Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2689/19.8T8GMR-B.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EMBARGOS DE EXECUTADO
FUNDAMENTOS
ABUSO DE DIREITO
PRETENSÃO OFENSIVA DA BOA FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É de distinguir a exequibilidade extrínseca, que se reporta à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, da exequibilidade intrínseca, que diz respeito à validade ou eficácia do acto ou negócio incorporado no título e que tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda. A inexequibilidade extrínseca e intrínseca constituem fundamento de oposição à execução baseada em sentença nos termos do art. 729º nº 1 a) e e) do C.P.C. respectivamente.
II- A prestação exigível na acção executiva é aquela que, no momento da instauração da execução, se encontra vencida ou cujo vencimento se verifique com a interpelação, ainda que judicial (citação do executado), e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
III- Como fundamento de oposição à execução nos termos do art. 729º g) do C.P.C. apenas podem ser invocados factos modificativos e extintivos da obrigação que sejam objectivamente supervenientes e não factos que, sendo anteriores, apenas se teve conhecimento depois das alegações orais na acção declarativa.
IV- Tendo sido proferida sentença transitada em julgado que condenou a executada a entregar determinados documentos na Câmara Municipal e ainda na sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso nessa entrega, não obstante num momento anterior a exequente ter diligenciado pela obtenção de tais documentos e tê-los entregue (sendo que nenhuma das partes informou disso a acção declarativa), aquela exerce abusivamente o direito de instaurar acção executiva com tal título executivo tanto mais que o faz mais de 4 anos depois daquele trânsito.
V- Não se tendo provado que a exequente tenha, com dolo ou com negligência grosseira, deduzido pretensão executiva cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que tivesse feito do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal não é de condenar a mesma como litigante de má fé.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada, em 01/05/2019, por X – Gestão de Bens Móveis e Imóveis, S.A. contra Y – Construções Imobiliárias e Turísticas, S.A., cujo título executivo é a sentença proferida em 15/07/2014 no Proc. nº 477/07.3TCGMR e cujo valor é de € 208.625,00, veio esta deduzir a presente oposição à execução mediante embargos de executado pedindo que se declare extinta a execução e se condene a exequente como litigante de má fé em multa e indemnização em valor idêntico ao da quantia exequenda.

Para tanto, alegou, em síntese, que pela sentença supra referida foi a embargante condenada, entre outros:

- a praticar todos os actos necessários ao total e definitivo licenciamento camarário da obra;
- a entregar na Câmara Municipal ... os documentos identificados em 1.43 e que são os melhor descritos no artigo 246.º da douta contestação (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
- e a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 125,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de entrega dos documentos referida em c).
Mais alega que, após ter sido notificada da sentença, constatou que, em data anterior à mesma, o processo de licenciamento se encontrava devidamente instruído, não havendo mais documentos a juntar, ficando convencida de que mais nada teria de fazer para dar cumprimento à sentença. As suas obrigações encontravam-se cumpridas em data anterior à realização da 1ª audiência de discussão e julgamento ocorrida em 23/04/2014 sendo que a exequente não deu conhecimento ao tribunal de tal circunstância pelo que foi proferida uma sentença inexequível.
Por fim, refere que exequente litiga com má fé, devendo ser condenada em multa e indemnização em igual valor ao da quantia exequenda.
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Os embargos foram liminarmente recebidos.
Notificada a exequente esta contestou dizendo, em síntese, o seguinte:
Encontra-se transitada a sentença dada à execução, a qual está investida de força de caso julgado, sendo a sentença exequível.
Alega ainda que, no decurso das declarações prestadas pelo legal representante da embargante na audiência de julgamento, o mesmo admitiu que a obra não estava licenciada, tendo resultado provado, na referida sentença dada à execução que o alvará não foi levantado “por falta do pagamento acordado pela Ré à Autora, por haver alterações ao projecto e desfasamento em relação aos limites do terreno”, como alegado no artigo 52º da réplica oferecida pela embargante, sendo que a embargante só cumpriu a obrigação imposta pela sentença em 09/05/2019.
Mais alega que a embargante pretende nos presentes embargos discutir factos que devia ter alegado na acção declarativa, fosse na réplica ou em articulado superveniente, não se verificando a previsão da al. g) do artigo 729º do C.P.C..
Termina requerendo a improcedência da oposição à execução mediante embargos de executado.
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Procedeu-se a audiência prévia, na qual o tribunal pediu o Proc. nº 477/07.3TCGMR para consulta.
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Em 22/11/2019 foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos em parte:
“Pelo exposto, julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedente, ordenando o prosseguimento da acção executiva apensa. (…)”
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Não se conformando com esta sentença veio a embargante/executada dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“Primeira - A simples leitura das decisões proferidas nas alíneas c) e d) da douta sentença exequenda revela que o prazo para a prestação da entrega dos documentos referidos na alínea c) não está determinado no título executivo.
Segunda - O cumprimento da obrigação de entrega dos documentos, decretada na alínea c) da douta sentença exequenda, não é de execução imediata e instantânea; as partes não acordaram na determinação dum prazo para o cumprimento desta obrigação; e a fixação desse prazo é deferida ao tribunal, como dispõe o n.º 2 do art.º 777.º do Código Civil.
Terceira - A ora Recorrida tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da prestação decretada na alínea c) da douta sentença exequenda, nos termos do disposto na primeira parte do n.º 1 do art.º 777.º do Código Civil, mas não exigiu nem interpelou a ora Recorrente, por qualquer meio, para a cumprir e, nomeadamente: i) não instaurou o processo de execução para prestação de facto e fixação do prazo para a prestação, pelo juiz, nos termos do disposto nos art.ºs 874.º e 875.º do Código de Processo Civil, ii) nem requereu a fixação judicial de prazo para cumprimento dessa obrigação, nos termos do disposto nos art.ºs 1026.º e 1027.º do mesmo Código.
Quarta - Não estando determinado, na douta sentença exequenda, o prazo para o cumprimento da prestação da obrigação da alínea c), nem tendo sido fixado o prazo para o seu cumprimento, a ora Recorrente pode a todo o tempo exonerar-se dessa obrigação, nos termos do disposto na segunda parte do n.º 1 do art.º 777.º do Código Civil.
Quinta - No dia 9 de Maio de 2019, a ora Recorrente, para cumprimento formal das obrigações da alínea c) da sentença exequenda e por mera cautela, procedeu à entrega dos seguintes documentos, na Câmara Municipal ..., para juntar ao processo de licenciamento urbanístico n.º ...:
a) Apólice de Seguro que cobre a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho;
b) Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra, e Declaração da Ordem dos Engenheiros;
c) Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou título de registo de actividade, e Alvará de Empreiteiro;
cfr. Fundamentação de facto da sentença recorrida, 23), 24), 25) e 26)
Sexta - Em suma, salvo o devido respeito e melhor opinião, não ocorreu, in casu, qualquer situação de incumprimento nem de atraso no cumprimento da obrigação prescrita na alínea c) da douta sentença exequenda.
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Sétima - Da economia das normas dos artigos 874.º, 875.º, e n.º 1 do art.º 868.º, todos do Código de Processo Civil resulta, claramente que:

