Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1218/12.9TJVNF-A.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: CRÉDITOS DECORRENTES DO EXERCÍCIO DE MANDATO FORENSE ANTERIOR À DECLARAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. Os créditos decorrentes do exercício de mandato forense anterior à declaração da insolvência: são créditos comuns sobre a insolvência (art.47º/1 do CIRE), vencidos antecipadamente com esta (art.91º/1 do CIRE), reclamáveis nos termos dos arts.128º ss ou 146º do CIRE, e pagáveis, após o pagamento e a dedução para pagamento dos créditos da massa insolvente (art.172º do CIRE), na ordem da graduação do crédito verificado por sentença transitada em julgado (art.173º ss do CIRE); não são classificáveis como créditos da massa, nos termos do art.110º/2-a) do CIRE, norma esta que protege, após a declaração da insolvência, os atos praticados e urgentes necessários a evitar prejuízo da massa enquanto o administrador não tome as devidas providências.

2. O credor sobre a insolvência que não tiver reclamado o seu crédito nos termos dos arts.128º ss ou 146º do CIRE, quando o poderia ter feito, não pode prevalecer-se do instituto do enriquecimento sem causa (arts.473º ss do CC), com a reclassificação do seu crédito sobre a insolvência como crédito da massa insolvente (art.51º/1-g) do CIRE), com obtenção de prioridade de pagamento em relação aos créditos comuns (art.172º do CIRE), por a lei lhe ter concedido outro meio de se ressarcir (art.474º do CC) e por a omissão do uso desse meio não poder conceder-lhe, em fraude à lei, um direito ao pagamento do seu crédito com a prioridade que não lhe era concedida se tivesse usado tempestivamente a reclamação de créditos devida (art.612º do CPC).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

(…) Sociedade de Advogados, RL, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra a Massa Insolvente (..) , SA, ação na qual:

1. A autora:
1.1. Pediu que fosse reconhecido o seu crédito sobre a massa insolvente no valor de € 12 925,31, e que se condenasse a ré a pagar-lhe o referido crédito, acrescido de juros vincendos calculados sobre o capital em dívida até efetivo e integral pagamento.
1.2. Alegou como fundamento: que foi procuradora de J. R., S.A. desde 2009, sociedade essa declarada insolvente em 2009, que após reiniciou a sua atividade, que por fim foi declarada novamente insolvente em 2012; que beneficiou de procuração emitida pelo Presidente do Conselho de Administração, a quem foi atribuída a administração da massa insolvente, e após pela atual administradora D. L.; que a ré ratificou todos os atos por si praticados, incluindo os praticados antes da declaração de insolvência, após o que remeteu à administradora a nota de honorários de € 34 105, 28 a 06.02.2015; que, após pedido da administradora para apresentar nota relativa aos serviços prestados após a declaração de insolvência, e sem abdicar da totalidade do valor pretendido, apresentou nota na qual contabilizou os serviços em € 24 854, 00, valor esse pago pela ré após ter pedido laudo sobre a totalidade da nota à Ordem dos Advogados e pedido de resolução ao tribunal sobre os termos em que a dívida deveria ser paga; que falta pagar o capital de € 9 251, 28, acrescido dos juros de mora vencidos desde 06.02.2015, no valor de € 3 674, 03.
1.3. Defendeu que os serviços lhe são devidos, nos termos dos arts.51º/c) e e d), 110º/2-a) e 3, 172º/3 do CIRE.
2. A ré Massa Insolvente de J. R., SA contestou a ação por impugnação (nomeadamente quanto à ratificação do mandato da autora, apenas ocorrido, no seu entender, para evitar a suspensão do processo por caducidade do mandato; quanto à autora ter agido no interesse da massa insolvente), pedindo se julgasse a mesma improcedente e se absolvesse a ré do pedido.
3. Realizou-se audiência prévia, em que foi convidada a autora a aperfeiçoar a sua petição, discriminando os valores e os serviços por si prestados à ré antes da declaração de insolvência da ”J. R., SA” e os valores e serviços prestados após a declaração de insolvência.
4. A autora apresentou aperfeiçoamento da petição inicial, alegando: os atos praticados durante em 312 horas e 75 mn, entre a data de outorga do mandato em junho de 2009 e 24.05.2012, no processo nº2071/09.5BEPRT; os atos praticados durante em 398 horas e 75 mn, desde 24.05.2012, durante 398 h 75 m, no mesmo processo nº2071/09.5BEPRT; que os atos praticados anteriormente nesse processo judicial foram ratificados, uma vez que estava em causa um crédito da massa insolvente e era do interesse dos credores a sua cobrança por essa via; que por sentença proferida a 14.09.2017 no referido processo nº2071/09.5BEPRT, onde exerceu o mandato, em procedência parcial da ação, a ré foi condenada a pagar à autora (aqui ré) o valor de € 47 093, 83, acrescido dos juros de mora; que não foi apresentado recurso da sentença desta ação (com valor de € 825 150, 49), por a ré não ter respondido à proposta da autora nesse sentido.
5. A ré manteve a sua contestação.
6. Proferiu-se despacho saneador.
7. Realizou-se a audiência de julgamento.
8. Proferiu-se sentença, na qual foi julgada improcedente a ação, por entender que o crédito reclamado é da insolvente e não da massa insolvente.
9. A autora apresentou recurso de apelação da sentença, no qual:
9.1. Apresentou as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual absolveu a Ré “Massa Insolvente da J. R., S.A.” do pedido de condenação no pagamento da quantia de € 12.925,31 (doze mil, novecentos e vinte e cinco euros e trinta e um cêntimos), respeitante ao somatório de capital e juros, por serviços prestados pela aqui Recorrente à Recorrida.
II. Com efeito, ficou provado que tais serviços foram prestados no âmbito de um processo judicial, concretamente por via de serviços jurídicos especializados em matéria de Direito Administrativo, mormente de Direito da Contratação Pública.
III. Pese embora a Sociedade Comercial “J. R., S.A” tenha sido declarada insolvente, certo é que a Senhora Administradora de Insolvência nomeada reconheceu a necessidade de assegurar a manutenção do referido mandato para evitar prejuízos para a Massa Insolvente, o que o fez através da outorga de uma Procuração Forense para o efeito e da ratificação de todos os atos praticados pela Recorrente no período anterior à declaração de Insolvência.
IV. Não obstante o Tribunal recorrido ter considerado que os serviços jurídicos indicados pela Recorrente em sede de petição inicial foram, efetivamente, prestados e em benefício da Massa Insolvente, certo é que o crédito reclamado foi julgado como dívida da Insolvência e não dívida da Massa Insolvente.
V. Concretamente, entendeu o Tribunal que a Senhora Administradora de Insolvência não recusou o cumprimento do contrato de mandato em curso à data, mas não resultou provado qualquer facto de onde se pudesse concluir que foi necessária a prática de atos pelo Mandatário para evitar prejuízos previsíveis para a Massa Insolvente até que Senhora Administradora tomasse as devidas providências.
VI. Nessa medida, segundo o entendimento do douto Tribunal, a exceção prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 110.º do CIRE não seria aplicável no caso concreto.
VII. Em primeiro lugar, considera a Recorrente que a Sentença recorrida padece de erro na apreciação da matéria de facto, pelo que, desde já, se requer o aditamento do facto dado como não provado pelo Tribunal, o qual, necessariamente, determina um resultado diverso do decidido.
VIII. Concretamente, considerou o Tribunal recorrido não estar provado “que assumiu a Ré ratificar todos os atos praticados pelo mandatário no referido processo judicial, incluindo os praticados antes da declaração de insolvência, dado que estava em causa um crédito da Massa Insolvente e era do interesse dos credores a sua cobrança por essa via, ou seja, a prática de atos em benefício da Massa Insolvente”.
IX. Todavia, de referir que tal facto se encontra provado em virtude dos factos ínsitos nos pontos 11, 24 e 25 da Sentença recorrida.
X. Tal resulta também da produção da prova documental que aqui se destaca o documento n.º 7, 9 e 15 juntos pela Recorrente.
XI. Nestes termos, para efeitos do preenchimento da alínea c), desde já se requer que, por aditamento, seja provado que: “assumiu a Ré ratificar todos os atos praticados pelo mandatário no referido processo judicial, incluindo os praticados antes da declaração de insolvência, dado que estava em causa um crédito da Massa Insolvente e era do interesse dos credores a sua cobrança por essa via, ou seja, a prática de atos em benefício da Massa Insolvente”.
XII. Pelo exposto, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento quanto à matéria de facto, devendo, nos termos do artigo 640.º do CPC, proceder ao seu aditamento.
XIII. Por outro lado, a Sentença recorrida padece de nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, considerando que os seus fundamentos se encontram em total contradição com a decisão.
XIV. Pois bem, tendo presente que o Tribunal a quo reconheceu que a Senhora Administradora de Insolvência outorgou nova Procuração à aqui Recorrente e ratificou os atos por esta praticados antes da declaração de insolvência, dúvidas não restam que ficou provado que existiu esse reconhecimento de salvaguarda dos interesses da Massa Insolvente.
XV. Tanto assim é que a Senhora Administradora de Insolvência reconheceu que os serviços jurídicos prestados pela aqui Recorrente o foram no interesse da Massa Insolvente.
XVI. Caso assim não fosse, não teria solicitado laudo de honorários perante a Ordem dos Advogados quanto ao valor global dos honorários (isto é, quanto a honorários referentes ao período que antecedeu a insolvência e o período «póstumo»).
XVII. Ademais, o Tribunal recorrido julgou também provado que pela Recorrente foram praticados atos processuais indispensáveis para evitar prejuízos previsíveis para a Massa Insolvente.
XVIII. O mesmo é dizer que sem o patrocínio jurídico da Recorrente na instrução da referida ação judicial, a Massa Insolvente teria incorrido num prejuízo de, pelo menos, esse montante.
XIX. Assim sendo, dúvidas não restam que o crédito reclamado pela Recorrente se enquadra na alínea a) do n.º 2 do artigo 110.º do CIRE e, como tal, constitui dívida da Massa Insolvente e não da Insolvência.
XX. Posto isto, tendo em conta a factualidade que considerou provada, não concebe a Recorrente de que forma o Tribunal recorrido considerou absolver a Recorrida do pedido, por entender que não se tratava de uma dívida da Massa Insolvente.
XXI. Por último, o Tribunal recorrido considerou não estar preenchida a alínea a) do n.º 2 do artigo 110.º, aplicando, ao invés, a alínea f) do n.º 1 do artigo 51.º, todos do CIRE.
XXII. Ora, considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, porquanto dúvidas não podem restar de que o crédito reclamado constitui dívida da Massa Insolvente.
XXIII. Conforme se referiu, só por via da atuação da Recorrente – in casu, por via de um contrato de mandato contínuo e exercido ao longo de oito anos – foi possível a Recorrida beneficiar de um incremento patrimonial significativo.
XXIV. Destarte, foi o próprio legislador a acautelar, por via do artigo 111.º do CIRE, as situações em que as prestações de serviços representam uma situação continuada no tempo, a qual se iniciou antes da declaração de insolvência, de forma a não proporcionar casos em que a Massa Insolvente beneficiasse de serviços prestados para os quais não seria financeiramente responsável.
XXV. Por outro lado, tal desiderato relacionado com o benefício dos serviços para a Massa Insolvente vem reconhecido pelo facto de a Senhora Administradora de Insolvência ter ratificado os atos processuais praticados pela Recorrente.
XXVI. Veja-se bem que o mandato aqui em discussão não é suscetível de autonomização por via da separação entre serviços jurídicos prestados antes e depois da declaração de insolvência.
XXVII. Ao invés, trata-se de um serviço jurídico uno e global que culminou com a Sentença favorável à Massa Insolvente.
XXVIII. Por outro prisma, não existiria uma Sentença favorável à Massa Insolvente se a Recorrente não tivesse garantido a prática de atos processuais antes da declaração de Insolvência.
XXIX. Com efeito, na estrita medida em que a Senhora Administradora de Insolvência reconheceu o mandato judicial, reconheceu-o como um todo de forma a garantir proveitos para a Massa Insolvente.
XXX. E, conforme se viu, a Massa Insolvente só beneficiou desses proveitos em virtude dos primordiais atos processuais (arriscamos a dizer que sem petição inicial não existiria Sentença condenatória!).
XXXI. Assim sendo, considerando que a Massa Insolvente beneficiou da Sentença condenatória, por maioria de razão foi beneficiária dos atos processuais iniciais.
XXXII. Até porque, entende a nossa Jurisprudência que “será, assim, estranho à massa o mandato conferido para representação do insolvente em acções que não tenham qualquer relação com bens ou direitos – presentes ou futuros - que não integram nem possam vir a integrar a massa insolvente”.
XXXIII. Ora, por via de uma interpretação a contrario sensu conseguimos concluir que o mandato exercido no âmbito da ação judicial em discussão não era estranha à Massa Insolvente, na estrita medida em que a mesma estava relacionada com os direitos da mesma.
XXXIV. A este propósito atente-se para o que entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra: “No caso que nos ocupa, a oposição à injunção foi apresentada em 12/12/2008, a declaração de insolvência tem a data de 19/08/2009 e a audiência de discussão e julgamento estava marcada – e realizou-se – no dia 15/09/2009.Ou seja, trata-se de uma situação perfeitamente enquadrável na previsão da al. a) do nº 2 do artº 110º do CIRE, em que não pode deixar de se considerar que o mandato do ilustre advogado da insolvente se manteve até à audiência, após cuja abertura, como lhe competia no correcto desempenho das suas funções, deu conhecimento ao tribunal de que a sua mandante fora declarada insolvente, fornecendo todos os elementos para a situação ser confirmada e para serem tomadas as providências adequadas” (realce nosso).
XXXV. Ora, também nesse caso o Tribunal considerou que os atos praticados no âmbito de um processo judicial antes da declaração de insolvência aproveitavam à Massa Insolvente, na estrita medida em que a mesma iria beneficiar do resultado dessa ação judicial.
XXXVI. Com efeito, por ter beneficiado dos serviços prestados pela Recorrente (antes da declaração de insolvência), a Recorrida é responsável pelo seu pagamento, sob pena de incorrermos em enriquecimento sem causa nos termos do artigo 473.º do CC.
XXXVII. Confirma-se, efetivamente, a verificação cumulativa dos requisitos do Instituto jurídico do enriquecimento sem causa, mormente, porque: (i) a Recorrida obteve uma vantagem de caráter patrimonial, consubstanciada na arrecadação do quantitativo global de € 12.159,26 ao não ter procedido ao pagamento dos serviços da Recorrente, os quais, como se viu, lhe foram favoráveis (o que significa que obteve um aumento do seu ativo patrimonial); (ii) existiu um empobrecimento por parte da Recorrente, porquanto a mesma não recebeu os honorários que lhe eram devidos (não obstante ter mantido um mandato judicial – devidamente ratificado pela Recorrida –, do qual resultaram benefícios para a Recorrida); (iii) esse enriquecimento da Recorrida foi obtido à custa da Recorrente, desde logo, porque foi obtido por via dos serviços e recursos desta última e (iv) o enriquecimento da Recorrida carece de causa justificativa, na medida em que não existe no ordenamento jurídico qualquer normativo que legitime que uma entidade (ainda que seja uma Massa Insolvente) se exime ao pagamento dos serviços que lhe são prestados.
XXXVIII. Nessa medida, outra não pode ser a conclusão se não a de que a aceitar-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo verificar-se-ia uma situação de enriquecimento sem causa, a qual não é compatível com os ditames da Justiça.
XXXIX. Do exposto resulta clarividente que a alínea a) do n.º 2 do artigo 110.º do CIRE se encontra preenchida, pelo que, nos termos do número 3 do mesmo preceito, a remuneração e o reembolso de despesas do mandatário constituem dívida da Massa Insolvente.
XL. Não obstante, o Tribunal recorrido entendeu ser aplicável ao caso em apreço a alínea f) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRE, da qual resulta que “salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: (…) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração”.
XLI. Para sustentar tal entendimento, considerou o Tribunal recorrido que a prestação de serviços da Recorrente configura uma contraprestação já realizada pela outa parte antes da declaração de Insolvência.
XLII. Uma vez mais, o Tribunal recorrido incorre em erro de julgamento de direito.
XLIII. Por um lado, faz o Tribunal tábua rasa da primeira parte do n.º 1 do artigo 51.º do CIRE, o qual refere “salvo preceito expresso em contrário”.
XLIV. Conforme se fez referência, o mandato judicial em apreço não é autonomizável, antes se assumindo como um contrato contínuo em que o seu desfecho ocorre com a decisão final.
XLV. Tanto assim é que a Recorrente apresentou uma Nota de Honorários una (apenas optou por apresentar, sob reserva, duas Notas de Honorários em virtude do entendimento proferido pela Senhora Administradora de Insolvência).
XLVI. Além do mais, fundamento algum existe para considerar que a dívida é da Insolvência e não da Massa Insolvente, já que – tendo presente que os serviços prestados pela Recorrente resultaram de um mandato contínuo no âmbito de um processo judicial – a obrigação apenas se venceu com o envio da Nota de Honorários.
XLVII. Sendo certo que, como se viu, o envio foi operado com a conclusão de todas as diligências de 1.ª instância – o mesmo é dizer que a declaração de insolvência ocorreu antes do vencimento da obrigação.
XLVIII. Nessa perspetiva, nunca se poderia entender que o mandato – enquanto prestação de serviço duradoura – redundou num serviço da responsabilidade da Insolvência, considerando que o mesmo apenas terminou depois da declaração de insolvência.
XLIX. Nestes termos, ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, a alínea f) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRE não encontra aqui aplicação, devendo, consequentemente, aplicar-se ao caso em apreço a alínea a) do n.º 2 e o n.º 3 do artigo 110.º do CIRE, qualificando-se o crédito da Recorrente como crédito da Massa Insolvente.”
9.2. Pediu que se revogasse a sentença recorrida e se substituísse a mesma por outra que condenasse a recorrida no pagamento à recorrente do crédito de € 12 925, 31, acrescido de juros vincendos calculados sobre o capital em dívida, até efetivo e integral pagamento.
10. A ré/recorrida, nas suas alegações de resposta, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
“1 Como muito bem sustenta a douta sentença, a prestação de serviços anterior à declaração de insolvência, está prevista na alínea f) do artº 51º do C.I.R.E, o que exclui a presente situação como responsabilidade da massa insolvente.
2 Por outro lado o nº 2 e 3 do artº 110º do C.I.R.E., apenas diz respeito a actos praticados pelo mandatário depois da declaração de insolvência para salvaguardar a posição deste em casos excepcionais em que o mandato se mantém, após a declaração de insolvência (sem nova procuração). Na realidade, de fora ficam os honorários por serviços prestados à insolvente antes da declaração de insolvência.

Sendo esclarecedora a posição de Carvalho Fernandes e João Labareda em anotação 11 a este artigo in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª Edição, 2013, pág. 509, quando dizem: “Atento porém, o seu texto, não pode deixar de se entender que a norma só se refere à remuneração e às despesas relativas às situações excepcionais em que o mandato se mantém após a declaração de insolvência do mandante.” e “Partindo desta interpretação, fica em aberto o regime de remuneração e das despesas do mandatário, relativas ao exercício de funções anterior à declaração de insolvência. Há-de entender-se ser o mandatário um dos credores do insolvente, tendo, como tal, de reclamar o seu crédito no processo”.(sublinhado nosso).
3 Este entendimento, que sempre esteve subjacente à posição da A.I. define o eventual crédito por serviços prestados antes da declaração de insolvência, como um crédito sobre a insolvência e não sobre a massa insolvente.
4 Não houve assim qualquer erro na apreciação da matéria de facto, nulidade ou erro de julgamento de direito na douta sentença recorrida, devendo esta manter-se pela sua conformidade com a lei e justeza.”

II. Questões a decidir:

1. Se a sentença recorrida padece da nulidade do art.615º/1-c) do Código de Processo Civil (doravante mencionado como CPC), por contradição entre os fundamentos e a decisão proferida que qualificou o crédito como crédito da insolvente e não como crédito da massa insolvente.
2. Se os factos provados em 11, 24 e 25 da sentença recorrida e os documentos nº7, 9 e 15 impõem que se julgue provado o facto indicado como não provado na sentença, nos termos do art.640º/1 do CPC.
3. Se a sentença recorrida padece de erro de direito: por se dever aplicar o disposto nos arts.110º/2-a) e 111º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL nº53/2004, de 18.03. (doravante mencionado como CIRE), em detrimento da ressalva do art.51º/2-f) do CIRE; por a decisão proferida implicar um enriquecimento sem causa indevido, nos termos do art.473º ss do Código Civil (doravante mencionado como CC).

III. Fundamentação:

1. Sentença recorrida:

Por sentença de 3 de maio de 2019, em que a ré Massa Insolvente J. R., S.A. foi absolvida do pedido de P. A., M. B. & Associados, Sociedade de Advogados, RL neste processo:

1.1. Foram julgados provados os seguintes factos:

“1- A Autora é uma sociedade de Advogados que desenvolve a sua atividade no sector da advocacia e consultoria jurídica, gozando de uma especial reputação em vários ramos do Direito Público.
2- No exercício da sua atividade profissional, em 2009, foi a Autora procurada pela sociedade comercial “J. R., S.A.”, a fim de lhe prestar serviços jurídicos, tendo, para o efeito, sido constituída mandatária dessa sociedade, mediante outorga de procuração forense que lhe conferia poderes para representar a mandante em processos judiciais.
3- Desde essa data, a Autora assegurou a representação da sociedade e o seu patrocínio judiciário no processo n.º 2071/09.5BEPRT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – concretamente, uma ação administrativa comum tendente à declaração de nulidade de um contrato de empreitada de obra pública celebrado entre a “J. R., S.A.” e a Ré Gestão de Obras Públicas da Câmara Municipal …, EM, e consequente condenação da Ré em indemnizar a sociedade Autora (agora Massa Insolvente da “J. R., S.A.”) pelos danos causados no valor global de € 696.505,66, acrescido de juros de mora.
4- No decurso do mandato, a sociedade mandante foi declarada insolvente, por sentença proferida em 18.09.2009, no âmbito do proc. n.º 3234/09.9TJVNF, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão.
5- No âmbito desse processo de insolvência foi homologado plano de insolvência, tendo a devedora regressado à atividade em 04.07.2011, e sido declarado o encerramento desse processo.
6- Posteriormente, a sociedade “J. R., S.A.” foi novamente declarada insolvente em 24.05.2012 por sentença proferida no Proc. n.º 1218/12.9TJVNF, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Braga, Instância Central, 2ª Secção do Comércio – J2, tendo sido nomeada Administradora da Insolvência a Senhora Dra. D. L..
7- Não obstante as referidas declarações de insolvência, a Autora manteve o patrocínio judiciário, passando a representar a Massa Insolvente Ré, assegurando a proteção dos interesses desta, no referido processo n.º 2071/09.5BEPRT, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
8- Nessa medida, ao longo de um mandato de 8 anos, a Autora prestou serviços jurídicos à Ré que corresponderam a 711h30m, tendo sido aplicado o valor hora de € 50,00 e sido apresentadas despesas no montante global de € 1.505,50.
9- Com efeito, desde o início do mandato (junho de 2009) até à declaração de insolvência da sociedade (24.05.2012), a Autora prestou os seguintes serviços jurídicos à Ré no âmbito do processo n.º 2071/09.5BEPRT, os quais implicaram o dispêndio de 312h75min:- Reuniões com cliente;- Conferências telefónicas com cliente;- Estudo do dossier e das questões colocadas e análise da viabilidade da pretensão da cliente; - Elaboração da Petição Inicial; - Envio da Petição Inicial (eletronicamente e presencialmente no TAF do Porto); - Deslocações ao TAF do Porto; - Elaboração de diversos requerimentos para acompanhamento do processo; - Análise da Contestação e respetivos documentos; - Elaboração e envio da Réplica; - Conferências telefónicas com o TAF do Porto e demais intervenientes processuais; - Preparação da audiência preliminar; - Intervenção na audiência preliminar (em 17.05.2011 e 07.10.2011); - Análise do despacho saneador; - Elaboração de reclamação à base instrutória (quanto à matéria de facto); - Análise dos requerimentos apresentados pela parte contrária e elaboração de requerimentos a responder.
10- Já após a declaração da insolvência (24.05.2012), e até à cessação do mandato, a Autora prestou, designadamente, os seguintes serviços jurídicos à Ré no âmbito do mesmo processo n.º 2071/09.5BEPRT, os quais implicaram o dispêndio de 398h75m: - Análise de diversas notificações do Tribunal; - Conferências telefónicas com cliente; - Reuniões com cliente; - Elaboração de diversos requerimentos; - Análise do relatório pericial e elaboração e apresentação de reclamação - Conferências telefónicas com o TAF do Porto e demais intervenientes processuais; - Preparação da Audiência de Julgamento; - Intervenção nas sessões da Audiência de Julgamento que se realizaram em 02.12.2013, 11.12.2013, 20.12.2013, 30.01.2014, 31.01.2014, 07.03.2014, 26.03.2014 e 22.04.2014; - Análise de documentos juntos pela Ré; - Elaboração e apresentação de Alegações Finais.
11- A representação e patrocínio judiciário da “J. R., S.A.” pela Autora mantiveram-se, assim, após a declaração de insolvência da sociedade no Proc. nº 3234/09.9TJVNF, por via da Procuração emitida a seu favor pelo Administrador do Devedor (que era o próprio Presidente do Conselho de Administração, uma vez que foi atribuída ao devedor a administração da Massa Insolvente, em 16.11.2009, nos termos do disposto no art.º 224º do CIRE) e, após a declaração de insolvência nestes autos, por via da Procuração emitida pela atual Administradora de Insolvência Dra. D. L., em 30 de janeiro de 2014, pelas quais, além do mais, a Ré declarou, em ambas, ratificar todo o processado.
12- A Autora remeteu à Ré a sua Nota de Serviços, Despesas e Honorários com a descrição detalhada dos serviços prestados, a qual apresentava um saldo a seu favor no valor de € 34.105,28 (trinta e quatro mil, cento e cinco euros e vinte e oito cêntimos.
13- Em resposta, a Sr.ª Dr.ª D. L. comunicou à Autora, em 14-05-2015, que entendia que a Ré apenas seria responsável pelo pagamento dos serviços prestados após a declaração de insolvência (nestes autos), ou seja, posteriores a 24.05.2012, tendo solicitado a reelaboração da nota de despesas e honorários “em conformidade”.
14- Pese embora não concordando com o entendimento da Administradora de Insolvência, mas com o objetivo de receber logo, pelo menos, parte das quantias que lhe eram, e são, devidas, a Autora remeteu, a 14-07-2015, nova nota de serviços, despesas e honorários, com a descrição dos serviços prestados desde a data de declaração de insolvência, a qual apresentava um saldo a seu favor no valor de € 24.854,00 (vinte e quatro mil, oitocentos e cinquenta e quatro euros).
15- A Administradora de Insolvência, na sequência do parecer da Comissão de Credores, solicitou laudo à Ordem dos Advogados sobre os honorários fixados pela Autora, tendo sido concedido laudo favorável pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, em 9 de Março de 2017.
16- O qual, debruçando-se sobre a totalidade dos honorários indicados na nota de despesas e honorários emitida pela Autora (serviços para os quais foram gastas 711h30), entendeu que os mesmos eram “razoáveis”, sendo “mesmo baixo” o valor hora pedido (€ 50,00).
17- E, aprovando o parecer do relator, deliberaram, por unanimidade, “conceder laudo pelo valor peticionado de € 35.575,00, acrescido do IVA devido, a que deverá ser deduzida a provisão feita”.
18- Recebido o laudo favorável, a Ré suscitou ao Tribunal a questão da distinção de qual o montante que devia ser considerado dívida da insolvente e dívida da Massa Insolvente.
19- Tendo a Autora defendido que a Ré, com a outorga de procuração e ratificação do processado, havia assumido a responsabilidade pelo pagamento dos honorários por todos os serviços prestados pela Autora à Insolvente e à Massa Insolvente, incluindo aqueles que foram prestados em data anterior à declaração de insolvência, como dívida da Massa Insolvente.
20- Sobre esta questão, foi proferido, a 09-06-2016, o seguinte Despacho com a ref.ª citius 153245848, e notificado às partes em 18.05.2017: “Quanto ao requerimento de 15.02.2016, não compete ao Tribunal dirimir um litígio neste momento extrajudicial. É da competência da AI e da Comissão de Credores definir o que entendem por dívida da massa insolvente, e qual o quantum que entendem que a massa insolvente deverá liquidar. A intervenção do Tribunal fica reservada em casa de interposição de acção judicial (que certamente sucederá após se esgotarem as tentativas de acordo).
21- Após troca de algumas comunicações e a prestação pela Autora dos esclarecimentos solicitados pela Ré, esta fez o pagamento parcial da dívida, mediante transferência bancária da quantia de € 24.854,00, a 19-09-2017.
22- Considerando o valor dos honorários que são devidos à Autora pelo patrocínio na ação administrativa acima identificada (que não sofreu qualquer interrupção desde a data da propositura da ação, dadas as sucessivas ratificações do processado, após as declarações de insolvência da Ré), e que foram objeto de laudo favorável da Ordem dos Advogados, ficou por pagar a quantia de € 9.251,28.
23- A 14-09-2017, foi a Autora notificada da sentença proferida no âmbito do proc. n.º2071/09.5BEPRT, a qual julgou parcialmente procedente a ação, condenando a aí Ré “Gestão de Obras Públicas da Câmara Municipal do ..., E.M.” a pagar à aí Autora (ora Ré) a importância de 47.093,86 Euros acrescida de juros moratórios, e absolvendo-a dos demais pedidos formulados.
24- Os serviços jurídicos prestados pela Autora, os quais se iniciaram em 2009, vieram a culminar com a referida sentença proferida em 14.09.2017, decorrendo, por isso, de um mandato continuado que durou 8 anos.
25- Por via da sentença parcialmente favorável e, por conseguinte, da globalidade dos serviços jurídicos prestados pela Autora ao longo de 8 anos, a Massa Insolvente da “J. R., S.A.” sofreu um incremento patrimonial significativo.
26- Por e-mail de 19.09.2017, a Autora remeteu cópia dessa sentença à Sr.ª Administradora de Insolvência da Ré, informando-a que entendia existir fundamento para recorrer e dando-lhe conta de que a interposição de recurso não implicaria o pagamento de taxa de justiça, na medida em que a Ré dela estaria isenta (ao abrigo do disposto no art.º 4.º, n.º 1, u) R.C.P.), mais declarando estar disponível para estudar o assunto, preparar a estratégia de atuação e elaborar o recurso, caso a Massa Insolvente nisso tivesse interesse, tendo, para o efeito, solicitado a constituição de uma provisão (considerando a complexidade da matéria em causa, bem como a dimensão dessa peça processual), bem como a regularização dos honorários ainda em dívida relativos a este processo, no valor de € 12.159,26, até ao dia 26.09.2017.
27- No mesmo email, a Autora referiu expressamente à Ré que o montante em dívida era de € 12.159,26, resultante do somatório da importância de € 9.251,28, a título de capital, com € 2.907,9 s referentes aos juros moratórios contabilizados desde a data de vencimento da obrigação, 06.02.2015, até àquela data.
28- A 4- 10- 2017, a Autora remeteu novo email à Sr.ª Dr.ª D. L., pelo qual lhe transmitiu que, na ausência de resposta e de pagamento, considerava que a Massa Insolvente da Ré não tinha interesse na interposição do recurso, e que, não tendo sido pagos os honorários em dívida, iria renunciar ao mandato no referido processo judicial.
29- Não tendo tido, igualmente, resposta a este email e não tendo sido paga qualquer quantia por conta da dívida de honorários, a Autora apresentou renúncia ao mandato na ação administrativa e disso informou a Ré por carta de 11-10- 2017.
30- Nessa mesma carta informou a Ré Massa Insolvente que, decorrido o prazo para execução voluntária, deveria requerer a execução da sentença no prazo previsto no Código do Processo nos Tribunais Administrativos, sob pena de ficar precludido esse direito e perder a possibilidade de proceder à cobrança do seu crédito judicialmente reconhecido.
31- Mais tarde a Autora tomou conhecimento de que não havia sido interposto recurso (por qualquer das partes), dado que a Ré nessa ação apresentou a nota de custas de parte (remetida para a Dra. C. G., para o seu atual escritório) – do que informou a Autora por email de 27.10.2017.
32- A Ré não pagou à Autora a quantia de € 9.251,28, relativa ao trabalho desenvolvido pela A antes da declaração de insolvência.”

1.2. Foi julgado não provado o seguinte facto:

“A- Que assumiu a Ré ratificar todos os atos praticados pelo mandatário no referido processo judicial, incluindo os praticados antes da declaração de insolvência, dado que estava em causa um crédito da Massa Insolvente e era do interesse dos credores a sua cobrança por essa via, ou seja, a prática de atos em benefício da Massa Insolvente.“

1.3. Foi apresentada a seguinte fundamentação de facto:

“A matéria de facto provada resulta da sua admissão pela Ré, com exceção do facto de a quantia de € 9.251,28 ser devida pela Ré, do teor dos documentos junto aos autos, conjugados com as declarações de parte prestadas em audiência de julgamento pelo sócio da A, P. A., que declarou ter acompanhado de perto o processo da J. R., SA nos Tribunais Administrativos, contra a Câmara Municipal do ... numa área especializada de contratação pública, com um pedido de um milhão de euros, em 2007. O processo de insolvência terá dado início em 2008, continuando o processo nos tribunais administrativos a ser acompanhado pela A, que continuou a trabalhar no interesse da sua cliente sociedade, tendo a senhora administradora ratificado o processado. Esclareceu que a senhora administradora pagou parte dos honorários pois ficou por pagar quantia de pouco mais de € 9.000,00 que se reporta ao trabalho prestado anteriormente à insolvência. E reiterou que a prestação de serviços da A foi ininterrupta.”

1.4. Foi apresentada a seguinte fundamentação de direito:

“A A P. A., M. B. & Associados, Sociedade de Advogados, RL, intentou a presente ação pedindo que seja reconhecido o crédito da A sobre a massa insolvente no valor de € 12.925,31, e a condenação da R a pagar à A o referido crédito, acrescido de juros vincendos calculados sobre o capital em dívida até efetivo e integral pagamento.
A este respeito resultou provado que a sociedade J. R., SA contratou a A para esta lhe prestar serviços jurídicos tendo sido constituída mandatária dessa sociedade e assegurado a representação da mesma no processo nº 2071/09.5BEPRT que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Posteriormente, por sentença proferida a 18-9-2009, foi a sociedade J. R., SA declarada insolvente. Antes da declaração de insolvência a A efetuou os serviços para a sociedade insolvente referidos no artigo 9º dos factos provados.
Resultou ainda provado que a quantia de € 9.251,28 de honorários que falta pagar à A é relativa ao trabalho desenvolvido pela A antes da declaração de insolvência.
A representação de pessoa singular ou coletiva através de contrato de mandato implica a celebração deste contrato, ainda que de forma verbal.
O contrato de mandato é um contrato bilateral e sinalagmático, previsto no artigo 1157º do Código Civil, como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.
Quando o mandante é declarado insolvente aplicam-se as normas previstas no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, enquanto lei especial face à lei geral civil. A este respeito dispõe o artigo 110º, nº1 do CIRE: “Os contratos de mandato, incluindo os de comissão, que não se mostre serem estranhos à massa insolvente, caducam com a declaração de insolvência do mandante, ainda que o mandato tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, sem que o mandatário tenha direito a indemnização pelo dano sofrido”.
Mas o nº 2 exceciona: “Considera-se, porém, que o contrato de mandato se mantém: a) Caso seja necessária a prática de actos pelo mandatário para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente, até que o administrador da insolvência tome as devidas providências; b) pelo período em que o mandatário tenha exercido funções desconhecendo, sem culpa, a declaração de insolvência do mandante”.
Por sua vez o nº3 dispõe: “A remuneração e o reembolso das despesas do mandatário constituem dívida da massa insolvente, na hipótese da alínea a) do número anterior, e dívida da insolvência, na hipótese da alínea b)”.
Não tendo a senhora administradora recusado o cumprimento do contrato de mandato em curso à data e em causa nos presentes autos, e não tendo resultado provado qualquer facto de onde se possa concluir que foi necessária a prática de atos pelo mandatário para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente até que o administrador tome as devidas providências, o que tornaria a remuneração do mandatário uma dívida da massa, temos que concluir que a dívida que constitui a remuneração do mandatário no período anterior à declaração de insolvência constitui uma dívida da insolvência, tal como resulta da manutenção do contrato de mandato pelo período em que o mandatário tenha exercido as funções desconhecendo, sem culpa, a declaração de insolvência da sociedade mandante.
À mesma conclusão chegamos da análise da noção de dívidas da massa insolvente. Senão vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 51º, nº1 do CIRE, “Salvo preceito expresso em contrário, constituem dívidas da massa insolvente c) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração”.
De facto, de acordo com esta alínea f) do artigo 51º, nº1 CIRE, a dívida resultante de contrato bilateral constitui dívida da massa insolvente, salvo se corresponder à contraprestação já realizada pela outra parte antes da declaração de insolvência. Assim, é a própria norma que exceciona a presente situação dos autos, como um caso em que a dívida não é da massa. Ora, se não constitui dívida da massa e quem contratou foi a sociedade insolvente, é esta a responsável pelo pagamento. Pelo que a dívida tem que constituir necessariamente dívida da insolvência, a reconhecer, verificar e graduar no apenso de graduação de créditos respetivo. Também assim entendem Carvalho Fernandes e João labareda, em Código da Insolvência e da recuperação de Empresas anotado, 3ª edição, Quid Juris, sociedade editora, página 485: “Este tratamento diferenciado justifica-se pela diversa relevância da atuação do mandatário do ponto de vista do interesse da massa insolvente e dos credores. Partindo desta interpretação, fica em aberto o regime da remuneração e das despesas do mandatário, relativas ao exercício de funções anterior à declaração de insolvência, há-de entender-se ser o mandatário um dos credores do insolvente, tendo, como tal, de reclamar o seu crédito no processo”.
A A. invoca a ratificação do processado efetuada pela senhora administradora da massa insolvente como constitutiva de obrigações substantivas para a própria massa. Contudo, parece-nos que não é assim. A ratificação do processado tem eficácia intra-processual, para validar os atos praticados no período em que o mandato caducou, mas o mandatário ainda assim assegurou a prática dos atos decorrentes do cumprimento do contrato caducado.“

2. Objeto do recurso:

2.1. Apreciação da arguição da nulidade da sentença:

Impõe-se apreciar se a sentença recorrida padece da nulidade do art.615º/1-c) do CPC, por contradição entre os fundamentos (prova da ratificação pela administradora da insolvência do processado pela autora e prova da prática por esta de atos no processo judicial que beneficiaram a massa insolvente) e a decisão proferida que qualificou o crédito como crédito da insolvente e não como crédito da massa insolvente (por ter entendido não se terem provado os atos praticados pela autora para evitar prejuízo para a massa insolvente).
A sentença recorrida: julgou provada a constituição e a vigência desde 2009 de um mandato em favor da autora (inicialmente por procuração outorgada pela sociedade antes da primeira insolvência, após por procuração e ratificação do processado pelo administrador da insolvente depois da primeira insolvência da sociedade em 2009, de seguida por procuração outorgada pela administradora da insolvente após a segunda declaração de insolvência em 2012 acompanhada da respetiva ratificação do processado) e a prática de atos pela autora no processo judicial para que esteve mandatada entre 2009 e 2017, com a obtenção de uma sentença parcialmente procedente no mesmo (qualificada nos factos provados, extravasando a matéria de facto, como causando para a massa “um incremento patrimonial significativo”); considerou que a dívida pedida, respeitante a serviços anteriores à declaração da segunda insolvência, não seria dívida da massa insolvente mas dívida da insolvente, por entender não ter resultado provado “qualquer facto de onde se possa concluir que foi necessária a prática de atos pelo mandatário para evitar prejuízos previsíveis para a massa insolvente até que o administrador tome as devidas providências” para os efeitos do art.110º/2-a) do CIRE e por entender que o art.51º/1-f) do CIRE não qualifica como dívida própria da massa insolvente a dívida da contraprestação de um contrato, prestada antes da declaração da insolvência.
A sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, nos termos do art.615º/1-c) do CPC.
Os fundamentos de facto e de direito apresentados na sentença recorrida, sumariados na síntese supra, não constituem uma contradição entre os fundamentos e a decisão que pudesse causar a nulidade da sentença. Na verdade, percebe-se que a juiz aquo considerou que, apesar dos atos que conduziram à procedência da ação beneficiarem o património da massa insolvente no valor da procedência, a dívida apenas poderia ser qualificada como própria da massa insolvente se os atos remuneráveis fossem praticados após a declaração da insolvência ou se se tivesse provasse quais os atos concretos praticados no período pedido sem os quais resultaria causalmente um prejuízo concreto, não apenas dedutível pela ilação de que sem a instauração da ação não poderia a mesma ser procedente.
Assim, esta apreciação constitui apenas fundamento para a reapreciação do julgamento, que se fará em 2.2. e em 2.3. infra.

Desta forma, improcede a arguição de nulidade.

2.2. Apreciação da impugnação da matéria de facto:

Impõe-se apreciar se os factos provados em 11, 24 e 25 da sentença recorrida e os documentos nº7, 9 e 15 impõem que se julgue provado o facto indicado como não provado na sentença, nos termos do art.640º/1 do CPC.
A sentença recorrida julgou como não provado “A- Que assumiu a Ré ratificar todos os atos praticados pelo mandatário no referido processo judicial, incluindo os praticados antes da declaração de insolvência, dado que estava em causa um crédito da Massa Insolvente e era do interesse dos credores a sua cobrança por essa via, ou seja, a prática de atos em benefício da Massa Insolvente.“

A recorrente pretende que este facto seja julgado provado, em face:

a) Do teor dos factos provados em 11, 24 e 25:

“11- A representação e patrocínio judiciário da “J. R., S.A.” pela Autora mantiveram-se, assim, após a declaração de insolvência da sociedade no Proc. nº 3234/09.9TJVNF, por via da Procuração emitida a seu favor pelo Administrador do Devedor (que era o próprio Presidente do Conselho de Administração, uma vez que foi atribuída ao devedor a administração da Massa Insolvente, em 16.11.2009, nos termos do disposto no art.º 224º do CIRE) e, após a declaração de insolvência nestes autos, por via da Procuração emitida pela atual Administradora de Insolvência Dra. D. L., em 30 de janeiro de 2014, pelas quais, além do mais, a Ré declarou, em ambas, ratificar todo o processado.
(…)
24- Os serviços jurídicos prestados pela Autora, os quais se iniciaram em 2009, vieram a culminar com a referida sentença proferida em 14.09.2017, decorrendo, por isso, de um mandato continuado que durou 8 anos.
25- Por via da sentença parcialmente favorável e, por conseguinte, da globalidade dos serviços jurídicos prestados pela Autora ao longo de 8 anos, a Massa Insolvente da “J. R., S.A.” sofreu um incremento patrimonial significativo.” (sendo que os factos 24 e 25 seguem o facto 23, ao qual se referem, no qual se julgou como provada a condenação da ré no pagamento à mandante do valor de € 47 093, 86, acrescido de juros de mora).

b) Do teor dos documentos 7, 9 e 15, sendo:

b1) O documento nº7, de fls.18/verso a 20: uma carta escrita pela autora à administradora da insolvente a 14.06.2015, na qual declarou enviar-lhe a nota de honorários e despesas combinada, remetendo-lhe a nota de honorários e despesas de 18.02.2015 (no valor de € 24 854, 00, a título de 398 horas e 75 mn de trabalho e despesas realizadas entre 02.12.2013 e 22.04.2014);
b2) O documento nº9, de fls.23 e 24: o requerimento da administradora da insolvente de 27.03.2017, dirigido ao juiz de direito do processo de insolvência nº1218/12.9TJVNF, no qual: remeteu-lhe o laudo da Ordem dos Advogados sobre a totalidade da nota de honorários, em que esta se pronunciara sem distinção dos valores da dívida da insolvente e da dívida da massa insolvente; pediu que se pronunciasse sobre a classificação dos valores, uma vez que parte respeita a serviços prestados antes da declaração da insolvência e outra parte respeita a serviços prestados após a declaração de insolvência, parecendo-lhe que os primeiros eram dívida da insolvência e os segundos eram dívida da massa;
b3) O documenta nº15, a fls.141/verso: o correio electrónico da autora à administradora da insolvência de 19.09.2017, no qual remeteu-lhe a sentença proferida, declarou que considerava existir fundamento para recorrer da mesma, dispôs-se a apresentar recurso mediante o pagamento de uma provisão de € 5000, 00 e o pagamento da dívida (indicando o capital de € 9 251, 28 e os juros moratórios de € 2 907, 98 em relação à dívida de € 27 727, 87, correspondente ao valor de € 34 105, 28 com IVA).
Examinando o facto não provado e os fundamentos da impugnação, verifica-se.
Por um lado, já se encontra provado na parte final do facto 11, em face do documento junto sob o nº4 da petição inicial a fls.15, com força probatória plena, nos termos do art.376º do CC, a alegação de que a massa insolvente declarou ratificar todo o processado pelo mandatário da insolvente no processo judicial nº2071/09.5BEPRT, onde estava mandatada pela insolvente.
Assim, o facto indicado como não provado não pode colocar em causa a prova decorrente do documento com força probatória plena e já atendido como provado na parte final do facto 11 da sentença recorrida.

Por outro lado, todavia, a alegação de que a declaração de ratificação do processado realizada pela massa insolvente a 30.04.2014 pretendeu abranger os atos anteriores à declaração da insolvência de 24.05.2012 não resulta provada:

a) Quer pelo documento nº4 junto com a petição inicial, a fls.15 (que refere apenas, após declarar constituir mandato em favor da autora, “Mais declara, para os devidos efeitos legais, ratificar todo o processado no âmbito da acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinária, que move contra “GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CÂMARA MUNICIPAL DO ..., EM”, a correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o processo n.º2071/09.5”), de acordo com a interpretação passível de realizar da declaração formal, nos termos dos arts.236º ss do Código Civil, uma vez: que a declaração refere apenas a ratificação de todo o processado; que apenas é ratificável o processado realizado sem poderes de representação, nos termos do art.268º/1 e 2 do CC; que o processado no processo nº2071/09.5BEPRT, praticado ao abrigo da procuração outorgada pela empresa “J. R., SA” (antes da sua insolvência) e da procuração outorgada pela massa insolvente do processo nº3234/09.9TJVNF (durante o período da 1ª insolvência), de acordo com os próprios factos provados em 3, 7 e 11, foi feito com poderes de representação e não carecia de ratificação; que não está provada a realização de atos pela autora sem poderes antes da declaração da segunda insolvência do processo nº1218/12.9TJVNF, que carecessem de ser ratificados pela massa insolvente; que apenas carecia de ratificação todo o processado no período posterior à declaração da insolvência decretada no processo nº1218/12.9TJVNF de 24.05.2012, em face da regra da caducidade do mandato do art.110º/1 do CIRE, a partir desta declaração de insolvência;
b) Quer pela irrelevância dos factos 11, 24 e 25 para provar o alcance da declaração, uma vez: que o facto 11, pelas mesmas razões referidas em a) supra, não permite interpretar a declaração realizada como pretendendo abranger o período anterior à declaração de insolvência do processo nº1218/12.9TJVNF, onde foi nomeada administradora da massa insolvente a pessoa que outorgou a procuração e a ratificação; que os factos 24 e 25, respeitantes aos serviços prestados e ao resultado da ação nº2071/09.5BEPRT, não são aptos a provar o alcance da declaração;

c) Quer pela total irrelevância dos invocados documentos nº7, 9 e 15, de interpelação para pagamento de nota de honorários e de requerimento de resolução do diferendo sobre o segmento de honorários a satisfazer, posteriores à declaração de ratificação, para provar o sentido do alcance temporal pretendido com a mesma.

Por fim, a motivação alegada como justificação da ratificação do processado “dado que estava em causa um crédito da Massa Insolvente e era do interesse dos credores a sua cobrança por essa via, ou seja, a prática de atos em benefício da Massa Insolvente”, trata-se de uma motivação conclusiva, pois os factos a que se refere estão provados no facto 3 (que define o objeto processual da ação e o benefício que a mesma pretendeu alcançar) e a qualificação realizada é matéria de direito. A motivação da constituição do mandato e a declaração de ratificação do processado irregular após a declaração da insolvência refere-se necessariamente, de acordo com a presunção judicial dos arts. 349º e 351º do CC, ao interesse natural de prosseguimento da tramitação da ação, com o amplitude do objeto provado em 3.

Desta forma, admite-se apenas:

1. A reformulação do facto não provado, nos seguintes termos:

A declaração de ratificação do processado realizada a 30.01.2014, referida na parte final de 11 supra, pretendeu incluir os atos anteriores à declaração de insolvência de 24.05.2012.
2. O aditamento de um segmento de facto provado, no seguimento de 11 supra, que acrescente, após “ratificar todo o processado” “, em face do interesse do prosseguimento e da decisão dos pedidos da ação referida em 3 supra”.

2.3. Apreciação do erro de direito:

2.3.1. Impõe-se apreciar se a sentença recorrida padece de erro de direito na classificação do crédito pedido como crédito sobre a insolvência: por ter subsumido o crédito de capital e de juros de mora pedido ao abrigo da ressalva do disposto no art.51º/2-f) do CIRE, quando o deveria ter feito nos termos dos arts.110º/2-a) e 111º do CIRE, em relação à remuneração de todo o mandato; por o benefício da procedência da ação, se não forem remunerados os serviços prestados antes da declaração da insolvência, implicar um enriquecimento sem causa indevido, nos termos dos arts.473º ss do CC.
A sentença recorrida, sem questionar o crédito decorrente da execução do mandato forense antes da declaração da insolvência: discutiu a classificação deste crédito; entendeu que o crédito invocado e pedido não era um crédito sobre a massa insolvente, em face da falta de verificação do pressuposto do art.110º/2-a) e da verificação da ressalva da previsão do art.51º/1-f) do CIRE, mas um crédito sobre insolvência, impassível de reconhecimento nesta ação.
Neste contexto, importa classificar a dívida invocada pela autora como não paga, resultante do um contrato de mandato, iniciado antes da declaração da segunda insolvência e renovado em nova procuração após a declaração da mesma.

2.3.2. Decretada a insolvência de um devedor, a classificação de um crédito como sendo sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente (ou uma dívida da insolvência ou da massa insolvente), introduzida no CIRE: não decorre de uma novação subjetiva do devedor, nos termos do art.858º do Código Civil (1), uma vez que o devedor é sempre o insolvente (ainda que privado dos poderes de administração e disposição, nos termos do art.81º/1 do CIRE) (2); é relevante para distinguir os termos da reclamação das dívidas, da sua tramitação e da prioridade de pagamentos (arts.46º ss; art.89º; arts.90º ss, 128º ss e 146º; 172º ss do CIRE).

Assim, por um lado, do ponto de vista da classificação das dívidas:

a) São créditos sobre a insolvência (e dívidas da insolvência) todos os créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, com constituição e fundamento anterior à declaração da insolvência (art.47º/1 do CIRE), que se passam a vencer imediatamente com esta, salvo se estiverem subordinados a uma condição suspensiva (art.91º/1 do CIRE).
São equiparados a estes os créditos os adquiridos na pendência do processo (art.47º/3 do CIRE; situação, nomeadamente, prevista no art.110º/2-b) do CIRE), salvo se estiverem classificados no CIRE como créditos e dívidas da massa.
b) São créditos sobre a massa insolvente (e dívidas da massa insolvente) aqueles expressamente previstos no CIRE - quer na norma geral do art.51º/1-a) a j) do CIRE, quer em normas especiais (como, v.g., nos arts.84º/1, 110º/2-a) e 2 do CIRE), salvo preceito expresso em contrário em relação aos referidos créditos.
Estes créditos e dívidas têm como fundamento: a própria situação de insolvência na sua generalidade (3) ou a sua exigência cautelar pelo administrador judicial provisório no início do processo (art.51º/1-g) do CIRE) (4); a sua constituição após o início do processo de insolvência (5), tendo em conta o previsto expressamente na exposição de motivos do preâmbulo do DL nº53/2004, de 18 de março (6) e as próprias previsões legais que prevêem dívidas da massa insolvente (nomeadamente, do art.51º/1-a) a f), j), 112º/2 em referência ao art.81º/6 e 7, 110º/2-a) do CIRE), quer na sua formulação positiva, quer na sua formulação negativa (quando exclui expressamente, nos contratos bilaterais, as dívidas por prestações do período anteriores à declaração insolvência- 51º/1- e) e f) do CIRE).

Por outro lado, do ponto de vista das consequências da classificação dos créditos:

a) Os créditos sobre a insolvência: dependem de reclamação, verificação e graduação de créditos (art.128º a 140º do CIRE) ou, nas condições previstas por lei, de pedido e verificação ulterior, em ação própria apensa à da insolvência, e na sua pendência, a instaurar contra a massa insolvente, os credores e o devedor (146º a 148º do CIRE); são pagos, pela hierarquia da graduação, os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado, através da massa insolvente, depois de na mesma terem sido deduzidos os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas da massa (arts.173º ss, 172º do CIRE);
b) Os créditos sobre a massa insolvente: podem ser apresentados ao administrador da insolvência para pagamento (arts.55º, 68º do CIRE); devem ser pagos imediatamente no seu vencimento, qualquer que seja o estado do processo (art.172º/3 do CIRE); podem ser pedidos em ação executiva, por apenso ao processo de insolvência, depois de decorridos 3 meses após a declaração de insolvência, e desde que não constituam créditos tributários, se o credor estiver munido de título executivo e o administrador da insolvência não proceder ao seu pagamento voluntariamente (art.89º/1 e 2 do CIRE); podem ser pedidos em ação declarativa, quando a dívida for contestada e o administrador da insolvência não proceder ao seu pagamento voluntário (art.89º/2 do CIRE); são pagos com prioridade em relação aos créditos da insolvência (arts.172º e 219º do CIRE).
Neste quadro de classificação dos créditos, importa apreciar, em concreto, a remuneração do contrato de mandato.
O contrato de mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra (art.1157º do CC), com ou sem representação (art.1178º s e 1880º ss do CC).
Este mandato presume-se oneroso quando o mandatário o pratique por profissão, sendo a remuneração, na falta de ajuste das partes, determinada pelas tarifas profissionais, na falta desta pelos usos, na falta destes pela equidade (art.1158º/1 e 2 do CC).
São obrigações gerais do mandante, nomeadamente: pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir; reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundamente ter considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efetuadas; indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha procedido sem culpa (art.1167º/b), c) e d) do CC).

Todavia, em particular, o contrato de mandato celebrado entre mandante que veio a ser declarado insolvente e mandatário, quando o mandato não for estranho à massa insolvente (e às consequências sobre a mesma) (7):

a) Como regra: caduca com a declaração de insolvência, ainda que constituído no interesse de mandatário ou terceiro, sem que o mandatário tenha direito a indemnização sobre o dano sofrido (art.110º do CIRE). Esta norma introduz mais uma causa de caducidade ao contrato de mandato em relação à regra geral do art.1174º do CC, decorrente da privação de poderes de administração e disposição do insolvente (8), e uma restrição à operância do direito geral indemnizatório. Esta regra geral da caducidade tem como paralelo, também, a regra da caducidade das procurações que digam respeito ao património integrante da massa insolvente (art.112º do CIRE) e serve de remissão para no regime dos contratos duradouros (art.111º do CIRE);
b) Como exceção: não caduca apenas em duas situações circunscritas, respeitantes a um período temporário de tempo (9) e com consequências diferentes quanto às dívidas geradas com a atuação do mandatário:
b1) Pelo período de tempo estrito que mediar entre a declaração de insolvência e a tomada de providências pelo administrador da insolvência, quanto a atos concretos que tenha sido necessário praticar para evitar de forma adequada prejuízos previsíveis para a massa (art.110º/2-a) do CIRE), previsão que acautela situações de urgência de proteção da massa insolvente dos efeitos da caducidade do mandato que pudessem causar prejuízo para a massa insolvente enquanto o administrador não tem tempo para agir em sua proteção;
b2) Pelo período de tempo estrito em que o mandatário exerceu funções, ignorando sem culpa a declaração de insolvência do mandante (art.110º/2-b) do CIRE).
Qualquer uma destas previsões acautela apenas os serviços prestados após a declaração de insolvência, e num período limitado de vigência, serviços estes cujos créditos correspondentes foram classificados pelo legislador de forma distinta: crédito sobre a massa insolvente quando o mandatário praticou atos concretos e urgentes, com vista a evitar prejuízo para a massa insolvente; crédito sobre a insolvência, em paralelo com o regime do art.47º/3 do CIRE, quando o mandatário praticou atos por desconhecimento não culposo da declaração de insolvência e da caducidade do mandato, atos esses que, a contrario com a al. a), não foram atos urgentes e destinados a evitar causalmente prejuízo para a massa (art.110º/3 do CIRE).
2.3.3. Neste contexto, importa, assim, classificar o crédito de capital de serviços prestados antes da declaração de insolvência (remuneração de horas de serviço e despesas, abatido da provisão realizada) e de juros moratórios.

Preliminarmente, importa clarificar que a discussão sobre a classificação do crédito pedido nestes autos, interpretado pela causa de pedir, e objeto do recurso:

a) Não se coloca em relação ao crédito:

a1) De capital, por atos praticadas e despesas realizadas após a declaração de insolvência de maio de 2012, ratificados até 30.01.2014 e exercidos ao abrigo de procuração expressa desde esta data, uma vez: que o capital desse crédito foi pago como crédito da massa insolvente; que esta classificação decorreu da constituição de novo mandato pela própria administradora da insolvência e de ratificação do processado entre a insolvência e essa constituição, nos termos dos arts.1157º ss e 268º/2 do CC, nos termos e para os efeitos do art.51º/1-d) e f) do CIRE (quando a administradora, após a caducidade do mandato do art.110º/1 do CIRE, poderia ter constituído diferentes mandatários), e não ao abrigo da demonstração de realização de serviços urgentes e temporários para evitar o prejuízo da massa insolvente, durante o estrito tempo necessário à constituição de mandato no processo pendente, nos termos do art.110º/2-a) do CIRE (independente da ratificação do processado e de constituição de novo mandato);
a2) De juros de mora em relação ao crédito referido em a1) supra, pago no valor de € 24 854,00, que se tenha vencido entre a data da interpelação e a data de pagamento a 19.09.2017, uma vez que este pedido não foi formulado, a causa de pedir não permite interpretar a sua formulação, nem foi tratado no objeto deste recurso (ainda que estes juros de mora pudessem ser devidos e pudessem ter sido referidos pela autora no documento 15 junto com a petição inicial).
b) Coloca-se, assim, apenas em relação ao crédito por remuneração de serviços e despesas do período compreendido entre 2009 e a data da declaração da insolvência de maio de 2012, no valor global de € 9 251, 28, acrescido dos juros respetivos desde a interpelação (objeto expresso da ação e do recurso).

A prática destes serviços entre 2009 e maio de 2012: integra a regra geral da classificação dos créditos sobre a insolvência existentes na data da sua declaração, nos termos do art.47º/1 do CIRE; não preenche qualquer uma das previsões da norma subsidiária e das normas especiais que classificam os créditos da massa insolvente, nomeadamente nos termos do art.51º e do art.110º/2-a) do CIRE.
Importa apreciar as previsões relevantes e pertinentes para este efeito.
Por um lado, a celebração dos iniciais dois mandatos ocorreu em 2009 e os serviços prestados em execução do mesmo ocorreram desde essa data e maio de 2012, o que afasta qualquer aplicação: quer das previsões do art.51º/1-e) e f) do CIRE (que ressalvam a qualificação como dívida da massa insolvente a remuneração de prestações anteriores à declaração de insolvência); quer da invocada previsão do art.110º/2-a) do CIRE, com o paralelo dos arts.111º e 112º do CIRE, defendidos pelo recorrente, uma vez que estes respeitam, conforme se expôs em 2.3.2. supra, aos atos praticados após a declaração da insolvência e, nestes, apenas aos atos urgentes e causais para evitar prejuízo para a massa insolvente até à tomada de providências, nomeadamente por constituição de mandato, pela administradora da insolvência, situação esta não preenchida pela situação em análise.
Repare-se que, de qualquer forma, não releva para a classificação do crédito como crédito da massa insolvente: quer a prova que os atos do mandato desencadearam e contribuíram para o benefício da massa insolvente após a sentença de 2017, na proporção de 6, 76% do pedido de capital dessa ação, uma vez que grande parte dos créditos constituídos antes das insolvências, considerados créditos comuns (art.47º/1 do CIRE) e excluídos como créditos da massa insolvente (art.51º/1-e) e f) do CIRE) podem vir a beneficiar a massa após a declaração da insolvência, nomeadamente pelos bens e direitos que tenham vindo a integrar no seu património, sem que este resultado corresponda a requisito que permita qualificar os créditos anteriores como créditos da massa, nos termos das normas que os classificam; quer a defesa que o mandato e a remuneração dos seus atos não são fracionáveis, uma vez que o mandato caduca com a insolvência (art.110º/1 do CIRE), os créditos pelos atos praticados até então vencem-se antecipadamente (art.91º/1 do CIRE) e, no caso em análise, as despesas debitadas respeitaram a atos com datas concretas e a remuneração pedida foi determinada com base em horas de trabalho de dias determinados, todos passíveis de contabilização na data da declaração da segunda insolvência.
Estes créditos por atos dos serviços de mandato praticados antes da insolvência, como os pedidos nesta ação, têm sido, também, considerados pela doutrina como créditos sobre a insolvência, dependentes da reclamação no processo (10) (11).
Por outro lado, a remuneração de serviços entre 2009 e 2012 não corresponde a uma dívida por uma prestação duradoura cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador provisório durante o período cautelar prévio à sentença, nos termos do art.51º/1-g) do CIRE em referência aos arts.31º ss do CIRE.
Por fim, não se trata de uma dívida que se possa admitir ter como fonte um enriquecimento sem causa da massa insolvente, nos termos do art.51º/1-i) do CIRE e arts.473º ss do CC.
Apesar deste instituto não ter fundamentado a instauração da ação, não ter sido apreciado pela sentença recorrida e apenas ter sido invocado em sede de recurso, o que poderia contender com os limites objetivos do recurso nos termos do art.635º/5 do CPC (12), admitir-se-á a sua apreciação, em face da qualificação do crédito da massa do art.51º/1-i) do CIRE remeter para este instituto e a qualificação jurídica do crédito integrar poderes de conhecimento oficioso do tribunal (13), nos termos do art.5º/3 do CPC.
Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou (art.473º/1 do CC), sendo que não há lugar à restituição por enriquecimento quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento (art.474º do CC), ressalva que concretiza o princípio de subsidiariedade do instituto de enriquecimento sem causa.
Destes requisitos, importa assinalar os factos que assumem especial relevância nesta apreciação para proceder à leitura de dois dos requisitos, que se julgam não verificados e que não permitem reconhecer ao recorrente o recurso ao enriquecimento sem causa dos arts.473º ss do CC, com a classificação do crédito nos termos do art.51º/1-i) do CIRE, previsto para as situações, sobretudo, decorrentes de atos posteriores à insolvência e ineficazes (14).
O benefício pela massa insolvente do valor da procedência da ação, ao abrigo exercício de um mandato por um período de 8 anos, entre 2009 e 2017, suportado por três procurações (da sociedade antes da primeira insolvência, do administrador na primeira insolvência e do administrador da segunda insolvência), baseou-se na existência de três mandatos válidos e eficazes.
A falta de receção pelo autor/mandatário da remuneração e das despesas do mandato no que se refere ao período estrito compreendido entre 2009 e 2012 decorreu do mandatário não ter apresentado a reclamação do crédito sobre a insolvência, nos termos gerais do art.128º ss do CIRE ou do art.146º do CIRE, apesar do mandato ter caducado com a declaração da insolvência de maio de 2012, nos termos do art.110º/1 do CIRE, e das despesas e remuneração estarem antecipadamente vencidas com a referida declaração de insolvência independentemente da caducidade do mandato, nos termos do art.91º/1 do CIRE.
Assim, o benefício da procedência da ação teve uma causa justificativa, tal como a falta de recebimento de remuneração do mandatário das despesas e da remuneração anteriores à declaração de insolvência.
Para além disto, caberia equacionar se o mandatário poderia recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, requalificando, consequentemente, o seu crédito comum como crédito da massa insolvente, nos termos do art.51º/1-g) do CIRE. A pretensão de obter a ressarcimento de despesas e de obter a remuneração não reclamada no processo de insolvência, ao abrigo do reconhecimento do enriquecimento sem causa e da classificação do crédito como crédito da massa insolvente, implicaria uma subversão da ordem de pagamento dos créditos, em fraude à lei, nos termos do art.612º do CPC. Na verdade, o credor obteria prioridade de pagamento de um crédito como crédito da massa insolvente, quando este era um crédito comum, pagável após a verificação e graduação por sentença transitada em julgado e na ordem de pagamento com que tivesse sido graduado, nos termos dos art.173º ss do CIRE, sem a prioridade de pagamento dos créditos da massa, específicos da insolvência e do seu processo.
Adotando, em relação ao princípio da subsidiariedade do art.474º do CC, a posição de Teles de Menezes Leitão quanto à exclusão da possibilidade de recurso ao enriquecimento sem causa quando se extinguiu a possibilidade de recurso da ação própria por decurso do prazo (15), e a posição amplamente aprofundada e sustentada no Acórdão do STJ de 28.06.2018 quanto inaplicabilidade genérica do art.474º do CC, por este dever ser articulado “com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio” (16), considera-se, neste caso concreto, que o mandatário não pode prevalecer-se do enriquecimento sem causa, reclassificador do seu crédito, que permitiria: não só obter o seu pagamento sem o ter reclamado no processo da insolvência; como implicaria que obtivesse prioridade de pagamento em relação aos demais créditos comuns, nos termos do art.172º do CIRE, que não teria se tivesse reclamado o crédito tempestivamente, nos termos dos arts.128º ss do CIRE.
Assim, improcede o recurso de apelação, embora com fundamentos distintos da sentença recorrida quanto ao art.110º/2-b) do CIRE, disposição inaplicável à situação em análise, independentemente da prova realizada.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença de improcedência proferida nesta ação, embora com fundamentos parcialmente distintos.
*
Guimarães, 24 de outubro de 2019
Assinado eletronicamente pelas Juiz Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha


1. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Empresas e Recuperação de Empresas, Anotado, Quid Juris, 3ª Edição, 3º parágrafo da nota 3 ao art.47º, pág. 294.
2. Ac. STJ de 16.06.2016 no processo 775/12.4TTMTS.P3.S1, in www.dgsi.pt: «Ora, o devedor neste caso é a sociedade demandada, pois, e conforme argumenta o acórdão sujeito, “apesar da massa insolvente estar dotada de autonomia patrimonial[10], o certo é que a mesma não constitui um ente jurídico distinto do próprio insolvente, a quem os bens/direitos integrantes daquela massa continuam a pertencer, apesar de poder estar privado dos correspondentes poderes de administração e de disposição que são transferidos para o administrador nos termos impostos pelo art. 81º/1 do CIRE”, salvas as situações em que a administração da massa seja cometida ao próprio insolvente, o que não aconteceu no caso presente. E continuando a segui-lo, “estamos, assim, perante um património de afectação[11] cuja constituição não implica a extinção da personalidade jurídica do insolvente, mesmo nos casos em que este assuma a natureza de sociedade comercial, cuja personalidade apenas se extingue com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º/2 do CSC)[12]”»
3. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 10ª edição, 2018, nota 1 ao art.51º, pág.136.
4. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, nota 6 ao art.51º do CIRE: “Dívidas resultantes de contratos que tenham por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório (tratando-se de atos anteriores à declaração de insolvência, o regime geral levaria a que fossem considerados créditos sobre a insolvência, mas o facto de terem sido causados por um ato do administrador judicial provisório conduz a que as obrigações correspondentes devam ser consideradas responsabilidade da massa.”
5. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in obra citada em 4, nota 3 ao art.51º, pág.170.
6. “21 - Distinguem-se com precisão as ‘dívidas da insolvência’, correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência e aos que lhes sejam equiparados (que passam a ser designados como ‘créditos sobre a insolvência’, e os respectivos titulares como ‘credores da insolvência’), das ‘dívidas ou encargos da massa insolvente’ (correlativas aos ‘créditos sobre a massa’, detidos pelos ‘credores da massa’), que são, grosso modo, as constituídas no decurso do processo.
7. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in obra citada em 1, 4º parágrafo da nota 5 ao art.110º, pág.483- “São estranhos à massa insolvente quando forem ”relativos a negócios de carácter não patrimonial ou relativos a bens que não integram, nem possam vir a integrar a massa insolvente”.
8. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in obra citada em 4, 2º parágrafo da nota 3 ao art.110º do CIRE- “A manutenção dos mandatos estranhos à massa aponta, a nosso ver, para que a razão da caducidade não é o intuitus personae mas o pressuposto de que, não dispondo o insolvente de poderes de administração e disposição de bens da massa, não devem manter-se os contratos que ele concluiu para que terceiro realize negócios jurídicos sobre tais bens”.
9. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in obra citada em 4, nota 6 ao art.110º do CIRE, pág.335.
10. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in obra citada em 1, 5º parágrafo da nota 11 ao art.110º, pág.485, em relação ao diferente tratamento das dívidas no nº3 do art.110º do CIRE, entende: “Partindo desta interpretação, fica em aberto o regime de remuneração e das despesas do mandatário, relativas ao exercício de funções anterior à declaração de insolvência. Há de entender-se ser o mandatário um dos credores do insolvente, tendo, como tal, de reclamar o seu crédito no processo.
11. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in obra citada em 4, último parágrafo nota 6 ao art.110º do CIRE, pág.336, que, depois de citar Luís Carvalho Fernandes e João Labareda da nota 12, referem quanto aos créditos de mandatário anteriores à insolvência este ser credor comum como quaisquer outros- “como parece evidente”.
12. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, nota 5 ao art.635º, pág.119: “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação do seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que, tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.”
13. António Santos Abrantes Geraldes, in obra citada em 12, nota 5 ao art.635º, pág.120: “é legítimo à parte confrontar o tribunal com questões de conhecimento oficioso, mesmo que estas não tenham sido anteriormente suscitadas, desde que a sua decisão não esteja coberta pelo caso julgado. Do mesmo modo, para a decisão de recurso, pode o tribunal apreciar tais questões ex officio, ainda que sobre as mesmas não tenha existido anterior pronúncia ou que não tenham sido suscitadas pelo recorrente ou pelo recorrido, embora deva acautelar o princípio do contraditório, a fim de evitar decisões-surpresa (art.3.º, n.º3).
14. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in obra citada em 4, 5º parágrafo da nota 4 ao art.51º do CIRE: “Dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente (cfr.473º e segs. do Código Civil- assim, por exemplo, as que, em princípio resultem de atos ineficazes realizados pelo insolvente (artigo 81º, nº6), os efeitos dos atos praticados pelo procurador depois da caducidade da procuração (artigo 112º, nº2, por remissão para os nº6 e 7 do art.81º), em caso de resolução de negócios pelo administrador da insolvência, se a restituição do objeto prestado pelo terceiro não puder ser identificado e separado dos que pertencem à massa, o seu “valor constitui dívida da massa (…) na medida do respetivo enriquecimento, à data da declaração de insolvência” (artigos 126º)».
15. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 15ª edição, pág. 15, em relação à exclusão da ação de enriquecimento do art.474º do CC: “Essa exclusão ocorrerá mesmo, que a acção concorrente não possa já ser exercida por ter decorrido o prazo respectivo, sob pena de perder sentido o estabelecimento desse prazo.”
16. AC STJ de 28.06.2018, relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes, in www.dgsi.pt, que, nomeadamente: a) Abordou posições da doutrina quanto à subsidiariedade, citando, nomeadamente, a posição de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão: «Equacionando a questão de saber se, com a referência feita no artigo 474.º do CC a outro meio de tutela, “a lei pretende excluir a ação de enriquecimento sempre que exista em abstracto esse outro remédio, ou se, pelo contrário, se exige a possibilidade concreta do seu exercício para que a acção seja excluída”, Menezes Leitão[14] sustenta que: «A letra da lei parece inclinar-se para a primeira solução, uma vez que se refere à hipótese de a lei facultar esse outro meio e não à sua possibilidade concreta de exercício, que muitas vezes é prejudicada pela inércia do titular do direito.» E confrontado com a ressalva do art.º 498.º, n.º 4, do CC, a que não atribui, nessa perspetiva, grande relevância, nomeadamente pela sua natureza excecional, conclui que: «Não pode assim aceitar-se que genericamente seja de admitir uma acção de enriquecimento em todos os casos em que uma outra acção principal se tivesse extinto» Nesta linha, entende o mesmo Autor que, “relativamente ao enriquecimento por prestação, a aplicação do artigo 473.º é naturalmente excluída sempre que exista uma pretensão fundado num negócio jurídico.”[15] ». b) Citou outra jurisprudência do STJ que defendeu a ilegitimidade do recurso ao enriquecimento sem causa, quando este cobriria, nomeadamente, prévia negligência das partes: «Também no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26/05/2015, proferido no processo n.º 169/13.4TCGMR.G2.S1[16], a propósito da subsidiariedade do enriquecimento sem causa, foi considerado que: «(…) sempre que outro meio judicial for suficiente para restabelecer o equilíbrio da situação não haverá lugar, por não verificada a subsidiariedade, à acção de enriquecimento sem causa, sob pena de ela ser admitida em praticamente todas as hipóteses de pedido condenatório, como verdadeira panaceia para decisões judiciais transitadas em julgado (e eventualmente, injustas ou apenas incompreendidas) ou até para eventuais negligências das partes na condução das respectivas posições jurídicas no processo. A exclusão da acção fundada no enriquecimento sem causa basta-se, portanto, com a possibilidade abstracta de que o direito invocado pudesses ser, ou pudesse ter sido exercido, por outra via (…).» c) Defendeu: “Procurando concatenar todos estes ensinamentos, diremos que o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa não pode ser entendido de forma absoluta, mas também não pode ir ao ponto de permitir lançar mão daquele instituto perante o mero insucesso do meio de tutela específico utilizado, sob pena de se fazer letra morta do artigo 474.º do CC. Propendemos antes para a uma interpretação na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma meramente genérica”. d) Concluiu na conclusão IV do Sumário: “O referido princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa deve ser interpretado na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma absoluta ou meramente genérica”.