtração” e “domínio de facto”, para se concluir que o crime se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, pois exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da mesma.
Assim, não se verificará a consumação do furto/roubo quando o agente é surpreendido no momento em que subtrai a coisa, sem existir possibilidade real de disposição dela, ou quando é efetuada uma perseguição sem solução de continuidade (ininterrompida) e coroada de êxito pelo perseguidor. Mas já haverá consumação se a perseguição tiver lugar depois de descoberto o furto, isto é, quando o agente pôde hipoteticamente dispor do bem subtraído.
3.5.2 - No caso concreto, a questão da consumação/tentativa do crime de roubo em apreço apenas se coloca com a alteração introduzida na matéria de facto na sequência da procedência da impugnação deduzida pelo recorrente A. M., pois o que fora dado como provado pela primeira instância era que, após os terem arrancado do pescoço de cada um dos ofendidos, “os arguidos abandonaram o local levando consigo os fios” (ponto 16º), o que se traduz na consumação do crime.
Porém, como vimos, fruto da referida alteração na decisão factual, o que resultou provado foi que, após ter arrancado o fio do pescoço da ofendida M. F., o arguido M. S. abandonou o local, pondo-se em fuga, tendo sido de imediato perseguido e agarrado pelo ofendido A. T., que o logrou deter já no exterior do café, deixando o arguido cair ao chão aquele fio, o qual se partiu, ficando uma parte no interior do café e a outra parte no exterior do mesmo, tendo sido recuperado pela respetiva dona.
Em face desta descrição da situação, quer-nos parecer que o fio em ouro, apesar de ter sido removido do seu local de origem, não chegou a entrar na posse do arguido com um mínimo de tendencial estabilidade, a ponto de este poder dispor dele, ou seja, de poder usufruir das suas utilidades, adquirindo um pleno e autónomo domínio.
Diferentemente das situações em que o agente, já com o bem em seu poder, ao ver-se perseguido ou na iminência de ser descoberto, o lança para o chão no ato de fuga, caso em que haverá consumação do crime, na situação em análise, o arguido, após ter arrancado o fio do pescoço da ofendida, foi de imediato perseguido, agarrado e detido, tendo-o deixado cair ao chão, uma parte ainda dentro do café e a outra já no exterior.
A situação não pode ser enquadrada como de abandono do bem de que o arguido se apropriara, devido ao facto de ter constatado a impossibilidade de o conservar a sua posse, e de fuga face à aproximação de outra pessoa e na eminência de ser descoberta a sua ação e ser surpreendido.
Diferentemente disso, imediatamente após ter agarrado no fio, o arguido foi objeto de reação do ofendido, que o perseguiu, agarrou e deteve, não tendo a coisa chegado a ficar na sua disponibilidade com o mínimo de tendencial estabilidade que é exigido.
Dito de outra forma, dado o imediatismo e a prontidão da reação do ofendido, o arguido não se chegou a afastar da esfera de reação do dominus da coisa, não tendo sequer chegado a sair do café sem qualquer impedimento, pois que o ofendido A. T. logo lhe moveu uma perseguição, contínua ao ato de arrancar o fio do pescoço da ofendida, a qual não ficou sem qualquer hipótese de contrariar a pretensão do agente da infração.
Refira-se que no crime de roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existindo, portanto, uma proximidade física entre o agente do crime e sua vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reação à prática do crime para evitar a respetiva concretização, torna-se bem mais premente a exigência de estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que se tenha o crime por consumado.
A posse do arguido sobre o fio não deixou de ser precária, como o comprova a imediata reação e perseguição por parte do ofendido, suscetível de ser enquadrada numa ação de legítima defesa.
Em suma, os arguidos nunca chegaram a ter a disponibilidade do fio que queriam subtrair, ou seja, este nunca esteve, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infração, que não chegou a adquirir um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, o que pressupunha um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa que não se chegou a verificar.
Pelo exposto, contrariamente ao que entendeu o tribunal a quo, somos de opinião de que o crime de roubo que teve por objeto o fio em ouro pertencente à ofendida M. F. , cometido em coautoria por ambos os arguidos, não ultrapassou o estádio da tentativa.
Procede, pois, esta parte do recurso do arguido A. M., em proveito também do coautor M. S., por não se fundar em motivos estritamente pessoais (art. 402º, n.º 2, al. a)).

3.6 - Da escolha e da medida das penas
Quanto às operações de escolha e determinação da medida concreta das penas que lhes foram aplicadas, ambos os recorrentes se insurgem contra a opção do tribunal a quo pela pena de prisão em relação ao crime de burla para obtenção de alimentos e bebidas, pugnando pela aplicação de uma pena de multa, atento o valor diminuto ou mesmo irrisório do prejuízo causado, bem como contra o quantitativo das penas de prisão de cada um dos crimes de roubo e, também, da pena única, por as considerarem excessivas e desajustadas.
3.6.1 – É dado adquirido que a aplicação de uma pena visa a proteção dos bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) – art. 40º, n.º 1, do Código Penal.
A tarefa de escolha e determinação da medida da pena envolve diversos tipos de operações, começando o juiz por determinar a moldura penal abstrata e, em seguida, dentro dela, determinar a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida.
No entanto, perante a previsão abstrata de uma pena compósita alternativa (de prisão ou multa), o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a, a favor da prisão, na hipótese inversa.
É o que decorre da regra de escolha da pena principal prevista no art. 70º do Código Penal, que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa de liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficientes as finalidades da punição.
Nos termos do art. 40º do mesmo código, essas finalidades reconduzem-se à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Como salienta Figueiredo Dias[18], «… são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.»
Como também refere Paulo Pinto de Albuquerque[19], «A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (…). O tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (…). A articulação entre estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão (…).»
É, pois, ponto assente que a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa ou a substituição daquela por qualquer das penas de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, sendo, pois, o único critério a atender o da prevenção.
3.6.2 - No caso em apreço, perante a previsão, para o crime de burla para obtenção de alimentos e bebidas cometido pelos recorrentes, de uma pena abstrata de prisão até 6 meses ou multa até 60 dias (art. 220º, n.º 1, do Código Penal), os Exmos. Juízes optaram pela pena de prisão, por considerarem que, atendendo ao passado criminal dos arguidos, apenas ela corresponderá, minimamente, às exigências de prevenção especial, acrescendo ainda as exigências preventivas gerais que se ligam à conduta em apreço, pela frequência com que ocorre.
Essa conclusão a que chegou o tribunal a quo quanto às necessidades de prevenção especial, não pode deixar de obter acolhimento.
Na verdade, os extensíssimos antecedentes criminais de ambos os recorrentes, são por demais reveladores da absoluta indiferença e leviandade dos mesmos perante tais censuras anteriores, evidenciando acentuadas necessidades de prevenção especial.
Com efeito, o recorrente M. S. já sofreu dezoito condenações, por crimes de natureza variada, mas com particular incidência na criminalidade contra o património (variadíssimos roubos e furtos, dano e recetação), tendo-lhe sido aplicadas, para além de várias penas de multa, também penas de prisão, algumas de duração bastante considerável, tendo estado em cumprimento de uma pena única durante doze anos e cometido os factos em apreço nos autos cerca de dois meses após ter saído em liberdade condicional.
Por seu turno, o recorrente A. M. já sofreu onze condenações, pela prática de um total de vinte e seis crimes, não sendo correto, como o mesmo alega, que esse passado seja marcado sobretudo pelo crime de condução sem habilitação legal, porquanto cometeu este tipo de crime sete vezes, ou seja em número inferior ao número de crimes contra o património em que também incorreu (seis roubos e duas burlas), tendo ainda praticado seis crimes de ofensa à integridade física qualificada, dois de coação agravada, um de detenção ilegal de arma, um de falsidade de depoimento e um de condução perigosa. Acresce que, para além de várias penas de multa, foram-lhe aplicadas também algumas penas de prisão, uma delas com a duração de 6 anos, tendo estado em reclusão entre fevereiro de 2006 e junho de 2013, embora com uma ausência ilegítima durante cerca de 4 meses, e entre março de 2014 e julho de 2015, cumprindo, desde outubro de 2016, outra pena de prisão.