I: - O meio próprio para o credor obter o cumprimento coercivo da prestação de facto, cujo prazo para a sua prestação não esteja determinado no título executivo, e a indemnização devida pelo seu incumprimento, é o processo de execução para prestação de facto regulado nos art.ºs 874.º e 875.º do Código de Processo Civil;
II: - O processo inicia-se pelo procedimento preliminar para determinação do prazo para a prestação, a fixar pelo juiz, nos termos do disposto no art.º 875.º do CPC –
III: - e se o devedor não prestar o facto dentro do prazo fixado pelo Juíz, o credor pode requerer liquidação da indemnização moratória e o pagamento da sanção pecuniária compulsória em que o devedor tenha já sido condenado;
IV: - A fixação do prazo para a prestação, pelo Juíz, é um acto da tramitação processual com influência decisiva para o desfecho da acção, pois dele depende o prosseguimento da própria acção.
- Neste sentido, v. o Ac. do TRG de 30-05-2018, Proc. n.º 429/14.7T8CHV-A.G1; o Ac. do TRG de 07-011-2019, Processo n.º 1027/12.5TTBRG-D.G1; e o Ac. do TRP de 20-05-2013, Proc. n.º 606/06.4TBARC-D.P1, todos disponíveis através do sítio www.dgsi.pt, e cujos sumários foram transcritos supra no ponto II.2 das presentes Alegações.
Oitava - A Exequente, ora Recorrida, além de não ter exigido o cumprimento nem interpelado a ora Recorrente, por qualquer meio, para cumprir a obrigação da entrega dos documentos referidos na alínea c) da sentença exequenda, nem ter dado cumprimento ao disposto nos art.ºs 874.º e 875.ºdo Código de Processo Civil, também não deu cumprimento ao disposto nos art.ºs 713.º e n.º 1 do art.º 715.º, do mesmo Código.
Nona – O processo de execução para pagamento de quantia certa não é meio legal idóneo para determinar a data do vencimento e a exigibilidade da obrigação de prestação de facto decretada na alínea c) da sentença exequenda, nem para liquidar o valor da sanção pecuniária compulsória fixada na al. d) para o atraso no cumprimento dessa obrigação.
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Décima - A sentença exequenda não é título executivo suficiente para fundamentar a presente execução para pagamento da quantia certa de € 208.625,00, e por tais motivos, a meritíssima Juíz devia indeferir liminarmente o requerimento executivo, ou rejeitar oficiosamente a execução, por ser manifesta a insuficiência do título, ao abrigo do disposto nos art.ºs 726.º, n.º 2, alínea a) e art.º 734.º do C.P.C. - Neste sentido, v. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07-11-2019 – Processo 1027/12.5TTBRG-D.G.
Décima primeira - A meritíssima Juíz também não fixou o prazo para o cumprimento da obrigação decretada na alínea c) da douta sentença exequenda, violando, assim, o disposto no n.º 1 do art.º 875.º do C. P.C.; e o incumprimento deste dispositivo legal determina a nulidade da execução iniciada pelas diligências de penhora com vista ao pagamento da quantia liquidada no requerimento executivo - Neste sentido, v. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07-11-2019 – Processo 1027/12.5TTBRG-D.G.
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Décima segunda - A sentença exequenda, de condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória diária de € 125,00, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de prestação de facto da alínea c), só constitui título executivo após a liquidação da obrigação no processo declarativo, como dispõe o n.º 6 do art.º 704.º do Código de Processo Civil, a qual depende da prévia fixação do prazo para a prestação da alínea c), pelo juíz, no procedimento preliminar do processo de execução para prestação de facto regulado nos art.ºs 874.º e 875.º do Código de Processo Civil, e da verificação judicial do não cumprimento da obrigação da prestação do facto, dentro do prazo fixado pelo Juíz, procedimentos que não foram seguidos nem observados, “in casu”, e daí, a inexequibilidade da sentença exequenda.
Décima terceira – O que está em causa, “in casu”, é o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda, ou seja, o atraso e o incumprimento da obrigação decretada na alínea c) da respectiva sentença, que é posterior e não está certificado na própria sentença, e tem de ser verificado, judicialmente, no processo de execução para prestação de facto regulado nos art.ºs 874.º e 875.º do Código de Processo Civil.
Décima quarta - E não estando certificada a obrigação exequenda na sentença dada à execução, daí decorre também a sua inexequibilidade, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos art.ºs 726.º, n.º 2, alínea a) e 734.º n.º 1 do CPC, como foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos doutos acórdãos proferidos no processo 309/16.1T8OVR-B.P1.S1 de 12-07-2018, e no processo 312-H/2002.P1.S1 de 30-04-2015.
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Décima quinta - A ora Recorrida não impugnou qualquer um dos factos alegados na Oposição à Execução e, para além disso, os factos alegados nas diversas alíneas dos art.ºs 6.º e 11.º e nos art.ºs 12.º, 13.º e 14.º estão provados pelas certidões juntas com o respectivo articulado como documentos n.ºs 2 a 9; e foram praticados e ou obtidos pela própria Exequente, depois das datas das comunicações que trocou com a Executada, referidas em 114, 115, 116, 117, 118, 119 e 120 dos factos provados da sentença exequenda, e antes da data da primeira sessão da audiência de julgamento do processo principal, que teve lugar no dia 23-04-2014.
Décima sexta - A ora Recorrente só teve conhecimento dos factos alegados nas diferentes alíneas dos art.ºs 6.º e 11.º da Oposição à Execução, quando se deslocou à Câmara Municipal ... para dar cumprimento à douta sentença exequenda, e aí foi informada, pelo Director do (DOP), de que o Alvará de Licença de Construção já havia sido entregue e o processo de licenciamento estava devidamente instruído, não havendo mais documentos a juntar, como, aliás, alegou no art.º 7.º do mesmo articulado e a Exequente não impugnou.
Décima sétima - A apresentação dos documentos mencionados na alínea c) da parte dispositiva da douta sentença exequenda destinava-se, exclusivamente, a instruir o processo de licenciamento camarário para permitir a entrega, à ora Recorrida, do Alvará de Licença de Construção n.º 29/08, emitido em seu nome, no dia 8 de Janeiro de 2008, e cuja entrega dependia também de actos que só a dona da obra, ora Recorrida, podia praticar e comprovar perante a Câmara Municipal ..., nomeadamente, i) efectuar o pagamento das taxas municipais; ii) corrigir, em obra, os desvios ao projecto aprovado; iii) resolver os litígios com os vizinhos relacionados com o direito de propriedade do prédio.
Décima oitava - E tanto assim é que, a Câmara Municipal ... só entregou o Alvará de Licença de Construção n.º 29/08, à ora Recorrida, na sequência da informação prestada pelo Director de Obras Particulares, eng.º N. P., no dia 10-11-2008, em que salientou, especificadamente:

