Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
24619/18.4YIPRT.G2
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
CONCLUSÕES
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO DO MEDIADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC)

I. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso e balizar o âmbito do conhecimento do Tribunal - e não apenas para sintetizar os fundamentos aduzidos antes para a procedência da impugnação feita -, terão que ser identificados nas mesmas os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende (arts. 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e n.º 2, e 640.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).

II. A falta de indicação, nas conclusões de recurso, dos concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados - e uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento, dirigido à parte incumpridora do ónus de impugnação/conclusão - implica a constatação de que a impugnação da matéria de facto não integra o objecto do recurso interposto, quando a omissão seja completa (arts. 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 3, a contrario, e 640.º, ambos do CPC).

III. A retribuição do mediador imobiliário depende, em regra, da existência de um nexo entre a sua actividade e o evento de que depende a sua remuneração (normalmente, a celebração do contrato desejado).

IV. O juízo positivo a formular sobre esta relação de causa e efeito deve assentar na verificação de um nexo de causalidade adequada: é preciso que actividade do mediador, embora não sendo a única causa do resultado produzido, se integre de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente (isto é, a sua actividade deve ter contribuído de forma decisiva ou importante para a respectiva conclusão).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. X - Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda. (aqui Recorrente), com sede na Rua …, em Fafe, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum (resultante da conversão de iniciais autos de injunção), contra S. C. (aqui Recorrido), residente em …, na Suíça, pedindo que

· o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 6.479,10 (sendo € 5.000,00 a título de comissão alegadamente devida no âmbito de um contrato de mediação imobiliária, € 399,10 a título de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados desde 22 de Fevereiro de 2016 a 20 de Fevereiro de 2018, e € 1.150,00 a título de IVA), acrescida de juros de mora vincendos, calculados sobre a quantia de capital de € 5.000,00, à mesma taxa supletiva legal, contados desde 21 de Fevereiro de 2018 até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, ter celebrado com o Réu, em 30 de Junho de 2014, um contrato de mediação imobiliária, mercê do qual ela própria se obrigou a prospectar comprador para a venda de um imóvel dele, mediante o pagamento de uma retribuição de € 5.000,00, acrescida de IVA à taxa então em vigor; e ser a duração do dito contrato de nove meses, renovando-se automaticamente, pelo mesmo período de tempo, caso não fosse denunciado até aos últimos dez dias da sua vigência.
Mais alegou que, tendo efectivamente angariado um cliente para o Réu vendedor, este viria, conluiado com aquele, a denunciar o contrato em causa em 20 de Outubro de 2015, sob a falsa alegação de que já não pretendia vender o imóvel e apenas como forma de se furtar ao pagamento da comissão devida; e a celebrar, em 22 de Fevereiro de 2016, a escritura de compra e venda respectiva, precisamente com o dito comprador por si angariado.
Por fim, a Autora alegou que, interpelado para o efeito, o Réu se recusou a pagar-lhe a comissão devida.

1.1.2. Regularmente citado, o Réu (S. C.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente.
Alegou para o efeito, em síntese, não lhe ter Autora, na vigência do contrato de mediação em causa, apresentado qualquer interessado na aquisição do imóvel dele objecto, desconhecendo ele próprio por que forma é que o comprador do seu imóvel o conheceu; e ter sido ele quem lho mostrou depois.
Mais alegou que a venda efectuada por si ocorreu já depois do dito contrato de mediação imobiliária ter cessado a sua vigência, defendendo por isso não ser devida por si qualquer remuneração à Autora.

1.1.3. Foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 6.479,10; saneador, certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância; e designando dia para realização da audiência final.

1.1.4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente.

1.1.5. Recorrendo a Autora (X - Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda.), foi proferida acórdão em 10 de Outubro de 2018, por este Tribunal da Relação de Guimarães, anulando a sentença recorrida, por forma a que na mesma fosse ampliada a matéria de facto, tendo como objecto o teor fáctico dos artigos 10.º e 11.º do seu articulado de aperfeiçoamento (isto é, por forma a que a mesma pudesse demonstrar, mediante a conforme produção de prova, que não obstante não ter chegado a apresentar os potenciais comprador e vendedor, aquele primeiro conheceu o imóvel através - e por causa - da divulgação respectiva feita por ela própria, tendo formado a respectiva vontade de aquisição depois de o ter visitado com ela, sendo a posterior denúncia do contrato de mediação intencionalmente realizada com o exclusivo fim de frustrar o seu direito a ser remunerada, por entretanto as futuras partes do contrato de compra e venda se terem conhecido sem a sua intervenção).

1.1.6. Reaberta a audiência de julgamento, veio depois a ser proferida sentença, julgando novamente a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolver o réu do peticionado pela autora.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a Autora (X - Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

47. O presente recurso limita-se à comprovação de que a autora cumpriu o objeto do contrato de mediação e, por isso, faz jus a remuneração contratualmente prevista, uma vez que, durante a vigência do CMI, conseguiu sim real interessado na compra do imóvel e que o negócio foi concluído graças à promoção do imóvel levada a cabo pela autora.

48. Conforme também já delimitado nas motivações, questiona-se, através do presente recurso, o factualismo dado como não provado pelo tribunal a quo no que diz respeito ao fato de ter o negócio ter sido concluído em decorrência do trabalho da mediadora, ainda na vigência do CMI, tendo o réu agido de forma negligente, quando as evidências dos autos apontam justamente nesse sentido.

49. Quanto à matéria de direito, como dito alhures, a conclusão a que chegou o juízo a quo de não ter havido nexo de causalidade entre o trabalho da autora e a conclusão do negócio deve, s.m.o., ser revista para que seja reconhecida a existência de nexo causal entre a atividade da mediadora e a conclusão do negócio, observando-se assim o disposto no nº 1 do art. 19º da Lei 15/2013 e nos artigos 406º e 762º do Código Civil.

50. Em substituição da sentença vergastada, ao contrário, deve sim ser considerado que o fechamento do negócio a que chagaram as partes decorreu do trabalho da autora, sem o qual o comprador jamais teria tomado conhecimento de que o referido imóvel estava à venda.

51. Ante todo o exposto, pretende a recorrente que dos fatos tidos como provados decorra a conclusão de que houve sim nexo de causalidade entre a atividade de promoção levada a efeito pela mediadora e a conclusão do negócio com o cliente que a própria mediadora levou ao imóvel, decorrendo então o direito à remuneração previsto no artigo 19, I da Lei 15/2013 de 08 de fevereiro, independentemente de o réu agido ou não de má fé.

