Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2629/18.1T8VNF.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
HERDEIROS DO MANDATÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Enquanto figuras jurídicas, a procuração – acto unilateral mediante o qual se concedem poderes de representação voluntária [artº. 262º, do Código Civil (CC)] – distingue-se do mandato – contrato através do qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar actos jurídicos por conta de outrem (o mandante) – artº. 1157º, do CC.

II - Apesar de o mandato ter natureza pessoal (daí a especificidade de caducar por morte, tanto do mandante, como do mandatário [artº. 1174º, alínea a), do CC] e estar, por isso, excluído do objeto da sucessão, não se transmitindo aos herdeiros do falecido mandante ou mandatário (artº. 2025º, nº 1 do CC) – tal cariz pessoal (intuitus personae) não se estende à obrigação de prestar contas que, por força do artº 1161º, al. d), vincula o mandatário.

III - Esta prestação de contas enquadra-se numa relação jurídica de natureza patrimonial, a qual pode ser objeto de sucessão, transmitindo-se, enquanto obrigação, aos herdeiros do mandatário, e, enquanto direito, aos herdeiros do mandante - artº 2024º, do CC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrente: L. C. (réu);
Recorrido: M. M. (autora)
*****

No presente processo especial de prestação de contas, veio a autora/recorrida requerer a apresentação de contas por parte do réu/recorrente da sua administração em representação do falecido Sr. H. P. e a condenação no pagamento do saldo que se apurar.

Alegou que, em 07.07.2016, foi outorgada procuração pelos senhores H. P. e mulher E. S., constituindo procurador o Réu L. C., nela tendo conferido ao Réu os poderes gerais de administração civil e ainda os especiais para: a) Movimentar, a crédito ou a débito, quaisquer contas bancárias à ordem ou a prazo, de que os outorgantes sejam titulares ou contitulares junto de quaisquer bancos ou instituições de crédito sedeados em Portugal, nomeadamente junto do “Banco ..., S.A.”, podendo nomeadamente fazer depósitos ou levantamentos de dinheiro dessas contas, efectuar transferências bancárias, dar ordem de pagamento, pontuais ou permanentes, e pedir extractos de conta; b) Representar os outorgantes junto de quaisquer Serviços de Finanças, nomeadamente apresentar declarações de rendimentos, declarações para efeitos de liquidação de quaisquer impostos, reclamar de liquidações de impostos e receber importâncias relativas a devoluções de impostos devidas aos mandantes; e c) Representar os outorgantes junto dos serviços da Segurança Social, requerer o que achar conveniente para o interesse dos outorgantes, assinar e enviar os documentos para prova de vida dos mesmos, e tudo o mais que se mostre necessário para benefício dos mesmos, podendo para todos estes efeitos requerer, subscrever, assinar e praticar tudo o que se mostrar necessário à cabal execução do mandato;
O Sr. H. P. faleceu no dia -.11.2017, após o que os filhos M. M. (a autora) e M. P. procuraram inteirar-se da situação patrimonial deixada pelo pai;
Questionado o réu sobre a situação patrimonial do falecido Sr. H. P. e sobre a gestão que tinha sido feita do respectivo património, especialmente as contas bancárias, o réu não prestou qualquer informação concreta, tendo apenas indicado que quem teria todas as informações contabilísticas era o contabilista J. C. e que os documentos entregues pelo contabilista não permitem compreender a justificação das despesas realizadas no uso da procuração identificada.
Em 10.01.2018 foi outorgada escritura pública de habilitação de herdeiros do Sr. H. P., tendo sido indicados como seus herdeiros, E. S., cônjuge sobreviva; M. M., filha; M. P., filho; e M. C., filha, pelo que, apresentando a presente acção na qualidade de herdeira do falecido H. P., requereu a intervenção principal provocada dos demais herdeiros.
Citado o réu, apresentou contestação, arguindo a falta de capacidade jurídica/judiciária de E. S., alegando que a própria autora confessa que o cônjuge sobreviva de H. P. apresenta sinais de demência, não sendo capaz de exercer o cargo de cabeça de casal, bem como a ilegitimidade da Autora, referindo que o direito da presente acção implica a intervenção de todos os herdeiros, sendo que a cônjuge E. S. não tem a sua incapacidade judiciária suprida.
E, aceitando a outorga da procuração alegada pela autora e nos termos por esta mencionados na petição inicial, alegou ter-se prontificado a apresentar contas à autora e seus irmãos após o funeral do H. P., sendo certo que a autora já tinha conhecimento da procuração desde o momento da sua celebração.
Mais articulou que a relação de mandato estabelecida entre o réu e o falecido H. P., titular das contas bancárias, extinguiu-se com o falecimento deste, não podendo a autora herdeira substituir-se ao mandante, único titular da exigência da prestação de contas.
Concluiu pela procedência das excepções dilatórias com a consequente absolvição da instância ou, assim não se entendendo, que a acção fosse julgada improcedente por não provada e, consequentemente, o réu absolvido dos pedidos.
Houve resposta às excepções deduzidas.
Julgado procedente o incidente de intervenção principal provocado deduzido pela autora, foram os demais herdeiros de H. P. citados para a acção, sendo certo que à chamada E. S. foi nomeada curadora provisória, que, entretanto veio a ser dada sem efeito em face do falecimento daquela.
Pela chamada M. C. foi apresentado articulado, fazendo seus os articulados do réu.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida decisão na qual se julgou procedente a acção e se “determinou que o réu L. C., nos termos do disposto no artigo 942.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, no prazo de 20 dias, preste à Autora contas relativamente à gestão da conta bancária que H. P. era titular no “Banco ..., S.A.” no período que mediou entre 7 de Julho de 2016 e 24 de Novembro de 2017”.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o réu, de cujas alegações se extrai, em síntese, as seguintes conclusões:

A) No caso dos autos, arroga-se a Autora do direito de exigir do Réu a prestação de contas relativamente aos movimentos efectuados na conta do Banco ..., S.A de depósitos de que era titular o seu pai H. P., no uso de uma procuração que autoriza a movimentação da conta que lhe foi conferida por este, em 07 de Julho de 2016.
B) Conforme resulta do processo, o referido H. P. faleceu em 24 de Novembro de 2017, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros, a Autora e os Intervenientes seus irmãos, M. P. e M. C..
C) Pretende a Autora que as contas a prestar se reportem às movimentações (levantamentos) levadas a cabo pelo Réu no uso da procuração, desde a sua celebração a 07 de Julho 2016 até à data do óbito, ocorrido em 24 de Novembro de 2017.
D) O tribunal a quo, crê (página nove da sentença), que: “ Com efeito, quando uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, estamos na presença de um mandato (cfr. artigo 1157.º do Código Civil) sendo que, nos termos do artigo 1161.º, alínea d), o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir”.
E) A decisão sob apreciação considerou que o Réu se encontrava obrigado a prestar contas dessa administração. Fundamentou tal obrigação à luz do disposto nos artigos 1161.º, n.º1, alínea d), do Código Civil, ou seja, tendo em conta a existência de uma relação de mandato estabelecida entre o Réu e o titular das contas, (o falecido pai da Autora, H. P.).
F) É certo que o Réu ao administrar essa conta bancária, geria bens alheios – porque pertencia ao pai da Autora, H. P.-, não há dúvida que, relativamente a essa administração, apenas o seu titular poderia exigir a prestação de contas; por si ou através de representante legal, ( conforme se refere por unanimidade no Acórdão da Relação de Lisboa de 28-04-2015, processo n.º 806/13.0TVLSB.L1-7, em www.dgsi.pt).
G) No caso dos autos, a Autora é uma mera herdeira tal como os seus irmãos e não representante legal do seu falecido pai. Não pode ser descurado o facto de que o falecimento do H. P. extinguiu a relação de mandato à luz do artigo 1174.º, alínea a), do Código Civil.
H) Verificando-se que estão em causa as movimentações levadas a cabo em vida do H. P. (desde 07 de Julho de 2016 até ao seu falecimento – 24 de Novembro de 2017), isto é, durante a vigência da relação de mandato, não pode a Autora em nome da herança substituir-se ao então mandante seu pai arrogando-se de um direito que não lhe pertence.
I) Na verdade e na sequência do referido, a actuação do Réu relativamente ao património de H. P., no que respeita à movimentação da sua conta bancária independentemente de além da procuração celebrada ter sido motivada pela relação de parentesco e confiança entre ambos, assume subsunção na figura do mandato nos termos do artigo 1161.º, alínea d), do Código Civil, onde dispõe que o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir.
J) Caducando o mandato com o falecimento do mandante, a herança (e nessa medida os respetivos herdeiros) carece de qualquer direito de exigir contas pelo exercício de um mandato relativo a um período em que só o mandante o poderia fazer.
K) Não está, por isso o Réu obrigado a prestar contas nos termos exigidos pela Autora no âmbito desta acção.
L) O Réu não administrou qualquer património da herança mas sim património do H. P..
M) Impõe-se, assim, à Relação alterar tal decisão em conformidade, julgando procedente a presente Apelação, absolvendo o Réu do pedido formulado pela Autora.
Pede que se profira nova decisão que declare a absolvição do réu.

Houve contra alegações, pugnando-se pela confirmação do julgado.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artº 639º do CPC (doravante CPC).

A questão suscitada pelo recorrente é a seguinte:

a) Não existe a obrigação de prestar contas por parte do réu, enquanto mandatário, perante os herdeiros do falecido mandante?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:

1. No dia 7 de Julho de 2016, no Cartório Notarial sito na Rua …, em Vila Nova de Famalicão, em que compareceram como outorgantes H. P. e mulher E. S., foi dito o seguinte: .

Que, pelo presente instrumento, constituem seu procurador, L. C., N.I.F. ……, casado, natural da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Famalicão, residente na Rua …, Vila Nova de Famalicão, ao qual conferem os poderes gerais de administração civil e ainda especiais para, em seu nome e representação, praticar os seguintes actos:
a) Movimentar, a crédito ou a débito, quaisquer contas bancárias à ordem ou a prazo, de que os outorgantes sejam titulares ou contitulares junto de quaisquer bancos ou instituições de crédito sedeados em Portugal, nomeadamente junto do “Banco ..., S.A.”, podendo nomeadamente fazer depósitos ou levantamentos de dinheiro dessas contas, efectuar transferências bancárias, dar ordem de pagamento, pontuais ou permanentes, e pedir extractos de conta;
b) Representar os outorgantes junto de quaisquer Serviços de Finanças, nomeadamente apresentar declarações de rendimentos, declarações para efeitos de liquidação de quaisquer impostos, reclamar de liquidações de impostos e receber importâncias relativas a devoluções de impostos devidas aos mandantes; e
c) Representar os outorgantes junto dos serviços da Segurança Social, requerer o que achar conveniente para o interesse dos outorgantes, assinar e enviar os documentos para prova de vida dos mesmos, e tudo o mais que se mostre necessário para benefício dos mesmos, podendo para todos estes efeitos requerer, subscrever, assinar e praticar tudo o que se mostrar necessário à cabal execução do presente mandato.”
2. H. P. faleceu em - de Novembro de 2017 no estado de casado com E. S..
3. Os filhos encontravam-se emigrados em França.
4. Em 10 de Janeiro de 2018 foi outorgada escritura pública de habilitação de herdeiros de H. P. através da qual foram declarados ser herdeiros deste a sua mulher, E. S., e os seus três filhos: M. M., M. P. e M. C..
5. H. P. era titular de uma conta bancária que, desde pelo menos a outorga da procuração referida em 1. era movimentada pelo réu.

FACTOS NÃO PROVADOS

a) A Autora tomou conhecimento da procuração referida em 1. em Janeiro de 2018.
b) Tendo questionado o Réu sobre a situação patrimonial do falecido H. P. e sobre a gestão das suas contas bancárias, não tendo sido prestada qualquer informação pelo Réu.

2. De direito;


a) Da inexistência da obrigação de prestar contas por parte do mandatário perante os herdeiros do falecido mandante;

O apontado erro de julgamento, quanto à matéria de direito, funda-se no argumento de que o réu, enquanto mandatário da autora e demais terceiros intervenientes nos autos, na qualidade de herdeiros do falecido mandante H. P., seu pai, não está obrigado a prestar contas porque o respectivo mandato caducou com a morte daquele mandante.
Salvo o devido respeito, discorda-se de tal.
A posição defendida pelo recorrente é assim a de que a actuação do réu relativamente ao património do referido H. P., nomeadamente no que respeita à movimentação das suas contas bancárias, subsume-se na figura do mandato, no âmbito do qual o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir, nos termos do art.º 1161º, d), do Código Civil (CC).
Logo, caducado o mandato com o falecimento do mandante, a herança (e, nessa medida, os respectivos herdeiros) carecem de qualquer direito de exigir contas pelo exercício de um mandato relativo a um período em que só o mandante o poderia fazer.

Vejamos:

Dos factos provados - pontos 1 e 5 - resulta que:

- O dito H. P. e sua mulher E. S. constituíram seu procurador o réu, ao qual conferiram os poderes gerais de administração civil e ainda especiais para, em seu nome e representação, “a) praticar actos de movimentar, a crédito ou a débito, quaisquer contas bancárias, à ordem ou a prazo, de que os outorgantes fossem titulares ou contitulares junto de quaisquer bancos ou instituições de crédito sedeados em Portugal, nomeadamente junto do “Banco ..., S.A.”, podendo nomeadamente fazer depósitos ou levantamentos de dinheiro dessas contas, efectuar transferências bancárias, dar ordem de pagamento, pontuais ou permanentes, e pedir extractos de conta; b) Representar os outorgantes junto de quaisquer Serviços de Finanças, nomeadamente apresentar declarações de rendimentos, declarações para efeitos de liquidação de quaisquer impostos, reclamar de liquidações de impostos e receber importâncias relativas a devoluções de impostos devidas aos mandantes;
e
c) Representar os outorgantes junto dos serviços da Segurança Social, requerer o que achar conveniente para o interesse dos outorgantes, assinar e enviar os documentos para prova de vida dos mesmos, e tudo o mais que se mostre necessário para benefício dos mesmos, podendo para todos estes efeitos requerer, subscrever, assinar e praticar tudo o que se mostrar necessário à cabal execução do presente mandato.”

- H. P. era titular de uma conta bancária que, desde pelo menos a outorga da referida procuração era movimentada pelo réu.

Ora, enquanto figuras jurídicas, a procuração – acto unilateral mediante o qual se concedem poderes de representação voluntária (artº. 262º, do CC) – distingue-se do mandato – contrato através do qual uma das partes (o mandatário) se obriga a praticar actos jurídicos por conta de outrem (o mandante) – artº. 1157º, do CC.
Como se salienta no Acórdão do STJ de 10.09.2019, proc.1546/15.1T8CTB.C1.S1, «Podem coexistir os dois atos, e haverá um mandato com representação – arts. 1178º e seg. do Código Civil, ou não, e existirá eventualmente ou um mandato sem representação – arts. 1180º e segs., ou uma procuração relacionada com qualquer outro ato jurídico, diverso do mandato. Como se observa no acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de julho de 2007 - em www.dgsi.pt, Proc. 07A1465 -, “a procuração encontra-se sempre integrada num negócio global, não operando de modo independente”.
Com efeito, a concessão de poderes de representação através de procuração, sendo um ato unilateral, nunca poderá ser considerado um mandato com ou sem representação que é uma figura contratual, logo bilateral.
Se a procuração acompanhar um mandato, é por força do contrato de mandato que o mandatário/procurador está obrigado a praticar os atos jurídicos que tiverem sido acordados[3]. O efeito da procuração projeta-se antes na circunstância de tais atos se haverem como praticados pelo mandante, no sentido de que os respetivos efeitos se produzem imediatamente na sua esfera jurídica.
Porque o mandatário se obriga a praticar atos jurídicos por conta de outrem, ou seja, no interesse do mandante (é esta a característica essencial do mandato), a lei impõe-lhe que preste contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir – cfr. al. d), do art. 1161º do Código Civil - caso a execução do mandato tiver repercussões nas relações patrimoniais entre as partes.
Trata-se de uma obrigação própria de quem gere ou administra interesses alheios».
No caso em apreço, se é verdade que a aludida procuração, por si só, enquanto negócio jurídico formal e unilateral, envolvente da outorga de poderes de representação, não é de molde a traduzir um mandato a favor do réu, certo é que, dispondo-se este a movimentar a conta bancária do redito H. P., por conta deste, desde a outorga da referida procuração, mostram-se preenchidos o acordo de vontades e o agir por conta de outrem, que são pressupostos do contrato de mandato.

Ainda assim, importa salientar que, na prestação de contas, nesta fase, o que está em causa é a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas.
A nível jurisprudencial e doutrinal é praticamente pacífico que a administração de facto de bens obriga à prestação de contas.
Veja-se entre outros, o Acórdão do STJ de 16.06.2011, proc. 3717/05.0TVLSB.L1, in dgsi.pt.

A obrigação de prestação de contas é uma obrigação de informação que incumbe a quem trata de negócios alheios ou de negócios próprios e alheios, seja qual for a fonte da administração.
Existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (artº 573º do CC).
Essa obrigação de informação decorre umas vezes da lei, outras do negócio jurídico, outras até do princípio geral de boa-fé consagrado no artº 762º, nº 2, do CC.
Relevante é, pois, o facto da administração de bens alheios, independentemente da fonte dessa actuação.
A finalidade da acção de prestação de contas é, como emerge do artº 941º, do CPC, o apuramento e aprovação das receitas cobradas e das despesas efectuadas e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
E o mandatário é um dos legalmente obrigados à prestação de contas, nos termos do artº 1161º, al. d), do CC.

Neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do TRL de 19.01.2016, proc. 10895/2005-6, do TRP de 31.10.2000, proc. 0051013, do TRP de 16.06.1994, proc. 9410333, todos in dgsi.pt.

Contudo, contrapõe o recorrente que - sendo certo que o réu, ao administrar essa conta bancária, geria bens alheios, porque pertencia ao pai da autora, H. P. - relativamente a essa administração, apenas o seu titular poderia exigir a prestação de contas, por si ou através de representante legal.
Em suma, que estando em causa as movimentações levadas a cabo em vida do H. P. (desde 07 de Julho de 2016 até ao seu falecimento – - de Novembro de 2017), durante a vigência da relação de mandato, não pode a autora em nome da herança substituir-se ao então mandante seu pai, arrogando-se de um direito que não lhe pertence.
Nesta problemática, cientes do sufragado diferentemente no Acórdão do TRL de 28.04.2015, processo n.º 806/13.0TVLSB.L1-7, mas perfilhando-se a posição defendida no Acórdão do TRL de 06.10.2015, proc. 3366/12.6TJLSB.L1-7, in dgsi.pt (ainda que neste se aborde a questão na perspectiva do mandatário), entende-se que – apesar de o mandato ter natureza pessoal (daí a especificidade de caducar por morte, tanto do mandante, como do mandatário [artº. 1174º, alínea a), do CC] e estar, por isso, excluído do objeto da sucessão, não se transmitindo aos herdeiros do falecido mandante ou mandatário (artº. 2025º, nº 1 do CC) – tal cariz pessoal (intuitus personae) não se estende à obrigação de prestar contas que, por força do artº 1161º, al. d), vincula o mandatário.
Assim, esta prestação de contas enquadra-se numa relação jurídica de natureza patrimonial, a qual pode ser objeto de sucessão, transmitindo-se, enquanto obrigação, aos herdeiros do mandatário, e, enquanto direito, aos herdeiros do falecido mandante, H. P. - artº 2024º, do CC.

De outro modo, seria impossível compaginar a obrigação legal de prestar contas que resulta da citada alínea d), do artº 1161º, do CC, no caso de morte do mandante ou mandatário.
Na mesma linha, sempre se dirá que “este interesse em agir da autora e terceiros intervenientes não lhes advirá apenas enquanto sucessores no direito do autor da herança exigir essa prestação, i. é por via sucessória, é também um interesse próprio, na medida em que do resultado dessas contas depende o próprio conteúdo do seu direito à herança” (vide Acórdão do TRG de 07.05.2015, proc. 496/10.2TBAMR.G1, in dgsi.pt.).

Não procede, pois, a apelação.

IV – Decisão:

Em face do exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.
Guimarães, 23 de abril de 2020

António Sobrinho
Ramos Lopes
Jorge Teixeira