SITUAÇÃO ACTUAL
1 - Em 4.11.2008, a AMAVE envia à Câmara uma cópia do Acordo estabelecido com a requerente, “normalizando a situação referente aos limites do prédio”.
2 - Em face deste acordo, poderá ser entregue à requerente, o alvará de licença de construção
- V. certidão junta com a Oposição à Execução como doc. n.º 5 -
Décima nona - A entrega do Alvará de Licença de Construção n.º 29/08 deu plena satisfação ao interesse da credora, ora Recorrida, e tornou impossível a prestação das alíneas c) e d) do respectivo pedido reconvencional, impossibilidade que é objectiva e definitiva.
“A principal consequência da impossibilidade (superveniente) da prestação não imputável ao devedor é a extinção da obrigação, perdendo o credor o direito de exigir a prestação e não tendo, por conseguinte, direito à indemnização dos danos provenientes do não cumprimento. Efeito que se verifica, quer a impossibilidade provenha de facto do credor ou de terceiro, quer resulte de caso fortuito ou da própria lei”. - V. Professor Doutor João de Matos Antunes Varela, in “Das obrigações em geral”, 5.ª edição, ALMEDINA. Coimbra, Vol. II, página 80 -.
Vigésima - 1. O cumprimento da obrigação, pelo credor, no decurso da acção declarativa, determina a impossibilidade (superveniente) da prestação por facto não imputável ao devedor e, consequentemente, a extinção da obrigação.
2. A obrigação extinta não renasce por virtude de sentença de condenação posterior ao seu cumprimento que não foi levado ao conhecimento do Tribunal que a decretou.
Vigésima primeira - A norma do art.º 621.º do CPC deve ser interpretada no sentido de que a eficácia do “caso julgado” cobre os factos que foram levados ao conhecimento do Tribunal, sem prejuízo da eficácia dos actos extintivos da obrigação que não foram levados ao seu conhecimento.
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Vigésima segunda - A meritíssima Juíz não conheceu e deu como não provados os factos alegados na Oposição à Execução, incluindo os factos certificados pela Câmara Municipal ... e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, apesar de não terem sido impugnados pela Exequente, violando, assim, o disposto nos art.º 371.º do Código Civil e 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Vigésima terceira - O conhecimento, pelo executado, do facto extintivo da obrigação, depois do encerramento da discussão no processo declarativo - superveniência subjectiva - pode e deve ser equiparado à superveniência objectiva, para efeitos do disposto na alínea g) do art.º 729.º do Código de Processo Civil, que corresponde, inteiramente, à anterior redacção da alínea g) do art.º 813.º do mesmo diploma. - Neste sentido V. Professor Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular - LEX Lisboa 1998, páginas 169, com transcrição em V.7 “supra” das presentes Alegações.
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Vigésima quarta - Caso se entenda que a falta de conhecimento pelo Tribunal a quo dos factos alegados nas diferentes alíneas do art.º 6.º e do art.º 11.º, e nos art.ºs 12.º a 24.º, inclusive da Oposição à Execução, nos termos alegados supra no Ponto V das presentes Alegações e nas Conclusões Vigésima segunda e Vigésima terceira, que antecedem, não constitui omissão de pronúncia, então, deve essa impugnação assumir a natureza de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por esses factos não terem sido incluídos no elenco dos factos provados.
Vigésima quinta - Os factos alegados nas diferentes alíneas do art.º 6.º e do art.º 11.º, e nos art.ºs 12.º a 24.º, inclusive da Oposição à Execução, praticados e ou obtidos pela ora Recorrida, e dos quais, a ora Recorrente só teve conhecimento após o trânsito em julgado da sentença exequenda, estão provados pelas certidões emitidas pela Câmara Municipal ... e pela Autoridade Tributária e Aduaneira, juntas como Docs. n.os 01 a 09 com a Oposição à Execução, pelo que a decisão sobre a matéria de facto que determinou a sua não inclusão nos factos provados deve ser revogada e substituída por outra que os inclua no elenco desses factos.
Vigésima sexta - Sem prescindir, dos factos referidos na conclusão anterior, decorre a impossibilidade objetiva e definitiva de cumprimento da prestação da alínea c) da sentença exequenda, porque já foram produzidos e não podem ser repetidos os actos administrativos da emissão e entrega do Alvará de Licença de Construção a que aquela prestação, exclusivamente, se destinava, e cujos efeitos perduram e se mantêm, desde então e mesmo depois do trânsito em julgado da sentença exequenda.
Vigésima sétima - Assim, a decisão da não inclusão dos factos alegados nas diferentes alíneas do art.º 6.º e do art.º 11.º, e nos art.ºs 12.º a 24.º, inclusive da Oposição à Execução, nos factos provados, deve ser revogada e substituída por outra que, pelo menos, julgue esses factos parcialmente provados, no sentido de que, pelo menos a partir da data do encerramento da discussão no processo de declaração, se encontram depositados na Câmara Municipal ... os documentos referidos na alínea c) da sentença exequenda e que, pelo menos a partir dessa data, a Exequente, ora Recorrida, tinha e tem na sua posse o Alvará de Licença de Construção n.º 29/08.
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Vigésima oitava - A ora Recorrida não alegou nem deu conhecimento, ao Tribunal, dos factos mencionados na conclusão anterior, como estava obrigada, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 5.º; n.º 1 do art.º 7.º: e art.º 8.º do Código de Processo Civil. E se tivesse cumprido tais obrigações, o Tribunal teria declarado a extinção da instância quanto aos pedidos das alíneas c), d) e e) da Reconvenção, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do art.º 277.º do Código de Processo Civil.
Vigésima nona - Além disso, a ora Recorrida veio reclamar o pagamento da quantia de € 208.625,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por alegado incumprimento da obrigação decretada na alínea c) da douta sentença exequenda, sem nunca ter interpelado a ora Recorrente para a cumprir, e apesar de ter obtido a entrega do Alvará de Licença de Construção n.º 29/08, vários anos antes de ter sido proferida a própria sentença, de que resultou a impossibilidade e o desaparecimento do seu próprio interesse da prestação.
Trigésima - O descrito comportamento processual da ora Recorrida, é profundamente reprovável e inadmissível e integra a previsão de todas as alíneas do n.º 2 do art.º 542.º do Código do Processo Civil pelo que constitui da parte daquela, evidente litigância de má fé, o que impõe a sua condenação em multa e indemnização, cujo montante não deverá ser inferior ao que ela própria pede ilicitamente contra a aqui Recorrente, acrescendo ainda o que, em incidente de liquidação, vier a apurar-se como despesas desta com honorários de advogado e encargos judiciais.
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Trigésima primeira - A sentença recorrida viola e ou não faz correcta interpretação e aplicação das normas dos artigos 371.º e 777.º do Código Civil, e artigos 5.º, 7.º, 8.º, 277.º, alínea e), 542.º, 574.º, n.º 2, 704.º, n.º 6, 713.º, 715.º, 726.º, n.º 2, alínea a), 729.º, alínea g), 734.º, 868.º, 874.º, 875.º, 1026.º e 1027.º do Código de Processo Civil.”
Pugna pela revogação da sentença recorrida e pela procedência da oposição mediante embargos.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (sendo certo que a execução se mostra suspensa em face da prestação de caução).
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Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia;
B) Se ocorreu erro de apreciação da matéria de facto;
C) E se ocorreu erro de direito.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. Por sentença proferida no dia 15/07/2014, na acção de processo ordinário nº 477/07.3TCGMR da 2ª Vara das Varas de Competência Mista de Guimarães, a executada foi condenada, entre o mais:
2. “c) a entregar na Câmara Municipal ... os documentos identificados em I.43 e que são os melhores descritos no artigo 246º da douta contestação (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
3. d) a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 125.00 (cento e vinte e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação da entrega dos documentos referida em c)..”
4. Esses documentos são:
- Apólice de seguro, que cubra a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho;
- Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra e Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou Título de registo na actividade.
5. A referida sentença foi notificada à exequente e à executada no dia 15/07/2014.
6. A executada não recorreu dessa sentença.
7. Dessa sentença apenas recorreu de apelação a exequente para o Tribunal da Relação de Guimarães e cujo recurso não teve por objecto as decisões condenatórias descritas supra.
8. A executada interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, e cujo recurso não teve por objecto as decisões condenatórias descritas supra.
9. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 08/09/2015, transitado em julgado no dia 24/09/2015, negou a revista e confirmou o acórdão recorrido.
10. As decisões condenatórias descritas em 2º supra transitaram em julgado no dia 30/09/2014.
11. Consta dos factos provados na sentença dada à execução, entre o mais:
12. Por oficio de 9 de Agosto de 2007 da Câmara Municipal ..., a Ré (exequente) foi notificada, que o pedido de licenciamento de construção da obra empreitada tinha de sido deferido e, ainda, que devia apresentar os elementos indicados no art° 3° da Portaria nº 1105/2001 de 18 de Setembro, para efeitos de emissão e entrega do Alvará de Licença de Construção, tudo nos termos dessa notificação junta a fls. 365 e ss. que aqui se dá por reproduzida – alínea UU. dos F.A. – artigo 43º dos factos provados.
13. A obra não tem Alvará de Licença de Construção, emitido e entregue pela Câmara Municipal ..., apesar de a Ré (exequente) ter pago, em 27 de Dezembro de 2007, as respectivas taxas de € 17.509,91, para efeitos da sua emissão e entrega em conformidade com o documento junto a fls. 349 que aqui se dá por reproduzido – resposta ao artº. 76º da B.I. – artigo 112º dos factos provados.
14. É a Autora (executada) que tem os elementos referidos em 43., competindo-lhe apresentá-los ou exibi-los para emissão e entrega do Alvará de Licença de Construção – resposta ao artº. 77º da B.I. – artigo 113º dos factos provados.
15. Por fax de 03/09/2007, que às 14H08m a Ré enviou à A. e que a A. recebeu, a Ré enviou-lhe cópia do documento junto a fls. 365, relativo ao deferimento do pedido de licença de construção e solicitou à A., que indicasse dia e hora para se encontrar com ela na Câmara Municipal ... e apresentar os documentos necessários, conforme se vê desse fax junto a fls. 369, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais – resposta ao artº. 78º da B.I. - – artigo 114º dos factos provados.
16. A Ré respondeu por carta registada junta a fls.372, datada de 28/09/2007, que com aviso de recepção a Ré enviou à A. em 01/10/2007 e que a A. recebeu no dia seguinte, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, referindo que o valor da dita factura não era devido; que os restantes valores não tinham sido aceites antes e as respectivas facturas tinham sido devolvidas; que devia concluir a empreitada e corrigir os defeitos para lhe ser efectuado o pagamento; que a haver divergência entre a fachada do edifício e o projecto a responsabilidade era dela A. e que o deferimento do processo de licenciamento ficara condicionado, apenas, ao eficiente escoamento das águas pluviais, que era da responsabilidade dela A. – resposta ao artº. 81º da B.I. - – artigo 117º dos factos provados.
17. E essa carta insistiu com a A. para que procedesse à entrega, na Câmara Municipal ..., do seu alvará e da apólice de seguro para se levantar a licença de construção e advertiu-a, que a responsabilizaria pelos danos daí emergentes – resposta aos artºs. 82º e 83º da B.I. – artigo 118º dos factos provados.
18. Por carta registada com aviso de recepção de 17 de Dezembro de 2007, que a A. recebeu no dia seguinte, junta a fls. 377 que aqui se dá por reproduzidos para todos os efeitos legais, a Ré notificou a A. para, entre as 10 e as 11 horas, do dia 27 desse mês de Dezembro, comparecer na Câmara Municipal ... para fazer entrega dos elementos referidos – resposta ao artº. 84º da B.I. - – artigo 119º dos factos provados.
19. E, ainda, comunicou à A., que havia sido notificada pela Câmara Municipal ... do levantamento de auto de contra – ordenação por falta do alvará de licença de construção e da incorrência em demolição da obra, realizada e não concluída pela A. – resposta ao artº. 85º da B.I.- – artigo 120º dos factos provados.
20. No referido dia 27 de Dezembro de 2007, a A. não compareceu naquela Câmara, nem fez entrega dos mencionados elementos documentativos e o Alvará de Licença de Construção não foi entregue à Ré – resposta ao artº. 86º da B.I.- – artigo 121º dos factos provados.
21. Foi a Autora que ficou incumbida de obter o respectivo licenciamento camarário – resposta ao artº. 4º da B.I.- – artigo 121º dos factos provados.
22. Consta do artigo 58º da réplica, apresentada em Juízo pela executada em 16/05/2008, que relativamente aos documentos referidos nos artigos 271º, 275º, 278º da reconvenção estes não foram entregues porque a autora concluiu a obra, estando a ré a ocupar o respectivo pavilhão, mas até hoje a mesma não se encontra paga.
23. No dia 9 de Maio de 2019, o Município ..., certificou que nessa data a Y – Construções, SA “procedeu à entrega nesta Câmara Municipal e para juntar ao processo de licenciamento urbanístico nº ..., em nome de X – Gestão de Bens Móveis e Imóveis, SA, dos elementos que se anexam e ficam a fazer parte integrante da presente certidão”, conforme certidão junta na execução apensa a fls. , cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
24. Consta da referida certidão que é junta Apólice de Seguro que cobre a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.
25. Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra e declaração da Ordem dos Engenheiros.
26. Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou título de registo na actividade, e alvará de empreiteiro.
27. No processo identificado em 1º, cuja sentença é dada à execução, as alegações orais ocorreram em 30.06.2014.
*
Nenhum dos restantes factos alegados, com relevância para a decisão da causa, resultou provado, designadamente que em data anterior à primeira sessão da audiência de julgamento realizada no processo nº 477/07.3TCGMR, que correu os seus termos na 2º Vara das Varas de Competência Mista de Guimarães, já se encontravam cumpridas as obrigações impostas pela sentença na parte dada à execução.
*
A) Nulidade por omissão de pronúncia

Defende a apelante que o tribunal a quo não conheceu “dos factos alegados nas diferentes alíneas do art. 6º e do art. 11º, e nos art. 12º a 24º, inclusive da Oposição à Execução”.
A apelada pronunciou-se dizendo que na sentença recorrida os mencionados factos constam da matéria de facto não provada e que tendo ocorrido antes das alegações orais (30/06/2009) foram objecto de apreciação ao não ter sido julgado verificado o fundamento de oposição previsto no art. 729º g) do C.P.C..

Vejamos.

Nos termos do art. 615º do C.P.C.“1. É nula a sentença quando: (…)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento; (…)”

O vício de omissão ou de excesso de pronúncia incide sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C. - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
E questões são “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos pelas partes (…)” (Antunes Varela, in R.L.J., Ano 122, p. 112). São “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., p. 704).
Assim, tais questões não se confundem com argumentos, razões (de facto ou de direito) ou motivos invocados pelas partes em defesa ou reforço das suas posições.
Para que esta nulidade ocorra é necessário que se verifique omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada e não uma fundamentação deficiente.
Neste sentido, vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 28/02/2013 (João Bernando), in www.dgsi.pt, como todos os acórdãos que se venham a ser citados sem outra indicação de origem.
Ora, afigura-se-nos que o tribunal a quo pronunciou-se acerca dos pedidos deduzidos, causas de pedir (fundamentos de oposição à execução apresentados) e excepções invocadas e que sejam de conhecimento oficioso pelo que não se verifica qualquer omissão de pronúncia.
A matéria invocada consta como não provada atenta a referência genérica a este propósito feita na decisão recorrida. Ainda que assim não fosse, a não referência à mesma na matéria de facto provada e não provada não consubstancia omissão de pronúncia, mas um possível erro de julgamento da matéria de facto a apreciar noutra sede.

Pelo exposto, temos por não verificada a invocada nulidade.
*
B) Reapreciação da matéria de facto

Refere a apelante que, caso não se entenda que se verifica omissão de pronúncia, deve ter-se por impugnada a matéria de facto e a mencionada matéria deve passar a constar dos factos provados uma vez que resultam das certidões emitidas pela C.M. ... e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A apelada pronunciou-se dizendo que todos os mencionados factos ocorreram antes das alegações orais (30/06/2009) e que por isso não relevam nos termos e para os efeitos do disposto no art. 729º g) do C.P.C..

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas.
Uma vez que, no caso em apreço, ainda que de forma algo enviesada, a apelante assinala os pontos da matéria de facto não provada que considera incorrectamente julgados (art. 6º, art. 11º, art. 12º a 24º inclusive da oposição à execução), a decisão que deve ser proferida (os mesmos devem ser incluídos nos factos provados) e indica os concretos meios probatórios em que se baseia (documentos juntos na petição de embargos que não foram impugnados) inexiste fundamento de rejeição de recurso nesta parte.

- art. 6º, 11º a 24º da petição de embargos

Se é certo que, no que diz respeito ao art. 6º, a afirmação da executada de, depois de notificada da sentença, ter constatado que os documentos que era suposto entregar na Câmara já haviam sido entregues, a garantia cancelada, o alvará levantado, mostra-se expressamente impugnada pelo art. 50º da contestação, verifica-se que os documentos referidos constantes de certidões juntas aos autos não foram impugnados pela embargada, bem como os factos aí constantes.
O mesmo se diga dos documentos referidos e factos resultantes destes a que se alude no referido art. 11º.
Os art. 12º a 14º da petição não foram impugnados.
Já o alegado nos art. 15º a 19º não releva na medida em que é conclusivo e no caso do art. 19º também encerra matéria de direito.
O referido no art. 20º em parte mostra-se impugnado e em parte é matéria de direito. Já o alegado nos art. 21º a 24º é conclusivo e matéria de direito.
Além dos factos que resultam dos art. 6º, 11º a 14º da petição revela-se necessário, para melhor compreensão do conjunto de factos, aditar igualmente o alegado nos art. 9º a 10º da petição, que não foi impugnado e resulta do doc. nº 1 junto com esta.
E para cabal esclarecimento revela-se igualmente necessário aditar factos que resultam dos doc. nº 4 e 7 juntos com a contestação à oposição.
Tendo isto em consideração, por se relevarem úteis para a decisão da causa como se verá infra, procede-se ao aditamento, por ordem cronológica, à matéria de facto provada dos seguintes factos e à consequente correcção quanto aos factos não provados:

28. O pedido de licenciamento da obra empreitada respeita à ampliação do prédio sito no lugar ..., freguesia de ..., descrito na C.R. Predial ... sob o nº … e inscrito na matriz urbana da respectiva freguesia, sob o art. …, deu entrada no dia 19/05/2006, pelo registo nº 11488/06, foi integrado no Processo n.º ... da Câmara Municipal ... e foi deferido por despacho do dia 08/08/2007 (art. 9º da oposição).
29. Este deferimento foi notificado à X pelo ofício 9869/DPGU de 09/08/2007 onde se lê:
“Nos termos do nº 1 do art. 76º do Dec.-Lei nº 555/99, alterado pelo Dec.-Lei nº 177/01, deverá V.Exa. no prazo de I ano a contar da data da presente notificação, apresentar os elementos indicados no art.º 3 da Portaria 1105/01 de 18 de Setembro de 2001, para efeitos de emissão do Alvará da Licença de Construção. Nos termos da Tabela de Taxas e Regulamento Municipais, deverá V.Exa. proceder à liquidação da importância 17.509,92 Euros para levantamento da respectiva licença.” e mais adiante: “Nota 1 – O deferimento referido NÃO DÁ DIREITOS para iniciar a obra” (doc. nº 1 junto com a oposição) (art. 10º da oposição).
30. No dia 27/12/2007 a X requereu a emissão do alvará de licença da obra de ampliação a que respeita o processo nº ... e pagou as taxas respectivas no valor de € 17.509,91 (doc. 2 da oposição) (art. 11º da oposição).
31. No dia 08/01/2008 a C.M. ... emitiu o alvará de licença de construção nº 29/08 referente à ampliação do edifício de indústria com validade até 08/01/2010 (doc. nº 3 da oposição) (art. 11º da oposição).
32. No dia 15/01/2008 a C.M ... notificou a X para proceder à apresentação actualizada dos documentos da responsabilidade do empreiteiro/adjudicatário (alvará, declaração de seguro e declaração da responsabilidade do mesmo) sem o que não poderia levantar da respectiva licença (doc. nº 4 da oposição) (art. 11º da oposição).
33. Por requerimento apresentado no dia 25/01/2008 a X alude a documentos por si juntos a 14/12/2007 e juntou ao processo de licenciamento:
- a declaração de prova de seguro da Y, emitida pela W, S.A. no dia 24/01/2008;
- o alvará de construção da Y nº 2759, emitido pela MOPPI válido até 31-01-2008;
e requereu a entrega do alvará de licença de obras (doc. nº 4 da oposição) (art. 11º da oposição);
34. No dia 10/11/2008 o Director de Obras Particulares da C.M. ..., Engº N. P., prestou a seguinte informação no processo de licenciamento:
“INFORMAÇÃO0
ASSUNTO: Licenciamento de ampliação de edifício industrial
Requerente: “X - Gestão de móveis e Imóveis
Local: ...
1 - O 1.º pedido de licenciamento para o novo edifício junto da VIM, deu entrada em 11-02-2004, tendo sido rejeitado e arquivado.
2 - Um novo pedido de ampliação, deu entrada em 19-05-2006, diferente da ampliação inicialmente solicitada. Em aditamento a este requerimento é apresentado um novo, em 10-07-2006, no qual, a propósito da cedência de terreno para anexar à escola (pag.208 do processo) se diz que “a área será anexa à escola após aprovação do projecto”. Este projecto de arquitectura, foi aprovado, por despacho de 26-09-2006.
3 - Em 26-09-2006, foi requerida aprovação de escavações e construção periférica, a qual foi aprovada, por despacho do mesmo dia.
4 - Em 12-10-2006, são apresentados os projectos das especialidades.
5 - Em 13-11-2006, é notificada a requerente para esclarecer os limites da propriedade junto da VIM em face de indicações fornecidas pela AMAVE.
6 - Os serviços de Fiscalização, informaram em 15-11-2006, que as obras de ampliação do edifício industrial se encontram concluídas e ocupadas e que o muro de vedação e suporte de terras, confrontante com a via pública, não tem licença, pelo que foi levantado o respectivo auto.
7 - Em 3-04-2007, a AMAVE informa a Câmara de que poderá prosseguir com o processo de licenciamento, uma vez que tinha chegado a acordo com a X, sobre os limites do prédio desta e que, oportunamente, enviariam uma cópia desse acordo.
8 - Em face da informação da AMAVE, o pedido de licenciamento foi aprovado por despacho de 8-08-2007.
9 - Em 27-12-2007, a requerente solicita a emissão do alvará de licença e paga as taxas respectivas.
10 - Em 15-01-2008, a requerente é notificada para apresentar novos documentos (nomeadamente alvará, seguro e declaração do empreiteiro), a fim de poder ser emitido o alvará de licença.
11 - Em 18-01-2008, o técnico responsável pela direcção técnica da obra vem alertar a Câmara para a existência de irregularidades com os limites da propriedade, não estando a ser cumprido o eventual acordo celebrado com a AMAVE. Todavia, não retira o termo de responsabilidade pela referida direcção da obra.
12 - Em 25-01-2008, a AMAVE informa a Câmara que a requerente ocupou terrenos seus e solicita que a licença não seja concedida.
13 - Em 25-01-2008, vem a requerente responder à notificação e apresentar cópia dos documentos solicitados. Foi solicitada informação jurídica sobre os mesmos.
“SITUAÇÃO ACTUAL -
1 - em 4.11.2008, a AMAVE envia à Câmara uma cópia do Acordo estabelecido com a requerente, normalizando a situação referente aos limites do prédio.
2 - Em face deste acordo, poderá ser entregue à requerente, o alvará de licença de construção.” (doc. nº 5 da oposição) (art. 11º da oposição).
35. No dia 15/01/2009 a X solicitou à C.M.de … o cancelamento da garantia bancária nº 331.255 (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição).
36. No dia 30/01/2009 o arquitecto A. N. pronunciou-se sobre o pedido de cancelamento da garantia bancária e concluiu: - “Hoje, o projecto detém já licença, alvará de construção nº 29 de Janeiro de 2008, pelo que se julga poder ser aceite o pedido em causa” (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição).
37. No dia 03/02/2009 a C.M. ..., pelo ofício DOP/1218 av, Proc.º ..., comunicou
ao Banco ... que “a partir dessa data, poderá ser libertada a vossa Garantia Bancária n.º 331255, emitida em 13-12-2006, em nome da Firma X - GESTÃO DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS, S. A., até ao valor de 187.527,82 €, por terem sido devidamente ultrapassados os factores que a sustentaram” (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição) .
38. No dia 09/02/2009 o Banco ... comunicou à C.M.de … o cancelamento da Garantia Bancária (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição).
39. Em data não registada no processo de licenciamento foi entregue à X o alvará de licença nº 29/08 (doc. nº 7 da oposição) (art. 11º da oposição).
40. Na sequência de notificação pelas Finanças de 24/01/2014 a X apresentou em 14/02/2014 a declaração modelo I – IMI acompanhada, além do mais, do alvará de licença de construção nº 29/08 e respectivas plantas de arquitectura (doc. nº 8 da oposição) (art. 12º e 13º da oposição).
41. Em consequência dos documentos apresentado o prédio em causa, que estava inscrito sob o artigo …, passou a estar inscrito sob o artigo … da freguesia de ... (doc. nº 9 da oposição) (art. 14º da oposição).
42. J. A., representante legal da embargante e técnico responsável pela direcção técnica da obra, no processo nº ... da Câmara Municipal ..., em 27/04/2010 apresentou requerimento em que informou e declarou o seguinte:
“Em 18 de Janeiro de 2008, como técnico responsável pelo licenciamento de uma ampliação industrial em nome da firma: X – Gestão de Bens Móveis e Imóveis, S.A., V/processo nº ..., dei conhecimento à Câmara Municipal ..., de uma situação de irregularidade com os limites de propriedade no âmbito do processo com a Amave que entendia que não reunia as condições para ser entregue o alvará de construção. Constatou-se que a empresa X, S.A. levantou o alvará de construção com a entrega de documentos do empreiteiro – seguro e alvará – em 25 de Janeiro de 2008, registo nº 901/08, utilizando fotocópias, sem terem sido confirmadas pelos documentos originais. Nesta situação e verificando que continuam a ser executadas obras que desconheço, solicito que seja retirado o termo de responsabilidade pelo projecto e direcção de obra” (doc. nº 4 contestação à oposição) (sublinhado nosso).
43. No dia 11/04/2012, J. A., apresentou na C.M. ..., relativamente ao processo nº ... de licenciamento da obra e ao processo de fiscalização nº 534/06, exposição por si assinada no dia 12/03/2012 em que, nomeadamente, declarou:
“Em análise mais cuidada do processo 4508/06, feita recentemente, constatamos que: A licença foi emitida antes do acordo do limite do terreno com a AMAVE. Foram utilizadas fotocópias do alvará e seguro, sendo que, a do alvará foi tirada dum processo de arquivo; é possível ver as marcas dos furos das argolas das pastas; a fotocópia do seguro é falsa. A declaração do técnico, foi utilizada a que tinha sido emitida para a licença da estrutura, em 2006.
A X é ré num processo litigioso de que é autora Y – Construções Imobiliárias e Turísticas, S.A., a empresa que construiu o edifício. A partir de Abril de 2007, por falta de sucessivas a empresa X, que ocupou o edifício construído e não cumpriu o que estava contratualizado, nem justificou com os documentos necessários os limites do terreno, conforme tinha prometido, de forma a corrigir os elementos do projecto, foi decidido pela empresa Y não ceder os documentos necessários ao levantamento da licença, enquanto não fosse regularizada a situação e por isso não facultou o Alvará de Construção e a Declaração de Seguro, pelo que não podia dispor de documentos oficiais e autênticos” (doc. nº 7 da contestação à oposição) (sublinhado nosso).
*
Por uma questão metodológica passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada de acordo com o decidido nesta instância:

1. Por sentença proferida no dia 15/07/2014, na acção de processo ordinário nº 477/07.3TCGMR da 2ª Vara das Varas de Competência Mista de Guimarães, a executada foi condenada, entre o mais:
2. “c) a entregar na Câmara Municipal ... os documentos identificados em I.43 e que são os melhores descritos no artigo 246º da douta contestação (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
3. d) a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 125.00 (cento e vinte e cinco euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação da entrega dos documentos referida em c).”
4. Esses documentos são:
- Apólice de seguro, que cubra a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho;
- Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra e Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou Título de registo na actividade.
5. A referida sentença foi notificada à exequente e à executada no dia 15/07/2014.
6. A executada não recorreu dessa sentença.
7. Dessa sentença apenas recorreu de apelação a exequente para o Tribunal da Relação de Guimarães e cujo recurso não teve por objecto as decisões condenatórias descritas supra.
8. A executada interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, cujo recurso não teve por objecto as decisões condenatórias descritas supra.
9. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 08/09/2015, transitado em julgado no dia 24/09/2015, negou a revista e confirmou o acórdão recorrido.
10. As decisões condenatórias descritas em 2 supra transitaram em julgado no dia 30/09/2014.
11. Consta dos factos provados na sentença dada à execução, entre o mais:
12. Por oficio de 9 de Agosto de 2007 da Câmara Municipal ..., a Ré (exequente) foi notificada, que o pedido de licenciamento de construção da obra empreitada tinha de sido deferido e, ainda, que devia apresentar os elementos indicados no art° 3° da Portaria nº 1105/2001 de 18 de Setembro, para efeitos de emissão e entrega do Alvará de Licença de Construção, tudo nos termos dessa notificação junta a fls. 365 e ss. que aqui se dá por reproduzida – alínea UU. dos F.A. – artigo 43º dos factos provados.
13. A obra não tem Alvará de Licença de Construção, emitido e entregue pela Câmara Municipal ..., apesar de a Ré (exequente) ter pago, em 27 de Dezembro de 2007, as respectivas taxas de € 17.509,91, para efeitos da sua emissão e entrega em conformidade com o documento junto a fls. 349 que aqui se dá por reproduzido – resposta ao artº. 76º da B.I. – artigo 112º dos factos provados.
14. É a Autora (executada) que tem os elementos referidos em 43, competindo-lhe apresentá-los ou exibi-los para emissão e entrega do Alvará de Licença de Construção – resposta ao artº. 77º da B.I. – artigo 113º dos factos provados.
15. Por fax de 03/09/2007, que às 14H08m a Ré enviou à A. e que a A. recebeu, a Ré enviou-lhe cópia do documento junto a fls. 365, relativo ao deferimento do pedido de licença de construção e solicitou à A., que indicasse dia e hora para se encontrar com ela na Câmara Municipal ... e apresentar os documentos necessários, conforme se vê desse fax junto a fls. 369, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais – resposta ao artº. 78º da B.I. – artigo 114º dos factos provados.
16. A Ré respondeu por carta registada junta a fls. 372, datada de 28/09/2007, que com aviso de recepção a Ré enviou à A. em 01/10/2007 e que a A. recebeu no dia seguinte, que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, referindo que o valor da dita factura não era devido; que os restantes valores não tinham sido aceites antes e as respectivas facturas tinham sido devolvidas; que devia concluir a empreitada e corrigir os defeitos para lhe ser efectuado o pagamento; que a haver divergência entre a fachada do edifício e o projecto a responsabilidade era dela A. e que o deferimento do processo de licenciamento ficara condicionado, apenas, ao eficiente escoamento das águas pluviais, que era da responsabilidade dela A. – resposta ao artº 81º da B.I. – artigo 117º dos factos provados.
17. E essa carta insistiu com a A. para que procedesse à entrega, na Câmara Municipal ..., do seu alvará e da apólice de seguro para se levantar a licença de construção e advertiu-a, que a responsabilizaria pelos danos daí emergentes – resposta aos artºs. 82º e 83º da B.I. – artigo 118º dos factos provados.
18. Por carta registada com aviso de recepção de 17 de Dezembro de 2007, que a A. recebeu no dia seguinte, junta a fls. 377 que aqui se dá por reproduzidos para todos os efeitos legais, a Ré notificou a A. para, entre as 10 e as 11 horas, do dia 27 desse mês de Dezembro, comparecer na Câmara Municipal ... para fazer entrega dos elementos referidos – resposta ao artº. 84º da B.I. – artigo 119º dos factos provados.
19. E, ainda, comunicou à A., que havia sido notificada pela Câmara Municipal ... do levantamento de auto de contra – ordenação por falta do alvará de licença de construção e da incorrência em demolição da obra, realizada e não concluída pela A. – resposta ao artº. 85º da B.I.– artigo 120º dos factos provados.
20. No referido dia 27 de Dezembro de 2007, a A. não compareceu naquela Câmara, nem fez entrega dos mencionados elementos documentativos e o Alvará de Licença de Construção não foi entregue à Ré – resposta ao artº. 86º da B.I.– artigo 121º dos factos provados.
21. Foi a Autora que ficou incumbida de obter o respectivo licenciamento camarário – resposta ao artº. 4º da B.I. – artigo 121º dos factos provados.
22. Consta do artigo 58º da réplica, apresentada em Juízo pela executada em 16/05/2008, que relativamente aos documentos referidos nos artigos 271º, 275º, 278º da reconvenção estes não foram entregues porque a autora concluiu a obra, estando a ré a ocupar o respectivo pavilhão, mas até hoje a mesma não se encontra paga.
23. No dia 09/05/2019 o Município ... certificou que nessa data a Y – Construções, SA “procedeu à entrega nesta Câmara Municipal e para juntar ao processo de licenciamento urbanístico nº ..., em nome de X – Gestão de Bens Móveis e Imóveis, SA, dos elementos que se anexam e ficam a fazer parte integrante da presente certidão”, conforme certidão junta na execução apensa a fls. , cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
24. Consta da referida certidão que é junta Apólice de Seguro que cobre a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.
25. Termo assinado pelo técnico responsável pela direcção técnica da obra e declaração da Ordem dos Engenheiros.
26. Declaração de titularidade de classificação de industrial de construção civil ou título de registo na actividade e alvará de empreiteiro.
27. No processo identificado em 1 cuja sentença é dada à execução, as alegações orais ocorreram em 30/06/2014.
-
28. O pedido de licenciamento da obra empreitada respeita à ampliação do prédio sito no lugar ..., freguesia de ..., descrito na C.R. Predial ... sob o nº … e inscrito na matriz urbana da respectiva freguesia, sob o art. …, deu entrada no dia 19/05/2006, pelo registo nº 11488/06, foi integrado no Processo n.º ... da Câmara Municipal ... e foi deferido por despacho do dia 08/08/2007 (art. 9º da oposição).
29. Este deferimento foi notificado à X pelo ofício 9869/DPGU de 09/08/2007 onde se lê:
“Nos termos do nº 1 do art. 76º do Dec.-Lei nº 555/99, alterado pelo Dec.-Lei nº 177/01, deverá V.Exa. no prazo de I ano a contar da data da presente notificação, apresentar os elementos indicados no art.º 3 da Portaria 1105/01 de 18 de Setembro de 2001, para efeitos de emissão do Alvará da Licença de Construção. Nos termos da Tabela de Taxas e Regulamento Municipais, deverá V.Exa. proceder à liquidação da importância 17.509,92 Euros para levantamento da respectiva licença.” e mais adiante: “Nota 1 – O deferimento referido NÃO DÁ DIREITOS para iniciar a obra” (doc. nº 1 junto com a oposição) (art. 10º da oposição).
30. No dia 27/12/2007 a X requereu a emissão do alvará de licença da obra de ampliação a que respeita o processo nº ... e pagou as taxas respectivas no valor de € 17.509,91 (doc. 2 da oposição) (art. 11º da oposição).
31. No dia 08/01/2008 a C.M. ... emitiu o alvará de licença de construção nº 29/08 referente à ampliação do edifício de indústria com validade até 08/01/2010 (doc. nº 3 da oposição) (art. 11º da oposição).
32. No dia 15/01/2008 a C.M ... notificou a X para proceder à apresentação actualizada dos documentos da responsabilidade do empreiteiro/adjudicatário (alvará, declaração de seguro e declaração da responsabilidade do mesmo) sem o que não poderia levantar da respectiva licença (doc. nº 4 da oposição) (art. 11º da oposição).
33. Por requerimento apresentado no dia 25/01/2008 a X alude a documentos por si juntos a 14/12/2007 e juntou ao processo de licenciamento:
- a declaração de prova de seguro da Y, emitida pela W, S.A. no dia 24/01/2008;
- o alvará de construção da Y nº 2759, emitido pela MOPPI válido até 31-01-2008;
e requereu a entrega do alvará de licença de obras (doc. nº 4 da oposição) (art. 11º da oposição);
34. No dia 10/11/2008 o Director de Obras Particulares da C.M. ..., Engº N. P., prestou a seguinte informação no processo de licenciamento:
“INFORMAÇÃO0
ASSUNTO: Licenciamento de ampliação de edifício industrial
Requerente: “X - Gestão de móveis e Imóveis
Local: ...
1 - O 1.º pedido de licenciamento para o novo edifício junto da VIM, deu entrada em 11-02-2004, tendo sido rejeitado e arquivado.
2 - Um novo pedido de ampliação, deu entrada em 19-05-2006, diferente da ampliação inicialmente solicitada. Em aditamento a este requerimento é apresentado um novo, em 10-07-2006, no qual, a propósito da cedência de terreno para anexar à escola (pag.208 do processo) se diz que “a área será anexa à escola após aprovação do projecto”. Este projecto de arquitectura, foi aprovado, por despacho de 26-09-2006.
3 - Em 26-09-2006, foi requerida aprovação de escavações e construção periférica, a qual foi aprovada, por despacho do mesmo dia.
4 - Em 12-10-2006, são apresentados os projectos das especialidades.
5 - Em 13-11-2006, é notificada a requerente para esclarecer os limites da propriedade junto da VIM em face de indicações fornecidas pela AMAVE.
6 - Os serviços de Fiscalização, informaram em 15-11-2006, que as obras de ampliação do edifício industrial se encontram concluídas e ocupadas e que o muro de vedação e suporte de terras, confrontante com a via pública, não tem licença, pelo que foi levantado o respectivo auto.
7 - Em 3-04-2007, a AMAVE informa a Câmara de que poderá prosseguir com o processo de licenciamento, uma vez que tinha chegado a acordo com a X, sobre os limites do prédio desta e que, oportunamente, enviariam uma cópia desse acordo.
8 - Em face da informação da AMAVE, o pedido de licenciamento foi aprovado por despacho de 8-08-2007.
9 - Em 27-12-2007, a requerente solicita a emissão do alvará de licença e paga as taxas respectivas.
10 - Em 15-01-2008, a requerente é notificada para apresentar novos documentos (nomeadamente alvará, seguro e declaração do empreiteiro), a fim de poder ser emitido o alvará de licença.
11 - Em 18-01-2008, o técnico responsável pela direcção técnica da obra vem alertar a Câmara para a existência de irregularidades com os limites da propriedade, não estando a ser cumprido o eventual acordo celebrado com a AMAVE. Todavia, não retira o termo de responsabilidade pela referida direcção da obra.
12 - Em 25-01-2008, a AMAVE informa a Câmara que a requerente ocupou terrenos seus e solicita que a licença não seja concedida.
13 - Em 25-01-2008, vem a requerente responder à notificação e apresentar cópia dos documentos solicitados. Foi solicitada informação jurídica sobre os mesmos.
“SITUAÇÃO ACTUAL -
1 - em 4.11.2008, a AMAVE envia à Câmara uma cópia do Acordo estabelecido com a requerente, normalizando a situação referente aos limites do prédio.
2 - Em face deste acordo, poderá ser entregue à requerente, o alvará de licença de construção.” (doc. nº 5 da oposição) (art. 11º da oposição).
35. No dia 15/01/2009 a X solicitou à C.M.de … o cancelamento da garantia bancária nº 331.255 (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição).
36. No dia 30/01/2009 o arquitecto A. N. pronunciou-se sobre o pedido de cancelamento da garantia bancária e concluiu: - “Hoje, o projecto detém já licença, alvará de construção nº 29 de Janeiro de 2008, pelo que se julga poder ser aceite o pedido em causa” (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição).
37. No dia 03/02/2009 a C.M. ..., pelo ofício DOP/1218 av, Proc.º ..., comunicou
ao Banco ... que “a partir dessa data, poderá ser libertada a vossa Garantia Bancária n.º 331255, emitida em 13-12-2006, em nome da Firma X - GESTÃO DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS, S. A., até ao valor de 187.527,82 €, por terem sido devidamente ultrapassados os factores que a sustentaram” (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição) .
38. No dia 09/02/2009 o Banco ... comunicou à C.M.de … o cancelamento da Garantia Bancária (doc. nº 6 da oposição) (art. 11º da oposição).
39. Em data não registada no processo de licenciamento foi entregue à X o alvará de licença nº 29/08 (doc. nº 7 da oposição) (art. 11º da oposição).
40. Na sequência de notificação pelas Finanças de 24/01/2014 a X apresentou em 14/02/2014 a declaração modelo I – IMI acompanhada, além do mais, do alvará de licença de construção nº 29/08 e respectivas plantas de arquitectura (doc. nº 8 da oposição) (art. 12º e 13º da oposição).
41. Em consequência dos documentos apresentado o prédio em causa, que estava inscrito sob o artigo …, passou a estar inscrito sob o artigo … da freguesia de ... (doc. nº 9 da oposição) (art. 14º da oposição).
42. J. A., representante legal da embargante e técnico responsável pela direcção técnica da obra, no processo nº ... da Câmara Municipal ..., em 27/04/2010 apresentou requerimento em que informou e declarou o seguinte:
“Em 18 de Janeiro de 2008, como técnico responsável pelo licenciamento de uma ampliação industrial em nome da firma: X – Gestão de Bens Móveis e Imóveis, S.A., V/processo nº ..., dei conhecimento à Câmara Municipal ..., de uma situação de irregularidade com os limites de propriedade no âmbito do processo com a Amave que entendia que não reunia as condições para ser entregue o alvará de construção. Constatou-se que a empresa X, S.A. levantou o alvará de construção com a entrega de documentos do empreiteiro – seguro e alvará – em 25 de Janeiro de 2008, registo nº 901/08, utilizando fotocópias, sem terem sido confirmadas pelos documentos originais. Nesta situação e verificando que continuam a ser executadas obras que desconheço, solicito que seja retirado o termo de responsabilidade pelo projecto e direcção de obra” (doc. nº 4 contestação à oposição) (sublinhado nosso).
43. No dia 11/04/2012, J. A., apresentou na C.M. ..., relativamente ao processo nº ... de licenciamento da obra e ao processo de fiscalização nº 534/06, exposição por si assinada no dia 12/03/2012 em que, nomeadamente, declarou:
“Em análise mais cuidada do processo 4508/06, feita recentemente, constatamos que: A licença foi emitida antes do acordo do limite do terreno com a AMAVE. Foram utilizadas fotocópias do alvará e seguro, sendo que, a do alvará foi tirada dum processo de arquivo; é possível ver as marcas dos furos das argolas das pastas; a fotocópia do seguro é falsa. A declaração do técnico, foi utilizada a que tinha sido emitida para a licença da estrutura, em 2006.
A X é ré num processo litigioso de que é autora Y – Construções Imobiliárias e Turísticas, S.A., a empresa que construiu o edifício. A partir de Abril de 2007, por falta de sucessivas a empresa X, que ocupou o edifício construído e não cumpriu o que estava contratualizado, nem justificou com os documentos necessários os limites do terreno, conforme tinha prometido, de forma a corrigir os elementos do projecto, foi decidido pela empresa Y não ceder os documentos necessários ao levantamento da licença, enquanto não fosse regularizada a situação e por isso não facultou o Alvará de Construção e a Declaração de Seguro, pelo que não podia dispor de documentos oficiais e autênticos” (doc. nº 7 da contestação à oposição) (sublinhado nosso).
*
Nenhum dos restantes factos alegados, com relevância para a decisão da causa, resultou provado.
*
C) Subsunção jurídica