52. Assim, espera-se seja revogada a sentença fustigada, para que seja o réu condenado a pagar o valor da remuneração prevista no CMI, qual seja, € 5.000,00 acrescidos do respectivo IVA, além dos juros de mora. À taxa legal prevista, desde a citação até o efetivo pagamento.
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1.2.2. Contra-alegações

O Réu (S. C.) contra-alegou, pedindo que se julgasse totalmente improcedente o recurso.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis):

1) A douta sentença recorrida julgou com acerto e perfeita observância dos factos e da lei aplicável, não podendo o pleito, conscienciosamente, ser resolvido de outra forma.
2) Carecendo de fundamento o alegado pela Apelante, quer quanto à sua pretensão de alteração da matéria de facto provada quer quanto à alteração do Direito aplicado.
3) A Recorrente insurge-se contra o factualismo dado como não provado no ponto 7., de forma a concluir que o negócio foi concluído em decorrência do trabalho da mediadora, ainda na vigência do contrato de mediação.
4) Quanto ao ponto 7) refere a Meritíssima Juiz a quo :
Os factos insertos em 7) não foram alvo de qualquer controvérsia entre as partes, tendo sido alegados pelo réu e aceites pela autora no requerimento de fls 22 a 25, com o qual juntou a autora o documento referente à rescisão alegada (cfr. fls 24 – verso) e no qual, conjuntamente com os documentos de fls 28 – verso e 29, fundou igualmente o Tribunal a sua convicção relativamente aos factos em análise.
5) Com efeito, não assiste razão à Apelante, conforme se extrai do ficheiro 202001131100605-5566021, passagem 5:51 a 9:02, depoimento gravado em 31 de Janeiro de 2020, onde a testemunha F. M., sendo confrontada com aquela comunicação datada de 20 de Outubro de 2015 (comunicação de rescisão), disse que que a caligrafia era sua e que foi assinada na agência, de onde se conclui, ao contrário do que entende a Apelante, que o contrato de mediação cessou os seus efeitos no dia 20 de Outubro de 2015, através daquela comunicação que foi preenchida por aquela testemunha, nas instalações da Apelante, e, como tal, foi nesse mesmo dia por si recebida, produzindo efeitos imediatos.
6) Mas também nenhum reparo existe quanto à aplicação do Direito, quanto à inexistência de um nexo causal entre a acção da mediadora imobiliária e a conclusão e perfeição do contrato de compra e venda realizado entre o aqui Apelado e os compradores.
7) Resulta do ponto 8) dos factos provados que “A autora nunca apresentou os mencionados H. C. e T. P. ao réu, em nunca forneceu ai réu a identificação de tais pessoas como potenciais interessados na compra do aludido imóvel” e como bem refere a sentença a quo “de nenhuma forma pode concluir-se que tivesse sido por acção da autora que se proporcionou, sequer, o conhecimento entre as partes”, sendo esse o sentido que há a extrair do depoimento de F. M. em 20181113153951_5566021_2870580 passagem 05:28 a 6:23 e 13:06 a 14:28, onde refere que nem sequer preencheu a ficha de visita, que não tinha obrigação de apresentar os potenciais compradores aos vendedores e que “também não vai dizer quem são os clientes e quem deixam de ser” e que nem sabia o nome completo das pessoas interessadas.
8) Ou seja, não ficou demonstrada a existência de um nexo de causalidade entre a actividade da imobiliária e o negócio que mais tarde foi feito, ficando demonstrado que o Apelado nada soube sobre a actividade que foi exercida pela Apelante, isto para além de que, como disse o próprio comprador, em seu interesse omitiu do Apelado que tinha visitado o imóvel através da imobiliária.
9) E, ao contrário do que alega a Apelante, não logrou conseguir reais interessados na compra do imóvel, pois, da prova resulta que, para além dessas pessoas terem ido visitar o imóvel, não demostraram o necessário interesse para dar início a qualquer tipo de negociação que conduzisse à perfeição do negócio, sendo certo que, como já se disse, a Apelante nem sequer chegou a saber o nome completo das pessoas, não preencheu a ficha de visita e não lhe foi dada qualquer “caução”, como é de hábito segundo disse aquela testemunha F. M. passagem 7:13 – 7:22 20181113155457_5566021_2870580.
10) E a testemunha H. C. disse claramente que não demonstrou interesse no preço que lhe foi proposto pela mediadora, ao referir que “não chegando ao preço que eu queria, pus de parte”.
20181113160330_5566021_2870580 passagem 05:58.
11) Como evidência da falta de interesse, resulta do teor do documento junto aos autos pela Apelante a fls 25, que consiste em mensagens de texto remetidas pela testemunha F. M. a H. C., que pelo menos desde 09 de Setembro de 2015, este H. C. já não lhe respondia às mensagens de texto, nem quando aquele, em 14 de Setembro de 2015, lhe perguntava se ainda tinha interesse no negócio, e em 20 de Outubro de 2015, insistia em jeito de ultimato.
12) Não pode inferir-se da prova o pretendido nexo de causalidade entre o trabalho realizado pela mediadora e a conclusão do negócio que foi celebrado, tal qual a recorrente pretende que se dê por demonstrado.
13) Seria injusto condenar o Apelado a pagar a remuneração exigida pela Apelada, quando ela mesma, sendo profissional, devia ter trabalhado de forma a prevenir a acautelar situações idênticas, mas não só,
14) Aquando da rescisão do contrato de mediação, em 20 de Outubro de 2015, a Apelante podia ter acautelado o pagamento do trabalho por si desenvolvido na divulgação e publicitação do imóvel, contudo, aceitou a rescisão sem qualquer reserva.
15) Pelo que, não pode o Apelado ser responsabilizado por uma conduta que a si não pode ser assacada e para a qual não contribuiu de qualquer forma.
16) Para além de tudo o exposto, e ao contrário da conclusão 52 das alegações da Apelante, não é devido, nem pode ser, o pagamento de uma quantia a título de iva, porquanto, dos autos nem sequer figura a respectiva factura, que a Apelante efectivamente não emitiu.
17) Ou seja, conclui-se que nenhum reparo há a fazer à sentença que foi proferida, nem de facto nem direito.
18) Carece de fundamento o alegado pela Apelante, quer quanto à sua pretensão de alteração da matéria de facto provada quer quanto à alteração do Direito aplicado.
19) Deste modo, deve a douta sentença recorrida ser confirmada.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões a conhecer

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto da sentença final, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei (nomeadamente, porque os factos provados permitem dar como existente o direito da Autora à remuneração acordada com o Réu, face ao regime jurídico do contrato de mediação imobiliária), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, condenando o Réu no pedido formulado) ?
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2.2.2. Questões excluídas de apreciação - Impugnação de facto

2.2.2.1. Ónus de impugnação - Ónus de conclusão

Precisa-se que, não obstante a Recorrente (Autora) afirme, no intróito das suas alegações de recurso, que há «nos autos todos os elementos de prova que permitiriam a mmª juiz singular responder de forma diversa a determinados pontos da matéria de facto julgada», e de seguida, sob a epígrafe «NO MÉRITO» e subepígrafe «Da matéria de fato incorrectamente julgada e objeto de impugnação», teça considerações sobre a factualidade em causa nos autos, certo é que nunca indicou, no corpo das suas alegações e nas respectivas conclusões, que concretos factos (provados e/ou não provados), e com que âmbito (total ou parcial), impugnava.

Lê-se, a propósito do ónus de impugnação da matéria de facto, no art. 640.º, n.º 1, al. a) do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição» os «a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (1) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).

Somando-se, porém, a este ónus de impugnação, encontra-se um outro, o ónus de conclusão, previsto no art. 639.º, nº 1 do CPC, onde se lê que o «recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão» (n.º 1).
«Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1).

«Entendeu-se que, exercendo os recursos a função de impugnação das decisões judiciais», não só fazia sentido que o recorrente «expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o» mesmo «aprecie se tais razões procedem ou não», como, podendo «dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa», deveria no fim, «a título de conclusões», indicar «resumidamente os fundamentos da impugnação», fazendo-o pela «enunciação abreviada dos fundamentos do recurso» (Professor Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 359, com bold apócrifo) (2).

Contudo, acresce ainda a este objectivo (de síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso) um outro, não menos importante, de definição do seu objecto. Lê-se, a propósito, no art. 635.º, n.º 4 do CPC, que nas «conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso»; e, por isso, se defende que as «conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objecto do recurso» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.118) (3).

Logo, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.06.2013, Garcia Calejo, Processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1). Compreende-se, por isso, que se afirme que, para «o bom julgamento do recurso não é suficiente que a alegação tenha conclusões. Estas deverão ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados» (Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, pág. 179, com bold apócrifo) (4).
Está-se aqui perante uma das concretizações do princípio da auto-responsabilidade das partes.
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2.2.2.2. Incumprimento - Consequências

Incumprindo o recorrente o ónus de impugnação previsto no art. 640.º, n.º 1 do CPC (especificação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que impõem que sobre eles seja proferida uma decisão diferente, e da decisão alternativa que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas), e tal como aí expressamente afirmando, terá o seu recurso que ser rejeitado («sob pena de rejeição»).
Com efeito, e ao contrário do que sucede com o recurso relativo à decisão sobre a matéria de direito (previsto no art. 639.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC), no recurso relativo à matéria de facto (previsto no art. 640.º do CPC) não se admite despacho de aperfeiçoamento.
«Esta solução é inteiramente compreensível e tem a sustentá-la a enorme pressão (geradora da correspondente responsabilidade) que durante décadas foi feita para que se modificasse o regime de impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliassem os poderes da Relação a esse respeito, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitiria corrigir. Além disso, pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção de prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. Enfim, a comparação com o disposto no art. 639º não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria de direito» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 128) (5).
Aliás, o entendimento da não admissibilidade de despacho de aperfeiçoamento face ao incumprimento, ou ao cumprimento deficiente, do ónus de impugnação da matéria de facto, já era generalizadamente aceite no âmbito do similar art. 690.º-A do anterior CPC, de 1961 (conforme Carlos Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, Almedina, pág. 203).

Do mesmo modo se deverá procede quando, pese embora indicada a matéria de facto impugnada no corpo das alegações de recurso, essa indicação não seja depois reiterada nas respectivas conclusões (6), tendo o recorrente limitado desse modo o seu objecto.
Com efeito, importa distinguir a natureza, e as consequências, das diversas actuações possíveis do recorrente: uma primeira (relativa a um ónus primário), que contende com a delimitação do objecto do seu recurso, e que deixa absolutamente omissa, nas respectivas conclusões, a indicação da matéria de facto impugnada (limitando desse modo o recurso, e inexoravelmente, à sindicância da matéria de direito); e uma segunda (relativa ao ónus secundários), que contende com a análise jurídica do cumprimento do ónus de impugnação previsto no art. 640º do CPC, e que deixa absolutamente omissa, nas mesmas conclusões de recurso - e ao contrário do que previamente fizera no corpo das respectivas alegações -, a indicação dos concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, da decisão alternativa pretendida, e das exactas passagens da gravação que o fundariam.
Compreende-se que assim seja, já que, nesta segunda situação, a impugnação da matéria de facto - bem ou mal feita - faz parte do objecto do recurso (7); e «o prazo de interposição do recurso é pela lei fixado em função do modo como o recorrente concebe o respectivo objecto» (Ac. da RG, de 07.04.2016, José Amaral, Processo n.º 4247/10.3TJVNF.G1).
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2.2.2.3. Entendimentos dominantes (e perfilhados)

Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1) -, vêm sendo firmados os seguintes entendimentos:

. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria Graça Trigo, Processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo n.º 3396/14, ainda inédito, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1);

. a exigência de especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, só se satisfaz se essa concretização for feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1);

. o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo n.º 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório. Já depois dos citados, mas no mesmo sentido, Ac. do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1, e Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. cumpre o ónus do art. 640.º, n.º 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, Processo n.º 134116/13.2YIPRT.E1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 476/09.oTTVNG.P2.S1);

. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1); e igualmente não cumpre a exigência legal a simples indicação do momento do início e do fim da gravação de um certo depoimento (neste sentido, Ac. do STJ, de 05.09.2018, Gonçalves Rocha, Processo n.º 15787/15.8T8PRT.P1.S2, Ac. do STJ, de 18.09.2018, José Rainho, Processo n.º 108/13.2TBPNH.C1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leones Dantas, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 449/10.0TTVFR.P2.S1, Ac. do STJ, de 28.04.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Ac. do STJ, de 31.05.2016, Garcia Calejo, Processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.10.2016, Gonçalves Rocha, Processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 16.05.2018, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 06.06.2018, Pinto Hespanhol, Processo n.º 552/13.5TTVIS.C1.S1, Ac. do STJ, 12.07.2018, Ferreira Pinto, Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1, Ac. do STJ, de 31.10.2018, Chambel Mourisco, Processo n.º 2820/15.2T8LRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 13.11.2018, Graça Amaral, Processo nº 3396/14, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2);

. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, n.º 3 do C.P.C. (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo n.º 1458/10.5TBEPS.G1, Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Ac. da RG, de 18.12.2017, Pedro Damião e Cunha, Processo n.º 292/08.7TBVLP.G1, Ac. do STJ, 27.09.2018, Sousa Lameira, Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, ou Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2) (8);

. não deve ser rejeitado o recurso se o recorrente seguiu um determinado entendimento jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1);

. a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).

Logo, a «rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 128 e 129, com bold apócrifo).
*
2.2.2.4. Caso concreto
2.2.2.4.1. Ónus de impugnação

Concretizando, e conforme referido supra, a Recorrente (Autora) não indicou, no corpo das alegações de recurso, os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, pela necessária remissão para os únicos factos obrigatoriamente a considerar para este efeito: os contidos na sentença recorrida no elenco dos factos provados (identificados por numeração árabe), e/ou os aí contidos no elenco dos factos não provados (identificados por letras do alfabeto).
Com efeito, quando na lei se afirma que, «sob pena de rejeição», «deve o recorrente obrigatoriamente especificar (…) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados», reporta-se àqueles factos que, tendo sido fixados ou ignorados pelo Tribunal a quo, ficarão desse modo sob sindicância do Tribunal ad quem. Logo, serão aqueles factos que tenham sido exarados na fundamentação de facto da sentença recorrida (e isto independentemente de não se terem logrado provar, por deverem então integrar o respectivo elenco de factos não demonstrados).
Não autoriza a lei que, em substituição deste concreto e claro ónus, a parte recorrente se limite, genérica e conclusivamente, a afirmar que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada determinada realidade, sem o imediato reporte da mesma à prévia alegação das partes nos respectivos articulados (quando omitida na sentença recorrida), ou à enunciação concreta da matéria de facto fixada (quando precisamente contida na decisão impugnada).
Dir-se-á ainda que, no cumprimento deste ónus legal de indicação dos «concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados», poderá não bastar reportar a impugnação aos contidos num único elenco de factos (dos provados, e dos não provados): no caso em que cada um dos ditos elencos espelhe uma realidade antagónica, o recorrente terá de reportar simultaneamente a sua sindicância aos factos contidos de forma contraditória em ambos (sob pena de insanável contradição da decisão que pediu que fosse proferida).
*
2.2.2.4.2. Ónus de conclusão

Concretizando novamente, a Recorrente (Autora) não indicou, nas conclusões do seu recurso, os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados.
Ora, e conforme se referiu supra (face nomeadamente ao disposto no art. 635.º, n.º 4, e no art. 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do CPC, mas na esteira do já anteriormente defendido a propósito do CPC de 1961), entende-se que as «conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem» (Ac. do STJ, de 27.10.2016, Ribeiro Cardoso, Processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, com bold apócrifo).
Logo, e independentemente do que o recorrente tenha antes expendido (em sede de corpo de alegações de recurso), terão as conclusões que conter a indicação precisa de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, já que só assim «verdadeiramente [se] permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto» (Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1).
Neste sentido se vem, reiterada e coerentemente, pronunciando a jurisprudência (à luz do anterior, e do actual, CPC), conforme (e para além dos citados antes):

. Ac. do STJ, de 08.03.2006, Sousa Peixoto, Processo n.º 05S3823 - o recorrente «tem de concretizar um a um quais os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por não terem sido considerados como tal. (…) Se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto que ele considera incorrectamente julgados sejam devidamente concretizados nas conclusões, pois se aí não forem indicados o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles.

. Ac. do STJ, de 04.03.2015, Leonel Dantas, Processo n.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2 - «I - As exigências decorrentes dos nºs. 1 e 2 do artigo 685.º-B do anterior Código de Processo Civil têm por objecto as alegações no seu todo, não visando apenas as conclusões que, nos casos em que o recurso tenha por objecto matéria de facto, deverão respeitar também o n.º 1 do artigo 685.º-A do mesmo código. II- Não se exige, assim, ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza exaustivamente o alegado na fundamentação das alegações. III- Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados».

. Ac. do STJ, de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1 - «II - Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação. III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC). IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada»;

. Ac. do STJ, de 26.11.2015, Leonel Dantas, Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S - «III - Nas conclusões do recurso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, afirmando a sua pretensão no sentido da alteração da matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados»;

. Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 - «II- O art.º 640.º, do CPC exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. III- Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC.. IV - Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados»;

. Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1 - «Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna»;

. Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1 - «I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II. Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso».

Conclui-se, assim, que tendo a Recorrente (Autora) omitido por completo, nas conclusões das suas alegações de recurso, a indicação dos concretos factos impugnados, restringiu o objecto da sindicância deste Tribunal à matéria de direito.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, resultaram provados os seguintes factos:

1 - X - Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda. (aqui autora) celebrou com S. C. (aqui réu), em 30 de Junho de 2014, um acordo escrito designado «CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA», com o n.º 506/2014, por força do qual se comprometeu a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra de imóvel destinado a habitação, sito na freguesia de ..., concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ... - R, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... - fracção R, propriedade do Réu, pelo preço de € 75.000,00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis (conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 39, verso, e 40, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

2 - O Réu contratou a Autora em regime de exclusividade, nos termos do qual só esta poderia promover o negócio objecto do acordo de mediação, durante o respectivo período de vigência, obrigando-se o Réu a pagar-lhe a comissão acordada caso violasse tal obrigação de exclusividade.

3 - Mais se obrigou o Réu a pagar à Autora uma remuneração no valor de € 5.000,00, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, a título de remuneração, remuneração essa que apenas seria devida se a mediadora conseguisse interessado que concretizasse o negócio visado pelo referido acordo, e também - porque as partes celebraram o acordo em regime de exclusividade - se o negócio não se concretizasse por causa imputável ao Réu.

4 - O acordo foi celebrado pelo período de 9 meses contados da data da respectiva celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

5 - A Autora promoveu a venda do imóvel do Réu, tendo levado a este, para visita, H. C. e T. P..

6 - Através de escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada no dia 22 de Fevereiro de 2016, no Banco …, S.A., S. C., ora réu, e mulher M. C., declararam vender a H. C. e T. P., e estes declararam comprar, pelo preço de € 66.500,00, a fracção autónoma designada pela letra «R», correspondente a habitação, sita em …, freguesia de ..., concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ... - ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... (conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 29, verso, a 34, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

7 - O Réu comunicou à Autora, através de carta registada, com aviso de recepção, datada de 20 de Outubro de 2015, a sua pretensão de rescindir o acordo de mediação imobiliária celebrado entre as partes, por desistência da venda.

8 - A Autora nunca apresentou os mencionados H. C. e T. P. ao Réu, nem nunca forneceu ao Réu a identificação de tais pessoas como potenciais interessados na compra do aludido imóvel.
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3.1.2. Factos não provados

O mesmo Tribunal de 1ª Instância considerou ainda que resultaram «não provados os seguintes factos com interesse para a decisão»:

a) Os referidos H. C. e T. P. foram apresentados pela Autora ao Réu, na vigência do acordo aludido em 1).

b) Durante o período em que o imóvel lhe esteve confiado para venda, a Autora nunca apresentou ao Réu qualquer pessoa que tenha demonstrado interesse na sua compra.

c) Após a comunicação referida em 7), a Autora retirou o imóvel do Réu dos seus meios de publicitação.

d) Aquando da comunicação mencionada no facto provado enunciado sob o número 7 (rescisão do contrato de medição imobiliária, por desistência do prpósito de venda), o Réu já havia contactado directamente com os mencionados H. C. e T. P., sendo conhecedor da intenção destes em adquirir o seu imóvel.

e) O Réu denunciou o acordo escrito referido no facto provado enunciado sob o número 1, que havia celebrado com a Autora, com a intenção de frustrar a remuneração a que a mesma teria direito, caso a venda tivesse sido realizada com a sua mediação.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Contrato de mediação imobiliária
4.1.1. Regime jurídico (em geral)

Lê-se no art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que a actividade de mediação imobiliária «consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis».
Mais se lê, no n.º 2 do mesmo preceito, que a «atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações: a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes; b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões».
Acrescenta-se ainda no n.º 4 do art. 2º citado, que as «empresas de mediação imobiliária podem ainda prestar serviços que não estejam legalmente atribuídos em exclusivo a outras profissões, de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objeto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem».
Será, assim, considerada como empresa de medição imobiliária «a pessoa singular ou coletiva cujo domicílio ou sede se situe em qualquer Estado do Espaço Económico Europeu e, sendo pessoa coletiva, tenha sido constituída ao abrigo da lei de qualquer desses Estados e se dedique à atividade de mediação imobiliária, referida nos números anteriores» (n.º 3 do art. 2.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro); e, «em território nacional», a «atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida (…) por empresas de mediação imobiliária e mediante contrato» (art. 3.º, n.º 1 do diploma citado).

Relativamente à remuneração devida, lê-se no art. 19.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que a «remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação», exceptuando-se porém o caso de ter «sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase», sendo então «a mesma devida logo que tal celebração ocorra»; ou ainda no caso «em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel».
Esta disposição é em tudo idêntica ao art. 19.º, n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 77/99, de 16 de Março (bem como ao posterior art. 18.º, n.º 1 e n.º 2 Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto), em cujo Preâmbulo se lê que com a mesma «clarifica-se o momento e estabelecem-se as condições em que é devida a remuneração pela actividade de mediação imobiliária, questões que no domínio da anterior legislação motivaram inúmeras reclamações por parte dos consumidores».
Logo, a remuneração revela «um elemento essencial do contrato: a sua onerosidade» (Fernando Baptista de Oliveira, «O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial», e-book do CEJ - publicado em www.cej.mj.pt -, pág. 46).

Por fim, lê-se no art. 16.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, a propósito da forma, que o «contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito», dele tendo que constar: a «identificação das características do bem imóvel que constitui objeto material do contrato, com especificação de todos os ónus e encargos que sobre ele recaiam»; a «identificação do negócio visado pelo exercício da mediação»; as «condições de remuneração da empresa, em termos fixos ou percentuais, bem como a forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável»; a «identificação do seguro de responsabilidade civil ou da garantia financeira ou instrumento equivalente previsto no artigo 7.º, com indicação da apólice e entidade seguradora ou, quando aplicável, do capital garantido»; a «identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato»; a «identificação discriminada de eventuais serviços acessórios a prestar pela empresa»; e a «referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente».
A omissão daquela forma escrita, ou destas menções (todas elas essenciais, e não cláusulas acessórias ou secundárias), «gera a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação» (n.º 5 do art. 16.º citado). Assim, qualquer alteração de algum daqueles elementos de menção obrigatória terá igualmente de ser feita por forma escrita, sob pena de nulidade (ainda art. 220.º do CC).
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4.1.2. Definição

Pode, pois, definir-se o contrato de medição, como um contrato típico, formal, sinalagmático, oneroso e comercial, pelo qual uma das partes (o mediador) se obriga perante outra, que disso o incumbiu (o comitente), de conseguir interessado para certo negócio, bem como a aproximar o terceiro e o comitente, por forma a que o dito negócio se venha a realizar, concluindo-se o mesmo como consequência adequada dessa sua actividade de intermediário, sendo então remunerado pelo dador daquele encargo.
Logo, «a obrigação principal do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente, conclui, ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato, podendo a sua remuneração caber a ambos os contraentes ou apenas àquele que recorreu aos seus serviços» (Pinto Monteiro, Estudos sobre o contrato de Agência, Anteprojecto, BMJ, 360, com bold apócrifo).

Compreende-se, por isso, que se afirme que no contrato de mediação se encontra (9):

· o encargo ou incumbência (do mediador) de aproximação de potenciais contraentes
A função do mediador consiste em conseguir interessado para certo negócio, pondo-o em contacto com a outra parte que quer realizar essa operação (na maior parte das vezes, comercial). Aproxima, assim, dois possíveis contraentes, estabelece os necessários contactos entre eles, esclarecendo-os e informando-os das condições pretendidas por cada um (10).
Lê-se, em conformidade, no art. 17.º, n.º 1, als. c) e d) da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que a «empresa de medição é obrigada a» propor «aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro», e a comunicar «imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado».

· a actividade (do mediador) desenvolvida tendente à celebração do negócio
O mediador desenvolve uma actividade de carácter material e preparatório, procurando que certo negócio se venha a realizar, existindo por isso uma relação de causalidade ente a actividade do mediador e a conclusão do contrato procurado.
Por outras palavras, é preciso que a actividade do mediador ao actuar (ajudando e preparando a conclusão de certo negócio), embora não sendo a única causa do resultado obtido, se integre de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente.
Contudo, não constitui obrigação do mediador concluir o contrato; a sua obrigação fundamental é conseguir interessado para certo negócio, que raramente ele próprio conclui, sendo indiferente que intervenha na fase final do negócio (Ac. da RL, de 16.11.1989, CJ, 1989, Tomo V, p. 116).

Assim se compreende a afirmação de que: «o contrato de mediação é um contrato de actividade, no sentido de que, dentro dele, a função obrigacional do mediador é tão só a de procurar aproximar um terceiro da conclusão de certo negócio, previamente equacionado entre o mediador e o comitente» (Ac. da RP, de 20.03.1995, Lúcio Teixeira, Processo n.º 9341368); e que a vulgarmente designada «obrigação» do mediador é, em regra (isto é, quando não seja estipulado um regime de exclusividade), uma obrigação de meios, e não de resultado, tanto mais que a celebração do contrato pretendido pelo seu cliente está na «disponibilidade deste e de um terceiro e nem sequer é o resultado susceptível de ser directamente obtido pela atuação do mediador» (Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, pág. 41).

Com efeito, «nos casos mais comuns de contrato de mediação imobiliária, o mediador fica tão-somente incumbido de diligenciar no sentido de encontrar interessados para certo negócio, e preparar depois a respectiva conclusão; ele obriga-se assim a uma actividade, não a um resultado, embora este seja para si desejável na medida em que corresponde ao seu próprio interesse de lucro» (Ac. do STJ, de 05.06.1996, Processo n.º 88410, Sumários, 2º).

· a imparcialidade com que (o mediador) age
Característica essencial da mediação é a independência e a autonomia do mediador, face nomeadamente ao seu cliente, de quem não é representante, e de quem não depende. O mediador não está, assim, vinculado a nenhuma das partes no negócio em que intervém, não estando ligado a qualquer delas por relações de colaboração, de dependência, ou de representação; nem defende o interesse de qualquer delas, actuando, pelo contrário, em seu nome pessoal, e no interesse de ambas.

Por outras palavras, «o mediador não está ligado a nenhuma das partes, actua com inteira independência, devendo ser absolutamente imparcial no cumprimento das suas funções: limita-se a fazer aproximar os dois possíveis contraentes, estabelece os necessários contactos entre eles, esclarece-os, informa-os, mas não toma qualquer posição de defesa dos interesses de um em relação ao outro» (Fernando Pessoa Jorge, Mandato Sem Representação, Almedina, pág. 233) (11).
Por este motivo, a mediação não implica qualquer ideia de representação, nem jurídica (já que o mediador se limita a preparar um contrato, em que não intervém, sendo a sua actividade essencialmente não jurídica), nem económica (já que o mediador não representa os interesses de uma das partes, agindo no interesse de ambas).
Compreende-se, ainda, que se afirme que o «contrato de mediação, por definição, não autoriza o mediador a intervir no contrato desejado em representação do cliente, pois todo ele se executa num tempo anterior à celebração do contrato desejado. Repara-se que a procura de destinatário para a realização de negócio, cerne da definição da atividade de mediação, deixa de fora o momento da celebração do negócio desejado, consubstanciando-se em atos materiais, como os exemplificados no art. 2º, nº 2» (Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, pág. 46).
O mediador é, pois, um profissional independente: «a mediação exige (…) que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação» (Menezes Cordeiro, «Do Contrato de Mediação», O Direito, Ano 139º, 2007, III, pág. 517).

· a ocasionalidade da sua intervenção
A relação contratual estabelecida entre o mediador e o comitente é por norma temporária, cessando logo que concluído o negócio.
Por outras palavras, «ao mediador são confiadas funções isoladas, individualizadas, ocasionais, intervindo apenas quando solicitado para determinado acto ou negócio jurídico concreto. Não existe, portanto, qualquer relação duradoura entre o mediador e as pessoas perante as quais ele se compromete a servir de intermediário. Sem dúvida que pode negociar várias operações entre as mesmas pessoas, mas, nesse caso, para cada uma dessas operações estabelece-se uma relação autónoma e distinta das anteriores» (Maria Helena Brito, O contrato de concessão comercial, Almedina, 1990, pág. 6).

· a retribuição que lhe será devida
O mediador só terá direito a remuneração quando haja desenvolvido uma actividade que haja influído na conclusão do negócio, sendo causa bastante da sua efectivação.
Enfatiza-se que a «conclusão do contrato visado (…) não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para o mediador o direito à remuneração» (Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, pág. 122) (12).
Logo, se para este efeito «não é necessário que o mediador esteja presente até à conclusão do negócio», já «é necessário que a conclusão daquele resulte adequadamente da sua conduta ou actividade. Temos, assim, que o direito do mediador à remuneração depende de a conclusão do negócio ser efeito da sua intervenção (Ac. da RP, 10.02.2015, Maria Amália Santos, Processo n.º 1216/11.0YIPRT.P1, com bold apócrifo).
«O Juízo positivo a formular sobre esta relação de causa e efeito deve assentar na verificação de um nexo de causalidade adequada; é preciso que actividade do mediador, embora não sendo a única causa do resultado produzido, se integre de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente» (Ac. do STJ, de 31.03.1998, BMJ, n.º 345, pág. 686, com bold apócrifo).
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4.1.3. Constituição da obrigação de pagamento (da remuneração)
4.1.3.1. Regra geral - Angariação de comprador + Celebração da compra e venda com cliente angariado

Particularizando este último aspecto, lê-se no art. 16.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, como menção obrigatória do contrato de mediação imobiliária, a «identificação do negócio visado pelo exercício da mediação».
Logo, é pela individualização deste que se concretizará a actividade da empresa de mediação imobiliária, já que é com vista à sua realização que a mesma terá que conseguir interessado para o efeito, designadamente através da divulgação e publicitação do imóvel dele objecto (ainda art. 2.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do diploma citado).
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Mais se lê, no art. 19.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que «a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação», sendo esta a regra.
Precisando esta «conclusão» do negócio visado, compreende-se a sua exigência, já que a actividade de mediação imobiliária existe toda ela voltada para um determinado fim, a concretização do negócio pretendido pelo cliente que contrata a empresa mediadora, e que determina os contornos da actividade desta. Assim, ainda que esta angarie múltiplos potenciais interessados na celebração do dito negócio, se os mesmos vierem a desistir do seu propósito, ou por qualquer outro modo a não concretizar o mesmo, a remuneração não é devida, já que o interesse do cliente permanece por satisfazer.
«A questão da relação da causalidade que deve intercorrer entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio é, um dos temas mais melindrosos e mais debatidos da teoria da mediação, como bem se compreende, desde logo pelas suas relevantes consequências práticas» (Fernando Baptista de Oliveira, «O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial», e-book do CEJ - publicado em www.cej.mj.pt -, pág. 57, com bold apócrifo).
Dir-se-á, porém, que a «necessidade de um nexo entre a actividade do mediador e o evento de que depende a sua remuneração – normalmente a celebração do contrato desejado – tem sido consistentemente afirmada pela doutrina e pela jurisprudência. A actividade do mediador deve ter contribuído de forma decisiva ou importante para a conclusão do contrato, não tendo, porém, que ser a sua única causa.
É visível a consciência da importância do nexo de causalidade na solução de vários problemas: desfasamento temporal entre a vigência do contrato de mediação e a conclusão do contrato visado; contribuição de vários mediadores; celebração do contrato com interessado diferente do angariado pelo mediador» (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Colecção Teses, Almedina, 2014, págs. 298 e 299, com bold apócrifo).

Ora, «tem sido entendimento generalizado na jurisprudência que o mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração convencionada com o comitente/cliente se o negócio visado (constituindo objecto legal da sua actividade de mediação) vier a ser concluído/concretizado e desde que a celebração deste tenha sido o corolário ou a consequência da sua actividade – exigindo-se um nexo causal entre a sua actuação (no âmbito da mediação) e a outorga do contrato visado (competindo ao mediador a alegação e prova dos pressupostos do seu direito, particularmente da verificação desse mesmo nexo causal).
Isto é, o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos actos adequados a conseguir que seja atingido o objectivo do contrato – a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação.
Dito de outra forma: o mediador adquire o direito a receber a remuneração/comissão quando o seu trabalho influi sobre a conclusão do negócio – ou seja, o mediador tem direito à comissão quando, embora a sua actividade não seja a única causa determinante da cadeia dos factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, contribuiu/influiu (decisivamente) para ela» (Fernando Baptista de Oliveira, «O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial», e-book do CEJ - publicado em www.cej.mj.pt -, pág. 57).
Assim se compreende que se afirme que, quando «o contrato visado é celebrado após o termo do contrato de mediação (seja porque decorreu o prazo a que estava sujeito, seja porque lhe foi posto termo por iniciativa das partes ou de uma delas), mas por influência da actuação do mediador ainda em vida do contrato, o mediador mantém o direito à remuneração» (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Colecção Teses, Almedina, 2014, pág. 299, com bold apócrifo).
Tem sido, igualmente, este o entendimento seguido pela maioria da jurisprudência dos Tribunais Superiores (conforme plúrimos acórdãos citados por Higina Orvalho Castelo, última obra citada, págs. 299 e 300, e Fernando Baptista de Oliveira, obra citada, págs. 58-67).

As únicas excepções previstas a um tal regime («a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação»), encontram-se na II parte do n.º 1 do art. 16.º citado, e no seu n.º 2: «se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra» (II parte, do n.º 1, do art. 16.º); e é «igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel».
Assim, a lei, ao fazer depender a remuneração do mediador da «conclusão» do negócio visado, consagrou «um mecanismo autocoercivo, gerador de um empenho acrescido do mediador no desenvolvimento de uma atividade eficaz, e de um mecanismo de segurança para o cliente que nada terá de pagar se não quiser aproveitar a oportunidade negocial encontrada pelo mediador (ressalvados alguns casos de contrato com cláusula de exclusividade), tendo em ambos os casos contrapeso no normalmente elevado valor da remuneração» (Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, pág. 128, com bold apócrifo).
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Precisando agora a «perfeição» do negócio visado (concomitante condição do direito do mediador à sua remuneração), a lei pretende significar a respectiva eficácia: «para além da conclusão do contrato», é «também necessário que o mesmo não seja (ou, eventualmente, não venha a ser considerado - caso da verificação da condição resolutiva) ab initio absolutamente ineficaz. Nesta expressão estão abrangidas a invalidade absoluta, a ineficácia em sentido estrito absoluto (cuja principal figura será a pendência de condição suspensiva) e a ineficácia a posteriori mas com efeitos retroativos à conclusão do contrato (verificação da condição resolutiva)» (Higina Orvalho Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, Almedina, 2015, págs. 129-130, com bold apócrifo).

Contudo, a retribuição do mediador é devida logo que o contrato pretendido se conclua, sendo indiferente que o mesmo seja ou não cumprido, já que «a conclusão do negócio verifica-se quando as partes celebram o negócio jurídico, sendo indiferente a execução posterior» (Ac. do STJ, de 02.09.1994, JSTJ00025479/dgsi/net)
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Assim, é a própria lei clara: no afirmar que é o negócio visado pela mediação que define o conteúdo do contrato de mediação imobiliária celebrado (sendo dele menção obrigatória, sob pena de nulidade); a afirmar a regra de que a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado com a mediação; e a distinguir, entre as duas únicas excepções a tal regra, os casos em que, sem celebração do contrato visado, é devida remuneração, daqueles outros em que, ainda não o tendo sido (mas pressupondo-se a sua futura concretização), já pode, porém, a empresa mediadora receber o pagamento da comissão que lhe seria devida a final, com a dita concretização.

Face ao exposto, compreende-se que incumba à mediadora a prova dos elementos constitutivos do direito à remuneração e da relação de causalidade entre os actos de promoção e mediação levados a cabo e a perfeição do negócio visado, o que também se aplica ao contrato de mediação com cláusula de exclusividade (conforme Ac. da RL, de 14.06.2012, Aguiar Pereira, Processo n.º 4620/05.9YXLSB.L1-6, e Ac. da RC, de 08.02.2014, José Guerra, Processo n.º 704/12.5T2OBR.C1).
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4.1.3.2. Excepção - Cláusula de exclusividade (não absoluta)

Particularizando agora uma das excepções referidas (à regra geral da constituição do direito do mediador à respectiva remuneração apenas com a conclusão e perfeita do negócio), nomeadamente aquela que assenta no regime de exclusividade em que foi celebrado o contrato de mediação (permitindo que seja devida mesmo sem a conclusão do negócio, desde que essa falta seja imputável ao cliente proprietário do bem imóvel), dir-se-á que a remuneração da mediadora depende então e apenas do cumprimento da sua obrigação e do respectivo sucesso (angariação de comprador).

Precisa-se que esta cláusula de exclusividade significa que o cliente da mediadora fica obrigado a não contratar outra para a promoção do mesmo negócio visado durante o período de vigência do contrato com o exclusivo; não fica, porém, impedido (salvo cláusula de exclusividade absoluta) de negociar directamente o objecto do contrato com algum interessado que se lhe dirija sem ser por intermédio da mediadora, nem obrigado a contratar apenas com interessados que lhe sejam indicados por esta.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, «sem prejuízo de as partes poderem manifestar claramente o seu acordo noutro sentido, a melhor interpretação de uma cláusula de teor idêntico ao do art. 19, n.º 4, do revogado DL 211/2004 (só a empresa de mediação tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação) restringe a operacionalidade da cláusula ao afastamento da concorrência, não podendo ver-se como tal a iniciativa do próprio cliente. Por um lado, o campo de regulação do RJAMI é o da atividade empresarial de mediação imobiliária, devendo a cláusula em causa ser lida a essa luz. Por outro lado, a interpretação mais lata contende com as normas dimanadas do princípio da autonomia privada, na sua modalidade de liberdade contratual, que tanto peso têm no âmbito do direito privado, pelo que carece de uma indicação clara das partes nesse sentido.
De dizer que a posição defendida não prescinde do cumprimento pelo cliente do seu dever de informar previamente a mediadora exclusiva da sua intenção de celebrar contrato com pessoa por si diretamente encontrada e de se assegurar que tal pessoa não chegou a si graças à atividade da mediadora» (Higina Orvalho Castelo, O Contrato de Mediação, Colecção Teses, Almedina, 2014, págs. 428 e 429, com bold apócrifo) (13).
Ora, «tal como a doutrina maioritária, também a jurisprudência tem entendido que a cláusula de exclusividade apenas proíbe o cliente de recorrer a outros mediadores (se o fizer, e o contrato visado vier a ser celebrado com interessado angariado pela mediadora terceira, o direito à remuneração é inquestionável, prescindindo-se, até, nesta situação, do preenchimento do nexo de causalidade entre o contrato celebrado e a actividade da mediadora!), não o inibindo de contratar directamente com (terceiro) interessado por si directamente encontrado (já que assim se limitaria, injustamente, a liberdade do próprio cliente, para mais em se tratando de pessoas singulares e normalmente sem os meios e os contactos que têm as empresas mediadoras) sem prejuízo de estipulação expressa no sentido desta proibição alargada, bem assim de aceitar propostas que espontaneamente lhe sejam feitas por terceiros (exclusividade absoluta - caso, portanto, em que o cliente também fica impedido de celebrar contrato com interessado por si angariado e se o fizer, viola a cláusula de exclusividade, assistindo à mediadora o direito à remuneração acordada)».
«Assim, ao invés do que ocorre no contrato de mediação imobiliária simples (em que o cliente da mediadora pode celebrar com outro interessado o negócio visado no contrato que com aquela celebrara (com respeito, porém, do princípio da boa fé), assistindo à mediadora o direito a ser remunerada desde que o negócio visado no contrato tenha sido efectuado e se encontre perfeito, o que depende, portanto, da disponibilidade do cliente e de um terceiro – artº 19º/1 RJAMI), já no caso de ter sido introduzida uma cláusula de exclusividade, em determinados termos (…) pode assistir ao mediador, não apenas o direito de ser o único a promover o contrato, como também o direito à remuneração mesmo que o contrato se não conclua ou em nada tenha contribuído para a sua celebração!» (Fernando Baptista de Oliveira, «O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial», e-book do CEJ - publicado em www.cej.mj.pt -, págs. 72 e 72, com indicação de plúrimos arestos conformes).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

4.2.1. Concretizando, verifica-se que, dedicando-se a Autora (X Mediação Imobiliária Unipessoal, Limitada) à actividade de mediação imobiliária, celebrou com o Réu (S. C.), em 30 de Junho de 2014, um contrato escrito epigrafado «CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA Nº 506/2014», por meio do qual se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra de um imóvel deste, destinado a habitação, pelo preço de € 75.000,00, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre o negócio pretendido; e como contrapartida obrigou-se o Réu a pagar-lhe uma remuneração no valor de € 5.000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, vigorando o dito contrato por 9 meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, desde que não fosse denunciado por qualquer uma das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo.
Mais se verifica que o dito contrato foi celebrado em regime de exclusividade, isto é, só a Autora poderia promover o negócio objecto do acordo de mediação, durante o respectivo período de vigência, obrigando-se o Réu a pagar-lhe a comissão acordada caso violasse essa obrigação de exclusividade.
Verifica-se aina que, tendo a Autora promovido efectivamente a venda do imóvel do Réu, nomeadamente levando H. C. e T. P. a visitá-lo, não chegou a ser concluído qualquer negócio de compra e venda no período de vigência do contrato de mediação em causa, rescindido pelo Réu por carta que lhe dirigiu em 20 de Outubro de 2015, por alegadamente ter desistido do inicial propósito de venda.

Dir-se-ia, assim, que, não obstante as diligências desenvolvidas pela Autora, a mesma não teria direito a qualquer remuneração, uma vez que não teria angariado qualquer interessado no negócio de compra e venda que o tivesse efectivamente celebrado, durante a vigência do contrato ou ainda que posteriormente.
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4.2.2. Concretizando novamente, verifica-se porém que, em 22 de Fevereiro de 2016, o Réu veio efectivamente a vender o imóvel em causa a H. C. e T. P., defendendo a Autora nos autos que os mesmos o conheceram por sua exclusiva intervenção, e tendo-os o Réu conhecido por seu intermédio, rescindindo depois o contrato de mediação com a exclusiva intenção de se furtar à remuneração a que ela teria direito.
Contudo, cabendo-lhe o ónus de demonstrar o nexo de causalidade entre a sua actuação e a celebração do negócio (nomeadamente, que o Réu apenas conheceu os futuros compradores mercê da actividade por si desenvolvida, durante o período de vigência do contrato de mediação), soçobrou nessa prova.

Com efeito, ficou assente que nunca apresentou os mencionados H. C. e T. P. ao Réu, e nunca forneceu a este a identificação daqueles como potenciais interessados na compra do imóvel; e ficou por demonstrar que, na altura de rescisão do contrato de mediação, o Réu já tivesse contactado directamente com os futuros compradores, sendo conhecedor da sua intenção de adquirirem o seu imóvel (já então formada, de forma certa e definitiva), tendo aquela rescisão sido realizada com a intenção de frustrar a remuneração a que a Autora teria direito.
Logo, sendo possível que, de facto, essa pudesse ter sido a realidade ocorrida, certo é que cabia à Autora demonstrá-la (para isso se tendo previamente anulado a primeira sentença proferida nos autos, por forma a considerar o teor daquela alegação), o que porém deixou por fazer (face, nomeadamente, à falta de impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo).
É, assim, igualmente possível que, tal como o Réu sustentou nos autos, só posteriormente à revogação do seu propósito de venda tenha conhecido o futuro comprador do seu imóvel, desconhecendo ele próprio por que forma é que o mesmo chegou até si (nomeadamente, que tivesse antes conhecido o imóvel mercê da actuação a Autora e formado logo então o seu propósito de aquisição respectiva, e não em momento posterior, mercê de quaisquer outras e diversas circunstâncias); e, desse modo, não se pode afirmar que a compra e venda havida se concluiu e perfectibilizou mercê da actividade desenvolvida para o efeito pela Autora (ainda que em momento posterior ao fim da vigência do contrato de mediação celebrado, o que porém não obstaria a que a dita remuneração lhe fosse devida).
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Improcede, por isso, o recurso de direito, interposto pela Recorrente (Autora), devendo confirmar-se integralmente a sentença recorrida.
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V – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora (X Mediação Imobiliária Unipessoal, Limitada) e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Autora recorrente (art. 527.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
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Guimarães, 05 de Novembro de 2020.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.



1. A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art. 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicção de origem - onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
2. Reafirmando hoje este entendimento, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, Almedina, págs. 172 e 173, onde se lê que, «expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão».
3. No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, págs. 762, nota 3, quando afirmam que «objeto do recurso é integrado pelas respectivas conclusões», sem prejuízo das «questões de conhecimento oficioso relativamente às quais existam elementos que possam ser apreciados» (o que reafirmam a pág. 767, nota 4, e a pág. 770, nota 3, da mesma obra).
4. Não podem, por isso, valer como conclusões «arrazoados longos e confusos, em que se não discriminem com facilidade as questões postas e os fundamentos invocados» (Professor Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, pág. 361. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 06.12.2012, Lopes do Rego, Processo n.º 373/06.1TBARC-A.P1.S1, que inclusivamente apelida o ónus em causa como «ónus de concisão».
5. No mesmo sentido, Rui Pinto, Notas Ao Código De Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 142, nota 4.
6. Aparentemente no mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código De Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, quando a pág. 768, nota 6, reservam o despacho de aperfeiçoamento ao recurso «em matéria de direito»; e quando a pág. 720, nota 2, referem - sem qualquer crítica, ou afastamento - que, segundo «a jurisprudência largamente maioritária, não existe relativamente ao recurso da decisão da matéria de facto despacho de aperfeiçoamento». Fazem, porém, notar que esta solução, «em vez de autorizar uma aplicação excessivamente rigorista da lei, deve fazer pender para uma solução que se revele proporcionada relativamente à gravidade da falha verificada». Na jurisprudência mais recente, veja-se o Ac. do STJ, de 03.10.2019, Maria Rosa Tching, Processo n.º 77/06.5TBGVA.C2.S2, onde se lê que, relativamente «ao recurso da decisão da matéria de facto, está vedada ao relator a possibilidade de proferir despacho de aperfeiçoamento, na medida em que, em matéria de recursos, o artigo 652º, nº1, al. a), do Código de Processo Civil, limita essa possibilidade às “conclusões das alegações, nos termos do nº 3 do artigo 639º”».
7. Serão, por exemplo, os casos em que o recorrente, enunciando os pontos de facto que pretende impugnar, é porém omisso quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida (Ac. da RP, de 10.07.2013, Manuel Domingos Fernandes, Processo n.º 391/11.8TBCHV.P1), ou não cumpre os ónus secundários do n.º 2 do art. 640.º do CPC, designadamente, de exacta indicação das passagens da gravação (Ac. do STJ, de 22.10.2015, Lopes do Rego, Processo n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1, ou Ac. do STJ, de 26.11.2015, António Leones Dantas, Processo n.º 291/12.4TTLRA.C1.S1).
8. Contudo, em sentido contrário, Ac. do STJ, de 26.05.2015, Hélder Roque, Processo n.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1, onde se lê que a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação.
9. Apud Carlos Lacerda Barata, «Contrato de medição», Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, 2003, e Higina Orvalho Castelo, O contrato de mediação, Teses, Almedina, 2014.
10. Neste sentido, Vaz Serra, RLJ, n.º 100, pág. 343, onde se lê que o contrato de mediação é «um contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte»; Menezes Cordeiro, «Do Contrato de Mediação», O Direito, Ano 139º, 2007, III, págs. 516 a 554, onde se lê que, em «sentido amplo, diz-se mediação o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo»; ou Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, pág. 785, onde ainda defendem ser o contrato de mediação uma modalidade do contrato de prestação de serviços.
11. No mesmo sentido, Menezes Cordeiro, «Do Contrato de Mediação», O Direito, Ano 139º, 2007, III, págs. 516 a 554, onde se lê que, em «sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação».
12. No mesmo sentido, Fernando Baptista de Oliveira, «O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial», e-book do CEJ - publicado em www.cej.mj.pt -, págs. 46-67.
13. Fernando Baptista de Oliveira, «O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial», e-book do CEJ - publicado em www.cej.mj.pt -, págs. 70 e 71, onde se lê que a «introdução de tal cláusula de exclusividade visa, de facto, proteger o interesse da empresa mediadora em só ela diligenciar no sentido da realização do negócio intencionado, de modo a garantir a remuneração dos actos materiais que, para tanto, leve a cabo».