Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
113/07.8TBMNC.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: RELAÇÃO DE VIZINHANÇA
DANO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- Na medida em que apenas sobre factos incide a prova, deve, no âmbito do atual regime processual civil, considerar-se não escrita uma resposta conclusiva.
2- Não é nula a sentença que não obedeça à estrutura constante do Artº 607º/2, 3 e 4 do CPC.
3- A situação de vizinhança implica para o vizinho o dever de prevenir danos no prédio contíguo.
4- Tal dever, conjugado com a proibição de abuso de direito, permite concluir que a todos compete evitar os atos que causem prejuízo substancial em prédios vizinhos.
5- A vizinha que, avisada de infiltrações provenientes da sua casa, nada fez, responde pelos danos causados na habitação de outrem.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

M.., R. nos autos de processo ordinário à margem referenciados, em que são AA., J.. e outros, não se conformando com a sentença proferida vem dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO com reapreciação da prova gravada.
Pede a revogação da sentença.
Após alegar, conclui como segue:
Questão prévia
1ª) Salvo o devido respeito por melhor opinião, a douta sentença recorrida é nula.
2ª) Com efeito, pese embora as novas regras processuais civis, decorrentes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Penal, tais regras não desobrigam o julgador de fundamentar a sua decisão em matéria de facto, mediante uma análise crítica da prova produzida e examinada em audiência de julgamento.
Ora
3ª) Compulsada a douta sentença recorrida, constata-se, após o relatório, limita-se o Exmo. Sr. Juiz de 1ª Instância a elencar os factos provados (e não já os não provados), não procedendo à indispensável análise crítica, tal como previsto no nº 4 do art. 607º do NCPC.
4ª) Termos em que, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 615º do NCPC, deverá ser a mesma ser declarada nula.
Sem conceder, e quanto à matéria de facto
5ª) No ponto 6 da matéria de facto, 2ª parte, dá o Douto Tribunal de 1ª Instância por provado que: “ depois do falecimento dessa B.., a R. passou a comportar-se como senhoria dos AA.”
6ª) Salvo o devido respeito por melhor opinião, tal (suposta) matéria de facto não é mais do que uma conclusão de direito a que faltam as premissas de facto.
7ª) Na verdade, ficaram por apurar os factos que pudessem sustentar tal conclusão.
8ª) Termos em que deverá ser eliminada esta 2ª parte do ponto 6 da matéria de facto provada.
9ª) No ponto 8 da matéria de facto dá o Ilustre Tribunal a quo por provado que: “ há mais de 4 anos que se acumula humidade no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA. Tal humidade provém da habitação do 1º andar “.
10ª) Salvo o devido respeito por melhor entendimento, não o poderia ter feito.
11ª) Impõem decisão diversa não só o relatório pericial de fls. dos autos, onde, desde logo, o Exmo. Sr. Perito começa por informar que “ para dar cumprimento à decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Monção, e aqui responder aos quesitos apresentados (…) dirigiu-se ao local comunicando desde já que apenas teve acesso ao rés-do-chão do prédio urbano em causa, uma vez que no seu primeiro andar e após duas idas ao local, ninguém atendeu à chamada para abrir a porta “ - de onde resulta que o Exmo. Sr. Perito elaborou as respostas aos quesitos da base instrutória sem ter vistoriado o primeiro andar, suposta origem das humidades constatadas no rés-do-chão – respondendo de seguida aos quesitos 6 – aqui em causa – 10, 24 e 26, com presume-se que sim (6, 10 e 26) e presume-se que não (24), 12ª) Como também os esclarecimentos prestados pelo mesmo Exmo. Sr. Perito Eng.º J.., em audiência de julgamento, do dia 2 de Outubro de 2013, cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, com início da gravação às 14:39:27 e fim da gravação às 14:53:37 e que se encontra acima transcrito (e aqui se dá por reproduzido).
13º) Face a este depoimento – e nenhuma outra prova se tendo produzido sobre esta questão - não poderia o tribunal ter dado provado quanto consta da segunda parte do ponto 8 da matéria de facto, ou seja que “ tal humidade provém da habitação do 1º andar, imediatamente por cima “.
Sem conceder
14ª) Poderia, quando muito, ter o douto Tribunal a quo ter dado por provado que: as humidades constatadas no rés-do-chão provêm do 1º andar e do exterior, em consequência do deficiente isolamento do prédio, bem como da normal deterioração de um prédio que tem mais de 40 anos.
Por outro lado
15ª) Foi, isso sim, feita prova da desnecessidade de aceder ao primeiro andar – onde a R. residira – para proceder à reparação dos danos constatados no rés-do-chão onde residiam os AA.
16ª) Daí que o tribunal a quo não tivesse dado por provado quanto se quesitava em 27 e 28 da base instrutória: que para reparar tais canos a partir do rés-do-chão fosse necessário furar a placa de cimento pré-esforçado que separa os dois andares, provocando o abatimento do chão da casa de banho do 1º andar e que, para proceder a tal reparação a partir do 1º andar fosse apenas necessário levantar os azulejos do chão da casa de banho.
Assim sendo
17ª) Ab initio e logo que constatadas as humidades ou infiltrações, independentemente da sua origem, podiam e deviam os AA. ter procedido às
necessárias reparações, sem necessidade de, para isso, aceder ao primeiro andar.
18ª) De onde, ser imputável apenas à sua própria inércia os estragos verificados no rés-do-chão, designadamente os mencionados nos pontos 8 e 16 da matéria de facto provada.
19ª) Termos em que, inequivocamente e pela sua relevância para a decisão da questão de direito, deveria o tribunal a quo ter dado por provado um novo ponto com a seguinte matéria de facto: para proceder à reparação dos danos verificados no rés-do-chão habitado pelos AA. não é necessário aceder ao primeiro andar.
Da questão de direito
20ª) Ao intentarem a presente ação invocaram os AA., inicialmente, um contrato de arrendamento que teriam celebrado com a R.
21ª) A R. seria, assim a senhoria, e os AA. os inquilinos deste putativo contrato de arrendamento, decorrendo a sua suposta responsabilidade civil extracontratual, se não do disposto nos arts. 483º e seguintes do Código Civil, ao menos desta sua alegada qualidade de senhoria (cfr. arts. 51º e 52º da petição).
22ª) Ainda segundo os AA., no teto da sua casa de banho vinham-se acumulando humidades, tendo os mesmos concluído – erradamente, como se veio a verificar – que a humidade provinha da habitação da R., pois nenhuma outra origem é (seria) possível (cfr. art. 6º da petição).
23ª) Alegavam ainda ter dado cumprimento ao disposto na atual alínea h) do art. 1038º do Código Civil, avisando o locador – in casu, supostamente, a R. - logo que detetados vícios na coisa, exigindo desta o cumprimento do disposto no atual art. 1074º do mesmo diploma legal, ou seja: a execução das necessárias obras de conservação da coisa locada, o que a R. sempre se recusou a fazer, por entender – e bem - não recair sobre si tal obrigação (cfr. art. 3º, alínea b) da contestação e doc. nº 2 junto com a contestação).
24ª) Alegavam, por último, os AA. – cfr. art. 30º da petição – que: “ aos AA.
é-lhes impossível proceder a tais reparações a partir da sua própria casa de banho, pois para tal teriam de furar a placa de cimento pré-esforçado que separa os dois andares, provocando o abatimento do chão da casa de banho da R “ – o que não se provou, ficando, sim, demonstrado, que seria até muito mais fácil a reparação dos danos através do rés-do-chão (cfr. depoimento do Sr. Perito, supra transcrito), o que os AA. poderiam – e deveriam – ter feito de imediato, quanto mais não seja ao abrigo do disposto no art. 1036º do Código Civil, não aguardando quatro anos (4) desde a constatação das humidades para propor a presente ação.
Com efeito
25ª) A presente ação foi proposta em 5 de Março de 2007 e já então alegavam os AA. que “ há mais de quatro anos os AA. começaram a notar a acumulação de humidade no teto da sua casa de banho “ (cfr. art. 4º da petição inicial).
Certo é que
26ª) Confrontados com a contestação da R. vieram os AA. reconhecer que haviam celebrado um contrato de arrendamento, sim, mas com a mãe da R., Benvinda do Céu Rebelo da Silva Araújo, entretanto falecida (cfr. art. 4º da réplica),
27ª) Mais tendo resultado provado não ser a R. - e nunca ter sido – proprietária ou comproprietária de qualquer das habitações em causa (rés-do-chão ou primeiro andar), sendo, sim, seus proprietários – um melhor, comproprietários – os intervenientes principais, entretanto chamados à ação pelos AA., melhor identificados no ponto 1 da matéria de facto provada.
Termos em que
28ª) A R. não é nem nunca foi proprietária ou comproprietária quer do rés-do-chão, quer do primeiro andar,
29ª) Apenas se tendo apurado em audiência de julgamento que “ residiu no mesmo edifício referido em 1, mais concretamente no 1º andar imediatamente por cima do rés-do-chão em que habitam os AA. “ (cfr. ponto 7 da matéria de facto provada), mas não durante quanto tempo ou em que período, muito menos a que título.
30ª) Termos em que, salvo o devido respeito por melhor opinião, é insuficiente a matéria de facto provada para se concluir – como faz o Douto Tribunal de 1ª Instância – que a R. tinha em seu poder o imóvel, com o dever de a vigiar, como propugna o art. 493º, nº 1 (cfr. fls. 5 e 6 da sentença recorrida), não sendo aplicável in casu, esta norma legal.
31ª) Não sendo aplicável esta norma legal, mas sim o disposto no art. 483º do Código Civil, não há lugar a qualquer inversão do ónus da prova, cabendo, portanto, aos AA. a prova dos factos constitutivos da (suposta) responsabilidade civil extracontratual da R.
32ª) Não tendo os AA. logrado a prova de tais factos, deveria a R. ter sido absolvida dos pedidos contra ela deduzidos.
33ª) Não o tendo feito, violou a douta sentença recorrida não só o disposto no art. 493º, nº1, como também o disposto nos arts. 483º e subsequentes do Código Civil (mormente o disposto no art. 487º, nº 1 deste diploma legal).
34ª) O que se torna evidente quando se escalpelizam os pedidos, designadamente o da alínea a) da sentença recorrida, em que se encontra condenada a R. Com efeito
35ª) Vem aí a R. condenada a “ realizar na habitação do 1º andar do prédio
urbano identificado no ponto 1 dos factos desta decisão as obras necessárias à eliminação das infiltrações de água que estão na origem da humidade existente no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA.”.
36ª) Desde logo nesta parte, é inexequível a douta sentença recorrida.
De facto
37ª) Ficou sobejamente demonstrado que a R. não é (nem nunca foi) proprietária ou comproprietária daquele primeiro andar, apenas ali tendo residido em tempos.
38ª) Não tem, por isso, nem a posse, nem a propriedade do imóvel, nem qualquer título que a autorize ou legitime a proceder a quaisquer obras no dito prédio.
39ª) Termos em que, mantendo-se esta condenação, não vê, pois, a R., como a possa honrar …
De todo o modo
40ª) Fica por demonstrar que a R. tivesse tido qualquer culpa nas infiltrações
e humidades verificadas do andar onde residiam os AA., resultando tais infiltrações e humidades da falta ou deficiente isolamento exterior do edifício, bem como da deterioração normal, consequência da antiguidade do mesmo e do simples decurso do tempo.
Pelo contrário
41ª) Resultou sobejamente demonstrado que, se a casa dos AA. chegou ao estado de deterioração em que se encontra, tal deve-se, desde logo, à sua própria inércia, pois como bem explicou o Sr. Perito em audiência de julgamento, logo que verificadas as ditas infiltrações e humidades podiam (e deviam) os AA. Ter procedido às necessárias reparações, não sendo para isso aceder ao 1º andar, onde viveria a R.
42ª) Termos em que nunca deveria a ter sido condenada como o foi, também
nos termos das alíneas b) e c) da decisão recorrida.
Na verdade
43ª) Condenando a R. nos termos em que o faz, não atendo, assim, à culpa dos próprios AA. na produção dos danos constatados, violou a douta sentença recorrida, mais uma vez, o disposto nos arts. 483º e seguintes do Código Civil, designadamente o disposto nos arts. 494º, aplicável ex vi do art. 496º, nº 4 deste diploma legal.

M.. e Filhos, Autores nos autos em referência, apresentaram as suas Contra-alegações, nas quais terminam pedindo que:
- se declare a improcedência do presente recurso, mantendo-se, na respetiva medida, a douta sentença, e
- se atualize o montante de indemnização peticionado, segundo critérios de equidade.
Por mera cautela, e na eventualidade de poder proceder, total ou parcialmente, o presente recurso que a Ré/Recorrente seja condenada solidariamente com os restantes Réus/Intervenientes. Na falta de responsabilidade civil extracontratual, deverão os Réus/Intervenientes ser condenados por responsabilidade contratual, pela sua qualidade de senhorios, a realizar as obras em causa e a indemnizar os danos causados pelo seu incumprimento contratual.
Seja a Ré/Recorrente condenada como litigante de má-fé e, consequentemente, na respetiva multa, indemnização equitativa aos AA. e no reembolso dos honorários pagos ao patrono dos AA..
*
Eis, para cabal compreensão, um breve resumo dos autos.
J.. (depois habilitado por M.., J.., J.. e J..) e mulher, M.., intentaram ação declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra M...
Em síntese, alegaram que residem numa habitação de um prédio no qual também reside a R. na habitação situada imediatamente por cima da habitação dos AA. Acontece que há mais de 4 anos se acumula humidade no teto da sua casa de banho, que provém da habitação ocupada pela R, e esta, apesar de alertada para o problema, nada faz.
Pedem a condenação da R. na reparação dos canos que provocam as infiltrações de água que estão na origem da humidade, na realização das obras destinadas a restaurar a sua (AA) fração e, bem assim, no pagamento da quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais; subsidiariamente, deduzem os mesmos pedidos com fundamento na relação de arrendamento estabelecida entre si (AA) e a R.
Contestou a R. impugnando os factos descritos na petição, negando qualquer obrigação de execução das reparações e obras pretendidas pelos AA.
Os AA. replicaram mantendo a sua versão. Requereram a intervenção principal de M.., B.., M.. e marido, D.., M.., F.., J.. e mulher, C.., B.. e marido, J.., E.. e J.., que foi admitida.
Contestaram os intervenientes M.., F.., B.., J.. e mulher, C.., negando qualquer obrigação de execução das reparações e obras pretendidas pelos AA..
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação procedente e, em consequência, condenou a R:
a) a realizar, na habitação do 1º andar do prédio urbano identificado no ponto 1 dos Factos desta decisão, as obras necessárias à eliminação das infiltrações de água que estão na origem da humidade existente no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA;
b) a realizar, na habitação do rés-do-chão do prédio urbano identificado no ponto 1 dos Factos desta decisão, as obras necessárias à remoção da humidade existente no teto respetiva da casa de banho e que alastrou para as divisões adjacentes (dois dos quartos de dormir), bem como a reparar o estuque do teto dessa casa de banho e a respetiva tubagem da eletrificação;
c) a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Absolveu os intervenientes do pedido.
***
Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, descortinamos as seguintes questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – A sentença é nula?
2ª – O tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – A matéria de facto é insuficiente para enquadramento na previsão do Artº 493º/1 do CC, aplicando-se antes o Artº 483º?
4ª – Na falta de prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a R. deveria ter sido absolvida?
5ª – A condenação é inexequível?
***
Por razões de lógica processual, começaremos pela questão elencada em 2º lugar – o erro de julgamento da matéria de facto.
Os Recrtes. começam por alegar que a resposta constante do ponto 6 é conclusiva.
Mais propriamente alegam que o ponto 6 da matéria de facto, 2ª parte, onde se menciona que “depois do falecimento dessa B.., a R. passou a comportar-se como senhoria dos AA.”, não é mais do que uma conclusão de direito a que faltam as premissas de facto. Termos em que deverá ser eliminada esta 2ª parte do ponto 6 da matéria de facto provada.
Não podemos deixar de concordar com esta alegação.
Na verdade, que significado tem tal expressão?
Como sabemos, só a partir de factos se integra a matéria de facto.
A expressão facto designa um acontecimento ou ato. Os atos podem ser naturais ou voluntários, conforme não integrem ou integrem ações humanas.
Como bem se exprimiu no Ac. do STJ de 11/12/2008, “Dir-se-á, assim, ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos e as atuações dos seres humanos, incluindo as do foro interno. A matéria de direito, por seu turno, envolve a expressão dos princípios e das regras jurídicas a aplicar, ou seja, tem essencialmente a ver com a interpretação e aplicação das normas jurídicas. As conclusões sobre a matéria de facto são desta natureza, o que não acontece, como é natural, com as conclusões jurídicas, nem com os juízos de valor, sejam estes de facto ou de direito.” (Refª 08B3743, www.dgsi.pt)
Assim, a conclusão ínsita na expressão em apreciação – comportar-se como senhoria – carece de explicitação mediante invocação de concretos atos que nos possam levar a concluir como tal.
Ora, dispõe-se no Artº 607º/4 que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
Factos, portanto.
A avaliar pela sentença, a resposta será o resultado do julgamento que incidiu sobre os quesitos 1 e 2, nos quais, em resultado do alegado na réplica, se indagava exatamente o que veio a constar dos quesitos (designadamente no segundo que é o que para aqui releva).
Em presença do CPC vigente à data de instauração da ação, uma resposta com semelhante teor teria, por força do disposto no Artº 646º/4 de considerar-se não escrita.
O atual CPC, na vigência do qual se realizou o julgamento, é omisso quanto a esta questão.
Contudo, cabia – como também atualmente cabe – aos AA. o ónus de alegação dos factos que enformam a causa de pedir, apenas sobre factos incidindo a prova (Artº 401º do CPC).
Donde, também em face do atual regime processual, a resposta tem que considerar-se como não escrita, não podendo a fundamentação de facto incidir sobre matéria de direito ou conclusões.
A impugnação da Recrte. incide, após, sobre o ponto 8 da matéria de facto, segundo o qual “há mais de 4 anos que se acumula humidade no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA. Tal humidade provém da habitação do 1º andar.”
Pretende a Recrte. que a última parte (a negrito) não resultou da prova, porquanto no relatório pericial se informa que “ para dar cumprimento à decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Monção, e aqui responder aos quesitos apresentados (…) dirigiu-se ao local comunicando desde já que apenas teve acesso ao rés-do-chão do prédio urbano em causa, uma vez que no seu primeiro andar e após duas idas ao local, ninguém atendeu à chamada para abrir a porta”. Extrai deste excerto que o Exmo. Sr. Perito elaborou as respostas aos quesitos da base instrutória sem ter vistoriado o primeiro andar, suposta origem das humidades constatadas no rés-do-chão, respondendo de seguida aos quesitos 6 – aqui em causa – 10, 24 e 26, com presume-se que sim (6, 10 e 26) e presume-se que não (24), 12ª). Do mesmo passo, invoca ainda os esclarecimentos prestados pelo mesmo Perito em audiência de julgamento.
Ponderou-se na decisão que se debruçou sobre a matéria de facto que “No
que respeita à matéria vertida no quesito 6 – onde se questiona “E tal humidade provém da habitação do 1º andar, imediatamente por cima?” e o perito respondeu “Presume-se que sim” –, cumpre sublinhar que o próprio perito esclareceu em audiência que a sua resposta foi dada nesses termos porque, de facto, embora tenha praticamente a certeza de que assim é, não pode, contudo, garanti-lo. De resto, o próprio perito refere, no âmbito da resposta dada a uma questão formulada pelos AA, que a grande extensão das manchas de humidade indica que estas têm a sua origem, pelo menos na sua maior parte, em infiltrações (cf. fl.241, ponto c).”
Ouvimos os esclarecimentos prestados pelo perito, dos quais resulta que viu o apartamento, apresentando-se o mesmo muito degradado. Muita humidade, negruras, sendo o teto da casa de banho assustador. No que concerne à origem, explicou que não a consegue determinar com exatidão. Porém, depreende que venha de cima. As probabilidades para aí apontam. Ainda afirmou que a humidade que viu na casa de banho só pode vir do apartamento.
Posto isto, não nos merece censura a decisão em reapreciação. Tal decisão não assenta – como em regra nunca se assenta – em certezas absolutas, mas sim em sérias probabilidades. E, da experiência do perito, resultou como muito provável que a humidade provém do 1º andar.
Donde, se mantém a decisão.
Por fim, e ainda quanto à questão que vimos analisando, alega a R. que inequivocamente e pela sua relevância para a decisão da questão de direito, deveria o tribunal a quo ter dado por provado um novo ponto com a seguinte matéria de facto: para proceder à reparação dos danos verificados no rés-do-chão habitado pelos AA. não é necessário aceder ao primeiro andar.
Conforme acima já deixámos explícito, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Em parte alguma se invoca que tal matéria tivesse sido alegada, pelo que, se é essencial, deixaram as partes a quem a mesma aproveita – no caso, a Recrte. – de cumprir com um ónus que lhe é imposto. Caso em que, a questão daí decorrente se há-de resolver contra si (Artº 414º do CPC).
Por outro lado, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da discussão da causa, os que complementem ou concretizem outros, os factos notórios e aqueles que o tribunal conheça em virtude do exercício das suas funções.
Em nenhuma destas categorias a Recrte. insere a matéria em causa.
Acresce, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (Artº 662º).
No caso, releva o segmento que se reporta à prova produzida. Prova essa que a Recrte. não indica nos moldes que lhe são impostos pelo Artº 640º/1-b) do CPC).
Neste termos, a questão que vimos analisando procede apenas no tocante à matéria constante do ponto 6, última parte, que se eliminará.
***
FUNDAMENTOS DE FACTO
Estão provados os seguintes factos:
1. Os intervenientes M.., B.., M.., M.., F.., J.., B.., E.. e J.. são donos e legítimos comproprietários do prédio urbano composto de bloco de quatro moradias, com dois pisos e rossios, sito no Lugar .., freguesia e concelho de Monção, com a área coberta de 180m2 e descoberta de 695m2, a confrontar de norte com estrada nacional, de sul com herdeiros de J.., de nascente com arruamento para o Forte e de poente com C.., descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção sob o nº .. e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo.. (A);
2. Tal qualidade adveio aos mencionados intervenientes por partilha judicial da herança aberta por óbito de J.. e mulher, B.., efetuada no processo de inventário nº 160/99, que correu termos neste Tribunal Judicial de Monção (B);
3. A R. é filha dos aludidos inventariados J.. e mulher, B.., e exerceu o cargo de cabeça-de-casal no processo de inventário a que se alude em 2 (C);
4. Os AA. J.. e mulher, M.., residem no rés-do-chão do prédio referido em 1.
Tal prédio tem apenas rés-do-chão e 1º andar (D e E);
5. Os intervenientes M.., F.., J.. e B.. nunca foram diretamente informados pelos AA. de qualquer dos factos relatados na p.i. (F);
6. Há mais de 30 anos, B.. declarou dar de arrendamento, e os AA. declararam receber de arrendamento, o rés-do-chão do prédio referido em 1. (1);
7. A R. residiu no mesmo edifício referido em 1, mais concretamente no 1º andar imediatamente por cima do rés-do-chão em que habitam os AA. (3);
8. Há mais de 4 anos que se acumula humidade no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA. Tal humidade provém da habitação do 1º andar, imediatamente por cima (4 a 6, 8 e 26);
9. Os AA. informaram a R. desta situação e a mesma nada fez (7, 9, 11, 23 e 25);
10. A casa de banho do 1º andar encontra-se imediatamente por cima da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA. (10);
11. Perante a atitude da R, os AA. requereram à Câmara Municipal de Monção que procedesse a vistoria da sua habitação: na sequência de tal vistoria, a R. foi notificada pela Câmara Municipal para proceder à execução de obras no local (12 e 13);
12. Passados alguns meses, os AA. foram à Câmara Municipal para saber o estado do processo, onde constataram que o mesmo tinha desaparecido (14);
13. Posteriormente, os AA. requereram à Câmara Municipal de Monção a realização de nova vistoria: tal vistoria concluiu que as infiltrações estavam a danificar a casa de banho do rés-do-chão onde os AA. habitam e que estava “em risco a normal utilização da instalação sanitária, nomeadamente na sua salubridade e higiene”.
A Câmara Municipal de Monção notificou a R. dessa vistoria para que esta
procedesse às reparações necessárias (15 a 17);
14. No dia 16 de Setembro de 2006, P.. estava a reparar um bidé que se tinha soltado na casa de banho dos AA. e notou que começavam a cair do teto algumas gotas de água. Tais gotas rapidamente se transformaram em fios de água (18 e 19);
15. No dia 16 de Setembro de 2006, a A. chamou os Bombeiros ao local uma vez que na casa de banho do rés-do-chão onde habita se verificava infiltração de água pela tubagem da eletrificação. Os bombeiros tentaram aceder ao andar de cima para resolver o problema mas o acesso foi-lhes negado pela R. Tal acesso só viria a ser permitido com a chegada ao local da GNR (20 a 21 e 22);
16. Como resultado do arrastamento da situação ao longo do tempo, as marcas de humidade alastraram para as divisões adjacentes à casa de banho, mais concretamente a dois dos quartos de dormir. Parte do estuque do teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA. caiu e o restante ameaça cair a qualquer momento (29 e 30);
17. Devido à infiltração de água pela tubagem da eletrificação, os AA. não utilizam a instalação elétrica da casa de banho do rés-do-chão onde habitam (31 e 32);
18. O A. sofre de asma brônquica severa. Tal doença agrava-se com o ambiente de humidade que existe na sua habitação (33 e 34);
19. Em Fevereiro de 2006 e Janeiro de 2007 o A. contraiu pneumonia, o que lhe causou sofrimento e foi motivo de preocupação para a família, em especial para a A. (35 a 37);
20. Os intervenientes M.., F.., J.. e B.. nunca tiveram qualquer contacto físico com o prédio identificado em 1 (42).
***
ANÁLISE DAS QUESTÕES DE DIREITO
A primeira questão que enunciámos prende-se com a nulidade da sentença, alegadamente fundada na circunstância de a mesma, após o relatório, se limitar a elencar os factos provados (e não já os não provados), não procedendo à indispensável análise crítica, tal como previsto no nº 4 do art. 607º do NCPC.
É uma evidência que o novo regime processual civil entretanto vigente alterou a clássica estrutura da sentença, impondo agora ao juiz que discrimine os factos que declara provados e aqueles que declara não provados (Artº 607º/2, 3 e 4).
Ocorre contudo, que esta nova estrutura está pensada para um processo, todo ele correndo ao abrigo da forma introduzida pela Lei 41/2013 de 26/06, o que não é o caso.
A presente ação deu entrada em 2007, tendo-se, como então se exigia, elaborado base instrutória.
À audiência, realizada em Novembro de 2013, seguiu-se o agendamento para resposta aos quesitos, o que veio a ocorrer em 18/12/2013, sem que alguma das partes se tivesse insurgido.
E, na decisão proferida sobre a matéria de facto exararam-se os respetivos fundamentos. Tanto assim, que no presente recurso, a Recrte. remete para os mesmos.
Por outro lado, a sentença só é nula se não contiver os fundamentos de facto e os de direito e não se não cumprir as exigências de forma agora vigentes (Artº 615º/1-b)). Ou então se deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (Artº 615º/1-d), o que, em presença quer da decisão que a antecedeu, quer da própria sentença, não é, manifestamente o caso.
As questões aqui reportadas são aquelas que decorrem da causa de pedir/defesa, todas elas tendo sido analisadas.
A tudo se soma o agora introduzido princípio de gestão processual, de acordo com o qual o juiz pode e deve adequar o processo à melhor e mais útil forma possível.
Termos em que improcede a questão em análise.

A terceira questão elencada acima reporta-se à insuficiência da matéria de facto para enquadramento na previsão do Artº 493º/1 do CC.
Ponderou-se na sentença que, em regra, incumbe ao lesado a prova dos pressupostos que enformam a responsabilidade civil extracontratual, daí decorrendo o direito que os AA. invocam. “Pode, porém, verificar-se uma presunção legal de culpa, como a prevista no art.493º-1 CC: “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem
tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”. O preceito prevê uma presunção legal de culpa (com a consequente inversão do ónus da prova) por parte de quem, além do mais, tiver em seu poder coisa móvel, e cujo fundamento assenta na ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano (A. Varela, ob. cit, p.564). O detentor da coisa será, por via de regra, o seu proprietário, mas pode também ser um comodatário, um depositário, um credor pignoratício, etc. (P. Lima e A. Varela, CC Anotado, vol. I, 4ª ed. p.495 e A. Varela, ob. e ult. loc. cits). Estão aqui em causa os danos produzidos pelas coisas; se é o agente que provoca os danos com o emprego delas vigora o regime geral da responsabilidade civil (A. Varela, ob. e ult. loc. cits). Por força dessa presunção de culpa, o agente só pode exonerar-se da responsabilidade provando que não teve culpa ou que os danos se teriam produzido ainda que não a houvesse (P. Lima e A. Varela, ob. e loc. cits, A. Varela, ob. cit, pp.564-565 e R. Faria, Direito das Obrigações, vol. I p.479) ”.
Escreveu-se mais adiante que perante o cenário evidenciado na matéria de facto, “não pode colocar-se em dúvida a responsabilidade da R. (que, não sendo embora proprietária do 1º andar, é sua detentora) pelos danos causados aos AA, se não de modo “direto” pela prova da sua culpa efetiva, pelo menos e definitivamente a título de culpa presumida (art.493º-1 CC) por a R. não ter demonstrado que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. É isso que resulta, p.e, da circunstância de a humidade – que há mais de 4 anos se acumula humidade no teto da casa de banho do rés-do-chão habitado pelos AA. – provir da habitação do 1º andar, onde a R. residiu, sendo certo que os AA. informaram a R. da situação e esta nada fez, repetindo tal inércia mesmo depois de ter sido notificada pela Câmara Municipal para solucionar o problema”.
Com o devido respeito, não nos aprece que a matéria de facto permita sustentar a inserção do caso na previsão do Artº 493º do CC.
De um lado, não resulta da matéria de facto a relação que a R. tem com a casa que habitou.
Proprietária não é, conforme evidencia logo o ponto 1.
E detentora desconhece-se se é ou não, na medida em que não se provou qualquer título que legitime uma tal conclusão.
Habitava o andar cimeiro, é certo. Porém, não se sabe a que título.
Ora, o Artº 493º/1 do CC faz depender a sua aplicação da circunstância de se ter poder sobre uma coisa (no caso imóvel), com o dever de a vigiar.
Da simples circunstância de a R. habitar aquele andar não se pode concluir que tivesse poder sobre o mesmo, devendo vigiá-lo de modo a que este não causasse, por deterioração própria, danos a terceiros.
Era comodatária?
Donde, se mais não houvesse, jamais poderia ser responsabilizada por força e ao abrigo do disposto no Artº 493º do CC.
Mas há!
É que, conforme ensinam Pires de Lima e Antunes Varela a norma visa acautelar danos produzidos pela própria coisa. E não os danos provenientes de ação ou omissão de alguém.
Nesta circunstância, como parece ser o caso, a responsabilidade, para se concretizar, carece da prova de todos os pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, realidade ao abrigo da qual, aliás, a ação foi proposta.
Vejamos, então, se, conforme parece admitir também a sentença, os mesmos se verificam.
Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (Artº 483º do CC).
E, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (Artº 562º do CC), devendo a indemnização ficar-se em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível (Artº 566º/1 do CC).
No caso concreto a R. foi condenada a realizar, na habitação do 1º andar do prédio urbano as obras necessárias à eliminação das infiltrações de água que estão na origem da humidade existente no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA; a realizar, na habitação do rés-do-chão do prédio urbano as obras necessárias à remoção da humidade existente no teto respetiva da casa de banho e que alastrou para as divisões adjacentes (dois dos quartos de dormir), bem como a reparar o estuque do teto dessa casa de banho e a respetiva tubagem da eletrificação; a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Recordemos a matéria de facto relevante.
A R. residiu no mesmo edifício que os AA., mais concretamente no 1º andar imediatamente por cima do rés-do-chão em que habitam os AA.. Há mais de 4 anos que se acumula humidade no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA. Tal humidade provém da habitação do 1º andar, imediatamente por cima. Os AA. informaram a R. desta situação e a mesma nada fez. Perante a atitude da R, os AA. requereram à Câmara Municipal de Monção que procedesse a vistoria da sua habitação: na sequência de tal vistoria, a R. foi notificada pela Câmara Municipal para proceder à execução de obras no local. Os AA. requereram à Câmara Municipal de Monção a realização de nova vistoria: tal vistoria concluiu que as infiltrações estavam a danificar a casa de banho do rés-do-chão onde os AA. habitam e que estava “em risco a normal utilização da instalação sanitária, nomeadamente na sua salubridade e higiene”. A Câmara Municipal de Monção notificou a R. dessa vistoria para que esta procedesse às reparações necessárias. No dia 16 de Setembro de 2006, a A. chamou os Bombeiros ao local uma vez que na casa de banho do rés-do-chão onde habita se verificava infiltração de água pela tubagem da eletrificação. Os bombeiros tentaram aceder ao andar de cima para resolver o problema mas o acesso foi-lhes negado pela R. Tal acesso só viria a ser permitido com a chegada ao local da GNR.
Vem sendo reconhecido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que a relação de vizinhança implica, para o proprietário, sérias restrições ao exercício do seu direito, decorrentes do que se dispõe nos Artº 1346º, 1348º ou 1350º do CC. Destas limitações emerge um princípio geral de acordo com o qual cada titular está vinculado a manter aquilo que a doutrina denominou como equilíbrio imobiliário.
É certo que a R. não é proprietária. É apenas habitante vizinha.
De outro passo, os AA. também são apenas locatários. E vizinhos.
Contudo, do nosso ordenamento jurídico consta ainda uma norma geral de acordo com a qual é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé (Artº 334º do CC).
Do princípio geral que emana das disposições supra citadas – existência de um dever geral de prevenção cuja violação, em determinadas circunstâncias, pode sustentar a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil – conjugado com a proibição de exercício abusivo de direitos, podemos concluir que a todos compete evitar os atos que, no âmbito das relações de vizinhança, causem prejuízo substancial em prédios vizinhos.
Conforme nos dá notícia o Ac. do STJ de 29/03/2012 (visível em (www.colectaneadejurisprudencia.com), “Para MENEZES CORDEIRO, a resposta para uma situação do género [1] encontra apoio nas regras sobre o abuso de direito. No entender deste civilista, "um edifício contíguo a um outro traz-lhe desvantagens, mas, também, alguns benefícios", de modo que "destruir o edifício contíguo sem tomar as precauções para proteger a casa vizinha, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé". Argumentos resumidos que servem para fundar um direito à proteção correspondente ao "dever de tomar as precauções necessárias para que, em consequência de desaparecer o edifício contíguo, não ocorram danos no edifício subsistente" (ob. cit., pág. 831). Tal é feito mediante a enunciação de um princípio geral que enformaria as disposições específicas dos arts. 1346º e segs. do CC e que, para além das concretas situações reguladas, sustentaria ainda outros vínculos submetidos ao mesmo princípio [2].”
Ainda segundo o mesmo acórdão, “Já segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, as relações de vizinhança envolvem um princípio geral que, aflorando em diversas disposições reguladoras do direito de propriedade, geram para cada um dos proprietários de prédios vizinhos ou confinantes deveres de "manutenção do equilíbrio imobiliário", implicando a necessidade de compressão e de atuação mútua no sentido da manutenção do statu quo que, por razões subjetivas ou objetivas, tenha sido modificado, causando uma forte perturbação na relação vicinal.”
Na verdade, num artigo publicado na ROA (ano 67º), Oliveira Ascensão, reportando-se sempre a relações emergentes de direitos reais, defende que um tal princípio emerge do que se dispõe nos Artº 1346º e ss. do CC. Assim, "cada titular está vinculado, não só a abster-se da prática de atos que quebrem o equilíbrio imobiliário, como a reparar a falta de execução normal do seu direito, quando pela omissão desse exercício o equilíbrio imobiliário possa da mesma forma vir a ser quebrado”. E, no âmbito de relações de vizinhança reais prescinde-se, mesmo, “de toda a consideração de culpa”.
Será, assim, legítimo exigir do proprietário a reconstituição do equilíbrio imobiliário, não se afastando a possibilidade de estender um tal princípio a outras situações em que o princípio justificativo for o mesmo.
Transpondo agora estes considerandos para o caso concreto, temos, como já acima notámos, a especificidade de não estarmos em presença de relações reais. Como dissemos, as partes em conflito, são vizinhas, habitando cada uma uma distinta casa: os AA. ao abrigo de um contrato de arrendamento, a R. desconhecendo-se em que termos.
Esta é, contudo, uma daquelas situações em que se justifica estender o princípio a que acima nos reportámos, porquanto a justificação de base é a mesma - a relação vicinal.
Perante o arrazoado fático acima exposto, não subsistem dúvidas de que a R. omitiu a conduta adequada a evitar o dano, ignorando sempre os apelos dos AA.. Ou seja, também aqui a matéria de facto permite identificar a existência de um dever de prevenção que incidia sobre a R., conhecedora dos danos que ocorriam na habitação dos AA., e que, não obstante, persistiu na sua conduta omissiva, ignorando os apelos dos lesados. Pode, em face de tal matéria, dizer-se que a exposição duradoura ao dano se deve ao incumprimento, por parte da R., de um dever geral de diligência.
Como é reconhecido pela doutrina, o comportamento pressuposto pela disposição legal reguladora da responsabilidade civil extracontratual – o Artº 483º - tanto pode advir de ação, como de omissão.
E, sendo o andar de onde provêm as humidades prejudiciais habitado pela R., a mesma agiu com culpa ao omitir a conduta adequada a evitar o dano verificado.
Na verdade, culpa “é a imputação de um ato ilícito ao seu autor, traduzida no juízo segundo o qual este devia ter-se abstido desse ato” (Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4ª Ed., Coimbra Editora, 267). Só com a R., avisada frequentemente do dano, se pode estabelecer a ligação psicológica que a culpa pressupõe, ou, dito de outro modo, só perante ela se pode emitir um juízo de reprovação.
Nessa medida, e contrariamente ao que pretende a Recrte., a mesma responde pelo dano causado, visto estarmos em presença de um prejuízo substancial para o uso da habitação dos AA.. Com o que respondemos à questão enunciada em quarto lugar.

Resta a última questão, a saber, a inexequibilidade da sentença.
Afirma a Recrte. que, vindo condenada a “ realizar na habitação do 1º andar do prédio urbano identificado no ponto 1 dos factos desta decisão as obras necessárias à eliminação das infiltrações de água que estão na origem da humidade existente no teto da casa de banho do rés-do-chão em que habitam os AA.”, tendo ficado sobejamente demonstrado que não é (nem nunca foi) proprietária ou comproprietária daquele primeiro andar, apenas ali tendo residido em tempos, não tem, por isso, nem a posse, nem a propriedade do imóvel, nem qualquer título que a autorize ou legitime a proceder a quaisquer obras no dito prédio.
Esta é uma questão que na execução para prestação de facto encontra resposta. Através dos mecanismos processualmente previstos, há-de encontrar-se a resposta adequada, mediante a prova da impossibilidade de cumprimento, que cabe, é claro, à R..
***
Uma palavra final para o pedido formulado em sede de contra-alegações: atualização do montante de indemnização peticionado, segundo critérios de equidade.
A insatisfação dos AA, recorridos, com a indemnização arbitrada só mediante recurso próprio poderia ser analisada (Artº 627º/1 do CPC). Se a ele houvesse lugar. É claro. Poderiam, ainda, os AA. socorrer-se do mecanismo de ampliação do objeto do recurso, caso se verificassem os respetivos pressupostos (Artº 636º/1 do CPC), o que não foi requerido.
Daí que nada mais haja a analisar.
***
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, embora com fundamento algo diverso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recrte.
Notifique
Guimarães, 10/11/2014
Manuela Bento Fialho
Filipe Caroço
António Santos
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] Do género da analisada no acórdão, que não é idêntica à dos autos, apenas nos dando o mote para extrapolar a partir dos princípios gerais
[2] Sublinhado nosso