Antes de mais, da matéria de facto provada resulta que, em face da obra de ampliação do edifício, foi pedido o seu licenciamento em 2006, que deu origem ao Proc. nº 9355/06, o qual foi integrado no Processo nº ... da Câmara Municipal ..., sendo que tal pedido foi deferido por despacho do dia 08/08/2007 (art. 74º, 76º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação aprovado pelo Dec.-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro).
X, S.A., dona da obra, foi notificada deste despacho e para, no prazo de 1 ano, apresentar os elementos indicados no art.º 3 da Portaria nº 1105/01 de 18 de Setembro de 2001 para efeito de emissão do alvará da licença de construção e ainda para pagar as taxas de € 17.509,92 a fim de poder proceder ao seu levantamento.
A empreiteira, ora executada, reconhece que não procedeu à entrega de tais documentos à dona da obra ou na Câmara devido a litígio com aquela.

Apurou-se que a dona da obra pediu a emissão do referido alvará em 27/12/2007 e pagou as taxas respectivas pelo que, em 08/01/2008, a C.M. ... procedeu à emissão do alvará de licença de construção nº 29/08. Depois daquela ter entregue documentos referentes à empreiteira solicitados, que foram considerados idóneos e suficientes pela Câmara, em data não apurada, foi-lhe entregue o mencionado alvará.

Da mesma matéria de facto resulta que, pelo menos em 2010, a executada soube que o alvará foi emitido e entregue à exequente.

E resulta igualmente que nenhuma das partes deu disso conhecimento à acção declarativa.
*
Apesar de haver algumas questões que não foram suscitadas e/ou conhecidas pelo tribunal deprecado, verificamos que o eventual não incumprimento da executada, a não fixação de prazo pelo tribunal recorrido e consequências que daí advenham consubstancia matéria de direito. Por outro lado, o alegado erro na forma de processo é uma nulidade de conhecimento oficioso (art. 193º, 196º do C.P.C.). Estas questões serão apreciadas caso se revele necessário.
*
Dispõe o art. 10º nº 4 do anterior C.P.C.: Dizem-se “ações executivas” aquelas em que o credor requer as providências adequadas à reparação coactiva de uma obrigação que lhe é devida.
E nos termos do nº 5 do mesmo preceito: Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.

O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de facto, quer positivo, quer negativo. (nº 6).

O título executivo é condição necessária da acção executiva uma vez que sem ele não pode ser instaurada execução e condição suficiente da mesma dado que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação.
Em sede de títulos executivos vale a regra da tipicidade prevista no art. 703º do C.P.C..
No que concerne à exequibilidade a doutrina distingue a exequibilidade extrínseca da exequibilidade intrínseca.
A exequibilidade extrínseca reporta-se à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, requisito de certeza para acesso directo à realização coactiva de uma obrigação que é devida. Respeita ao preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar a função de título executivo. A falta de título está relacionada com esta exequibilidade.
A exequibilidade intrínseca diz respeito à obrigação exequenda e às suas características materiais, obrigação essa que tem que subsistir no momento da execução. Diz respeito à validade ou eficácia do acto ou negócio incorporado no título. Tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda (art. 713º do C.P.C.). A sua não verificação impede que o devedor seja executado quanto a tal prestação.
A inexequibilidade extrínseca e intrínseca constituem fundamento de oposição à execução baseada em sentença nos termos do art. 729º nº 1 a) e e) do C.P.C. respectivamente.
*
Um dos tipos de título executivo previsto no art. 703º do C.P.C. são as sentenças condenatórias (nº 1 a)). Neste conceito incluem-se as decisões, expressas ou implícitas, de condenação, i.e., as que contenham uma ordem, quer sejam proferidas em acção declarativa de condenação ou noutras espécies de acção.

Segundo Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Reimp., Coimbra Ed., 1993, p. 62, é condenatória “toda a sentença que, reconhecendo ou prevenindo (…) o inadimplemento duma obrigação (cuja existência certifica ou declara), determina o seu cumprimento; é a que contém uma ordem de prestação (…)”.
Para que a sentença seja exequível exige-se que tenha transitado em julgado, i.e., que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 628º do C.P.C.), salvo se contra ela tiver sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo (art. 704º nº 1 do C.P.C.).
Fundando-se a execução em sentença os fundamentos de oposição à execução são os que estão taxativamente previstos no art. 729º do C.P.C..
*
No que diz respeito à exequibilidade extrínseca verificamos que a mesma está assegurada no caso em apreço uma vez que o título executivo é a sentença proferida em 15/07/2014 no Proc. nº 477/07.3TCGMR, cujo dispositivo, na parte que aqui importa, contém uma ordem – de entrega dos documentos nela referidos na Câmara (obrigação principal) e de pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação de entrega (obrigação acessória) – e que tal decisão transitou em julgado.
A propósito do título executivo refere Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 56: O título executivo é apenas um documento, i.e., a forma – legal ou voluntária – de um facto jurídico. Esse facto jurídico é o facto de aquisição pelo exequente de um direito a uma prestação. (…) Neste sentido, a jurisprudência como a do ac. STJ 18-1-2000/99A1037 (Lopes Pinto), enuncia que na execução “a causa de pedir não se confunde com o título – é a obrigação exequenda; o título não só a incorpora como a demonstra, mas não é a obrigação exequenda””.
Assim, não é procedente o fundamento de oposição previsto no art. 729º a) do C.P.C..
*
No que concerne à exequibilidade intrínseca vejamos se a obrigação exequenda (obrigação principal) é certa, líquida e exigível.
Nas palavras de Rui Pinto, ob. cit., p. 229, “Estamos na configuração que o próprio direito a uma prestação deve apresentar para poder ser objecto de uma execução: deve corresponder a uma obrigação que o executado deva cumprir ao tempo da citação e que seja qualitativa e quantitativamente determinada: em suma, a obrigação deve ser exigível e determinada.”. “Se a obrigação não for exigível ou determinada em face do título, o exequente pode promover as diligências destinadas a torná-la exigível e determinada (cf. artigos 714º a 716º), sob pena de proceder a oposição à execução nos termos dos artigos 729º al e).”
No caso sub judice a obrigação principal mostra-se certa e líquida, i.e., quantitativa e qualitativamente determinada.
O art. 817º do C.C. exige que, além do mais, a obrigação seja materialmente exigível.
Segundo o mesmo autor, ob. cit., p 230 a 232, “A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação ao devedor”, “(…) é a obrigação que está em tempo de cumprimento – é a obrigação atual” e “(…) é condição material de realização coactiva da prestação”.

A prestação exigível na acção executiva é aquela que, no momento da instauração da execução, se encontra vencida ou cujo vencimento se verifique com a interpelação, ainda que judicial (citação do executado), e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.

Quando a obrigação esteja sujeita a prazo que conste do título executivo e este já tenha decorrido (art. 779º e 805º nº 2 a) do C.C.) a exigibilidade da obrigação exequenda resulta daquele título.

No caso de obrigação condicional ou dependente de contraprestação deve o credor, ao instaurar a execução, fazer a demonstração da ocorrência do facto que condiciona a exigibilidade nos termos do art. 715º do C.C..

Nas obrigações puras a lei admite a execução imediata de obrigações que apenas se vão vencer com a citação para a execução. Sendo mais vantajoso para o exequente a demonstração da interpelação prévia, designadamente para a contagem de juros moratórios, o mesmo pode lançar mão do disposto no art. 715º do C.C..

Exigibilidade e vencimento da obrigação não coincidem sempre. Pode haver obrigação ainda não vencida, mas exigível (obrigação pura) e pode haver obrigação vencida, mas ainda não exigível (a obrigação vencida, mas que o credor está em mora).

In casu a obrigação de entrega dos documentos prevista na sentença dada à execução, porque desacompanhada de prazo expresso, parece ser uma obrigação pura (art. 777º nº 1 do C.C.) e assim seria exigível. Mas afigura-se-nos que a mesma tem um prazo implícito – até ao trânsito em julgado da decisão, momento a partir do qual é devida sanção pecuniária compulsória – e nessa medida a obrigação venceu-se nesta data e é igualmente exigível.

Pelo exposto, também não é procedente o fundamento de oposição previsto no art. 729º e) do C.P.C..
*
Cumpra agora apurar se se verifica o fundamento previsto no art. 729º g) do C.P.C..
Nos termos deste preceito a oposição pode basear-se num “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; (…)
A ratio deste preceito prende-se com o respeito do caso julgado formado pela sentença dada à execução. O conhecimento das excepções alegadas ou susceptíveis de ter sido alegadas na acção declarativa mostra-se precludido em sede de oposição à execução.
Nos termos deste preceito apenas podem nesta sede ser invocados factos objectivamente supervenientes e não factos que, sendo anteriores, apenas se teve conhecimento depois das alegações orais na acção declarativa conforme entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência. Neste sentido vide, entre outros, Acórdão do S.T.J. de 14/02/2017 (Hélder Roque).

No caso em apreço apurou-se que, no momento da notificação da sentença e do trânsito em julgado, a ordenada entrega de documentos na Câmara com vista à emissão e levantamento do licenciamento camarário era inútil na medida em que o mesmo já havia sido emitido e a exequente já o havia levantado havia anos.
A referida obrigação era possível tanto mais que, em 09/05/2019, a embargante entregou os referidos documentos na Câmara e comprovou tal facto na execução.
Assim, não se pode falar propriamente de uma obrigação originariamente impossível e consequentemente nula nos termos do art. 401º nº 1 do C.C. que, aliás, não se subsumiria ao disposto no art. 729º g) do C.P.C.. E também não nos encontramos perante uma obrigação que se tornou supervenientemente impossível e que se extinguiu nos termos do art. 790º nº 1 do C.C., sendo que neste caso já se subsumiria ao referido preceito.

Quid iuris?

Concordamos que os factos alegados e os documentos juntos não são posteriores ao encerramento da discussão da primeira instância, contudo afigura-se-nos que a abordagem da sentença recorrida, ao não se ter debruçado sobre tais documentos, e ao concluir pela não subsunção dos factos ao disposto no art. 729º g) do C.P.C. sem mais, julgando os embargos improcedentes, é redutora.
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Como vimos supra a obrigação em causa encontra-se vencida e é exigível.
Uma vez que a obrigação principal de entrega de documentos foi cumprida em 09/05/2019, logo que a executada teve conhecimento da execução com a penhora, antes mesmo da referida notificação, é devida a indemnização a título de sanção pecuniária compulsória (art. 829º-A, nº 1 do C.C.), cuja quantificação se inicia com o trânsito em julgado da sentença.
*
Contudo, atentos os factos dados como provados, designadamente o facto de se exigir algo que há muito estava feito (ainda que não pela executada) ou de se exigir uma quantia referente a sanção pecuniária acessória a tal título, consubstancia a nosso ver abuso de direito por parte da exequente, que é de conhecimento oficioso.
Foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem acerca do referido abuso de direito, o que fizeram.

Vejamos.

Dispõe o art. 334º do C.C., sob a epígrafe “Abuso de direito”:

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A doutrina do abuso de direito ganhou consistência na Europa nos finais do Sec. XIX e princípios do Sec. XX e surgiu como uma necessidade de “relativização” dos direitos por contraposição ao seu carácter absoluto. Foi especialmente desenvolvida pela doutrina alemã.
Em Portugal tal doutrina foi igualmente recebida tendo Manuel de Andrade, in Teoria Geral das Obrigações, I, Coimbra, 1958, pág. 63-64, referido: “”Grosso modo”, existirá um tal abuso quando, admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia no caso concreto ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante”.
O Professor Vaz Serra, in Abuso de Direito, B.M.J., nº 85, escreveu “Pode dizer –se, de um modo geral, que há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante; e a consequência é a de o titular do direito a ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”.
Funciona como uma válvula de segurança do sistema, um dos expedientes ditados pela consciência jurídica para obtemperar a situações em que um preceito legal, certo e justo para as situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, por virtude das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram.
O art. 334º do C.C. foi introduzido por influência do Professor Vaz Serra revelando uma recepção ampla da referida doutrina. O legislador adoptou a concepção objectiva na medida em que não é necessário que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido, bastando que com o seu acto tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício.
Não obstante a lei falar em exercício de direitos a locução “direito” surge numa acepção ampla de molde a abranger, não apenas o exercício de direitos subjectivos, mas de quaisquer posições jurídicas, quer pela acção ou pela omissão.

Este instituto jurídico baseia-se na boa fé que exprime os valores fundamentais do sistema e para cuja concretização utilizam-se dois princípios:

- o principio da tutela da confiança legítima que tem como quatro pressupostos:
a) a situação de confiança – própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
b) a justificação para essa confiança – expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
c) o investimento de confiança – ter havido da parte do sujeito um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
d) a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante – tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu;

- e o princípio da primazia da materialidade subjacente (exige-se que o exercício das posições jurídicas seja avaliado em termos materiais, de acordo com as consequências que acarretam).

Enunciam-se igualmente grupos típicos de actuação abusiva:

1) exceptio doli - consiste na faculdade potestativa de paralisar o exercício do direito de outrem quando este prevalecer-se de sugestões ou de artifícios proibidos por lei. Este tipo não se mostra consagrado no Código Civil Português;
2) venire contra factum proprium - exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente;
3) inalegabilidades formais - situações em que a nulidade derivada de falta de forma legal de determinado negócio não pode ser alegada, sob pena de abuso de direito;
4) suppressio – uma modalidade do venire - uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais possa sê-lo por, de outra forma, se atentar contra a boa fé;
E surrectio - o oposto, i.e., a aquisição de uma posição, mercê uma confiança legítima, que de outro modo não lhe assistiria;
5) tu quoque - impossibilidade de uma pessoa que viola uma norma jurídica de poder depois, sem abuso, prevalecer-se da situação daí decorrente ou exercer a posição violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação jurídica violada;
6) desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados – tipo extenso e residual de actuações contrárias à boa-fé que comporta três subtipos:
- o exercício do direito sem qualquer benefício para o exercente e com dano considerável para outrem;
- a actuação dolosa daquele que vem exigir a outrem o que lhe deverá restituir logo a seguir;
- e a desproporção grave entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem.

Nesta parte acompanhamos de perto Menezes Cordeiro, in Teoria Geral do Direito Civil, 1º vol, AAFDL, 1987/88; in Do abuso de direito: Estado das Questões e Perspectivas, R.O.A., nº 65, Set. 2005 e in Tratado do Direito Civil, Parte Geral, Tomo V, Almedina, 2011.
Nada impede o recurso à figura do abuso de direito na acção executiva o que, aliás, é reconhecido pela jurisprudência. A título de exemplo vide Ac. do S.T.J. de 05/06/2018 (Henrique Araújo), de 24/01/2019 (Rosa Tching), de 07/11/2019 (Ilídio Sacarrão Martins).
Revertendo ao caso em análise a instauração da presente execução, em que se exige determinada quantia a título de sanção pecuniária compulsória atento o incumprimento da executada, incumprimento esse que a exequente há muito ultrapassou, ofende clamorosamente o sentimento de justiça dominante.
A esta conclusão se chega, quer através do princípio da tutela da confiança, quer do da primazia material subjacente.
Com efeito, no que concerne ao primeiro, verificamos que a executada confiou que, em face da emissão e entrega do alvará à exequente, nada lhe era exigível a este título e, muito menos, passado tanto tempo. No que diz respeito ao segundo princípio conclui-se que a execução da referida quantia é profundamente injusta.
Acresce que a situação em análise é susceptível de ser enquadrada na suppressio uma vez que a exequente não exerceu o direito resultante da sentença durante cerca de 4, 5 anos e fê-lo num momento em que a executada já não podia contar. E também como desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados dado que se verifica uma desproporção grave entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido (segundo a exequente de € 208.625,00) e o sacrifício por ele imposto a outrem.

Pelo exposto, por se entender que a pretensão executiva ofende a boa fé conclui-se pela extinção da execução.
*
Importa agora apurar se a exequente deve ser condenada como litigante de má fé como pretende a apelante.

Dispõe o art. 542º do C.P.C., sob a epígrafe “Responsabilidade no caso de má-fé – Noção de má-fé”:

1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

(…)

Vejamos.

A reforma processual levada a cabo pelo Dec.-Lei nº 329-A/95 de 12/12 introduziu alterações no Código de Processo Civil em sede de litigância de má-fé. Como se lê no preâmbulo do citado diploma “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagram-se expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos abjectivos; (…)”. Assim, ao lado da lide dolosa (que corresponde à violação das regras de conduta processuais de forma intencional ou consciente), passou a ser sancionada a lide temerária (que corresponde à violação das mesmas regras, mas com culpa grave ou erro grosseiro).
Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 220 e 221 “É corrente distinguir má fé material (ou substancial) e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má fé instrumental, podendo portanto o vencedor da acção ser condenado como litigante de má fé.”
No Acórdão desta Relação de 11/05/2010 (Maria Luísa Ramos) lê-se: “No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg. 380).Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48.”.
“Não se deve confundir a litigância de má-fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer” - Ac. da R.L. de 20/12/2016 (Luís Filipe Pires de Sousa), que cita em parte o Ac. da R.L. de 02/03/2010 (Maria José Simões), que, por sua vez, cita o Ac. R.P. de 09/03/2006 (Fernando Baptista).
É inquestionável que a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil. E a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável. Tem-se entendido que, para tal condenação, se exige que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.

In casu, da matéria de facto dada como provada, não resulta, quanto a nós, que a exequente tenha, com dolo ou com negligência grosseira, deduzido pretensão executiva cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que tivesse feito do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal. Com efeito, tal elemento subjectivo não se provou. O facto de se ter concluído que a exequente exerceu abusivamente o seu direito a instaurar uma acção executiva não equivale que o tenha feito com intenção ou que tenha havido grave negligência da mesma ao fazê-lo.
Assim, é de manter a decisão recorrida nesta parte.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I - É de distinguir a exequibilidade extrínseca, que se reporta à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, da exequibilidade intrínseca, que diz respeito à validade ou eficácia do acto ou negócio incorporado no título e que tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda. A inexequibilidade extrínseca e intrínseca constituem fundamento de oposição à execução baseada em sentença nos termos do art. 729º nº 1 a) e e) do C.P.C. respectivamente.
II - A prestação exigível na acção executiva é aquela que, no momento da instauração da execução, se encontra vencida ou cujo vencimento se verifique com a interpelação, ainda que judicial (citação do executado), e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
III – Como fundamento de oposição à execução nos termos do art. 729º g) do C.P.C. apenas podem ser invocados factos modificativos e extintivos da obrigação que sejam objectivamente supervenientes e não factos que, sendo anteriores, apenas se teve conhecimento depois das alegações orais na acção declarativa.
IV – Tendo sido proferida sentença transitada em julgado que condenou a executada a entregar determinados documentos na Câmara Municipal e ainda na sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso nessa entrega, não obstante num momento anterior a exequente ter diligenciado pela obtenção de tais documentos e tê-los entregue (sendo que nenhuma das partes informou disso a acção declarativa), aquela exerce abusivamente o direito de instaurar acção executiva com tal título executivo tanto mais que o faz mais de 4 anos depois daquele trânsito.
V – Não se tendo provado que a exequente tenha, com dolo ou com negligência grosseira, deduzido pretensão executiva cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que tivesse feito do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal não é de condenar a mesma como litigante de má fé
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e consequentemente:

- Julgam extinta a execução:
- E confirmam a improcedência do pedido de condenação da exequente como litigante de má fé.
Custas da oposição mediante embargos e da apelação pela embargada/exequente.
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Guimarães,14/05/2020

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade