Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
979/21.9T8VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
VÍCIOS FORMAIS
APRECIAÇÃO JUDICIAL DO DESPEDIMENTO
VERIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Estamos na presença da nulidade da sentença a que alude a 1ª parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vem expresso na sentença, ou seja a sentença padece de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, pois a argumentação desenvolvida ao longo da sentença aponta de forma clara para um determinado sentido ou direcção e não obstante, a decisão é proferida em sentido oposto, ou pelo menos em direcção diferente.
II Estando em causa um despedimento precedido de procedimento disciplinar é aplicável o n.º 4 do art.º 387.º do CT. (cfr. art.º 98.º-M do CPT.) o qual impõe, em qualquer caso, ao juiz que se pronuncie sobre a “verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento“, ainda que da apreciação dos vícios de natureza formal de que padeça o procedimento disciplinar se apure a sua ocorrência geradora da ilicitude do despedimento por facto imputável ao trabalhador. Tal poderá ter interesse, ainda que residual, no eventual apuramento da indemnização concreta a atribuir ao trabalhador,
III - Ainda que se verifique a justa causa de despedimento do autor, como sucedeu neste caso, o facto de se ter considerado o despedimento ilícito por caducidade do prazo para aplicação da sanção disciplinar explica a condenação da Ré nos termos que constam da sentença recorrida, não tendo assim sido cometido qualquer erro de julgamento que imponha a sua revogação.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: “X (…) – ÁREA DE SERVIÇO, LDA”
APELADA: C. M. Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo do Trabalho de ..., Juiz 1

I – RELATÓRIO

C. M., residente na Avenida … ..., intentou a presente acção, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora “X (...) – ÁREA DE SERVIÇO, LDA”, com sede na Avenida …, …, apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98.º -C do CPT. e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento

Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, a entidade empregadora apresentou articulado fundamentador do despedimento pugnando pela improcedência da acção e manutenção da decisão de despedimento com justa causa.
O Trabalhador apresentou a sua contestação/reconvenção e alega em resumo que o despedimento é ilícito, por terem sido preteridas as formalidades do procedimento disciplinar e por não se verificarem os pressupostos que justificariam a justa causa de despedimento. Reclama a indemnização em substituição da reintegração no montante de €3.584,59, bem como o pagamento de €11.17,42 a título de créditos laborais e indemnização por danos não patrimoniais, a arbitrar pelo tribunal e respetivos juros de mora.
O empregador veio responder ao pedido reconvencional pugnando pela sua improcedência e reiterando a posição assumida no seu articulado.

Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento, foi pelo Mmo. Juíz a quo proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Em face do exposto, nos presentes autos de acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, decide-se:

a) Declarar a ilicitude do despedimento, com fundamento em justa causa, promovido pela ré X (...) - ÁREA DE SERVIÇO, LDA., relativo ao autor C. M.;
b) Condenar a ré X (...) - ÁREA DE SERVIÇO, LDA., a pagar ao autor C. M. a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto às remunerações previstas no artigo 390.º, n.º 1, do C.T., deduzidas das importâncias estabelecidas no artigo 390.º, n.º 2, do C.T., sendo tal quantia acrescida de juros de mora, calculados nos termos supra referidos – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.
c) Condenar a ré X (...) - ÁREA DE SERVIÇO, LDA., a pagar ao autor C. M. a quantia de € 1.995,00 (mil, novecentos, noventa e cinco euros), a título da indemnização prevista no artigo 391.º, n.º 1, do C.T., acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 %, contados desde a data da presente sentença e até integral e efectivo pagamento;
d) Condenar a ré X (...) - ÁREA DE SERVIÇO, LDA., a pagar ao autor C. M. as seguintes quantias:
1.€ 2.200,00 (dois mil e duzentos euros), a título de trabalho suplementar, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento;
2.€ 665,00 (seiscentos, sessenta e cinco euros), a título de subsídio de férias, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento;
3.€ 221,67 (duzentos, vinte e um euros, sessenta e sete cêntimos), a título de proporcionais de subsídio de natal, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento;
4. 221,67 (duzentos, vinte e um euros, sessenta e sete cêntimos), a título de proporcionais de retribuição de férias, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento;
5. 221,67 (duzentos, vinte e um euros, sessenta e sete cêntimos), a título de proporcionais de subsídio de férias, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, actualmente de 4 % e contados nos sobreditos termos e até efectivo e integral pagamento;
e) Julgar improcedentes os demais pedidos reconvencionais formulados pelo autor C. M. contra a ré X (...) - ÁREA DE SERVIÇO, LDA., a qual se absolve em conformidade de tais pretensões;
f) Condenar o autor C. M. e a ré X (...) - ÁREA DE SERVIÇO, LDA., no pagamento das custas processuais, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em partes iguais – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 535.º, n.º 1, do C.P.C.
*
VII – DO VALOR DA CAUSA:

Atento o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 306.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 98.º-P, n.º 2, do C.P.T., fixa-se o valor da causa em € 5.525,01 (cinco mil, quinhentos, vinte e cinco euros e um cêntimo), rectificando-se o valor provisoriamente fixado no despacho saneador.
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Verifica-se que a acta de 14/01/2022 contém um lapso de escrita na identificação do gerente da ré, pelo que se determina a sua rectificação em conformidade – cfr. artigos 249.º e 295.º do Código Civil.
*
Registe e notifique.”

Inconformado com o decidido apelou o empregador para este Tribunal da Relação e termina a sua alegação com as seguintes conclusões:

. I – Nos termos do disposto no CPC – regime aplicável – é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
II – é o que considera a recorrente verificar-se na douta sentença a quo;
III – Na mesma, o Meritíssimo Senhor Juíz refere, expressamente. “ (…) Temos, assim, que se deve concluir pela existência de justa causa para o despedimento do autor, por referência aos critérios dos nºs 1 e 3 do artigo 351º do C.T. (…)”.
IV – Esta conclusão criou na ora recorrente a convicção da bondade da posição que defendia, não perspectivando outro desfecho senão a declaração da licitude do despedimento, com a sua consequente absolvição;
V – A decisão proferida foi, no entanto, no sentido contrário, isto é, no da declaração da ilicitude do despedimento com justa causa, vindo a ora recorrente a ser condenada, parcialmente, no pedido formulado pelo autor;
VI – A leitura e interpretação de uma decisão desta natureza deve ser clara e de molde a que a um declaratário normal não se coloquem dúvidas sobre a respectiva fundamentação ou se possa verificar oposição entre esta e aquela.
VII – Não foi o que aconteceu na sentença ora recorrida, pois que da mesma resulta, efectivamente, a confirmação de ter-se verificado a justa causa mas, por outro lado, ter havido uma declaração de ilicitude do despedimento;
VIII – Nessa medida, deverá tal sentença ser declarada nula, atento o disposto nos artigos 615º nº 1 al. c) e 617º do CPC.
XIX – Entende, também, a ora recorrente, existir erro na apreciação da prova, designadamente quanto aos factos dados como provados e a relevância que aos mesmos é dada na decisão final;
X – Da prova produzida resulta – e é expressamente referido na sentença – que o comportamento atribuído ao autor se verificou, de facto, atentos os depoimentos / declarações de parte do gerente da ré ora recorrente, assim como das testemunhas.
XI – Conclui, a douta sentença, que o trabalhador adoptou as condutas que lhe foram assacadas e que, por via disso, existe justa causa de despedimento do mesmo, por referência aos critérios dos nºs 1 e 3 do artigo 351º do C.T.
XII – A decisão, porém, apesar disso, condena parcialmente a ré no pedido.
XIII – Impunha-se, todavia, que o Meritissimo Senhor Juíz, por recurso às regras da experiência e da lógica, espelhando os factos que entendeu provados na decisão proferida, tivesse decidido declarar lícito o despedimento, com as legais consequências, nomeadamente a absolvição da ré, ora recorrente de todos os pedidos formulados, até porque,
XIV – da apreciação da matéria de Direito igual conclusão deveria – salvo melhor entendimento – surgir, isto é,
XV – ser declarada improcedente, por não provada a pretensão do autor e determinada a absolvição da ré, pois que, verificada a existência de justa causa, legitimado se mostrava o despedimento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
DECIDINDO DESTE MODO FARÃO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS DESEMBARGADORES, COMO SEMPRE, INTEIRA JUSTIÇA.
O trabalhador respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificado tal parecer às partes, veio a recorrente manifestar a sua discordância com o parecer, pugnando pela procedência da apelação.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 – Da nulidade da sentença – art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC.
2 – Do erro na subsunção dos factos ao direito aplicável

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos provados:

1. A ré tem como objecto social:
“A exploração em áreas de serviço rodoviárias, do comércio de combustíveis, óleos, lubrificantes, pneus, peças, acessórios e outros materiais e artigos para veículos automóveis, do comércio a retalho de artigos de loja de conveniência, de serviços de lavagem, limpeza e assistência a veículos automóveis e, ainda, das actividades de restauração, de hotelaria e de entretenimento e lazer. O projecto, o financiamento, a construção e o equipamento, em áreas de serviço rodoviárias, das infra-estruturas e das estruturas necessárias para o exercício do seu objecto principal”.
2. O autor nasceu em -/02/1963.
3. O autor e a ré subscreveram um documento, datado de 24/10/2017, denominado “Contrato de Trabalho” (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e do qual resulta, no que ora releva:
• o autor foi admitido como trabalhador da ré, com efeitos reportados a 24/10/2017, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de “Empregado de Snack Bar” – cláusula 2.ª;
• de acordo com tal categoria profissional, o autor terá de desempenhar as seguintes funções (cláusula 3.ª):
“a) servir refeições e bebidas a clientes;
b) executa a preparação dos balcões para as diversas refeições; (...)
h) elabora a conta dos consumos e efectua a respectiva cobrança;
i) no final das refeições procede à arrumação e limpeza das instalações:”
• como contrapartida do seu trabalho, a ré obriga-se a pagar ao autor a remuneração mensal ilíquida de € 557,00 e o subsídio de alimentação será pago em espécie – cláusulas 4.ª e 5.ª;
. o autor poderá desempenhar a sua actividade em qualquer estabelecimento em que a ré exerça ou venha a exercer a sua actividade no distrito de ... ou nos distritos limítrofes – cláusula 6.ª;
. o autor obriga-se a prestar o seu trabalho no regime de horário fixo, respeitando os limites máximos de duração do trabalho legalmente estabelecidos – cláusula 7.ª;
• o descanso semanal será de dia e meio – cláusula 8.ª;
• à relação laboral é aplicável o C.C.T. outorgado entre a APHORT e a FESAHT – cláusula 11.ª;
4.O autor, ao longo do contrato, teve como local de trabalho o estabelecimento comercial de restauração (self-services), com a classificação de Grupo C, sito na estação de serviço de ..., Estrada A24.
5. Nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, a ré pagou ao autor, a título de remuneração, os montantes de € 557,00, € 580,00, € 600,00, € 635,00 e € 665,00, respectivamente.
6. A ré pagava mensalmente ao autor, a título de abono para falhas, o montante de € 50,00.
7. E. M., na qualidade de encarregado da ré, elaborou auto de notícia datado de 29/10/2020 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
8. Mediante documento datado de 30/10/2020, a ré deliberou instaurar ao autor procedimento disciplinar, face ao conteúdo do auto de notícia de 29/10/2020 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
9. Constam de documentos, datados de 20/11/2020, os depoimentos escritos prestados por C. C., E. M. e L. F. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10. No dia 24/11/2020 o autor recepcionou a nota de culpa que a ré lhe enviou, datada de 19/11/2020 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
11. No dia 09/12/2020 o autor apresentou resposta à nota de culpa, a qual foi recepcionada pela ré em 16/12/2020, apresentando a sua defesa (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
12. Foram inquiridas as testemunhas de defesa arroladas pelo autor, C. C., E. M. e L. F., dando-se conhecimento ao Ilustre Mandatário do autor dos depoimentos escritos mediante missiva datada de 12/03/2021 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13. A ré enviou ao autor uma missiva, datada de 20/04/2021, recepcionada em 27/04/2021, a qual foi acompanhada do relatório final do procedimento disciplinar (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) e na qual foi comunicado ao autor que este era despedido com justa causa (e nos demais termos que decorrem da missiva cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14. A ré não juntou ao processo disciplinar os relatórios do ano de 2020 elaborados pela empresa de fiscalização das limpezas.
15. No decurso do ano de 2020, o autor ficou sujeito ao regime de lay-off simplificado, no contexto da pandemia de Covid 19.
16. O autor dispunha do seguinte horário de trabalho por determinação da ré:
• segunda: 9h-13h e terça a sábado: 9h-17h; ou,
• segunda a sexta: 9h-17 e sábado: 9h-13h.
17. No dia 29/10/2020, pelas 20 horas, E. M., encarregado da ré, na companhia da trabalhadora L. F. (a quem cabia fazer o turno da loja), deslocou-se para fazer o controlo da caixa, sendo que o turno anterior havia estado a cargo do autor, e, depois de analisado o conteúdo da caixa e tendo por base os seus registos, concluíram E. M. e L. F. que o respectivo conteúdo, no valor global de €33,12, não correspondia à soma das vendas do dia, no montante de € 4,50, acrescido do fundo de maneio de caixa, no valor de € 50,00.
18. O autor foi contactado por E. M., e foi confrontado com a situação, após o que reconheceu que tinha ficado com o dinheiro em falta e que pretendia trocar uma nota de € 20,00 por moedas.
19. Em data não concretamente apurada, foi dito ao autor que teria de passar a entregar, em todos os fechos de caixa, o dinheiro do dia com o respectivo relatório de vendas, acrescido do fundo de maneio de caixa, ao funcionário que fazia o caixa da loja, para que este controlasse diariamente os valores entregues.
20. Foram emitidos certificados de incapacidade temporária relativos ao autor, para os seguintes períodos:
Início Fim Início Fim
07-06-2020 09-06-2020 30-12-2020 28-01-2021
11-09-2020 22-09-2020 29-01-2021 27-02-2021
23-09-2020 22-10-2020 28-02-2021 29-03-2021
23-10-2020 06-11-2020 30-03-2021 28-04-2021
18-12-2020 29-12-2020 29-04-2021 28-05-2021
21.O autor auferiu subsídio de doença relativo a 22 dias em Outubro de 2020, no valor global de € 468,82.
22.Relativamente ao mês de Outubro de 2020, a ré pagou ao autor o montante de €170,28, nos termos que resultam do recibo emitido pela ré (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
23. O montante do fundo de maneio da caixa deve permanecer para possibilitar que, a cada mudança de turno, o funcionário que assume o posto possa ter a capacidade de movimentar a caixa, designadamente para facilitar os trocos.

São os seguintes os factos não provados:

1. Desde há algum tempo que o autor vinha demonstrando desinteresse pelo exercício das suas funções, evidenciava um comportamento desenquadrado no local de trabalho e desestabilizador para os restantes elementos da equipa, tendo-lhe sido feitas chamadas de atenção, que não surtiram qualquer efeito.
2. O autor revelava comportamento descuidado nas suas funções de limpeza, não cumpria os horários de trabalho, encerrava o restaurante antes da hora e não cumpria as regras de higiene e segurança alimentar.
3. O autor sabia que, ao subtrair dinheiro da caixa, fosse por que motivo fosse, sem conhecimento ou consentimento da ré, lhe causava prejuízo patrimonial e feria irremediavelmente a relação de confiança que deve existir num vínculo de trabalho.
4. Em Novembro, J. A., funcionário da ré, chegou à área de serviço, e na presença da funcionária C. C., que estava a fazer o turno da loja, conferindo o fundo de caixa do restaurante, no montante de € 50,00, constatou que estava vazia, tendo o autor sido interpelado e reconhecido que havia pegado no dinheiro e guardado na sua carteira.
5. Após regressar do período de lay off simplificado e do período de baixa médica o autor desrespeitou a obrigação de entregar, em todos os fechos de caixa, o dinheiro do dia com o respectivo relatório de vendas, acrescido do fundo de maneio de caixa, ao funcionário que fazia o caixa da loja.
6. No dia 29/10/2020 o autor esteve ausente do serviço por doença.
7. Desde que foi despedido o autor anda perturbado, angustiado e nervoso, por temer pelo seu futuro e ter séria dificuldade em arranjar trabalho, tendo ainda ficado ofendido e revoltado, pela falta de consideração e desprezo, com que a ré o tratou.
8. Com a actuação da ré, ao proceder ao seu despedimento, viu-se privado da sua auto-suficiência, vivendo presentemente do auxílio de familiares.
9. Nos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 o autor realizou 40, 200, 200 e 52 horas de trabalho suplementar, respectivamente.
10. O autor não gozou qualquer descanso compensatório pelo trabalho suplementar.
11. Os relatórios do ano de 2020 elaborados pela empresa de fiscalização das limpezas não foram juntos ao procedimento disciplinar porque a Srª. Instrutora entendeu não o fazer, até porque era procedimento habitual que toda a equipa e respectivo responsável tivessem conhecimento com antecedência da visita da empresa encarregue da saúde e higiene no trabalho, por forma a garantir que os espaços estivessem, se possível, ainda mais limpos de que o habitual.
12. A ré não proporcionou ao autor formação profissional num total de 140 horas.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Da nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão

A recorrente/apelante veio arguir a nulidade da sentença invocando que a mesma padece do vício de contradição entre os fundamentos e a decisão, previsto no artigo 615.º n.º 1 al. c), 1ª parte do CPC. uma vez que apesar do Tribunal a quo ter concluído pela verificação de justa causa de despedimento, veio a considerar o despedimento de ilícito, dele extraindo as consequências resultantes da lei, procedendo à condenação da Recorrente a indemnizar o autor pela ilicitude do despedimento.
Estabelece o n.º 1, alínea c), do citado art.º 615.º do CPC, e para o que aqui releva, que é nula a sentença, quando os “fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”
Como é sobejamente sabido as nulidade da sentença respeitam apenas aos vícios taxativamente previstos no citado artigo 615.º n.º 1 do CPC., que geram dúvidas sobre a sua autenticidade, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide em determinado sentido e não noutro, ou porque essa explicação conduz, logicamente a resultado diverso do seguido, quer ainda por falta de tomada de posição sobre questões (de facto ou de direito) suscitadas com vista à procedência ou improcedência do pedido, não se confundindo nem com os erros de julgamento – errada subsunção dos factos ao direito – nem com as nulidades processuais, que se traduzem em desvios ao formalismo processual previsto na lei.
Assim, para que ocorra a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão judicial impõe-se que exista uma verdadeira contradição entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num sentido e a decisão num sentido diferente. Tal verifica-se quando a sentença sofre de um vício intrínseco à sua própria lógica, traduzido no facto da fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida.
Como também refere o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 689, o seguinte: “a lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos direcção diferente.”
Daqui resulta, que estamos na presença desta nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vem expresso na sentença, ou seja a sentença padece de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, pois a argumentação desenvolvida ao longo da sentença aponta de forma clara para um determinado sentido ou direcção e não obstante, a decisão é proferida em sentido oposto, ou pelo menos em direcção diferente.
Assim, não ocorre a dita nulidade quando o resultado a que o juiz chega na sentença deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados. Saber se tal enquadramento é ou não acertado constitui matéria que não cabe indagar em sede de nulidade de sentença.
Como se refere a este propósito no douto parecer junto aos autos pelo Ministério Público “A nulidade da sentença a que se reporta o artigo 615.º n.º 1 alínea c) do Código do Processo Civil, pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
Acresce dizer que prescreve o n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua consideração, exceptuadas aquelas que cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não podendo senão ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Posto isto, podemos afirmar que com excepção das questões que são de conhecimento oficioso o Tribunal só deve conhecer as questões suscitadas pelas partes, sendo estas os temas ou os assuntos colocados pelas partes e não os argumentos ou as teses em que assenta o seu raciocínio.
Importa agora apreciar se a sentença é nula nos termos sustentados pela Recorrente, já que defende que a sentença é nula por existir contradição entre a fundamentação de facto e a decisão.
Lendo e relendo a sentença recorrida, teremos desde já de dizer que não vislumbramos que ocorra a apontada contradição entre os fundamentos de facto, o direito aplicável e a decisão proferida, pois a decisão integra a conclusão lógica resultante dos fundamentos, dela não constando qualquer erro de raciocínio.
Na verdade, tal como alega a Recorrente, o Tribunal recorrido apreciou a justa causa de despedimento do autor, por referência aos critérios previstos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 351.º do CT. e conclui pela existência de justa causa.
Contudo não podemos concordar que tal gerou a convicção de que a sentença seria favorável à recorrente, pois em momento anterior a este, que a recorrente omite, já o tribunal de forma clara e precisa, sem deixar margem para dúvida, havia concluído que dos factos provados resultava que o direito de aplicar a sanção disciplinar do despedimento havia caducado aquando da prolação de tal decisão proferida em 20-04-2021, verificando-se assim um vício formal no procedimento disciplinar, que conduziria necessariamente à ilicitude do despedimento, tendo apenas procedido à apreciação da existência de justa causa em cumprimento do prescrito os artigos 98.º -M, n.º 2 do CPT. e n.º 4 do art.º 387.ºdo CT.
Ao contrário do que resulta do citado n.º 2 do artigo 608.º do CPC. as citadas disposições legais obrigam a que o Tribunal conheça da verificação e da procedência dos fundamentos invocados no despedimento ainda que tal se revele de desnecessário.
No caso dos autos de forma clara, precisa e inteligível, depois do tribunal a quo ter procedido à apreciação dos vícios formais do procedimento disciplinar suscitados pelo autor e cuja verificação impôs que se concluísse pela ilicitude do despedimento, seguidamente em cumprimento do n.º 4 do art.º 387.º do CT. o Tribunal apreciou da justa causa de despedimento tendo concluído pela sua verificação, sem que daí retirasse as respectivas consequências.
Não ocorre qualquer contradição no processo lógico, quer das premissas de facto, quer de direito e a decisão recorrida, mas sim por imposição legal verifica-se apenas a bizarria de se apreciar uma questão que se assim não fosse, seria de considerar prejudicado o seu conhecimento pela solução dada a outras – cfr.. art.º 608 n.º 2 do CPC.
Em suma, a sentença recorrida não padece de qualquer vicio que conduza à sua nulidade, nem ocorre qualquer contradição ou ambiguidade que permita apelidar a sentença de ininteligível, isto sem prejuízo de se discordar da interpretação e da aplicação do direito, o certo é que a argumentação de facto e de direito que consta da sentença, só podia conduzir à condenação parcial da Ré.
Voltamos a salientar que não ocorre qualquer violação às regras necessárias à construção lógica da sentença, já que os fundamentos de facto e de direito que dela constam estão em concordância lógica com a decisão, o silogismo seguido pelo julgador que se revela claramente compreensível, de forma alguma conduz a conclusão oposta ou diferente da que se encontra nela enunciada.
Improcede assim a arguida nulidade da sentença.

2 – Erro na subsunção dos factos ao direito aplicável.

Sustenta a recorrente existir erro na apreciação da prova, designadamente quanto aos factos dados como provados e a relevância que aos mesmos é dada na decisão final, pois da prova produzida resulta que o comportamento ilícito atribuído ao autor e integrador de justa causa se verificou, de facto, tendo-se concluído na sentença que existe justa causa de despedimento do mesmo, por referência aos critérios dos nºs 1 e 3 do artigo 351º do C.T. e apesar disso, condena-se parcialmente a ré no pedido, ao invés de como se impunha se tivesse declarado lícito o despedimento, com as legais consequências, nomeadamente a absolvição da ré/recorrente de todos os pedidos formulados.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário não podemos concordar com o Recorrente, já que o Tribunal recorrido limitou-se a cumprir a lei, pois estando em causa um despedimento precedido de procedimento disciplinar é aplicável o n.º 4 do art.º 387.º do CT. (cfr. art.º 98.º-M do CPT.) o qual impõe, em qualquer caso, ao juiz que se pronuncie sobre a “verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento“, ainda que da apreciação dos vícios de natureza formal de que padeça o procedimento disciplinar se apure a sua ocorrência geradora da ilicitude do despedimento por facto imputável ao trabalhador.
Apesar da dificuldade em perceber para que serve tal pronuncia, nas situações em que o despedimento é ilícito por verificação de vícios do procedimento disciplinar (cfr. artigos 381.º al. c) e 382.º n.ºs 1 e 2 do CT), que conduzem à sua ilicitude e não à sua irregularidade (cfr. art. 389.º n.º 2 do CT), o certo é que a lei impõe ao Tribunal que conheça da verificação e da procedência dos fundamentos invocados como justa causa do despedimento, designadamente porque poderá ter interesse ainda que residual, no eventual apuramento da indemnização concreta a atribuir ao trabalhador, o que o juiz a quo cumpriu ao apreciar tal pedido, sem que dele pudesse retirar qualquer consequência jurídica.
Como refere Pedro Romano Martinez em anotação ao art.º 387.º do CT. “A exigência constante do n.º 4 (…), sem benefícios para os interessados implica um acréscimo desnecessário de trabalho para os juízes sempre que haja motivos formais para decretar a ilicitude do despedimento. Cumprido o disposto nesta norma poder-se-á chegar à solução bizarra de o despedimento ser considerado ilícito por motivos formais ainda que lícito do ponto de vista substancial.”
É precisamente esta a situação dos autos, que voltamos a apelidar de bizarra, mas que de forma alguma impõe que seja proferida decisão diversa - o despedimento foi considerado ilícito por motivos formais (por caducidade do prazo para aplicar a sanção disciplinar) e ainda de licito sob o ponto de vista substancial (por se verificar a justa causa do despedimento).
No caso a ilicitude do despedimento verifica-se por ocorrência de vício formal atípico, determinante da invalidade do despedimento por facto imputável ao trabalhador, com os efeitos gerais previstos no n. º1 do artigo 389.º do CT., por isso consideramos que apreciação da justa causa, não serve para nada, sendo desprovida de interesse e podendo gerar confusão ou até alguma incompreensão, pois dela não se podem extrair quaisquer consequências.
Contudo esta posição não é partilhada por todos, pois como refere Diogo Vaz Marecos no Código de Trabalho anotado, 2 edição, pág. 916, em anotação ao art.º 387.º do CT “Esta doutrina obriga a um acréscimo de trabalho por parte dos juízes, tendo como vantagens intrínsecas não só uma maior clareza das decisões judiciais, como também obriga os tribunais a conhecer os motivos justificativos do empregador para ter procedido ao despedimento.”
Em suma, ainda que se verifique a justa causa de despedimento do autor, como sucedeu neste caso, o facto de se ter considerado o despedimento ilícito por caducidade do prazo para aplicação da sanção disciplinar explica a condenação da Ré nos termos que constam da sentença recorrida, não tendo assim sido cometido qualquer erro de julgamento que imponha a sua revogação.
Improcede o recurso é de manter a sentença recorrida.

V- DECISÃO

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por “X (...) – ÁREA DE SERVIÇO, LDA” confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente
Notifique.
Guimarães, 30 de Junho de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga