Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
43/15.0T8MGD-Q.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
FALTA DE CITAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. A falta de citação de credor que devesse ter sido citado, após a prolação de sentença que haja declarado a insolvência do seu devedor, não consubstancia nulidade atendível para efeito de reclamação de créditos, desde que a dita sentença tenha sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios (arts. 9º, nº 4 e 37º, nº 3, ambos do CIRE).

II. A falta de inclusão, pelo Administrador de Insolvência, de um crédito na lista de créditos que apresente, bem como a subsequente - e natural - falta de aviso ao respectivo titular de que o seu crédito não foi reconhecido (art. 129º, nº 1 e nº 4 do CIRE), não consubstancia nulidade atendível para efeito de reclamação de créditos, desde que a dita sentença tenha sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios.

III. O termo inicial do prazo de seis meses previsto no art. 146º, nº 2, al. b) do CIRE, para a propositura da acção de verificação ulterior de créditos, conta-se do trânsito em julgado da sentença que haja declarado a insolvência, e não do seu conhecimento efectivo por parte do credor reclamante, desde que a dita sentença tenha sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios (art. 37º, nº 7 e nº 8 do CIRE).
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1.B - Companhia de Seguros, S.A., com sede …, propôs uma acção para verificação ulterior de créditos - por apenso ao processo de insolvência nº 43/15.0T8MGD (Mogadouro - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 1) -, em que foi declarada a insolvência de C, Lda., pedindo que fosse reconhecido um crédito que deteria sobre esta, no montante de € 86.874,81, sendo o mesmo garantido por uma primeira hipoteca, sobre um prédio rústico, até ao montante de € 86.015,27.
Alegou para o efeito, em síntese: encontrar-se o dito crédito reconhecido por sentença judicial, transitada em julgado; ter sido exigido por meio de uma acção executiva, no âmbito da qual seria celebrado um acordo de pagamento, que a ali Devedora e Executada cumpriu parcialmente; ter a mesma sido depois objecto de um Plano Especial de Revitalização (na pendência daquela acção executiva), onde também foi reconhecido o crédito em causa, tendo o mesmo obtido parcial pagamento (ficando por isso reduzido ao remanescente que aqui reclama); e não ter reclamado o dito crédito nos autos de insolvência de C., Lda., por ela própria os desconhecer até ao presente momento.

1.1.2. Efectuadas as citações previstas no art. 146º, nº 1 do CIRE (Massa Insolvente, Credores e Devedora), o credor Banco D, S.A. arguiu a excepção peremptória de caducidade do direito pretendido exercer.

1.1.3. B - Companhia de Seguros, S.A. respondeu, defendendo não se verificar a mesma, já que só nos últimos dias de Dezembro de 2015 teria tomado conhecimento do processo de insolvência (uma vez que nunca fora citada ou avisada no seu âmbito, conforme a lei o impunha, omissão geradora de nulidade, impeditiva do início do decurso do prazo que teria para reclamar o seu crédito).

1.1.4. Foi proferido saneador-sentença, julgando procedente a excepção peremptória de caducidade do direito pretendido exercer por B- Companhia de Seguros, S.A.; e, consequentemente, julgando improcedente a acção de verificação ulterior de créditos.
Baseou-se um tal juízo: em encontrarem-se decorridos mais de seis meses sobre o trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência de C., Lda., quando B.- Companhia de Seguros, S.A. intentou a acção para verificação ulterior de créditos (ao arrepio do disposto no art. 146º, nº 2, al. b) do CIRE); e resultar dos arts. 47º, 90º e 128º, nº 1 e nº 3, todos do CIRE, um verdadeiro ónus de reclamação de créditos, no âmbito, prazos e termos do processo de insolvência, que B.- Companhia de Seguros, SA. não cumpriu, sendo irrelevante para esse incumprimento o não ter o Administrador de Insolvência reconhecido o seu crédito (não reclamado), já que sempre seria uma mera faculdade deste.
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1.2. Recurso (fundamentos)
Inconformada com esta decisão, B.- Companhia de Seguros, S.A. interpôs o presente recurso, pedindo que: a sentença recorrida fosse revogada; e fosse substituída por acórdão que declarasse que o seu direito de crédito sobre a insolvente C., Limitada, no valor de € 86.874,81, fora pertinente e tempestivamente reclamado, não estando ferido de caducidade (sendo, assim, declarada improcedente a excepção de caducidade invocada pelo credor Banco D., S.A.).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma:
1ª - Como um dos cinco maiores credores da Insolvente, deveria ter sido citada, após a prolação da sentença que declarou a insolvência (art. 37º, nº 3 do CIRE), o que não sucedeu.

1ª. A autora B - Companhia de Seguros, S.A. é credora da firma C, Lda., cujo crédito se cifra na importância de € 86.874,81.

2ª. Com este seu crédito, esta Seguradora é um dos cinco maiores credores da Insolvente.

7ª A credora B não foi citada por via postal para a acção de insolvência da firma C Lda., devendo sê-lo.

8ª. A citação edital da credora B, realizada nos termos do disposto no nº 7 do artº 37º do CIRE, violou o disposto no nº 3 do mesmo artigo 37º do CIRE.

2ª - Como credora da Insolvente, deveria ter sido notificada por via postal da sentença que declarou a insolvência (art. 37º, nº 3 do CIRE), o que não sucedeu.

9ª. A B. também não foi notificada por via postal da sentença proferida nos autos da acção de insolvência da firma C., Lda., devendo sê-lo.

3ª - A omissão da sua citação, e da sua notificação por via postal, impediram-na de apresentar a sua reclamação de créditos sobre a Insolvente, nos prazos previstos no CIRE (consubstanciando nulidade).

3ª. A sociedade C., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 21/04/2005.

4ª. A referida sentença transitou em julgado em 12/05/2015.

5ª. Apenas em fins de Dezembro de 2015, esta tomou conhecimento da existência do processo de insolvência da devedora insolvente C., Lda.

6ª. A presente acção de verificação ulterior de créditos foi intentada em 07/01/2016.

10ª. A omissão da citação postal e do não aviso por via postal da credora Fidelidade impediram esta de apresentar a reclamação de créditos sobre a Insolvente nos prazos previstos no CIRE.

11ª. As irregularidades na forma de citação e na não notificação da sentença geram as consequentes nulidades, nos termos do disposto no artigo 191º do CPC, ex vi d disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 186º do CPC, fazendo com que o prazo dos seis meses, previsto no nº 2 a. b) do artº 146º do CIRE, não tenha começado a correr para a credora Fidelidade, por força do disposto no artigo 329º do CC.

4ª A lista de credores (reconhecidos e não reconhecidos) apresentada pelo Administrador de Insolvência é deficiente, por não integrar o seu crédito (art. 129º, nº 1 do CIRE).

12ª. A lista de crédito apresentada na secretaria pelo Administrador da Insolvente para cumprimento do disposto no nº 1 do artº 129º do CIRE é deficiente por não integrar o crédito desta seguradora.

13ª. Nos Autos de Arrolamento e Apreensão de Bens da Insolvente, da autoria e responsabilidade do Administrador da Insolvente - Apenso C do Processo de Insolvência - encontra-se a Certidão da Conservatória do Registo Predial de … do prédio rústico descrito sob o nº …e inscrito sob o nº … no Serviço de Finanças de …, onde consta aí registado e garantido o crédito desta Seguradora no valor de € 86.015,27.

14ª. O mesmo crédito consta reconhecido pela Insolvente nos autos de PER Procº nº 25/14.9TBMGD pelo montante de € 94.874,81, como crédito de Natureza Garantida (pág. 26 e seguintes), tendo sido aí reconhecido pela devedora insolvente.

15ª. Também nos autos de execução nº 153/04.9TBMGD-A - em que a Insolvente é executada - consta a B. como credora da Insolvente, sendo que o requerimento inicial do processo da insolvência, apresentado pela credora E., Lda., refere aí expressamente esta credora.

16ª. Ao Administrador da Insolvente era exigível que conhecesse a existência do crédito da seguradora B. e o integrasse na lista dos créditos, o relacionasse e, para cumprir o disposto no nº 4 do artigo 129º do CIRE, em caso de crédito não reconhecido, avisasse a credora por carta. E nada fez.

5ª - A omissão do seu crédito na lista apresentado pelo Administrador de Insolvência impediu-a de apresentar a sua reclamação de créditos sobre a Insolvente nos prazos previstos no CIRE (consubstanciando nulidade).

17ª. e 18ª. A omissão do Administrador, ao não avisar a credora B. de que o seu crédito não tinha sido reconhecido, não permitiu à recorrente deduzir e reclamar o seu crédito nos autos de insolvência dentro dos prazos previstos no CIRE.

6ª - A sentença recorrida padece de erro notório na apreciação e valoração da prova constante dos autos.

17ª. A sentença recorrida padece de erro notório na apreciação e valoração da prova constante dos autos, ao não atender nos erros cometidos no processo de insolvência, quer na não citação da credora B., nem na não notificação da respectiva sentença por carta registada, quer ainda na omissão do Administrador ao não avisar a credora B. de que o seu crédito não tinha sido reconhecido.

19ª. Foram violadas as disposições previstas na al. c) do artº 188º, artº. 191º, artº 193º, nº 2 do artigo 219º, artº 249º, e artº 253º, todos estes do C.P.C., bem como também o disposto no nº 3 do artº 37º, artº 129º e artº 146º do CIRE.
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1.3. Recurso (contra-alegações)
O credor Banco D., S.A. contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Alegou para o efeito, e em síntese, que, nos termos do nº 4 do art. 9º do CIRE, não existiria qualquer uma das nulidades referidas pela Recorrente, já que, tendo ocorrido citação edital da sentença que declarou a insolvência, aquela teve-se por validamente citada ou notificada da dita decisão.
Mais alegou que se desconhecia no processo de insolvência em causa que a Recorrente fosse um dos cinco maiores credores da Insolvente, pelo que também não teria sido violado o art. 37º, nº 3 do CIRE.
Por fim alegou que, ainda que um credor tenha reclamado o seu crédito noutro processo, mesmo que apenso aos autos de insolvência, continua adstrito ao ónus de o reclamar neste, não podendo desculpar o seu incumprimento (daquele ónus) com qualquer actuação do Administrador de Insolvência.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - Em geral
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do CPC).
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2.2. Questão concreta a apreciar
Mercê do exposto, uma única questão é submetida à apreciação deste Tribunal:
• saber se o Tribunal de 1ª Instância, julgando caduco o direito da Recorrente propor uma acção de verificação ulterior de créditos, violou os arts. 37º, nº 3, 129º e 146º, todos do CIRE, bem como os arts. 188º, al. c), 191º, 193º, 219º, nº 2, 249º e 253º, todos do C.P.C., uma vez que não poderia ter feito coincidir o termo inicial do prazo de propositura da dita acção com o trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência, devendo antes considerar o seu conhecimento efectivo pela Recorrente, por a mesma não ter sido citada, ou pessoalmente notificada, daquela decisão (como imposto por lei), nem ter constado das listas de créditos elaboradas pelo Administrador de Insolvência (como deveria ter sucedido).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. Modificabilidade da decisão de facto
Lê-se no art. 662º, nº 1 do C.P.C. que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto (que a ela conduza) constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo.
Lê-se ainda no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que, na elaboração do acórdão, se observa, «na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º» do mesmo diploma.
Logo, e tal como na elaboração da sentença, no acórdão serão tomados em consideração «os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida» (art. 607º, nº 4 do C.P.C.).
Pretende-se, assim, que a Relação altere, ampliando, a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância, e ainda que essa ampliação não imponha decisão diversa, desde que os novos factos - dela resultantes - já antes se encontrassem provados por documentos (nomeadamente, autênticos e não arguidos de falsos).
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Concretizando, a ampliação da matéria de facto pretendida pela Recorrente não impõe decisão diversa da proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, conforme se demonstrará infra, pelo que não se procede à mesma.
Contudo, encontrando-se já juntos a estes autos o Processo nº 43/15.0T8MGD (Insolvência de Pessoa Colectiva), e seus Apensos, e o Processo nº 25/14.9TBMGD (Processo Especial de Revitalização) - ambos da Secção de Competência Genérica, da Instância Local de Mogadouro -, procede-se oficiosamente à ampliação do elenco dos factos antes dados como provados - face ao teor daqueles autos -por forma a tornar mais inteligível a decisão proferida (recorrida) e a proferir.
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3.2. Matéria de Facto Assente
Face ao exposto (nomeadamente, aos documentos autênticos em que se consubstanciam os referidos processos judiciais), é a seguinte a matéria de facto provada com interesse para a discussão do objecto do recurso:

1 – C., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 21 de Abril de 2015, no Processo nº 43/15.0T8MGD, da Secção de Competência Genérica (Juiz 1), da Instância Local de Mogadouro.

2 - A sentença referida no facto anterior foi regularmente publicitada, por meio de editais e anúncios.

3 - A sentença referida no facto enunciado sob o número 01 transitou em julgado em 12 de Maio de 2015.

4 – B. - Companhia de Seguros, S.A. não foi citada no âmbito do processo de insolvência de C., Lda., nem lhe foi notificada, por via postal, a sentença de insolvência respectiva.

5 - Tendo o Administrador de Insolvência nomeado no processo de insolvência de C., Lda. elaborado uma lista de todos os créditos reclamados por si reconhecidos, e uma lista de todos os créditos reclamados por si não reconhecidos, não fez constar em qualquer delas o crédito de € 87.874,81 de B.- Companhia de Seguros, S.A..

6 – B.- Companhia de Seguros, S.A. não foi avisada pelo Administrador de Insolvência de C., Lda., de que não tinha reconhecido o seu crédito.

7 - Em 07 de Janeiro de 2016, B. - Companhia de Seguros, S.A. intentou, por apenso ao Processo nº 43/15.0T8MGD (referido nos factos anteriores) uma acção de verificação ulterior de créditos (que ficou a constar como seu Apenso J).

8 - O crédito que B.- Companhia de Seguros, S.A. pretende que seja reconhecido na acção referida no facto enunciado sob o número 07 é anterior à sentença de declaração de insolvência de C., Lda..
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabilizada definitivamente a matéria de facto a considerar na apreciação do recurso, recorda-se que a questão a apreciar por este Tribunal se prende fundamentalmente com a interpretação do art. 146º, nº 2, al. b) do CIRE, nomeadamente: apurar se a Recorrente intentou em tempo uma acção de verificação ulterior de créditos, por se dever contar o termo inicial do prazo de seis meses de que dispunha para o efeito, do conhecimento efectivo da sentença que declarou a insolvência da sua Devedora, já que não chegou a ser citada, ou notificada por via postal, da dita sentença, nem constou da lista de todos os credores elaborada pelo Administrador de Insolvência.
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4.1.1. Reclamação de créditos na insolvência - Normal
Lê-se no art. 90º do C.I.R.E. que os «credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência»; e lê-se no art. 91º seguinte que a «declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva».
Compreende-se, por isso, que a sentença que declare a insolvência tenha, obrigatoriamente, que designar «prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos» (art. 36º, nº 1, al. f) do CIRE); e, tendo a ulterior verificação de créditos «por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento,» nem mesmo «o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva (…) está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» (nº 3 do art. 128º do CIRE).
Reafirma-se, deste modo, quer a natureza de «processo de execução universal» do processo de insolvência (isto é, sobre todo o património do devedor), conforme art. 1º do CIRE, quer a sua natureza de «processo concursal» (isto é, em que são chamados todos os credores do insolvente, por forma a garantir a igualdade de todos aqueles que se encontrem nas mesmas condições, face às classes de créditos que invoquem), conforme art. 47º, nº 4 do mesmo diploma (no mesmo sentido, Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2ª edição, Almedina, Janeiro de 2016, p. 41).
Fala-se, assim, de um verdadeiro ónus de reclamação a cargo de cada credor do insolvente, cujo incumprimento o impedirá de vir a participar no produto da liquidação do activo (conforme Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2ª edição, Almedina, Janeiro de 2001, p. 350).

Face ao exposto, justifica-se um especial cuidado da lei na publicidade a dar à sentença de insolvência, tanto mais que o termo inicial do prazo da reclamação de créditos se conta da data em que seja notificada, ou se contenha em objecto de citação, nos termos do art. 37º, nºs 2 a 7 do CIRE.
Assim, deverá ser notificada pessoalmente aos administradores do devedor a quem tenha sido fixada residência; e notificada ao Fundo de Garantia Salarial, ao Ministério Público, ao requerente da declaração de insolvência, ao devedor (este, nos termos previstos para a citação, caso ainda não tenha sido citado pessoalmente para os termos do processo), e, se o devedor for uma empresa, à comissão de trabalhadores (art. 37º, nº 1 e nº 2 do CIRE).
Já os «cinco maiores credores conhecidos, com exclusão [naturalmente] do que tiver sido requerente, são citados nos termos do nº 1 ou por carta registada, consoante tenham ou não residência habitual, sede ou domicílio em Portugal» (nº 3 do art. 37º citado).
Precisa-se, porém, que estes cinco credores a citar pessoalmente «são aqueles que, em função dos elementos constantes do processo, se apresentem como os maiores, independentemente de o serem ou não na realidade» (conforme Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2ª edição, Quid Juris, Lisboa 2013, p. 273, com bold apócrifo).
Por fim, os «demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius», precisando-se nos editais e anúncios «o número do processo, a dilação», e ainda a advertência de que o prazo para a «reclamação de créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio» (nºs 7 e 8 do art. 37º citado).
Poderá, porém, o Administrador de Insolvência, na lista de todos os créditos por si reconhecidos e não reconhecidos - que deverá apresentar nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações -, incluir créditos não reclamados mas «cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por qualquer forma do seu conhecimento» (art. 129º, nº 1 do CIRE).
De seguida, a dita lista deverá ser notificada aos credores não reconhecidos, aos credores não reclamantes que tenham visto o seu crédito reconhecido, e aos credores que tenham visto reconhecidos créditos de forma diversa da reclamação respectiva, por forma a que a possam impugnar nos 10 dias seguintes (arts. 129º, nº 4 e 130º, ambos do CIRE).
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4.1.2. Reclamação de créditos na insolvência - Ulterior
Contudo, o credor que não tenha reclamado o seu crédito pré-existente sobre o insolvente no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, nem o tenha visto incluído na lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Administrador (por lhe ter passado despercebido, face nomeadamente à contabilidade do insolvente), poderá ainda fazê-lo valer, desta feita em acção própria, intentada precisamente com vista a esse reconhecimento, correndo a mesma por apenso ao processo de insolvência; e sem que se exija qualquer superveniência desse crédito em relação ao prazo normal para apresentação das reclamações.
Com efeito, lê-se no art. 146º, nº 1 do CIRE que, findo «o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos (…), de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor»; e tal acção corre «por apenso aos autos de insolvência» (art. 148º do CIRE).
Logo, e sem margens para dúvidas, esta reclamação ulterior de créditos é para ser feita, e atendida, no âmbito do processo de insolvência.
Contudo, esta reclamação de outros créditos está dependente do cumprimento de determinados requisitos, conforme nº 2, als. a) e b) do art. 146º citado, nomeadamente: não «pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior» (al. a); e só «pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente» (al. b).
Por outras palavras, e relativamente a créditos de constituição anterior, apenas poderão ser reclamados se: o respectivo titular não tiver sido oportunamente avisado pelo Administrador de Insolvência da sua inclusão na lista de créditos por ele não reconhecidos (uma vez que, tendo-o sido, já lhe foi dada a oportunidade de reclamar dessa não inclusão, tendo-se conformado - pela sua inércia - com ela); e, cumulativamente, não terem ainda decorrido seis meses desde o trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência (por forma a obter-se uma rápida estabilização da pretérita - e normal - reclamação, verificação e graduação de créditos).
Precisa-se que o aviso feito ao credor para os efeitos do nº 4 do art. 129º do CIRE apenas o coloca na impossibilidade de lançar mão do expediente do art. 146º do mesmo diploma desde que lhe tenha sido feito no momento próprio, e não também após a interposição da referida acção (neste sentido, Ac. da RG, de 02.05.2016, António Santos, Processo nº 1187/14.0TBBCL-D.C1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem outra indicação de origem. Em sentido contrário, porém, Ac. da RE, de 13.02.2014, Assunção Raimundo, Processo nº 95/12.4TBENT-E.E1).
Precisa-se igualmente, e agora quanto ao trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência, que, revestindo o processo de insolvência natureza urgente (art. 9º do CIRE), o prazo de recurso daquela decisão encontra-se reduzido a metade, sendo por isso de 15 dias (art. 638º, nº 1 do C.P.C., aplicável ex vi do art. do 17º do CIRE); e na respectiva contagem, nomeadamente no seu termo inicial, dever-se-á atender ainda à dilação de cinco dias, imposta pela publicação dos editais e dos anúncios que a publicitaram (art. 37º, nº 7 do CIRE. No mesmo sentido, Ac. da RE, de 14.04.2011, Acácio Neves, Processo nº 865/08.8TBTVR-F.E1).
Contudo a actual lei, à semelhança do anterior art. 205º, nº 2 do CPEREF (que já consagrava esta figura, em moldes muito idênticos aos actuais) - e contrariamente ao que sucedia no art. 1241º, nº 1 do C.P.C. de 1961, que o precedeu - não faz qualquer outra exigência adicional ao reclamante, nomeadamente de prova de que a falta de reclamação do crédito dentro do prazo legal não se deveu a culpa sua.
Uma vez decorrido o prazo de seis meses referido, o credor da insolvência fica definitivamente impedido de reclamar o seu crédito, independentemente da natureza que se atribua àquele prazo (com consequências, sobretudo, ao nível do regime do seu conhecimento): como prazo de caducidade (conforme Ac. da RG, de 15.12.2012, Manso Rainho, Processo nº 123/11.8TBPCR-LG1, Ac. da RP, de 21.02.2013, Carlos Portela, Processo nº 2981/11.0TBSTS-G.P1, Ac. da RG, de 06.02.2014, Estelita de Mendonça, Processo nº 1551/12.0TBBRG-C.G1, Ac. da RL, de 02.06.2014, Manuel Domingos Fernandes, Processo nº 495/12.0TBVFR-F.P1, Ac. da RP, de 17.06.2014, João Proença, Processo nº 1218/12.9TJVNF-Q.P1, e Ac. da RG, de 26.02.2015, Manuel Bargado, Processo nº 1936/07.3TBFAF-U.G1); ou como prazo de natureza processual (conforme Ac. da RP, de 13.03.2014, José Amaral, Processo nº 1218/12.9TJVNF-N.P1, Ac. da RP, de 10.04.2014, José Manuel de Araújo Barros, Processo nº 1218/12.9TJVNF-P.P1, Ac. da RP, de 27.03.2014, Judite Pires, Processo nº 1218/12.9TJVNF-W.P1, e Ac. da RL, de 28.04.2015, Roque Nogueira, Processo nº 664/10.7YLSB-AB.L1-7).
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4.1.3. Regime especial de citação e notificação de credores - Publicidade
Por fim, importa ainda atender ao disposto no art. 9º, nº 4 do CIRE, segundo o qual, com «a publicação, no local próprio, dos anúncios requeridos neste Código, acompanhada da afixação de editais, se exigida, respeitantes a quaisquer actos, consideram-se citados ou notificados todos os credores, incluindo aqueles para os quais a lei exija forma diversa de comunicação e que não devam já haver-se por citados ou notificados em momento anterior, sem prejuízo do disposto quanto aos créditos públicos».
Esta disposição (sem correspondência em lei anterior) continua e acentua a preocupação - visada por sucessivas reformas - com a celeridade e a segurança processuais, no domínio da insolvência, desconsiderando-se por isso a falta de notificação pessoal dos despachos e das sentenças, desde que tenha sido devidamente feita a publicação exigida por lei (ora como condição de eficácia erga omnes dos ditas decisões, por forma a que atinjam a pleinitude dos efeitos visados no processo, ora como condição de regularidade - logo, de inatacabilidade - dos actos processuais que venham a suceder).
Assim, a omissão das ditas citação ou notificação pessoal - desde que esteja feita, na forma legal, a publicação exigida - não é susceptível de afectar os actos processuais subsequentes, que subsistem na sua perfeição, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil e disciplinar em que incorra quem incumprir o dever de realização (conforme Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, 2ª edição, Quid Juris, Lisboa 2013, p. 114 e 115. No mesmo sentido, em situações análogas, Ac. da RP, de 22.11.2010, Ana Paula Amorim, Processo nº 200/09.8TYVNG-A.P1, Ac. da RL, de 22.11.2012, Olindo Geraldes, Processo nº 2630/10.3TBTVD-J.L1-8, Ac. da RE, de 13.02.2014, Assunção Raimundo, Processo nº 95/12.4TBENT-E.E1, e Ac. da RL, de 20.03.2014, Olindo Geraldes, Processo nº 211/13.9TYLSB.L1-2).
Afasta-se, deste modo, o regime geral das citações e notificações, previsto no C.P.C. (face ao disposto no art. 7º, nº 3 do C.C., segundo a qual a lei especial prevalece sobre a lei geral); e, sendo inilidível a presunção de citação e de notificação dos credores do insolvente, não pode afirmar-se que a preterição de outras formas especiais impostas por lei para tais actos tenha influído na prática posterior de outros, como a reclamação de créditos, gerando a sua nulidade (art. 195º, nº 1, in fine do CP.C. - a contrario - , aplicável ex vi do art. 17º do CIRE).

Reconhece-se o incómodo que a actual solução legal comporta para os credores do insolvente, acentuado pela redução do inicial prazo de um ano - previsto para esta reclamação ulterior de créditos - para seis meses (operada pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril).
Foi, de resto, desde logo denunciado no «Parecer Relativo às Alterações à Insolvência (CIRE)», de 6 de Dezembro de 2011, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, emitido sobre o Anteprojecto que altera o CIRE, de 24 de Novembro de 2012 (in site próprio, Pareceres).
Com efeito, defendeu-se desde logo aí «que deveria ter sido preservada a publicação da decisão de insolvência no jornal oficial, considerando que será mais provável ocorrer a consulta deste pela generalidade da população»; e que as novas normas «tendentes a estabilizar o património a liquidar e as pretensões quanto ao mesmo», nomeadamente o art. 146.º, n.º 2, alínea b), «traduzem importantes reduções nos prazos (…) para admitir novos créditos sobre a insolvência (redução para seis meses do prazo de um ano para a verificação ulterior de créditos)», advertindo-se expressamente que tal solução «pode deixar desprotegidos os credores mais incautos ou menos informados».
Compreende-se, por isso, que no mesmo Parecer, a final, se refira entre «os aspectos francamente negativos» da nova redacção do CIRE, a «informalização excessiva ao nível das publicações, associada à redução de prazos», por poder «traduzir denegação de direitos a credores que não tenham podido aperceber-se da existência do processo, o que é tão mais gravoso quanto passa a ser de meros seis meses o prazo para esse último recurso que era a verificação ulterior de créditos (146.º)» (sendo todo o bold apócrifo).
Contudo, o Tribunal Constitucional, apreciando o art 146º, nº 1, al. b) do CIRE, na sua versão original, julgou não «inconstitucional a norma contida na alínea b) do nº 2 do artigo 146º do CIRE, quando interpretada no sentido segundo o qual o prazo de caducidade da acção de verificação ulterior de crédito, aí fixado, é sempre de um ano a partir da data do trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência, independentemente da data em que o credor comum dela teve conhecimento» (Ac. do TC nº 8/2012, de 12 de Janeiro, Maria Lúcia Amaral, in http://www.tribunalconstitucional.pt. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 06.01.2011, Manso Rainho, Proc. n.º 2633/08.8TBBRG - que precisamente suscitou a apreciação do Tribunal Constitucional referida antes - , e Ac. da RG, de 06.02.2014, Estelita de Mendonça, Processo nº 1551/12.0TBBRG-C.G1).
Com efeito, precisando o Tribunal Constitucional que o que se contestava não era «a fixação de um certo prazo para a interposição da acção», mas sim que «esse prazo seja contado sempre a partir do momento em que transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência, independentemente do momento em que o credor dela tenha tido efetivo conhecimento», defendeu ter o legislador ordinário actuado na correcta e autorizada compatibilização entre os diferentes objectivos assumidos ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei nº 39/2003, de 22 de agosto (que aprovou o CIRE)
Assim, e segundo o seu entendimento, sendo «objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência “a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”», compreende-se que contenha «um instrumento destinado especialmente a permitir a verificação de créditos tardia, não reclamada no prazo geral, designado nos termos da lei.
No entanto, e porque é também finalidade da ordenação do processo de insolvência, igualmente reconhecida pela referida exposição de motivos, a promoção da sua celeridade, a traduzir-se na “necessidade de rápida estabilização das decisões judiciais, que no processo de insolvência se faz sentir com particular intensidade”, será também compreensível, em princípio, a fixação, pelo legislador ordinário, de um prazo de caducidade da ação de verificação ulterior de créditos».
Ora, perante «a inexequibilidade de uma notificação pessoal de todos os credores, aliás dificilmente compatível com as exigências, constitucionalmente tuteladas, de celeridade processual, o regime legal escolheu o meio da citação edital de certos credores como instrumento de publicitação da sentença declaratória da insolvência. Nada permite concluir que esse regime acarrete, para os seus destinatários, ónus excessivos, que, não podendo razoavelmente ser cumpridos, tragam consigo medidas desproporcionadamente lesivas de quaisquer situações jurídico-subjetivas fundamentais, sejam elas as que decorrem do artigo 20.º ou do artigo 62.º da CRP. Por outro lado, nada permite concluir que esse regime de publicitação da sentença, que declara a insolvência e designa o prazo para a apresentação das reclamações de créditos, coloque em situação de desigualdade constitucionalmente censurável os credores assim citados e os outros, para os quais a lei previu a notificação por carta registada. Sendo diferentes as condições em que se encontram os credores que a lei escolheu notificar e as condições em que se encontram os demais, que a lei escolheu citar editalmente, diferente será também o regime que se lhe aplica, sendo que a medida da diferença se não apresenta desrazoável, ininteligível ou destituída de fundamento. Tanto basta para que o Tribunal a não considere censurável, face ao disposto no artigo 13.º da CRP» (Ac. do TC nº 8/2012, de 12 de Janeiro, com bold apócrifo).
Compreende-se, assim, que tenham já surgido, e actuem com normalidade no mercado, empresas que se dedicam precisamente à complicação e envio diário aos seus clientes (v.g. banca, seguradoras, e outras grandes empresas) de éditos/anúncios pertinentes a sentenças que hajam declarado a insolvência dos seus contratantes (identificados por meio dos números de contribuintes e outros dados, fornecidos antecipadamente pelos alegados credores).
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4.2.1. Concretizando o regime legal exposto ao recurso em análise, e relativamente à falta de citação da Recorrente, ou da sua notificação por via postal, após a prolação da sentença que declarou a insolvência de Jaime Nogueira & Filhos, Lda., dir-se-á que, ainda que o seu crédito sobre a mesma fosse um dos cinco maiores, e pudesse ter sido conhecido pelo Administrador de Insolvência, não foi como tal apresentado nos autos de insolvência.
Logo, os cinco maiores credores conhecidos que foram apresentados ao Tribunal enquanto tais foram citados pessoalmente, nos termos do art. 37º, nº 3 do CIRE, bastando-se para a perfeição de tal acto esta realidade (e não também que os cinco maiores credores conhecidos pelo Tribunal coincidissem com os cinco maiores credores de facto da Insolvente).
Acresce que, ainda que se entendesse de outro modo, tendo a sentença que declarou a insolvência de C., Lda. sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios, a Recorrente considera-se inilidivelmente citada ou notificada da mesma, nomeadamente de que dispunha do prazo de trinta dias para reclamar os créditos que tivesse sobre a Insolvente, nos termos dos arts. 9º, nº 4 e 37º, nº 7 e nº 8, ambos do CIRE (regime especial que prevalece sobre o regime geral previsto para as citações e notificações no CPC).
Logo, e tal como referido supra, a omissão da sua pretendida citação, ou notificação por via postal, da sentença que declarou a insolvência (por alegadamente ser um dos cinco maiores credores da Insolvente) não foi susceptível de lhe impedir a oportuna apresentação da sua reclamação de créditos, já que lhe foi assegurado de outro modo o seu conhecimento (por a lei o presumir inilidivelmente).
Improcedem, assim, as três primeiras conclusões enunciadas pela Recorrente (no recurso de apelação que apresentou), tal como sintetizadas supra.
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4.2.2. Concretizando de novo, e desta feita relativamente à omissão do crédito da Recorrente sobre C., Lda., na lista de credores (reconhecidos e não reconhecidos) apresentada pelo Administrador de Insolvência nos termos do art. 129º, nº 1 do CIRE, dir-se-á que ambas as listas foram elaboradas com base nos créditos reclamados, como delas próprias consta.
Dir-se-á ainda que, não obstante a Recorrente entender que o Administrador de Insolvência estaria em condições de conhecer o seu crédito, certo é que o registo de uma hipoteca, e o ter sido objecto de pretérita acção executiva, não implicariam necessariamente aquele conhecimento, podendo ainda admitir-se que já se encontrasse extinto (nomeadamente, por pagamento).
Acresce que os autos de insolvência de C., Lda. não resultaram da conversão do Processo nº 25/14.9TBMGD (Processo Especial de Revitalização) de que a mesma foi objecto, nos termos do art. 17º-G do CIRE; e assim se compreende que estes não se mostrem apensos àqueles, e que a Recorrente não tenha beneficiado do regime previsto no nº 7 do mesmo preceito (isto é, ficasse dispensada de reclamar na insolvência o crédito já por si reclamado no processo especial de revitalização).
Por fim, e ainda que o Administrador de Insolvência tivesse tido, de facto, conhecimento do crédito da Recorrente, não estava obrigado a reconhecê-lo, sendo essa uma faculdade - e não uma obrigação legal – sua.
Já relativamente à falta de aviso, por carta registada, da Recorrente, pelo Administrador de Insolvência, de que o crédito que aqui invoca não tinha sido reconhecido, nos termos do nº 4 do art. 129º do CIRE, nada se pode retirar de relevante desse facto (em termos de omissão de um acto processual): é que sempre seria pressuposto do mesmo aviso que a Recorrente constasse de qualquer uma das listas apresentadas pelo Administrador da Insolvência nos termos do nº 1 do art. 129º citado, não tendo ainda aquele reconhecido o seu crédito, ou o tivesse reconhecido sem que ela o tivesse reclamado.
Precisa-se, a propósito, que, actualmente (e ao contrário do que sucedia com o anterior art. 191º, nº 2 do CPEREF), o aviso ao credor de que o seu crédito não foi reconhecido pelo Administrador de Insolvência, não se destina a permitir-lhe apresentar então a sua reclamação, mas apenas dar-lhe a possibilidade de impugnar a lista de créditos que aquele apresente.
Mas, não sendo esse o caso (isto é, não constando a Recorrente de qualquer uma das duas listas apresentadas pelo Administrador de insolvência), naturalmente que o mesmo não tinha que a avisar de algo…que não se verificara, cabendo-lhe a ela tão só reagir por meio da impugnação da lista dos credores reconhecidos, nos termos do nº 1 do art. 130º do CIRE (já que o seu crédito resultava alegadamente da contabilidade da Insolvente, ou era alegadamente do conhecimento do Administrador de Insolvência, devendo por isso constar da dita lista de créditos reconhecidos. No mesmos sentido, Ac. da RE, de 23.02.2016, Silva Rato, Processo nº 617/12.0TBPSR-F.E1).
Acresce que, ainda que se entendesse de outro modo, devendo a Recorrente considerar-se, inilidivelmente, citada ou notificada da sentença que declarou a insolvência de C., Lda. (conforme já explicitado supra), as omissões que imputa ao Administrador de Insolvência não foram susceptíveis de lhe impedir a oportuna apresentação da sua reclamação de créditos (já que, notificada, por meio dos editais afixados e dos anúncios publicados, da sentença que declarou a insolvência, podia - e devia - ter exercido de forma autónoma o seu direito de reclamar créditos).
Por outras palavras, impendendo sobre os credores da insolvência o ónus de reclamação dos seus créditos, «não é afastado nesta sede o princípio da auto-responsabilidade das partes, pelo que estas não podem extrair vantagem por via da impugnação da omissão de outrem ocasionada pela sua própria omissão. A circunstância de os credores beneficiarem da exclusiva acção do administrador de insolvência no reconhecimento dos seus direitos de crédito, não afasta o seu ónus de formulação para o efeito da pertinente pretensão» (conforme Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª edição, Almedina, p. 337. No mesmo sentido, Luís M. Martins, Processo de Insolvência, 3ª edição, 2014, quando a p. 333 refere que a «reclamação é um ónus do credor que pretenda ver o seu crédito satisfeito - se não o fizer, não pode responsabilizar administrador por um acto que lhe competia»).
Improcedem, assim, as demais conclusões enunciadas pela Recorrente (no recurso de apelação que apresentou), tal como sintetizadas supra.
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4.2.3. Concretizando, agora de forma derradeira, verifica-se que, sendo o crédito invocado pela Recorrente de constituição anterior à própria declaração de insolvência de C., Lda., esta ocorreu por meio de sentença proferida em 21 de Abril de 2015, transitada em julgado em 12 de Maio de 2015.
Assim, quando em 07 de Janeiro de 2016, a Recorrente intentou uma acção de verificação ulterior de créditos, por apenso aos autos de insolvência pertinentes a C., Lda., já tinham decorridos os seis meses previstos na lei para o efeito, cujo termo inicial coincide com o trânsito em julgado da dita sentença, e não com o seu conhecimento efectivo por parte daquela.
Logo, e tal como decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, não podia a mesma acção proceder.
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, negando-se provimento ao recurso em apreciação.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por B. - Companhia de Seguros, S.A e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
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Guimarães, 22 de Setembro de 2016.


(Relatora)_________________________________________
(Maria João Marques Pinto de Matos)


(1ª Adjunta)_______________________________________
(Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)


(2º Adjunto)_______________________________________
(Heitor Pereira Carvalho Gonçalves)

SUMÁRIO
(da responsabilidade da Relatora - art. 663º, n 7 do C.P.C.)

I. A falta de citação de credor que devesse ter sido citado, após a prolação de sentença que haja declarado a insolvência do seu devedor, não consubstancia nulidade atendível para efeito de reclamação de créditos, desde que a dita sentença tenha sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios (arts. 9º, nº 4 e 37º, nº 3, ambos do CIRE).


II. A falta de inclusão, pelo Administrador de Insolvência, de um crédito na lista de créditos que apresente, bem como a subsequente - e natural - falta de aviso ao respectivo titular de que o seu crédito não foi reconhecido (art. 129º, nº 1 e nº 4 do CIRE), não consubstancia nulidade atendível para efeito de reclamação de créditos, desde que a dita sentença tenha sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios.


III. O termo inicial do prazo de seis meses previsto no art. 146º, nº 2, al. b) do CIRE, para a propositura da acção de verificação ulterior de créditos, conta-se do trânsito em julgado da sentença que haja declarado a insolvência, e não do seu conhecimento efectivo por parte do credor reclamante, desde que a dita sentença tenha sido devidamente publicitada, por meio de editais e anúncios (art. 37º, nº 7 e nº 8 do CIRE).



_________________________________________
(Maria João Marques Pinto de Matos)