Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | NAZARÉ SARAIVA | ||
Descritores: | REJEIÇÃO ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA INTRODUÇÃO EM LUGAR VEDADO AO PÚBLICO PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/27/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I – A acusação deve ser rejeitada se não contiver todos os elementos de facto que integram a previsão do crime imputado, pois ocorreria uma violação do princípio do acusatório se o juiz do julgamento colmatasse a insuficiência existente. II – É requisito do crime de introdução em lugar vedado ao público que o espaço esteja fisicamente delimitado, em termos de a entrada arbitrária só ser possível ultrapassando uma barreira física, devendo esse facto constar da acusação sob pena de esta ser manifestamente improcedente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: Remetidos os autos de inquérito nº751/05.3GBGMR-A.G1 ao 2 Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi proferido despacho a rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público, na parte em que imputava ao arguido Miguel O... a prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público p. p. pelo artº 191º do CPenal, com o fundamento de faltar «à acusação (…) elementos factuais reportáveis ao tipo subjectivo do crime em análise (…)». *** Inconformado com a decisão, interpôs recurso o Ministério Público, onde, em síntese, sustenta que: - «É manifesto que a acusação contém o elemento subjectivo do tipo de crime de introdução em lugar vedado ao público p. p. artº 191º do CP»; - «Consta da acusação que o arguido sem qualquer pedido de autorização ou consentimento, entrou naquele logradouro, propriedade do ofendido e ainda que actuou, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei»; - «O que foi narrado na acusação patenteia de forma manifesta que o arguido agiu com conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito (sendo o conhecimento o momento intelectual e a vontade o momento volitivo de realização do facto) e descreve com suficiência os factos constitutivos do crime de introdução em lugar vedado ao público p. p. pelo artº 191º do CP». *** Não houve resposta.*** Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso merece obter provimento.*** Foi cumprido o artº 417º, nº 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta.*** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.A única questão trazida à apreciação desta Relação consiste em saber se os factos narrados na acusação deduzida pelo Ministério Público podem fundamentar a imputação ao arguido do crime de introdução em lugar vedado ao público p. p. pelo artº 191º do CPenal, Vejamos, então... De acordo com o disposto no artº 283º, nº 3, al. b), do CPP, a acusação contém, sob pena de nulidade, “ a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”. Acresce que, recebidos os autos em tribunal, e caso não tenha havido instrução, o presidente pode rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada, por «não conter a narração dos factos» – vd. artº 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. b) do Código de Processo Penal. Por último, dispõe o artº 191º do Código Penal, sob a epígrafe “Introdução em lugar vedado ao público”: “ Quem, sem consentimento ou autorização de quem de direito, entrar ou permanecer em pátios, jardins ou espaços vedados anexos a habitação, em barcos ou outros meios de transporte, em lugar vedado e destinado a serviço ou a empresa públicos, a serviço de transporte ou ao exercício de profissões ou actividades, ou em qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao publico, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 60 dias».- (salientado nosso): Pois bem, a actual redacção que, como sabido, resultou da revisão do CP levada a efeito pelo DL nº 48/95, de 15/03, apresenta, em relação ao artº 177º do texto de 1982, para além de outras diferenças, a substituição da expressão «…lugar reservado ou…) pela expressão «lugar vedado e…», o que significa, como anota Maia Gonçalves, «que deve haver sempre uma barreira física (porta, portão, arame, tapume, etc), entre o espaço reservado e o exterior». Cfr. Código Penal Português, 18º ed. pág. 691. Aliás, Simas Santos e Leal Henriques também expressam igual entendimento ao escreverem que «É preciso que tais lugares estejam cercados ou participem de recinto fechado, pois, de contrário, não estará indicada a vontade de excluir o ingresso de estranhos» Cfr. Código Penal, 2ª ed. pág. 369.; e o mesmo sucede com o Prof. Manuel da Costa Andrade, designadamente quando refere que «… o objecto da acção tem de assumir a forma de um espaço fisicamente limitado, em termos de a entrada arbitrária só ser possível ultrapassando uma barreira física. Pode ser um muro, uma sebe, uma paliçada, uma rede, um portão, fiadas de arame, barras horizontais, etc. Pode mesmo tratar-se de uma barreira descontínua “ desde que não perca o carácter de uma protecção física “. (…) O que já não basta é uma mera barreira psicológica (…)». Cfr. Comentário Conimbricense do Código penal, 1999, tomo I, pág.719 Pois bem, debruçando-nos sobre a acusação deduzida pelo MP, uma conclusão desde logo se impõe e que é a desnecessidade de discorrer sobre se em tal peça processual constam narrados os elementos reportáveis ao elemento subjectivo do crime prevenido no artº 191º o CP. É que da acusação não consta a narração de um facto essencial para o preenchimento do tipo legal, a saber, que se tratava de um logradrouro vedado. Logo, os factos narrados na acusação não podem, só por si, fundamentar a aplicação de uma pena ao arguido, desde logo face à ausência de alegação de um dos elementos objectivos do crime de introdução em lugar vedado ao público (arts 1º, nº 1, al. a), e 368º, nº 2, al. a), do CPP.). Por último, importa dizer que, por força do princípio da acusação ou do acusatório, consagrado no artigo 32º, nº 5, da CRP, estaria vedado ao juiz do julgamento colmatar a apontada lacuna da acusação, uma vez que o objecto do processo ficou por ela definido. Consequentemente, o julgador ficaria vinculado tematicamente a esse mesmo objecto, uma vez que, conforme escreve Paulo Pinto de Albuquerque, “ A garantia de que o juiz de julgamento não esteja implicado na definição do objecto do processo é conatural à imparcialidade do próprio tribunal. O princípio da acusação representa, pois, uma concretização constitucional do princípio da imparcialidade do tribunal”. cfr. Comentário do Código de Processo Penal, 2ª ed., em anotação, ao artº 4º . * Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso, confirmar a decisão recorrida. Não há lugar a tributação. |