Concluímos, assim, que as penas anteriormente aplicadas, mesmo privativas da liberdade, não se mostraram suficientes para promover a ressocialização dos recorrentes, pelo que a reação enérgica que agora se exige a nível sancionatório é indiscutivelmente incompatível com a aplicação de uma pena de multa, a qual, já por diversas vezes aplicada no passado, não teve a mínima eficácia preventiva, não merecendo, portanto, qualquer censura, a opção do tribunal a quo pela pena de prisão em relação ao crime de burla para obtenção de alimentos e bebidas, nesta parte improcedendo o recurso.
3.6.3 - Passando a incidir a atenção sobre a questão da medida concreta das penas, de acordo com o disposto no art. 40º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança, tem como finalidade “a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. A proteção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto a reintegração do agente na sociedade, ou seja, o seu retorno ao tecido social lesado, se reporta à denominada prevenção especial.
O legislador quis, desta forma, oferecer ao julgador critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa. Em conformidade, dispõe o n.º 2 do art. 40º que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Em consonância com estes princípios dispõe o art. 71º, n.º 1, do mesmo código que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
De acordo com os ensinamentos de Anabela Miranda Rodrigues[20], a medida da pena há de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Mais adianta que é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – proteção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exata, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (ótima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral.
A mesma autora apresenta, então, três proposições em jeito de conclusões e de forma sintética: “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, diretamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.
Em suma, o limite mínimo da pena deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral que no caso se façam sentir, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva, ao passo que o limite máximo não deve exceder a medida da culpa do agente revelada no facto, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do mesmo; e, dentro desses limites mínimo e máximo, a pena deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível, sendo, pois, as razões de prevenção especial que servem para encontrar o quantum de pena a aplicar[21].
Por seu lado, as várias alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal elencam, a título exemplificativo, as seguintes circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, devendo o tribunal abster-se de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido:
- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (al. a);
- A intensidade do dolo ou da negligência (al. b);
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c);
- As condições pessoais do agente e a sua situação económica (d);
- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (al. e);
- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f).
Assim, as circunstâncias e os critérios do art. 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (por exemplo, a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente[22].
3.6.4 – Na determinação das penas aplicadas a ambos os recorrentes pela prática, em coautoria, do crime de burla para obtenção de alimentos e bebidas, o tribunal a quo referiu ter atendido à «… relativa gravidade da ilicitude do facto, às exigências preventivas gerais, moderadas, face à perigosidade do comportamento em causa e ainda: - à culpa dos arguidos, intensa e na modalidade mais grave de dolo direto; - às exigências preventivas especiais, na sua vertente de solene advertência individual, ponderando-se que as condenações já sofridas não serviram de contramotivação suficiente para não reincidirem; - à situação pessoal dos arguidos, nomeadamente atual, conforme consta da matéria de facto e resultou dos relatórios sociais; a favor do arguido M. está ainda o facto de o mesmo se mostrar arrependido, de uma forma sincera, e ainda ter confessado os factos.»
Ponderando esses fatores, numa moldura abstrata de 1 a 6 meses de prisão, os Exmos. Juízes julgaram adequadas as penas de 3 meses para o arguido M. S. e de 4 meses para o arguido A. M., justificando essa diferenciação com base no arrependimento e confissão do primeiro.
Quanto aos dois crimes de roubo tentado cometidos em autoria singular pelo recorrente M. S., tendo por objeto o episódio ocorrido no dia 02 de junho de 2016, na via pública, o tribunal coletivo teve em conta as seguintes circunstâncias: «- a ilicitude dos factos que, dentro do tipo legal, é mediana; - que o arguido atuou com o grau mais forte de culpa – dolo direto – representando e querendo atuar do modo como o fez; - as necessidades de prevenção geral, muito elevadas, pelo alarme social gerado pelas condutas como as ora em apreço e pela particular perigosidade ou danosidade das mesmas. (…); - as necessidades de prevenção especial. Neste campo, joga contra o arguido o seu elevado cadastro, mas a seu favor o facto de ter confessado e estar arrependido.»
Tudo ponderado, tendo a moldura abstrata o mínimo de 1 mês e o máximo de 5 anos e 4 meses (e não três meses, como, certamente por mero lapso, se refere no acórdão recorrido), considerou o tribunal a quo razoável aplicar ao arguido M. S. a pena de 10 meses de prisão por cada um dos crimes.
Por fim, quanto aos dois crimes de roubo perpetrados em coautoria por ambos os recorrentes, no episódio do dia 25 de julho de 2016, no interior do “Café C.”, consta da decisão da primeira instância que foi tido em conta: «- a ilicitude grave dos factos, visto o seu modo de execução, com a intervenção concertada de duas pessoas, com recurso a violência, cabendo, assim, atender, ainda, às consequências do ilícito para a integridade física e psicológica das vítimas; - que os arguidos atuaram com o grau mais forte de culpa – dolo direto – representando e querendo atuar do modo como o fizeram; - as necessidades de prevenção geral, muito elevadas, pelo alarme social gerado pelas condutas como as ora em apreço e pela particular perigosidade ou danosidade das mesmas. (…); - as necessidades de prevenção especial.»
Individualmente, foi ainda considerado que o arguido M. S. «tem um vasto cadastro criminal, tendo já vários crimes da mesma natureza e praticou os factos em causa nos autos no decorrer da liberdade condicional», bem como, a favor, «o seu percurso de vida, marcado por situações pessoais dramáticas, inserido numa família destruturada e que não prestou o apoio que o mesmo necessitava, para além da sua conduta na comunidade terapêutica nos últimos meses e, finalmente, com imenso relevo, a sua admissão dos factos e o seu sincero arrependimento», e que o arguido A. M. «não assumiu a sua culpa e tem, igualmente, um cadastro criminal extensíssimo.»
Ponderando tais elementos, dentro de uma moldura abstrata de 1 a 8 anos de prisão, entendeu o tribunal a quo razoável aplicar, por cada um dos dois crimes, a pena de 2 anos de prisão ao arguido M. S. e de 3 anos de prisão ao arguido A. M., mais uma vez sublinhando que esta diferença de penas se prende com o benefício concedido ao primeiro, «em virtude de o mesmo ter confessado os factos integralmente, sem reservas e ter demonstrado um arrependimento sincero.»
Não há dúvidas de que é suscetível de revista a correção do procedimento ou das operações de determinação da medida da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de fatores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Estando a questão do limite da culpa plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não o está a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto quando tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada[23].
Assim, o tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada[24].
3.6.5 - Em termos gerais, afigura-se-nos correta a elencagem dos fatores a atender na determinação das penas concretas e a respetiva ponderação efetuadas pelo tribunal a quo, tendo sido devidamente ponderado, ao invés do que sustentam os recorrentes, o reduzido grau de ilicitude dos factos relativos a todos os crimes, particularmente o de burla para obtenção de alimentos e bebidas e de roubo tentado cometido no dia 02 de junho de 2016, por força dos pequenos valores dos bens envolvidos.
Saliente-se também que, a diferenciação introduzida nas penas aplicadas aos dois arguidos pelo mesmo crime se justifica, para além da atitude colaborante e do arrependimento revelado pelo arguido M. S., como foi salientado pelo tribunal a quo, ainda com a circunstância, dada como provada no ponto 91º, de o arguido A. M. demonstrar uma postura de baixa consciência crítica perante a ilicitude do comportamento passado, com tendência para a legitimação do comportamento e/ou minimização da sua gravidade.
Pelo exposto, sopesando todas as apontadas circunstâncias atendíveis, concretamente as relevantes exigências de prevenção geral, sobretudo em relação aos crimes de roubo, que fazem elevar o limite mínimo necessário para assegurar a proteção das expectativas comunitárias, o moderado grau de ilicitude, a elevada intensidade da culpa e as muito acentuadas exigências de prevenção especial, afigura-se-nos que as penas parcelares encontradas pela primeira instância, assegurando adequada e suficientemente as finalidades da punição, não excedem o limite estabelecido pela medida da culpa, pelo que não se apresentam desproporcionadas, expressando uma correta e adequada valoração das circunstâncias que os recorrentes invocam como fundamento dos recursos.
Resulta, pois, do acórdão recorrido que o tribunal a quo seguiu corretamente o procedimento e as operações de determinação das penas concretas, observando os princípios gerais que lhe devem presidir, pelo que é de as manter, pois que também não se revelam desproporcionadas.
A única alteração que se impõe introduzir prende-se, naturalmente, com o facto de o crime de roubo cometido no “Café C.”, tendo por objeto o fio em ouro pertencente à ofendida M. F., ter sido tentado e não consumado, como entendeu a primeira instância, o que implica a redução dos limites mínimo e máximo da moldura abstrata da pena, passando a ser de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão, em vez de 1 a 8 anos de prisão.
Procedendo à ponderação dos fatores atendíveis, nos termos supra mencionados, afiguram-se-nos adequadas e corretas as penas de 1 ano e 6 meses para o arguido M. S. e de 2 anos de prisão para o arguido A. M..
3.6.6 – No que concerne à pena única resultante do cúmulo jurídico, cuja reformulação sempre se imporia por força da alteração da forma de cometimento de um dos crimes de roubo, que passou de consumado a tentado, nos termos do art. 77º, n.º 1, do Código Penal, na sua determinação devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Com a fixação da pena única pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente[25].
O concurso de crimes pode derivar de factos praticados na mesma ocasião ou de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes, pode ser constituído pela repetição do mesmo crime ou pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza, e pode ser formado por um número reduzido de crimes ou englobar inúmeros crimes.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre a ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos mesmos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso[26].
Por seu lado, quanto ao limite inultrapassável que é estabelecido pela culpa, um dos critérios fundamentais nessa perspetiva global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais.
Importa ainda determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo e pela dependência de vida em relação àquela atividade.
As qualidades da personalidade do agente manifestada no facto devem ser comparadas com as supostas pela ordem jurídica.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado.
Em suma, nas palavras de Figueiredo Dias[27], será o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Por seu turno, na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sendo que só no primeiro caso e já não no segundo se poderá atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Esta conceção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo ou puramente mecânico e portanto arbitrário, embora o dever de fundamentação não assuma aqui nem o rigor nem a extensão exigidos pelo art. 71º do Código Penal.
A determinação da pena do cúmulo exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado, nos termos expostos.
O acórdão recorrido, ao efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares, não descreveu o raciocínio dos julgadores que conduziu à determinação da medida da pena única, limitando-se a afirmar que «avaliada a personalidade de cada um dos arguidos expressa nos factos, ponderando-se bem assim que o concurso vem a corresponder a um “único episódio”, reputam-se adequadas as seguintes penas únicas:
- Quanto ao M., os limites do cúmulo vão de 2 anos (pena parcela mais elevada) a 5 anos e 11 meses.
Tudo sopesado, pensamos ser de aplicar uma pena de 3 anos de prisão.
- Quanto ao A., os limites do cúmulo vão de 3 anos a 6 anos e 4 meses.
Tudo sopesado, pensamos ser de aplicar uma pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.»
Refira-se que, em relação ao recorrente M. S., não é correta a afirmação de o concurso corresponder a um único episódio, porquanto os factos por ele praticados tiveram lugar em duas situações perfeitamente distintas no tempo e no espaço, sendo, aliás, separadas por praticamente dois meses.
O acórdão mostra-se, pois, omisso quanto ao referido dever legal de especial fundamentação, situação suscetível de integrar nulidade por omissão de pronúncia.
Porém, uma vez que constam da matéria de facto provada os elementos necessários à realização do cúmulo, pode o tribunal de recurso suprir tal nulidade, nos termos do n.º 2 do art. 379º.
No caso vertente, valorando o ilícito global perpetrado, tendo em conta o supra exposto quanto à natureza e à gravidade dos ilícitos, em número de cinco em relação ao recorrente M. S. e de três quanto ao recorrente A. M., estando os crimes de burla para obtenção de alimentos e bebidas e de roubo cometidos no “Café C.” fortemente ligados entre si e sendo os outros dois crimes cometidos pelo recorrente M. S. também de roubo, bem como que, em termos de gravidade se destacam aqueles roubos, bem como as fortes exigências de prevenção geral, a intensidade da culpa e as muito acentuadas exigências de socialização, reveladas pela vida dos recorrentes e pela pessoalidade defeituosa expressa na prática dos factos, afigura-se-nos adequadas as seguintes penas:
- Para o recorrente M. S., dentro da respetiva moldura legal aplicável (2 anos a 5 anos e 5 meses), a pena única de 2 anos e 9 meses.
- Para o recorrente A. M., cuja moldura abstrata é de 3 anos e 5 anos e 4 meses, a pena única de 4 anos de prisão.
Procede, pois, por força da alteração introduzida na forma de cometimento de um dos crimes de roubo no “Café C.”, o recurso na parte relativa à determinação das penas concretas e da pena única do concurso.

3.7 - Da suspensão da execução das penas
Por fim, ambos os recorrentes pugnam pela suspensão da execução da pena, alegando estarem verificados os respetivos pressupostos.
3.7.1 - De acordo com o disposto no art. 50º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Significa isto que pressuposto material da decisão suspensória da execução da pena é a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro.
A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, norteado pelo desiderato de afastar o delinquente da senda do crime, tendo em conta as concretas condições do caso. É necessário que o tribunal se convença, face àquelas condições, que o facto cometido não está de acordo com a personalidade do arguido, que foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, afastando-o da criminalidade.
Para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo decretar a suspensão da execução quando concluir, face aos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
Conforme refere Maria João Antunes[28], são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade, sem perder de vista que a finalidade primordial é a de proteção de bens jurídicos.
Por um lado, numa perspetiva de prevenção especial, a suspensão da execução da pena deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado. Com efeito, ela une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal ao chamamento, pela ameaça de executar no futuro a pena, à própria vontade do condenado em reintegrar-se na sociedade. É uma pena, porque oriunda de condenação produtora de antecedentes criminais. É uma medida de correção, enquanto busca, v.g., a reparação do delito ou “prestações socialmente úteis”. Aproxima-se das medidas de ajuda social se no domínio respetivo se desenham instruções que “afetam o comportamento futuro do condenado”. E tem uma coloração sociopedagógica ativa, pelo “estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade”[29].
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. Ou seja, é necessário que a suspensão da pena não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
Do exposto resulta que se, por um lado, a regra é o cumprimento efetivo da pena aplicada e não a sua suspensão, pois que esta só será decretada se se mostrarem verificadas as aludidas condições, por outro lado, a suspensão da execução da pena nunca poderá contender com as expectativas comunitárias na realização da justiça, pois que tal abalaria a estabilidade do ordenamento jurídico-penal. Como escreve Figueiredo Dias[30], “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.
Em síntese, exige-se que o tribunal, ponderando todas as referidas circunstâncias, esteja em condições de formular um juízo de prognose favorável, não podendo a suspensão, no entanto, beliscar as expectativas comunitárias e abalar a estabilidade do ordenamento jurídico-penal, uma vez que a comunidade deve rever-se nas decisões dos tribunais.
A suspensão da execução da pena surge como um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.
3.7.2 - No caso vertente, o tribunal a quo arredou a suspensão da execução da pena única aplicada em cúmulo jurídico ao recorrente M. S. por considerar que, apesar da sua postura em audiência (confessando os factos e demonstrando arrependimento) e o seu percurso na comunidade terapêutica, esses fatores, já refletidos nas penas parcelares, não são suficientes para o tribunal se sentir habilitado a traçar um juízo de prognose favorável relativamente ao seu futuro e à probabilidade do mesmo voltar a delinquir, concluindo que, face ao passado criminal do arguido e à gravidade dos crimes praticados, se impõe a efetividade da pena de prisão aplicada uma vez que apenas esta se ajusta às necessidades de prevenção geral e especial.
Também em relação ao arguido A. M. o tribunal a quo decidiu não suspender a execução da pena única, por o mesmo apresentar um passado criminal intenso e recente para além de não ter um projeto de vida credível ou um substrato de apoio familiar que possa ser tido em consideração, pelo que apenas a pena de prisão efetiva é suficiente para corresponder às exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir.
Refira-se que, ao invés do pretendido por ambos os recorrentes, apenas em relação à pena única, e já não às parcelares, cumpre ponderar a eventual suspensão da sua execução.
Apresentam-se como inteiramente corretas as considerações tecidas pelo tribunal coletivo.
Com efeito, em face do extenso passado criminal de cada um dos recorrentes, que, inclusivamente, já cumpriram penas de prisão de longa duração pela prática de crimes da mesma natureza (patrimoniais), tendo praticado os factos agora em apreço pouco tempo depois de terem sido libertado (o arguido M. S. apenas três dias após a concessão de liberdade condicional), aliado ao percurso de vida desestruturado que apresentam, é por demais evidente a impossibilidade de formular o referido juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça da execução da pena bastar para os afastar da prática de futuros crimes, pressuposto necessário para a pretendida suspensão.
Acresce ainda, em relação ao recorrente M. S., a ligação ao consumo de estupefacientes e a ausência de suporte familiar, fruto da recente reclusão da irmã que lhe deu apoio nas saídas ao exterior, e na toxicodependência e contactos regulares com o sistema de justiça por parte dos restantes irmãos que constituem o seu agregado familiar, o que condiciona o processo de ressocialização do arguido, sendo claramente incipientes e insuficientes para permitir o referido juízo de prognose os progressos que tem revelado a nível comportamental e emocional em contexto de internamento na Comunidade Terapêutica em que vem cumprindo a medida de obrigação de permanência na habitação.
Por fim, refira-se não ter qualquer acolhimento legal, desde logo por não estar verificado qualquer dos pressupostos exigidos pelo art. 43º do Código Penal, a pretensão manifestada pelo recorrente M. S. no corpo da motivação e na síntese final do seu recurso, no sentido de lhe ser dada a possibilidade de cumprir a pena de prisão efetiva na referida Comunidade Terapêutica.
Pelo exposto, improcede igualmente este segmento dos recursos.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em, julgando parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos M. S. e A. M.:
A) - Introduzir as seguintes alterações na decisão sobre a matéria de facto:
a) - No ponto 13º dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
"Após, os arguidos abandonaram o local, pondo-se em fuga, tendo o arguido A. M. levado consigo o fio que pertencia ao ofendido A. T., enquanto que o arguido M. S. foi de imediato perseguido e agarrado por esse ofendido, que o logrou deter já no exterior do café, tendo o arguido deixado cair ao chão o fio pertencente à ofendida M. F., o qual se partiu, ficando uma parte no interior do café e a outra parte no exterior do mesmo, tendo sido recuperado por aquela, sendo que o fio que a ofendida trazia colocado tinha um valor não concretamente apurado e o fio que o ofendido trazia colocado tinha um valor de cerca de € 200.”
b) - No ponto 16º dos factos provados, a seguir à palavra “concretizado”, introduzir o segmento “em relação ao fio pertencente ao ofendido A. T.”.
B) - Em consequência dessas alterações, proceder à alteração da forma de cometimento do crime de roubo relativo à subtração do fio em ouro pertencente à ofendida M. F., no sentido de ser meramente tentado, revogando o acórdão recorrido, na parte em que condenou os arguidos pela prática, em coautoria, de um crime de roubo consumado, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão para o arguido M. S. e de 3 anos de prisão para o arguido A. M., substituindo-a pela condenação dos arguidos pela prática, em coautoria, de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos art.s 210º, n.º 1, e 22º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão para o arguido M. S. e de 2 (dois) anos de prisão para o arguido A. M..
C) - Consequentemente, proceder à reformulação dos cúmulos jurídicos, fixando as penas únicas em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva para o arguido M. S. e em 4 (quatro) anos de prisão efetiva para o arguido A. M..
Quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.
*
Sem tributação em custas (art. 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal).
*
*
(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
*
Guimarães, 25 de setembro de 2017

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)


[1]- Todas as transcrições respeitam o respetivo original, salvo lapsos manifestos e a ortografia utilizada.
[2]- Conforme resulta, nomeadamente, dos art.s 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, e 410º, n.º 2, al.s a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, e do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995.
[3]- Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498), e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[4]- Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 28-09-2016 (processo n.º 2/14.0GACLD.C1.S1-3.ª Secção), de 10-11-2010 (processo n.º 347/06.2GBVLG-A.S1), de 21-01-1998 (processo n.º 97P1095) e de 19-11-1997 (processo n.º 97P290), do TRE de 09-03-2004 (processo n.º 2167/03-1), do TRG de 04-03-2013 (processo n.º 746/11.8PBGMR.G1), do TRL de 21-12-2011 (processo n.º 440/08.7GBSXL.L2-9) e de 28-06-2011 (processos n.º 737/07.3PLLSB.L1-5), e do TRP de 09-01-2013 (processo n.º 220/08.0GBETR.P1) e de 19-04-2006 (processo n.º 0416166), à exceção do primeiro, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt.
[5]- No acórdão n.º 87/99, de 09-02-1999 (processo n.º 444/98), in DR - II-A, de 01-07-1999.
[6]- Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão citado na nota 2.
[7]- Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10ª edição, pág. 729; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª edição, pág. 339; e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, pág. 77 e ss..
[8]- Processo n.º 418/11.3GAACB.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[9]- In Código de Processo Penal anotado, II volume, 2ª edição, 2000, editora Rei dos Livros, Lisboa, pág. 379.
[10]- Cf. os acórdãos do STJ de 13-03-1996 (processo n.º 48932) e de 11-05-1994 (processo n.º 45987), citados por Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 5ª edição, 2002, Rei dos Livros, pág. 65.
[11]- Cf. o acórdão do STJ de 15-01-1997 (processo n.º 048869), disponível em http://www.dgsi.pt.
[12]- Cf. o acórdão do STJ de 27-06-2012 (processo n.º 3283/09.7TACBR.S1), disponível em http://www.dgsi.pt.
[13]- Cf. os acórdãos do STJ 15-02-2007 (processo n.º 06P4802) e de 16-10-2008 (processo n.º 08P221), e do TRP de 12/05/2010, todos disponíveis em disponível em http://www.dgsi.pt.
[14]- In Direito Criminal, II, Livraria Almedina, reimpressão de 1988, pág. 44, nota 1.
[15]- Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 50.
[16]- In ob. cit., págs. 50 a 52.
[17]- Subtracção de coisa móvel alheia – Os efeitos do Admirável Mundo Novo num crime “clássico”, in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, pág. 1026.
[18]- In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, pág. 331.
[19]- In Comentário do Código Penal, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Portuguesa, pág. 266.
[20]- “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss.
[21]- Vd. Figueiredo Dias, in ob. cit., págs. 227 e ss..
[22]- Cf. o acórdão do STJ de 28-09-2005, in Coletânea de Jurisprudência-STJ, 2005, tomo 3, pág. 173.
[23]- Vd. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 196 a 197.
[24]- Cf. o acórdão do TRE de 22-04-2014, disponível em http://www.dgsi.pt.
[25]- Vd. Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 290 a 292.
[26]- Cf. o acórdão do STJ de 06-02-2008 (proc. n.º 07P4454), disponível em http://www.dgsi.pt.
[27]- In ob. cit., págs. 290 a 292.
[28]- As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, nota 4, pág. 71.
[29]- Cf. Jescheeck, in Tratado, versão espanhola, vol. II, págs. 1152 e 1153.
[30]- In ob. cit., pág. 344.