Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
187/14.5T8PTL.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO DA PRIVAÇÃO DO USO
DESPESAS JUDICIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

II. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).

III. Dependendo a apreciação do recurso (ou de parte dele) pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado totalmente improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro (ou de parte dele) (arts. 608º, nº 2 e 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).

IV. Prevendo a lei um regime próprio para o ressarcimento das despesas judiciais que a parte vencedora tenha sido obrigada a realizar (incluindo os honorários do seu mandatário) com a preparação e instauração em juízo de uma acção - de custas de parte -, não pode o seu ressarcimento ser obtido em sede de responsabilidade civil.

V. A privação de uso de veículo pode, simultaneamente, originar quer danos de natureza patrimonial (nomeadamente, os emergentes da contratação remunerada do uso de outro veículo), quer danos de natureza não patrimonial (nomeadamente, as repercussões negativas na saúde física e mental do lesado, que a alteração das suas prévias e exigentes rotinas de vida implicaram), uns e outros simultânea e diversamente indemnizáveis.

VI. O grande desgosto que alguém sofra por ver o seu veículo automóvel, sem características especiais ou diferenciadoras, amolgado e destruído, por acção exclusiva de terceiro, não reveste gravidade que justifique a sua indemnização, por se reportar a um bem de natureza fungível, nomeadamente quando seja reparado ou arbitrada indemnização que viabilize essa reparação.

VII. Não se considera excessiva a quantia de € 500,00, para indemnizar o intenso desconforto, nervosismo, insatisfação, angústia, insónias e dores de cabeça profundas, registados pelo lesado por se ter visto privado, durante quarenta e dois dias, do uso de um veículo automóvel, face à desorganização da sua vida pessoal, familiar e profissional que a dita privação implicou
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.
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I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. José (aqui Recorrido), residente no Lugar ..., freguesia de …, em Ponte de Lima, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Seguradora X - Sucursal em Portugal, (aqui Recorrente), com sede na …, em Lisboa, pedindo que (já considerada a posterior ampliação de pedido que realizaria)

· a Ré fosse condenada a pagar-lhe quantia de € 10.889,13, a título de indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais (sendo € 6.309,30 correspondentes à reparação do seu veículo automóvel, € 120,00 correspondentes aos juros de mora vencidos - sobre esta quantia - até à propositura da acção, € 2.000,00 correspondentes à desvalorização sofrida pelo veículo, € 1.680,00 correspondentes à privação do seu uso, € 1.000,00 correspondentes aos danos não patrimoniais que sofreu, e € 261,00 de despesas exigidas pelo acidente de viação em que se viu envolvido).

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo - em 23 de Setembro de 2013 - proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ, que então se encontrava a ser conduzido por Maria, sua mulher, na Estrada Nacional nº 203, veio o mesmo a ser embatido por um outro, ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, conduzido por Manuel, ao cuidado da respectiva entidade patronal: tendo este último sinalizado uma manobra de mudança de direcção à esquerda, inopinadamente virou para direita, desse modo invadindo a parte da faixa de rodagem onde progredia o seu próprio veículo.
Alegou ainda que, mercê do embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ, foi embater num outro (ligeiro de passageiros, de matrícula SS), estacionado no local.
Mais alegou ter assim sofrido diversos danos, que a Ré se recusou a reparar, nomeadamente: os registados na sua viatura, tendo-lhe a respectiva reparação custado € 6.309,30, vencendo-se juros de mora sobre essa quantia até à presente data, que liquidou em € 120,00; a desvalorização do mesmo (porque a reparação efectuada nunca conseguiria repô-lo exactamente no estado de integridade anterior), não inferior a € 2.000,00; o período de 42 dias em que se viu privado dele, utilizando-o antes diária e indiferenciadamente para o trabalho e o lazer, bem como a sua Mulher, computando esse prejuízo em € 40.00 por dia, num total de € 1.680,00; o nervosismo, as intensas insónias e dores de cabeça profundas que registou desde o acidente até que o veículo lhe foi entregue reparado, pelo grande apreço que tinha por ele, tendo ainda perdido grande parte do gosto e estima que lhe nutria, estimando a idónea indemnização de tais danos não patrimoniais em € 1.000,00; e as despesas que foi obrigado a efectuar, com vista à reclamação dos seus direitos junto da Ré, incluindo a propositura da presente acção.

1.1.2. Regularmente citada, a (Seguradora X - Sucursal em Portugal) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ela própria absolvida do pedido; ou, subsidiariamente, que a indemnização pedida pelo Autor fosse reduzida a um montante justo e razoável.
Alegou para o efeito, em síntese, ter-se o acidente de viação em causa ficado a dever exclusivamente à Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (Maria, mulher do Autor), que, já depois do Condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (Manuel) ter sinalizado uma manobra de mudança de direcção à direita, o decidiu ultrapassar precisamente por aquele lado, vindo a embater no mesmo, por agir de forma distraída, incauta e negligente.
Mais alegou que, se assim não fosse, deveria ser considerado igual o contributo do risco de cada um dos veículos para o acidente (pelo que nunca responderia pela totalidade dos danos invocados pelo Autor).
A Ré impugnou ainda, por alegado desconhecimento, todos os demais factos alegados na petição inicial, defendendo ainda serem excessivos os montantes indemnizatórios reclamados pelo Autor.

1.1.3. Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da acção em € 10.889,00; condensando os factos já considerados assentes; definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para a audiência final.

1.1.4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Por tudo o exposto, decido julgar em parte procedente por provada a presente ação e, em consequência , condenar a Ré Seguradora X, S.A, a pagar ao Autor a indemnização global de € 10.330,30 (dez mil trezentos e trinta euros e trinta cêntimos).
Mais vai condenada a Ré a pagar aos A. os juros de mora à taxa legal que sobre esta quantia se venceram, desde a data da citação, e nos vincendos até integral e efetivo pagamento.

Custas pela Ré e Autor na proporção do decaimento sem prejuízo do apoio judiciário
(…)»
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1.2. Recurso (fundamentos)
Inconformada com esta decisão, a (Seguradora X - Sucursal em Portugal) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, sendo ela própria absolvida do pedido; ou (subsidiariamente) fosse revogada a sentença no que respeita ao montante indemnizatório, sendo o mesmo substituído por outro, justo e adequado à realidade.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque não permitia que se dessem como provados os factos relativos à relação de comissão, enunciados sob os números 8, 9, 10, 11 e 12.

1 - A douta sentença, deu como provados os pontos concretos 8, 9, 10, 11 e 12 dos factos provados no que respeita à relação de comissão, os pontos 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59 e 61 a 88 dos fatos provados no que respeita à dinâmica do acidente e os pontos 92, 100 a 105, 112, 112 (o numero é repetido na sentença) 114, 118 a 159 dos factos provados no que respeita aos danos que, em nosso modesto entender, sempre salvo o devido e merecido respeito, importariam uma decisão substancialmente diferente daquela que foi proferida.

2 - Desconhecemos em quê que o Tribunal a quo formou a sua convicção, pois, na motivação da decisão nada consta a esse respeito (falta de fundamentação artº 615 nº 1 al. b) do C.P.C.),

3 - Não se verificam os pressupostos para a existência da relação de comissão.

4 - O autor, afirma na sua petição inicial que o condutor da viatura segura (DD) se preparava para ir almoçar. Facto que foi corroborado em depoimento, pelo condutor seguro (Manuel), que confirmou que, efetivamente, seguia a sua marcha com a intenção de penetrar no parque de estacionamento do Restaurante A, onde ia almoçar.

5 - A entidade patronal paga um subsídio de alimentação ao empregado Manuel e é este quem decide o que fazer no tempo de intervalo para almoço de que beneficia por lei.

6 - O tempo de almoço, é um tempo do empregado e nesse intervalo não está às ordens do patrão. E, assim, se não está a cumprir ordens e instruções da Entidade patronal, quando vai almoçar e quando decide onde vai almoçar a decisão é sua, não está a cumprir ordens nem um percurso definido, almoça onde quer e escolhe livremente.

7 - Dúvidas não pode haver que o condutor seguro estivesse em período de almoço e que queria ir para o Restaurante A, aliás, este facto foi corroborado por toda a gente pelo que é indiscutível.

8 - Até o Tribunal a quo decidiu, no ponto 60 dos factos provados que: “60.- O condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula DD - propriedade da sociedade "EMPRESA Y-DISTRIBUIÇÃO E COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTARES, LDA.", com sede na Zona Industrial da Maia, Lote … MAIA - Manuel decidiu ir tomar a refeição do almoço ao Restaurante "A", ali situado na margem direita da Estrada Nacional n.º, 203, atento o sentido Norte- Sul, ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa.”

9 - E sem relação de comissão não se pode presumir a culpa do condutor Manuel (da viatura segura), pelo que, a discussão da dinâmica do acidente terá de ser efetuada em igualdade de circunstâncias entre ambos os intervenientes.

10 - Atendendo ao depoimento do condutor seguro, Manuel, e à confirmação dada pelo próprio autor de que o condutor seguro ia almoçar, segundo lhe contaram as alegadas testemunhas presenciais, nunca poderiam ter resultado provados os pontos 8 a 12 dos factos, pelo que se impõe, com a valoração devida de toda a prova realizada, que os mesmos passem para os factos considerados não provados, alteração, essa, à matéria de facto, que desde já se requer, para os devidos e legais efeitos.

2ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque não permitia que se dessem como provados os factos relativos à dinâmica do acidente, enunciados sob os números 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59, e 61 a 88.

11 - O Meritíssimo Juiz a quo entendeu ter resultado provado o que consta dos pontos 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59 e 61 a 88 dos factos provados.

12 - Para chegar a tal conclusão, o Tribunal a quo formou a sua convicção basicamente no depoimento da testemunha Joaquina, acrescentando umas gotas dos restantes depoimentos mas, no essencial, esta foi considerada, como se pode aferir, a testemunha mais importante.

13 - Entendemos que, o depoimento da testemunha Manuel é essencial para o apuramento da verdade e deverá ser devidamente valorado, sendo que o Tribunal a quo, pouco ou nada o teve em consideração.

14 - A testemunha Manuel, apesar de ser condutor da viatura segura na Ré não tem qualquer relação de amizade ou inimizade com qualquer das partes (AA. ou RR.) aqui em litígio. Tampouco, tem qualquer interesse na procedência/improcedência da ação, uma vez que independentemente do resultado, este, não é responsável por qualquer pagamento indemnizatório ou outro, isto é, nenhuma diferença tem na sua vida o resultado da ação, pois, tampouco é o proprietário da viatura e como tal não sofrerá agravamento do prémio do seguro. Pelo que se trata de uma testemunha isenta e imparcial.

15 - Existem inúmeras incongruências e até mesmo, diga-se, em abono da verdade, algumas falsidades óbvias nos depoimentos das testemunhas Joaquina, João, Maria e nas declarações de parte do Autor José, que, no essencial, todos eles tinham “a lição bem estudada”, tão bem e tão igual que denota logo a “isenção e imparcialidade” dos mesmos.

16 - O CONDUTOR MANUEL, condutor da viatura segura na apelante Ré, disse, em audiência de julgamento o seguinte: Que seguia na Estrada Nacional 203, no sentido norte/sul, ou seja, Ponte de Lima/Rotunda da Feitosa, e, encontrando-se na hora de almoço, seguia com destino ao Restaurante A onde costuma almoçar quando anda naquela zona. E que já conhece sobejamente o local em questão! Mais nos disse que ao estar a aproximar-se do restaurante, fez pisca para a direita e, reconhece que, é capaz de se ter chegado um pouco mais à esquerda, embora sempre na mesma via de trânsito, de forma a poder fazer a manobra para estacionar no parque do restaurante. Mas sempre com o pisca (da direita) ligado e sem nunca ter saído da mesma faixa de rodagem, nomeadamente para vias de abrandamento ou outras quaisquer. Ora, quando se preparava para entrar no parque do Restaurante A, a condutora Maria, esposa do autor/recorrido, sem nada que o fizesse prever, embateu no carro conduzido por esta testemunha pelo seu lado direito. Mais afirmou que conhece bem aquele sítio e já estacionou na avenida dos bombeiros noutras alturas em que não tinha lugar ali, mas que primeiro tenta sempre o parque do restaurante (aliás é tipicamente português tentar estacionar sempre no sitio mais perto daquele em que se pretende entrar, seria fora do comum se que o condutor seguro fosse para um estacionamento mais longe por mera precaução de não existir lugar no restaurante). E naquele dia, segundo declarou, a cerca de 50 metros do restaurante, já avistara uma vaga de estacionamento, pelo que nunca pensou em alternativas a este parque.

17 - Mais disse, ainda, em julgamento, que, no local, após o sinistro, questionou quem por ali se encontrava se tinham assistido ao acidente a fim de serem indicadas como testemunhas à GNR que foi chamada ao local. Curiosamente ninguém lhe disse ter assistido a tudo e, à GNR, tampouco, foi dito que haviam testemunhas presenciais.

18 - Confrontando o depoimento desta testemunha Manuel com as declarações prestadas à GNR (vide doc.3 da P.I.) in loco, as mesmas correspondem na totalidade. O que o condutor da viatura segura disse à GNR após o acidente, foi o que disse em julgamento.

19 - Analisando este depoimento em conjunto com a prova documental junta pelo autor, nomeadamente com o croqui da GNR (doc. 3 da P.I.) e com as fotografias (doc. 11 e 12 da P.I.), a versão deste condutor é totalmente consentânea com as imagens ai apresentadas. Não se encontra neste depoimento qualquer incongruência quer com as declarações anteriores, quer com os próprios documentos e todo o seu discurso, salvo o devido respeito por opinião contrária, foi bastante linear e coerente…

20 - Na petição inicial o autor (aqui apelado) diz que o acidente ocorreu na estrada nacional nº203, na freguesia da …, no sentido de trânsito norte/sul, ou seja, Ponte de Lima/Rotunda da Feitosa. Mais diz que a viatura segura seguia a cerca de 30 metros à frente da sua viatura, conduzida pela sua esposa Maria e que, ao chegar ao entroncamento com a avenida dos bombeiros (à esquerda atento o sentido de marcha de ambas as viaturas), o condutor Manuel fez pisca à esquerda e entrou na faixa de abrandamento para quem pretende entrar na Avenida dos Bombeiros. Sendo que, o referido Manuel, terá avistado um lugar de estacionamento no parque do Restaurante A, onde pretendia ir almoçar, e sem atentar ao transito, guinou para a direita com vista a entrar novamente na faixa de rodagem atento o sentido Ponte de Lima/Rotunda da Feitosa para, um pouco mais à frente entrar no parque do Restaurante que se situa à direita, atento o sentido de marcha. E que, quando guinou para a direita, acabou por embater contra o carro do autor, conduzido pela esposa, que tendo sido arrastado pela viatura segura foi embater num BMW estacionado no parque do restaurante. E acabou por ficar bloqueada pela viatura segura à sua esquerda e pelo BMW pela sua direita. A esposa do autor nada pode fazer para evitar o embate. Isto foi a versão da petição inicial (Cfr. P.I.) …
21 - Já em declarações de parte, o Autor/apelado disse que não presenciou o acidente, sabe o que lhe contou a esposa e duas testemunhas alegadamente presenciais (a Joaquina e o João). E, mais afirmou que, com o condutor Manuel, da viatura segura nunca falou.

22 - Chamamos a atenção para a participação de acidente de viação que se encontra nos autos e que foi junta pelo próprio autor, não foi impugnada por nenhuma das partes e faz prova plena, e onde a esposa do autor, e aqui testemunha Maria, no dia do acidente, afirmou, perante a GNR, logo após o sinistro o seguinte que se transcreve: “(…) encostou-se para esquerda, dando a impressão que ia virar para a avenida dos bombeiros (…)”.

23 - A mudança de versão desde as declarações prestadas pela Condutora Maria e esposa do Autor/apelado desde que falou à GNR e a apresentada na petição inicial, que no julgamento tentaram manter aproximada, só se pode justificar pela ideia de atirar as culpas ao outro interveniente de forma a conseguir que alguém, no caso a seguradora da outra viatura, lhe pagasse as despesas. Pois, em bom rigor, a não ser que tivessem seguro contra todos os riscos, o autor iria ter de arcar com a despesa na totalidade uma vez que o acidente ocorreu por culpa da sua esposa.

24 - Existem diversas incongruências quer entre as declarações, quer entre estas e os documentos juntos pelo próprio autor e que, como tal foram totalmente aceites por aquele. Designadamente é estranho, muito estranho, que a esposa e testemunha Maria lhe tivesse contado naquele dia uma versão e à GNR tivesse contado outra…e muito estranho, também, ter ouvido da boca de duas testemunhas (Joaquina e João) essa mesma versão e, por sinal, não declararam à GNR que tinham assistido a tudo.

25 - A esposa do Apelado, Maria, e condutora interveniente no sinistro, disse não ter estado à conversa com o condutor Manuel e que ele nunca se deu como culpado.

26 - Confrontada com as incongruências do seu depoimento em julgamento e, sobretudo, com as declarações que a mesma prestara à GNR e que são bem diferentes daquelas que proferiu neste Tribunal a condutora Maria, prontamente, afirmou que, então, era a GNR que estava a mentir pois ela não dissera nunca nada daquilo.

27 - A versão dada à GNR pela condutora Maria é muito diferente da que deu no julgamento e essa, a que deu à GNR, sim é consentânea com os factos e com o que disse o condutor Manuel e até é consentânea com as leis da física.

28 - Pois à GNR, a condutora Maria disse que o veículo seguro se encostou para esquerda, dando a impressão e reiteramos, dando a impressão, que ia virar à esquerda (vide participação de acidente elaborada pela GNR e junta com a petição inicial). Ora, esta impressão pode ter levado, e levou certamente a autora a pensar que como o condutor Manuel se encostara à esquerda lhe daria tempo de passar pela direita, sem necessidade de parar para ele concluir a manobra, porque à GNR afirmou que, e transcrevemos: “(…) sendo que nesse momento, eu já me encontrava a ultrapassar o veiculo (…)”.

29 - Esta descrição é consentânea com o que disse o condutor Manuel que embora com o pisca para a direita ligado, admite ter-se encostado, sempre na mesma faixa, mais à esquerda por forma a efetuar a manobra de estacionamento à direita no parque do Restaurante A. Tal manobra servia-lhe para realizar um angulo de modo a estacionar no parque do restaurante à 1ª tentativa, sem necessidade de realizar mais manobras numa estrada com bastante movimento.

30 - Isto sim é compatível com o que as próprias fotografias que se encontram nos autos e o croqui da GNR demostram. E é uma descrição do acidente perfeitamente possível de acontecer, por sua vez, a versão narrada neste julgamento, comparando-a com o croqui da GNR, é fisicamente impossível de ter acontecido.

31 - A GNR, teve, e merecidamente, credibilidade total neste julgamento.

32 - A testemunha Joaquina, tão relevante que foi para o Tribunal, terá sido alegadamente uma testemunha presencial, embora a GNR desconheça tal facto.

33 - A referida Joaquina disse em julgamento que assistiu a tudo, pois, seguia na mesma estrada em que os intervenientes, no mesmo sentido de trânsito, e a uma distancia de cerca de 10 metros atrás da condutora Maria de quem por acaso é amiga. Mas, entretanto, a testemunha Joaquina, que é amiga da condutora Maria, desviou a sua marcha para a avenida dos bombeiros, e parou naquela com a sua viatura e ficou a ver o que se estava a passar, sem nunca se ter aproximado do local onde ficaram as viaturas imobilizadas.

34 - Estranho é que após o abalroamento da viatura conduzida pela sua amiga, ela virou para avenida dos bombeiros, ou seja, para a esquerda, ainda foi estacionar o carro e depois viu tudo o resto. Mas viu o quê se ficou de costas? Quando ela estacionou o carro ainda estava a ser arrastada a viatura? Quantos metros então percorreram? E insistimos, a testemunha Joaquina não foi ao local onde ficaram imobilizadas as viaturas, segundo afirmou!

35 - Foi, ainda ouvido, como testemunha, o suposto dono do BMW, a testemunha João. E dizemos suposto dono porquê? Porque o proprietário da viatura era um tal de Joaquim (vide ponto 13 dos factos provados). Ora, não existe explicação do porquê de o proprietário da viatura BMW ser um e esta testemunha dizer que era ela. Quem participou à apelante na qualidade de dona do BMW foi o tal Joaquim, a apelante desconhecia este João até ao dia do julgamento. E, a GNR, no local identificou o dono do BMW, o Sr. Joaquim, com quem terão falado e que não lhes disse que assistira ao sinistro (Cfr. Participação de acidente junta aos autos com a P.I.).

36 - Esta testemunha começou por dizer que viu apenas parte do acidente, embora, depois o descreva “tao perfeitamente” desde o início até ao fim… Ora segundo ele, a carrinha branca (veiculo seguro) atravessou-se à frente da condutora Maria e empurrou-a contra o BMW que diz ser dele e que está provado que não é.

37 - Afirmou, também que a condutora Maria não podia tentar ultrapassar porque não cabia. Ora, curiosamente a GNR, que foi quem esteve a tirar medidas efetivas do local, não concordam nada com isso, mas isto, tampouco, relevou para o Tribunal a quo.

38 - Esta testemunha também afirmou, durante o seu depoimento, que a testemunha Joaquina esteve no preciso local onde ficaram as viaturas imobilizadas, em frente ao Restaurante A e que esteve a falar com a condutora Maria. Curiosamente a testemunha Joaquina disse nunca ter passado para aquele lado, aliás negou veementemente que o tivesse feito.

39 - E, ainda, foi ouvido, na segunda sessão de julgamento, o GNR Tiago que acompanhou o participante. Também este confirmou que o que consta da participação do acidente respetivo croqui foi o que eles averiguaram in loco e o que os intervenientes lhes contaram sem tirar nem pôr.

40 - E quanto ao local do sinistro, ao contrário do que o autor e esposa Maria e, mesmo as testemunhas “presenciais” do autor, disse que a berma é bastante larga e que, desde que ocupasse também parte da berma é possível circularem a par duas viaturas naquele local, ou seja, afinal não era impossível a condutora Maria meter-se a ultrapassar pela direita.

41 - E mais afirmou que naquele local não existe uma procura excecional de estacionamento, e que quase sempre há lugares ali, pois, o restaurante além dos lugares de parque à face da estrada também tem um parque largo dentro onde dá para estacionar.

42 - Pelo que, mais uma vez se diga, é ilógico o condutor Manuel preparar-se para ir estacionar noutro sítio sem primeiro tentar um dos parques do restaurante onde quase sempre há lugares e, por sinal ele já conhecia bem.

43 - Entendemos ter resultado evidente do julgamento que o condutor da viatura segura na Ré não infringiu qualquer norma, não saiu da sua faixa de rodagem para entrar noutra que lhe permitisse virar à esquerda, o condutor da viatura segura desde o início que pretendia, naquele local, virar à sua direita, para o parque de estacionamento do Restaurante A onde pretendia almoçar.

44 - É falso o que vem declarado nos pontos 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59 e 61 a 88 dos factos provados, pois, a prova testemunhal que fundamentou tal decisão é por si mesma falaciosa. As testemunhas Joaquina e João e a condutora Maria foram “apanhados” em inúmeras contradições e, contradições nos depoimentos entre si e, sobretudo, contradições entre o que afirmam e o que consta dos documentos autênticos, nomeadamente na participação de acidente de viação da GNR e, mesmo assim, foram estas testemunhas que serviram para formar a convicção do Tribunal…

45 - Pelo que, atendendo ao depoimento correto e linear do condutor Manuel conjugado com as declarações prestadas pela GNR e os documentos dos autos, nomeadamente a participação de acidente de viação e as fotografias juntas pelo autor, e as incoerências dos restantes depoimentos, nunca poderiam ter resultado provados os pontos 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59 e 61 a 88 dos factos provados pelo que se impõe, com a valoração devida de toda a prova realizada, que os mesmos passem para os factos considerados não provados. Alteração, essa, à matéria de facto, que desde já se requer.

46 - E, em consequência, requer-se sejam considerado provados os demais factos alegados pela Ré, aqui apelante, designadamente os que sustentam a versão da Ré quanto à culpa da condutora Maria na ocorrência do embate, designadamente a descrição do acidente efetuada pelo condutor Manuel, que é a única versão coerente e consentânea com a realidade dos documentos e até com as leis da física.

3ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque não permitia que se dessem como provados os factos relativos aos danos invocados, enunciados sob os números 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159.

57 - Tampouco se pode conformar a aqui apelante com os montantes indemnizatórios atribuídos, os quais, em nosso modesto entender, não resultaram de modo algum provados.

58 - O Tribunal a quo deu o ponto 92 como provado fundamentando-se na fatura junta aos autos a folhas 262.

59 - No que respeita à reparação da viatura constam dos autos dois relatórios de peritagem (Doc.18 da PI), um de valor € 5.828,13 e 4 dias para reparação e outra de € 481,17 e 2 dias para reparação o que dá um total de € 6.309,30 e 6 dias de reparação. Isto foram relatórios efetuados para orçamentar uma reparação com peças de origem e nesses relatórios vêm identificadas as peças a usar. Mais consta dos referidos documentos que oficina reparadora, escolhida pelo Autor/apelado, comunicou ao perito a necessidade de 6 dias, no total, para efetuar a reparação da mesma.

60 - Em julgamento, perante a insistência da Ré, o Meritíssimo Juiz a quo pediu a fatura recibo comprovativa do pagamento e foi junto o documento a folhas 262 dos autos. Documento este que serviu de prova plena. Mas, tal documento (fatura) foi impugnado pela aqui apelante, e porquê? Porque tal fatura data de 15 de dezembro de 2016 e relembramos que o acidente ocorreu em setembro de 2013, ou seja, a fatura foi emitida 3 anos depois de alegadamente ter sido paga a reparação da viatura.

61 - Em segundo lugar, esta fatura apenas corresponde no que ao custo diz respeito ao relatório de peritagem, pois, o relatório de peritagem menciona a substituição de 60 peças e na fatura apenas consta a substituição de 31 peças, como é? Foi reparado com metade das peças e custou o mesmo? E as peças usadas nem correspondem às enumeradas no relatório, pelo que terão sido outras peças que não as orçamentadas… E, como se não bastasse, ao perito a oficina mecânica apresentou, em mão-de-obra, um custo de € 739,20, e, na fatura a fls. 262 a mão-de-obra já teve um custo de € 1.115,92.

62 - Salvo o devido respeito, com todas as incoerências do documento a fls.262, o que dele consta não pode resultar provado. E não pode a Apelante ficar vinculada ao valor orçamentado se não foi essa a reparação que a viatura efetivamente sofreu.

63 - Os pontos 100 a 103, por sua vez, nem sequer foram abordados em julgamento. Foram alegados na petição inicial (a qual praticamente foi reproduzida como provada na sentença) mas deles não resultou qualquer prova, nem foi feita qualquer pergunta, pelo que não se poderão considerar provados.

64 - No que à desvalorização da viatura respeita, com uma indemnização atribuída de € 2.000,00, igual ao pedido, somos em dizer que, não foi de modo algum feita prova que a desvalorização se cifrasse em tal montante, e quando assim é devem prevalecer as regras da experiência e do senso comum.

65 - Ora, resultou provado que a viatura tinha já 9 anos e contava com 126.595 quilómetros lidos. Pelo que, não é propriamente uma viatura nova nem seminova. Mais o autor admitiu que a comprou em 2ª mão e também resulta tal facto de certidão de registo junta aos autos. Pelo que, o autor não pode responder pelo tratamento feito à viatura pelo anterior dono, que até desconhece.

66 - Também é do conhecimento geral que, qualquer viatura adquirida nova perde a maior parte do valor nos 4 primeiros anos (período da garantia) e que a partir dai a desvalorização é residual e acontece automaticamente com ou sem sinistros.

67 - Pelo que, a quantia indemnizatória é, salvo o devido respeito, absurda e deverá ser reduzida a um montante justo e equitativo nunca superior a € 500,00.

68 - Por sua vez, quanto à privação do uso, foi a apelante condenada na quantia de € 1.260,00 por 42 dias de paralisação. Ora, porque que existiram 42 dias de paralisação? De quem foi a culpa?

69 - Conforme dissemos supra, estão juntos aos autos dois relatórios de peritagem nos quais consta que a oficina comunicou ao perito que precisava de 6 dias para efetuar a reparação que lá consta à viatura do apelado. Ora, a viatura nem sequer levou a reparação orçamentada, foram usadas metade das peças (3 em vez de 60) pelo que o tempo também deveria ser reduzido.

70 - Contudo, no julgamento a testemunha/mecânico Ricardo veio dizer que precisou de cerca de 3 meses (42 dias) para a fazer. Ora é impensável que tendo agendado 6 dias e demore 42 e que essa demora seja imputável à Ré, aqui apelante.

71 - A apelante apenas teria de responder, caso se prove a culpa do seu segurado, por 6 dias de paralisação para a reparação. Mas, então, agora a oficina falha e é a apelante que responde pelo prejuízo? Foi o autor que escolheu a oficina não foi a Ré…

72 - Constitui um verdadeiro abuso de direito condenar a Ré/apelante por uma coisa pela qual ela não teve qualquer culpa.

73 - Resultou das declarações de parte do autor que, a firma da qual ele era sócio, e segundo ele, para a qual ele usava a viatura em proveito daquela, tinha um furgão que apenas não usava (ou diz que não usava) porque gastava mais combustível. Mas existia alternativa!

74 - E, resultou provado que, a título pessoa, o autor tinha outro carro, um Audi de matrícula FF, de 2005.

75 - Contudo, e quanto ao dano da privação do uso, diga-se, ainda que, “a mera privação do uso de um veículo automóvel resultante da sua paralisação em resultado de estrago em acidente de viação, sem repercussão negativa no património do lesado em termos de dano específico emergente ou cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil”, ou pelo menos esta é a conclusão a que chegaram os Senhores Conselheiros do STJ, no processo nº07B1961, no qual o Relator foi Salvador da Costa, e a mesma posição foi tomada pelo mesmo STJ em AC. de 19/11/2009, com o Relator João Roque. Também a Relação do Porto, em 11/11/2013, pelas mãos do Juiz Desembargador Relator Manuel Domingos Fernandes disse que sem existir repercussão económica não existe um qualquer dano patrimonial indemnizável. Todos os Acórdãos podem ser consultados em www.dgsi.pt

76 - Não resultou provado qualquer repercussão no património do autor pelo que, nada terá a Ré a pagar a este respeito. E mesmo que tivesse era pelo estrito tempo necessário para a reparação (6 dias).

77 - Quanto às despesas no valor de € 261,00, caso se venha a provar a responsabilidade da Apelante, o que não acreditamos, seria aceitável a sua condenação pelas despesas com as certidões para instruir o processo.

78 - Contudo, já no que respeita aos € 150,00 a título de deslocações do autor ao escritório do mandatário, apesar de alegada, nenhuma prova foi feita em julgamento, pelo que, tampouco, sabemos a quantas corresponde, qual o meio de deslocação utilizado, a despesa realizada…em bom rigor, este é um daqueles pedidos para encher papel e não deverá ser levado em linha de conta.

79 - Quanto ao valor atribuído a título de danos morais (€ 500,00) também consideramos não ter factos que o sustentem e o que existe nos autos não levaria a um valor superior a € 150,00, pelo que se requer seja alterado este valor, sendo valorada devidamente a prova realizada.

80 - Pelo que, os pontos 92, 100 a 105, 112, 112 (o numero é repetido na sentença) 114, 118 a 159 dos factos provados deverão passar para os factos não provados, com as devidas e legais consequências, alteração, esta, à matéria de facto que, desde já, se requer, para os pertinentes efeitos.

4ª - Ter de ser alterada a decisão de mérito recorrida (face nomeadamente ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto feita, mas também de forma independente dela), sendo proferida nova decisão (julgando improcedentes a acção ou, subsidiariamente, reduzindo-se o montante indemnizatório em que foi condenada).

47 - A condutora Maria, esposa do autor, com a sua condução, violou de forma flagrante as seguintes normas:

e) Artigo 3º, nº2 do Código da Estrada: não se absteve de praticar atos que embaraçassem o trânsito e comprometessem a sua segurança e dos outros condutores;
f) Artigo 18º, nº1 do C.E.: não manteve a distância suficiente entre a viatura que conduzia e a viatura que seguia imediatamente à sua frente;
g) Artigos 24º, 25º e 27º, todos do C.E.: não adequou a velocidade ao local, características da via, transito, sobretudo tratando-se, segundo as alegações do autor, de uma zona dentro de localidade com entroncamento;
h) Artigo 41º do C.E.: realizou manobra de ultrapassagem em local proibido.

48 - Aliás, e reiteramos, a própria condutora Maria declarou à GNR que “teve a impressão” que a viatura segura na Ré ia mudar de direção. O que só demonstra que a dita Maria pensou que tivesse margem para passar pela direita, mas as “impressões” não são meios capazes de realizar uma condução em segurança, pois, na estrada é preciso circular com o máximo de certezas. Ora, houve falta de perícia, de cuidado e mesmo de atenção às restantes viaturas por parte da condutora Maria.

49 - A condutora da viatura propriedade do autor, desrespeitou de forma manifesta diversas regras estradais, já aqui expostas supra, e tal comportamento da condutora Maria, leva à exclusão da responsabilidade do condutor do veículo seguro nesta Ré, conforme o disposto no artigo 505º do Código Civil, pois, o acidente é-lhe imputável totalmente a ela (Maria).

50 - Pelo que, declarando V/Excia. como única e exclusiva culpada pelo sinistro a condutora Maria, esposa do apelado, e em consequência, absolvendo a Ré Seguradora X estará V/Excia. a fazer inteira justiça.

51 - De tudo quanto aqui foi já exposto, resulta que, a culpa na produção do acidente foi única e exclusivamente da condutora da viatura do Autor/apelado, nenhuma culpa cabendo ao condutor do veículo seguro nesta apelante.

52 - Pelo que, a atuação da condutora Maria, em flagrante violação dos artigos 3º, nº2, 18º, nº1, 24º, 25º, 27º e 41º do Código da Estrada, leva a uma exclusão da responsabilidade do condutor Manuel, do veículo seguro na Ré/apelante, conforme o disposto no artigo 505º do Código Civil.

53 - Ao valorar de forma imprecisa a prova produzida o Tribunal a quo acabou por aplicar o artigo 483º do Código Civil erradamente.

54 - Mas, se se entendesse, o que nem por mera hipótese académica colocamos, que tendo da colisão resultado danos para os dois veículos, e em caso de dúvida quanto à responsabilidade, esta é repartida na proporção em que o risco de cada uma das viaturas houver contribuído para os danos (e a este respeito pode ser consultada a seguinte doutrina: PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora 1967, paginas 351 e 352; e ANTUNES VARELA, em “Das Obrigações em Geral” Vol. I, 10ª edição, Livraria Almedina, pags. 684 e 685.)

55 - Nomeadamente, “a responsabilidade objetiva, encontrada nos termos do nº 2 do artigo 506º C.C., das seguradoras dos veículos que colidiram com igual medida de contribuição para o embate é limitada à sua quota de responsabilidade” e sobre sito pode ser consultado em www.dgsi.pt o Acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de 06-03-2007, no Processo nº07A277.

56 - Pelo que, e caso assim fosse, o que nem por mera hipótese académica se coloca repetimos, uma vez que entendemos que a culpa pela eclosão do sinistro cabe à condutora da viatura propriedade do Autor/apelado, mas se assim não fosse, a Ré apenas seria obrigada a indemnizar o Autor tendo em conta a quota de responsabilidade do seu segurado e, nunca, poderia responder pela totalidade do pedido indemnizatório deduzido.

81 - Assim, requer-se a V/Excias., tendo em atenção tudo o supra exposto, seja reduzido o montante indemnizatório a título de danos, patrimoniais e não patrimoniais, a uma quantia justa e equitativa.
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1.3. Contra-alegações

O Autor (José) contra-alegou, pedindo que fosse negado provimento ao recurso.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais):

1ª - Ter sido a prova produzida correctamente avaliada, não se justificando nomeadamente qualquer alteração da redacção dos factos provados relativos à relação de comissão

6 - Estamos perante uma verdadeira relação de comissão na condução do referido veículo,

7 - Duplamente verificada quanto ao facto da própria condução, quer quanto ao vínculo laboral dado como provado.

8 - Com efeito, a circunstância de o sinistro ter ocorrido no trajecto do trabalhador entre o último local de serviço e o estabelecimento onde aquele iria tomar a sua refeição de almoço, que tal infortúnio deixa ser qualificado, à luz do art. 9º, nº 2, al. e) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, como acidente de trabalho - o que desde logo, e por maioria de razão, não pode significar outra coisa que não a inclusão de tal eventualidade da relação de comissão para efeitos da aplicação do artigo 500º do Cód. Civil.

2ª - Ter sido a prova produzida correctamente avaliada, não se justificando nomeadamente qualquer alteração da redacção dos factos provados relativos à dinâmica do acidente.

9 - A dinâmica com que ocorreu o sinistro em discussão dos autos foi correctamente ajuizada pelo Tribunal a quo.

10 - No que toca à valoração que a Apelante faz do depoimento da testemunha Manuel, é desadequada - e mesmo ingénua - a ideia de que a mesma, sendo condutor do veículo envolvido no sinistro mas não seu proprietário nem responsável, directo ou indirecto, pelo ressarcimento de qualquer dano decorrente do acidente, teria uma posição equidistante, indiferente ou distanciada sobre a forma como o acidente se produziu e, fundamentalmente, sobre quem recai a culpa pela sua produção.

11 - Qualquer homem médio, posto nas mesmas circunstâncias, e mesmo não arcando com qualquer responsabilidade de ressarcimento, terá sempre tendência a procurar eximir-se de culpas na eclosão de um acidente desta natureza.

12 - Em suma, continua sempre presente, de forma indelével, a sua subjectividade e parcialidade na forma como descreve e interpreta o sinistro,

13 - Pela simples razão de que continua a ter sobre si bastante impacto o facto de ser responsável, único e exclusivo, de um acidente estradal do qual resultam, como resultaram, consequências de relevo para os seus intervenientes e lesados - e é também compreensível que não queira, aos olhos da sua entidade patronal, figurar como culpado exclusivo de um acidente em horário de trabalho, ao volante de um veículo daquela entidade, e em resultado do qual a mesma sofrerá, previsivelmente, um agravamento do prémio de seguro.

14 - No que concerne o depoimento propriamente dito, o mesmo mostrou-se pouco convincente e não corroborado por qualquer outro meio de prova, sendo que a dinâmica por si descrita é não só frontalmente oposta à versão trazida por outras testemunhas, como se afigura, em si mesma, altamente inverosímil (se não mesmo impossível) atentas as características da via no trecho de estrada em questão, as viaturas envolvidas e o comportamento dos demais condutores.

15 - É da mais elementar normalidade e probabilidade que a testemunha Manuel, ao chegar ao local, tenha começado por seguir pela sua esquerda, entrando na via de abrandamento/acesso à Av. dos Bombeiros, onde sabia já, por experiência passada, que poderia estacionar de forma mais conveniente.

16 - Foi essa a manobra que efectivamente fez - antes de subitamente ter efectuado o movimento de regresso à via da direita, de forma súbita, que causou o acidente (provavelmente por, entretanto e já depois de invadir a via de abrandamento à esquerda, ter avistado um lugar de estacionamento à porta do restaurante).


17 - Mas a versão que esta testemunha traz, fundamentalmente, surge não só isolada e não corroborada por qualquer outro elemento de prova, como também se afigura uma hipótese quase impossível de ter sucedido naquele momento e circunstâncias.

18 - O que a testemunha Manuel, de forma isolada e pouco convincente, afirma ter originado o embate foi uma súbita e imprevista manobra de ultrapassagem pela direita, por parte do veículo do Autor que seguia imediatamente atrás de si.

19 - Uma rápida análise (com recurso aos elementos documentais juntos aos autos), bem como o auxílio de outras testemunhas sobre esta matéria, permitem concluir que esta hipótese implica uma manobra altamente temerária, ou mesmo suicida, por parte do veículo que a tentasse fazer.

20 - Desde logo, as características da via tornam esta imaginária manobra numa total impossibilidade.

21 - A via em que circulavam os veículos tinha pouco mais 3,00m de largura, sendo que o veículo conduzido pela testemunha Manuel contava com cerca de 2,30m de largura.

22 - Logo por aqui se conclui que seria perfeitamente suicida que um veículo, mesmo ligeiro como era o do Autor, sem qualquer razão aparente, e logo num momento em que a carrinha que seguia à sua frente, conduzida pelo Manuel, estava supostamente a dar "pisca" à direita, carrinha essa que, também na versão da testemunha Manuel, nunca deixou de ocupar, pelo menos uma largura de 2,30m de um total de 3,00m de largura de via, se aventurasse a invadir a quase totalidade dessa berma inclinada (rego), para o que seria obrigada, atentas as larguras da via e dos veículos envolvidos, a sair totalmente da estrada onde seguia, fazendo tangentes a vários obstáculos situados nessa berma e correndo risco de embate frontal com um muro em pedra (ou, se não aí, nos veículos que se encontravam estacionados em "espinha" em frente ao Restaurante A) em grande velocidade, e esgueirar-se por esse mesmo reduzido espaço, apenas para ultrapassar a carrinha conduzida pelo Manuel pela direita da mesma.

23 - Tudo isto num trecho de via onde, ademais, e naquele sentido de marcha, se situa uma rotunda imediatamente a seguir, onde todos os veículos teriam de parar ou pelo menos abrandar consideravelmente.

24 - É esta a delirante versão em que a Apelante insiste, mesmo negada perentoriamente pelas demais pessoas presentes no local,

25 - E que a testemunha Manuel, à falta de melhor explicação, veio titubeantemente e sem qualquer corroboração probatória relatar em juízo, com o grau de subjectividade que já apontámos supra.

26 - Por outro lado, a versão da dinâmica do acidente alegada pelo Autor teve total acolhimento, na sua essência, por parte dos depoimentos de três testemunhas presenciais,

27 - Além de ser aquela que, à luz das regras da experiência, se afigura como mais plausível e provável atentas as circunstâncias da via, do sentido de marcha e posição final dos veículos e dos danos produzidos.

28 - A grande objecção que a Apelante faz à credibilidade da testemunha Maria, esposa do Autor e condutora do veículo na ocasião, é no que respeita às declarações que lhe foram tomadas e feitas constar no auto de participação elaborado pela GNR.

29 - Em primeiro lugar: afirma a Apelante que o facto de a condutora ter dito que a carrinha que seguia à sua frente se "encostou para a esquerda, dando impressão que ia virar para a avenida dos bombeiros" significa, de forma cabal, que a testemunha afirma que a carrinha nunca chegou a sair da via onde seguia para entrar na via de abrandamento (com STOP) para acesso à transversal esquerda (Av. dos Bombeiros).

30 - Ora, é manifestamente deturpadora a interpretação que vimos de reproduzir: a utilização da expressão "encostar-se" é perfeitamente compatível com a descrição de uma mudança de via num local em que existem duas com o mesmo sentido de circulação (in casu, a via principal e a via de abrandamento, que nasce a partir da primeira, e culmina com um STOP). Ou seja: é perfeitamente normal que a testemunha Maria tenha descrito a mudança de via da carrinha à sua frente, da via principal para a de abrandamento (ambas do mesmo sentido) com o verbo "encostar".

31 - E é exactamente esse mudar de via - ou o "encostar à esquerda" - que depois dá a condutora "a impressão" de que o mesmo iria virar, precisamente, à esquerda.


32 - A Apelante parece querer interpretar que esse "encostar" que transmite "a impressão" de que a carrinha iria virar à esquerda se dá única e exclusivamente na via principal de marcha, quando acontece precisamente o contrário.

33 - Senão vejamos: no local, a via principal desdobra-se numa via de abrandamento à esquerda destinada exclusivamente à mudança de direcção sentido Av. dos Bombeiros.

34 - Equivale isto a dizer que só quem acede a tal via de abrandamento pode depois virar para tal avenida. Da mesma forma, só quem quer virar para essa avenida é que entra na faixa de abrandamento.

35 - Ora, a única manobra que, no local, pode causar a um condutor que siga na rectaguarda a "impressão" de que se vai virar para a Av. dos Bombeiros é justamente a entrada na via de abrandamento.

36 - De toda as maneiras, o dissecar semântico das exactas palavras inscritas no PAV e atribuídas à testemunha Maria parece-nos um exercício estéril e inútil, no qual a Apelante embarca exactamente à falta de melhor prova a seu favor, que não existe nos autos.

37 - É consabido que estas declarações são prestadas, frequentemente, em momentos de perturbação emocional de quem os declara, e que o rigor linguístico nele contido (quer seja ele empregue pelo declarante, quer pelo próprio agente participante) fica bastas vezes a dever muito ao rigor e precisão necessárias.

38 - Pelo que não têm um valor tão definitivo e lapidar como a Apelante, sofregamente, lhe quer atribuir.

39 - Tanto mais quando as mesmas foram contextualizadas e explicadas, em juízo, pela testemunha Maria, facto que a Apelante escamoteia nas suas alegações.

40 - Seguem-se as análises às duas testemunhas presenciais do acidente, não intervenientes no mesmo.

41 - Trata-se de Joaquina - que seguia em circulação, na rectaguarda do veículo do Autor - e João, que então estava apeado junto à entrada do restaurante, de frente para a via, tendo presenciado a essencialidade da dinâmica do embate.

42 - Deve dizer-se que, no que é essencial, e ressalvando eventuais menores incongruência que decorrem, naturalmente, da passagem do tempo e dos lapsos de memória normais em relação a determinados detalhes, estas duas testemunhas, que nenhum interesse têm no desfecho dos presentes autos, descreveram a este Tribunal o acidente que viram em total conformidade com aquilo que vinha alegado pelo Autor.

43 - Pelo que, mesmo que eliminados/desconsiderados os depoimentos notoriamente contraditórios de ambos os condutores envolvidos, foram produzidos dois testemunhos (sem nenhum outro que os contradissesse) imparciais e desinteressados que permitem, por si só, ao Tribunal convencer-se da veracidade da versão factual do Autor.

44 - Ambas as testemunhas descreveram, com razão de ciência e dentro de explicações inteiramente plausíveis, onde e porque estavam no local do acidente aquando da sua eclosão.

45 - Ambos afirmaram que a carrinha segurada "entrou na faixa de desaceleração".

46 - Ambos negaram que essa carrinha, ainda em marcha, tivesse o pisca ligado para a direita, tendo no entanto a testemunha Joaquina (que viu a integralidade do acidente de lugar privilegiado, já que seguia no imediato encalce dos carros envolvidos) afirmou sem hesitações que a carrinha dera o "pisca" para a esquerda, enquanto entrou na via de abrandamento à esquerda.

47 - E ambas as testemunhas foram absolutamente peremptórias e claras em afirmar que o acidente se deu porque essa mesma carrinha, em momento em que o veículo do Autor já a ladeava pela direita (atento o seu abrandamento ou mesmo paragem na via esquerda) subitamente regressou, em movimento rápido e brusco, à via principal onde circulava o veículo do Autor, abalroando-o, em arrastamento, contra os automóveis estacionados em frente ao Restaurante A, previsivelmente por aí ter querido estacionar também, sem ter avistado que um veículo pela sua direita já lhe cortava o acesso ao parqueamento.

48 - Esta é a versão que límpida e inequivocamente sai da prova produzida, dos depoimentos de quem ali estava, assistiu aos factos e pôde descrevê-los em juízo de forma desinteressada e espontânea.

49 - É com esta univocidade e evidência probatória que a Apelante aparenta não saber lidar, usando e abusando do flagrante distorcer das palavras e do contexto dos depoimentos das testemunhas, focando-se em pormenores insignificantes dos respectivos depoimentos, como é o caso de naturais divergências quanto às concretas distâncias e outras medidas.

3ª - Ter sido a prova produzida correctamente avaliada, não se justificando nomeadamente qualquer alteração da redacção dos factos provados relativos aos danos apurados.

50 - Não merecem qualquer censura os montantes indemnizatórios atribuídos pelo Tribunal a quo.

51 - Todas as rubricas atribuídas reflectem de forma rigorosa a necessidade de ressarcimento dos danos que lhes correspondem, na exacta medida do que ficou provado e é prática corrente na nossa jurisprudência.

52 - A Apelante roça a litigância de má-fé quando põe em causa a factura de reparação da viatura, insurgindo-se contra a data que lhe está aposta, por entender que é muito posterior à do acidente, quando sabe perfeitamente - por estar em juízo representada pelo seu Il. Mandatário, que a factura foi emitida no mesmo dia da audiência de julgamento, entre a inquirição do mecânico da parte da manhã o qual, tendo deposto no sentido de que ainda não havia facturados os serviços que declarou ter prestado, foi instado pelo próprio Mmo. Juiz a emitir a factura para que fosse junta aos autos, no intervalo de almoço entre as sessões desse mesmo dia.

53 - Razão pela qual, em conformidade, o Autor solicitou a tal testemunha a factura correspondente, procedendo à sua junção em juízo, da parte da tarde.

54 - Vem no entanto a Apelante mostrar-se muito surpreendida com a data aposta na factura dos autos, quando estava presente em juízo quando tudo o que se vem de descrever ocorreu, conhecendo assim, perfeitamente, o contexto em que se deu a emissão da factura em apreço - revelando uma atitude processual reprovável.

55 - Não merece censura o valor da reparação, que foi comprovadamente pago pelo Autor no valor constante da factura. Dizer-se o contrário é pura má-fé da Apelante, constantemente insinuando que tal factura é forjada, estendendo também ao mecânico, em perfeito delírio, a insidiosa teia de conspiração que o Autor contra si armou, com as suas testemunhas arroladas, para levar a bom termo as suas pretensões indemnizatórias.

56 - Não merece censura o valor arbitrado a título de indemnização pela desvalorização ou paralisação do veículo do Autor, atribuída em conformidade com os factos apurados, os danos sofridos pelo Autor a este título e a usual prática jurisprudencial nesta matéria.

57 - O que é igualmente aplicável às demais rubricas indemnizatórias atribuídas, isentas de qualquer censura e, logo, insusceptíveis de revogação pela presente via recursória.

4ª - Mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada, mostrar-se a sentença correctamente proferida.

1 - Carece de fundamento, em absoluto, quer de facto quer de Direito, o recurso interposto pela Ré seguradora a este Tribunal.

2 - Não merece qualquer censura a factualidade dada como provada pela douta sentença recorrida.

3 - A Apelante faz uma interpretação errónea - e, a espaços, totalmente deturpadora - da prova que se produziu nos autos, chegando a conclusões que não poderão merecer qualquer acolhimento nesta sede.

4 - Os montantes indemnizatórios postos em crise não pecam por excesso, como alega a Apelante.

5 - Pelo que não devem ser objecto da pretendida redução, ou de qualquer outra.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR
2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.C.), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, nº 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal:

- É a sentença recorrida nula, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito (art. 615º, nº 1, al. b) do C.P.C.) ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma

. não permitia que se dessem como provados os factos relativos à relação de comissão, enunciados sob os números 8, 9, 10, 11 e 12;

. não permitia que se dessem como provados os factos relativos à dinâmica do acidente, enunciados sob os números 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59, e 61 a 88;

. não permitia que se dessem como provados os factos relativos aos danos invocados, enunciados sob os números 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159 ?

- Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação das normas legais consideradas (face nomeadamente ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto feita, mas também de forma independente dela), devendo ser alterada a decisão de mérito (julgando improcedente a acção ou, subsidiariamente, repartindo a responsabilidade do acidente por ambos os veículos, considerando-se igual a proporção com que o risco de cada um deles contribuiu para ele, e reduzindo-se sempre os montantes indemnizatórios) ?
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Nulidades da sentença
3.1. Conhecimento de nulidades da sentença - Momento

3.1.1. Lê-se no art. 663º, nº 2 do C.P.C. que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º».

Mais se lê, no art. 608º, nº 2 do C.P.C., que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
*
3.1.2. Concretizando, tendo sido invocada pela Recorrente a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo (conforme 2ª conclusão das suas alegações de recurso), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes objecto da sua sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (neste sentido, Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo nº 161/09.3TCSNT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, como todos os outros citados sem indicação de origem).
*
3.2. Nulidades da sentença
3.2.1.1. Vícios da sentença - Nulidades versus Erro de julgamento

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14).
Não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 132 e 133, com bold apócrifo).
*
3.2.1.2. Omissão de fundamentação

Lê-se no art. 615º, nº 1, al. b) do C.P.C. (como já antes se lia no anterior art. 668º, nº 1, alínea b) do mesmo diploma), e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de fundamentação - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do C.P.C., e pelo art. 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme nº 2 do art. 154º citado).
Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art. 3º, nº 1 do C.P.C.), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 348).
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607º, nº 4 do C.P.C.): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento.
Do mesmo modo deverá proceder com a indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, nomeadamente na subsunção ao caso concreto.
Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados, ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito - , e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação (por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 332).
Reitera-se, porém, que saber se a «análise crítica da prova» foi, ou não, correctamente realizada, ou se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma (conforme Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos).
*
3.2.2. Concretizando, compulsada a sentença proferida nos autos, verifica-se que a mesma especificou devidamente os fundamentos de facto e de direito da respectiva decisão.
Com efeito, e quanto aos «fundamentos de facto», identificou os factos que considerava provados e os que considerava não provados, explicitando ainda a motivação de um tal juízo (com discriminação dos meios de prova valorados, breve súmula do teor dos depoimentos prestados, e apreciação crítica respectiva, nomeadamente no confronto uns com os outros, com a prova documental e com as regas da experiência).
Relativamente aos «fundamentos de direito», identificou a dita sentença a questão a decidir (reiterando a identificação antes feita quanto ao objecto do litígio), fazendo-a coincidir com «a responsabilidade civil por factos ilícitos emergente de acidente de viação», e explicitando o seu regime legal.
Por fim, procedeu à subsunção dos factos provados e não provados a um tal regime legal - previamente identificado e detalhado -, de acordo com jurisprudência que citou (só assim se compreendendo que a sentença em causa se estenda por vinte e cinco folhas, sendo que só primeira constitui o seu relatório).

Logo, e ao contrário do sustentado pela Recorrente, a sentença dos autos não padece de nulidade consistente na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão (independentemente da Ré discordar dela, nomeadamente por discordar do apuramento daqueles fundamentos de facto, sindicáveis noutra sede).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1ª Instância
4.1.1. Factos Provados

Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1ª Instância, resultaram provados os seguintes factos:

1 - José (aqui Autor) era, à data de 23 de Setembro de 2013, como é, na presente data, dono e legítimo proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (conforme documentos 1 e 2, que são fls. 57 e 59 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

2 - No dia 23 de Setembro de 2013, pelas 12.40 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Nacional nº 203, ao quilómetro número 21,020, na freguesia de …, comarca de Ponte de Lima (conforme documentos 3, 4 e 5, que são fls. 60 a 67 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

3 - Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis:
. o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ;
. o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD;
. o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula SS,
(conforme documentos 3, 4 e 5, que são fls. 60 a 67 dos autos e já integralmente dados por reproduzidos).

4 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, era propriedade de EMPRESA Y - Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada, com sede na Zona Industrial da Maia… MAIA (conforme documento que é fls. 69 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

5 - Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y - Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada) era conduzido por Manuel, residente na Travessa … MAIA (conforme documentos nºs 3, 4 e 5, que são fls. 60 a 67 dos autos e já dados integralmente por reproduzidos).

6 - Manuel era empregado de EMPRESA Y - Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada (com sede na Zona Industrial da Maia, … MAIA).

7 - Manuel desempenhava, para a EMPRESA Y - Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada (com sede na Zona Industrial da Maia, … MAIA), a profissão de motorista e de vendedor/distribuidor de produtos alimentares.

8 - Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, Manuel conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, em cumprimento de ordens e instruções que lhe haviam sido previamente transmitidas pela sua referida entidade patronal EMPRESA Y - Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada (com sede na Zona Industrial da Maia, … MAIA).

9 - Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, Manuel conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, no desempenho da sua referida profissão de motorista e de vendedor/distribuidor de produtos alimentares.

10 - Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, Manuel conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, dentro do seu horário de trabalho.

11- Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, Manuel, conduzia, também, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, por um itinerário que a sua referida entidade patronal EMPRESA Y - Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada (com sede na Zona Industrial da Maia… MAIA) lhe havia, previamente, determinado.

12 - Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, Manuel conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, com conhecimento, com autorização, à ordem, por conta, no interesse e sob a direcção efectiva de EMPRESA Y - Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada (com sede na Zona Industrial da Maia, … MAIA).

13 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula SS, era propriedade de Joaquim, residente no lugar …, freguesia de …, comarca de Ponte de Lima, Maia (conforme documento 7, que é fls. 71 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

14 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula SS (propriedade de Joaquim) encontrava-se parado e aparcado, no espaço destinado ao estacionamento de veículos automóveis situado na margem direita da Estrada Nacional nº 203 (tendo em conta o sentido Norte-Sul, ou seja, Ponte de Lima/ Rotunda da Feitosa), no local do sinistro, em frente ao Restaurante A, ali existente, também na margem direita da Estrada Nacional nº 203 (tendo em conta o sentido Norte-Sul, ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

15 - A Estrada Nacional nº 203, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, configura um troço de recta, com um comprimento superior a cento e cinquenta (150,00) metros.

16 - Esse sector de recta é delimitado do lado Norte - do lado de Ponte de Lima - por uma curva, descrita para o lado esquerdo, tendo em conta o sentido Norte/Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

17 - O troço de recta (com um comprimento superior a cento e cinquenta - 150,00 - metros, existente na Estrada Nacional nº 203, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção) é delimitado do lado Sul - do lado da Rotunda da Feitosa - por uma curva, descrita para o lado direito, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

18 - No local da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Estrada Nacional nº 203 configura um entroncamento, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

19 - No local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção conflui a denominada Avenida dos Bombeiros Voluntários, por forma configurar um ângulo recto, com a Estrada Nacional nº 203, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

20 - A Avenida dos Bombeiros Voluntários permite a fluência do trânsito automóvel que da:

a) Estrada Nacional nº. 203, no sentido Poente-Nascente, demanda uma Zona Habitacional e Comercial, ali existente, na margem esquerda desta via (E. N. nº 203), tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa);

b) referida Zona Habitacional e Comercial, ali existente, na margem esquerda desta via (E. N. nº 203), tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa), no sentido Nascente-Poente, demanda a Estrada Nacional nº 203.

21- A faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203 tem uma largura total de 08,50 metros.

22 - O piso da Estrada Nacional nº 2 era, como é, pavimentado a asfalto.

23 - No dia 23 de Setembro de 2013, pelas 12.40 horas, o tempo estava bom e seco.

24 - No dia 23 de Setembro de 2013, pelas 12.40 horas, o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203 encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação.

25 - Pelas suas duas (02,00) margens, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203 apresentava, como apresenta, bermas.

26 - As duas bermas da Estrada Nacional nº 203 apresentavam-se pavimentadas a asfalto.

27 - As duas bermas da Estrada Nacional nº 203 tinham uma largura de 0,80 metros cada uma.

28 - As duas bermas da Estrada Nacional nº 203 apresentavam-se pavimentadas a asfalto.

29 - As duas bermas da Estrada Nacional nº 203 apresentavam-se com o seu piso limpo, seco e em bom estado de conservação.

30 - Essas bermas asfálticas encontravam-se, e encontram-se, delimitadas - em relação à faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203 - através de linhas pintadas a cor branca, sem quaisquer soluções de continuidade: LINHAS DELIMITADORAS CONTÍNUAS- MARCAS M19.

31 - Pelas duas (02,00) margens da Estrada Nacional nº 203, existiam, à data do sinistro, como existem, na presente data, casas de habitação, todas elas com as suas respectivas portas de acesso a deitar directamente para a via.

32 - O acidente de trânsito dos presentes autos ocorreu em plena área urbana, habitacional e residencial, da freguesia de …, da comarca de Ponte de Lima.

33 - O acidente de trânsito dos presentes autos ocorreu numa zona da Estrada Nacional nº 203, situada entre as placas - fixas, em suporte vertical - que assinalam a existência e a presença da freguesia, núcleo urbano, habitacional da freguesia de …, da comarca de Ponte de Lima: SINAL N1a.

34 - A Estrada Nacional nº 203 permitia, e permite, o trânsito automóvel nos seus dois (02,00) sentidos de trânsito: Norte-Sul e Sul-Norte.

35 - Para o efeito, a faixa de rodagem da Estrada Nacional n° 203 encontrava-se, como se encontra, dividida através de uma zona de "RAIAS OBLÍQUAS DELIMITADAS POR LINHAS CONTÍNUAS" - MARCA M 17.ª - , pintadas na sua zona média (da faixa de rodagem).

36 - Cada uma dessas duas hemi-faixas de rodagem tinha, e tem, uma largura de 03,00 metros.

37 - A zona de "RAIAS OBLÍQUAS DELIMITADAS POR LINHAS CONTÍNUAS" - MARA M 17ª - tinha, e tem, uma largura de 02,50 metros.

38 - No sector de recta onde deflagrou o acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203 apresentava, à data do sinistro, como apresenta, na presente data, na região do eixo divisório da sua faixa de rodagem, uma zona de "RAIAS OBLÍQUAS DELIMITADAS POR LINHAS CONTÍNUAS":MARCA M 17ª.

39 - As "RAIAS OBLÍQUAS DELIMITADAS POR LINHAS CONTÍNUAS": MARCA M 17ª apresentavam, à data do sinistro, como apresentam, na presente data, uma solução de continuidade, com uma largura de vinte e dois metros e meio (22,50 metros), correspondente à largura da faixa de rodagem da Avenida dos Bombeiros Voluntários, que ali conflui com a Estrada Nacional nº 203, pela margem esquerda desta via, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa), no local da confluência desta via.

40 - A solução de continuidade referida no facto anterior destina-se a permitir aos condutores que circulam pela Estrada Nacional n° 203, no sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa), a possibilidade de efectuarem a manobra de mudança de direcção à sua esquerda.

41- A solução de continuidade referida no facto provado enunciado sob o número 39 destina-se ainda a permitir aos condutores que circulam pela Estrada Nacional n° 203, no sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa), a possibilidade de prosseguirem a sua marcha, no sentido Poente-Nascente, através da faixa de rodagem da Avenida dos Bombeiros Voluntários, em direcção à zona comercial e habitacional ali existente, na margem esquerda da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

42 - A solução de continuidade referida no facto provado enunciado sob o número 39, destina-se ainda a permitir aos condutores que hajam agido conforme referido no facto anterior o prosseguirem a sua marcha, através da faixa de rodagem da Avenida dos Bombeiros Voluntários, que ali conflui com a Estrada Nacional nº, 203, pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

43 - Uma dessas hemi-faixas de rodagem, a situada do lado Poente, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolva a sua marcha no sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

44 - A outra dessas hemi-faixas de rodagem, a situada do lado Nascente, destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha, no sentido Sul-Norte (ou seja, Rotunda da Feitosa-Ponte de Lima).

45 - Para quem se encontra no local do sinistro, consegue avistar-se a faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, em toda a sua largura: no sentido Norte, em direcção a Ponte de Lima, ao longo de uma distância superior a cem (100,00) metros; no sentido Sul, em direcção à Rotunda da Feitosa, ao longo de uma distância superior a cinquenta (50,00) metros.

46 - Essas distâncias são ditadas pela existência de curvas, uma em cada extremo - Norte (lado de Ponte de Lima) e Sul (lado da Rotunda da Feitosa) - do sector de recta que a Estrada Nacional nº 203 configura no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção.

47 - Para quem circula pela Estrada Nacional nº 203, no sentido Norte/Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa), consegue avistar-se a sua faixa de rodagem e as suas bermas, em toda a sua largura, em direcção ao local da deflagração do sinistro, numa altura em que se encontra, ainda, a uma distância superior a cem (100,00) metros, antes de lá chegar.

48 - No dia 23 de Setembro de 2013, pelas 12.40 horas, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ, propriedade de José (aqui Autor), transitava pela Estrada Nacional nº 203.

49- O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), desenvolvia a sua marcha, no sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

50 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), circulava rigorosamente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha (Norte-Sul, ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

51 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), circulava com os seus rodados direitos a uma distância de 05,00 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado.

52 - O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), circulava animado de uma velocidade não superior a cinquenta (50,00) quilómetros por hora.

53 - Nas referidas circunstâncias temporais, transitava também pela Estrada Nacional nº 203, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada (com sede na Zona Industrial da Maia, … MAIA).

54 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), desenvolvia, também ele, a sua marcha, no sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-/Rotunda da Feitosa).

55 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), inicialmente desenvolvia a sua marcha sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha (Norte-Sul, ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

56 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), inicialmente desenvolvia a sua marcha com os seus rodados direitos a uma distância de 0,50 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado.

57 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), desenvolvia a sua marcha animado de uma velocidade de cerca de cinquenta (50,00) quilómetros por hora.

58 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), desenvolvia a sua marcha numa posição situada à frente do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor).

59 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), desenvolvia a sua marcha a uma distância de trinta (30,00) metros, à frente do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ (propriedade do Autor).

60 - Manuel, condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada) decidiu ir tomar a refeição do almoço ao Restaurante "A", situado na margem direita da Estrada Nacional nº 203, atento o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

61 - Pela razão referida no facto anterior, quando passou a circular no troço de recta que a Estrada Nacional n° 203, configura no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, Manuel pôs em funcionamento o sinal luminoso - "pisca" -, do lado esquerdo, do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD.

62 - Manuel pôs em funcionamento o sinal luminoso - "pisca" -, do lado esquerdo, do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, a fim de levar a efeito a manobra de mudança de direcção à sua esquerda.

63 - Manuel pôs em funcionamento o sinal luminoso - "pisca" -, do lado esquerdo, do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, a fim de penetrar com ele na Avenida dos Bombeiros Voluntários.

64 - Manuel pôs em funcionamento o sinal luminoso - "pisca" -, do lado esquerdo, do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, a fim de proceder à sua imobilização (e estacionamento), num amplo e bem visível parque de Estacionamento ali existente, na margem esquerda da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

65 - Com vista à realização da sua pretendida manobra de mudança de direcção à esquerda, Manuel passou a circular com o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, totalmente sobre a "FAIXA DE ABRANDAMENTO" situada entre as duas (02,00) hemi-faixas de rodagem da Estrada Nacional nº 203.

66 - Com vista à realização da sua pretendida manobra de mudança de direcção à esquerda, Manuel passou a circular com os rodados esquerdos do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, encostados à Linha Contínua - MARCA M1 -, situada do lado esquerdo da referida "FAIXA DE ABRANDAMENTO", tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

67 - Com vista à realização da sua pretendida manobra de mudança de direcção à esquerda, Manuel passou a circular com o sinal luminoso - "pisca" -, do lado esquerdo, do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, em funcionamento, de forma intermitente.

68 - Por forma a deixar, como deixou, à frente do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), totalmente livre e desimpedida, toda a largura correspondente à largura da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

69 - Por essa razão, a Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) prosseguiu, sempre a sua marcha.

70 - A Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) prosseguiu a sua marcha totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

71 - A Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) prosseguiu a sua marcha com os rodados direitos do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ, a uma distância de 0,50 metros da linha delimitativa da berma do mesmo lado direito da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

72 - A Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) prosseguiu a sua marcha animada de uma velocidade de cerca a cinquenta (50,00) quilómetros por hora.

73 - Quando o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) se encontrava já em frente à embocadura (confluência) da Avenida dos Bombeiros Voluntários.

74 - Quando o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), se encontrava totalmente sobre a "FAIXA DE ABRANDAMENTO", situada entre as duas hemi-faixas de rodagem da Estrada Nacional nº 203, o Manuel apercebeu-se de que, na margem direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional n° 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa), existia um lugar de estacionamento livre e desimpedido, em frente ao Restaurante "A",

75 - Manuel pretendia ir tomar a refeição do almoço ao referido Restaurante "A".

76 - Por essa razão, Manuel, sem olhar, como não olhou, para a sua retaguarda, no sentido Norte, em direcção a Ponte de Lima.

77 - Sem olhar, como não olhou, para o seu lado direito.

78 - Sem accionar, como não accionou, o sinal luminoso - "pisca" -, do lado direito, do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD.

79 - E numa altura em que Manuel circulava totalmente sobre a "FAIXA DE ABRANDAMENTO", situada entre as duas hemi-faixas de rodagem da Estrada Nacional nº 203, com o sinal luminoso - "pisca" - do lado esquerdo, do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, em funcionamento, de forma intermitente.

80 - Sem parar, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, em obediência ao sinal "STOP" e à Barra de Paragem - MARCA Ma -, que se encontram pintadas no pavimento asfáltico, no topo do lado Sul, da "FAIXA DE ABRANDAMENTO" da Estrada Nacional nº 203, no local do entroncamento configurado pela Avenida dos Bombeiros Voluntários.

81 - Numa altura em que o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) se encontrava a circular nas circunstâncias referidas nos factos provados enunciados sob os números 68, 69, 70, 71, 72 e 73, ou seja, em frente à embocadura (confluência) da Avenida dos Bombeiros Voluntários.

82 - Numa altura em que o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) se encontrava a circular totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

83 - Numa altura em que o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor) se encontrava a circular numa posição paralela, em relação ao veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula DD, tripulado pelo Manuel.

84 - Numa altura em que o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), se encontrava a circular do lado direito deste veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada).

85 - Manuel, de forma brusca, súbita, repentina e inopinada, guinou o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, para o seu lado direito.

86 - Desse modo, Manuel foi embater, como embateu, com o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD (propriedade de EMPRESA Y -Distribuição e Comércio de Produtos Alimentares, Limitada), contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor).

87 - A Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), ainda travou, de imediato, e guinou o veículo automóvel que tripulava, para o seu lado direito.

88 - A Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ZZ (propriedade do Autor), agiu conforme referido no facto anterior numa tentativa de evitar a colisão.

89 - Por sua vez, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, tripulado por Manuel, após o embate, ficou imobilizado, com a sua metade traseira sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa).

90 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de matrícula DD, tripulado por Manuel, após o embate ficou com a sua metade frontal sobre a berma do lado direito da Estrada Nacional nº 203, tendo em conta o sentido Norte-Sul (ou seja, Ponte de Lima-Rotunda da Feitosa); e, parcialmente, sobre o espaço destinado a estacionamento de veículos automóveis, situado desse mesmo lado da referida via (em frente ao Restaurante "A").

91 - A Estrada Nacional nº 203, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, apresentava e apresenta a configuração constante da «DECLARAÇÃO AMIGÁVEL DE ACIDENTE AUTOMÓVEL», da «PARTICIPAÇÃO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO», elaborada pela Guarda Nacional Republicana, da imagem obtida no Google Earth e das fotografias que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais (conforme documentos nºs. 8, 9, 10, 11, 12, 13,14,15, 16 e 17, que são fls. 76 a 85 dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

92 - COMO CONSEQUÊNCIA DIRECTA E NECESSÁRIA DO ACIDENTE, resultaram, para o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ - propriedade do Autor (José), danos elevados, a demandar, para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de mecânico, chapeiro, de pintor, de eletricista, de estofador e de alinhamento da direcção, além de outros, bem como a substituição de peças várias, nomeadamente 1 para choques completo, 1 suporte lateral, 1 farol completo, com pisca incluído, 1 guarda-lamas, 1 suporta de frente, 1 proteção em plástico interior frente, 1 protecção de plástico interior da retaguarda, 1 suporte do fecho superior, 1 suporte do farol, 1 resguardo do motor, 1 reforço da cava da roda, 1 módulo do airbag, 1 suporte do eixo dianteiro, 1 barra de protecção, 1 travessa, 1 triângulo da suspensão, 1 triângulo da suspensão, 1 amortecedor (mac-pherson), 1 barra estabilizadora, 1 estabilizador do apoio da articulação, 1 manga de eixo, 1 cubo da roda, 1 jogo de rolamentos da roda, 1 eixo da transmissão completo, 1 direcção, 1 suporte de fixação da caixa, 1 suporte da caixa de velocidades frente, 1 suporte da caixa de velocidades retaguarda, 1 suporte da caixa de velocidades retaguarda, no valor global de 5.129,51 o qual, acrescido de IVA, perfez € 6.309,30 (conforme factura que é fls. 262 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

93 - O respectivo orçamento foi elaborado pela sociedade "Empresa W" por conta e a expensas da Ré Companhia de Seguros "Seguradora X" (conforme documento nº 18, que é fls. 86 a 92 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido).

94 - E mereceu a concordância e aceitação da Ré "Seguradora X" (conforme documento nº 18, que é fls. 86 a 92 dos autos e já integralmente reproduzido).

95 - A Ré, porém, devidamente interpelada, para o efeito, sempre se recusou a assumir a responsabilidade pelas consequências danosas do acidente.

96 - E sempre se recusou a assumir a responsabilidade pela reparação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ.

97 - Do mesmo modo que sempre se recusou a assumir a responsabilidade pelo pagamento da quantia correspondente ao custo da reparação do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ, propriedade do Autor.

98 - Por essa razão, perante essa obstinada recusa, por parte da Ré "Seguradora X", viu-se o Autor na necessidade de mandar reparar, ele próprio, o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ (conforme documento nº 18, que é fls. 86 a 92 dos autos e já integralmente reproduzido).

99 - O Autor (José) pagou, assim, à oficina de Ricardo, com sede no lugar de …, freguesia de …, comarca de Ponte de Lima, em 3 de Novembro de 2013 - data em que o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ lhe foi entregue, pela oficina, reparado e pronto a circular pelos seus próprios meios, a quantia de € 6.309,30 (conforme factura que é fls. 262 dos autos, já integralmente reproduzida).

100 - As peças substituídas são mais vulneráveis à ferrugem e à corrosão, uma vez que o tratamento primário que lhes foi aplicado é de qualidade inferior àquele que as originais traziam de fábrica.

101 - Foi desamolgado, cortado e soldado a altas temperaturas, com o auxílio de um maçarico, em vários pontos, nas partes afectadas.

102 - O que também torna as partes assim atingidas mais vulneráveis à ferrugem e à corrosão.

103 - Levou massa e pintura nas partes afectadas, o que, a breve prazo, vai fazer com que essas zonas se passem a diferenciar das restantes, após a exposição ao sol, à chuva, ao frio e às restantes intempéries.

104 - Em consequência dos factos descritos de 100 a 104 o veículo do Autor sofreu uma desvalorização do montante de € 2.000,00.

105 - Na verdade a viatura de matrícula ZZ é de marca "RENAULT", modelo "MEGANE II BREAK 1.5 DCI" encontrava-se, à data do sinistro, em muito bom estado de conservação.

106 - Foi construída no ano de 2004.

107 - E foi comprada, pelo Autor, no mercado dos usados, no ano de 2007 (conforme documento nº 1, que é fls. 57 dos autos e já integralmente reproduzido).

108 - Em muito bom estado de conservação, em estado de nova e pelo preço de € 19.500.00.

109 - Tem capacidade para o transporte de cinco (5) pessoas, incluindo o seu respectivo condutor.

110 - É propulsionada a gasóleo.

112 - O Autor sempre lhe havia prestado a mais rigorosa assistência, tanto à sua parte mecânica.

111 - Como à sua carroçaria, na sua própria oficina.

112 - Nunca havia sofrido qualquer outro acidente, além do que deu origem ao dos presentes autos.

113 - Contava, percorridos, apenas 126.595,00 quilómetros.

114 - E o Autor recolhia-a, diariamente, em garagem privativa.

115 - O Autor tinha, à data da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos - 23 de Setembro de 2013 -, como tem na presente data, a sua residência na Rua da …, freguesia de …, comarca de Ponte de Uma.

116 - É sócio da sociedade "JJ LDA.", com sede e estabelecimento no lugar de …, freguesia de …, comarca de Ponte de Lima.

117 - A uma distância de quatro (04,00) quilómetros da sua casa de habitação.

118 - O Autor utilizava, como utiliza, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ, para se dirigir, todas as manhãs, da sua casa de habitação, para o seu local de trabalho.

119 - Para se dirigir à sua casa de habitação, na hora do meio-dia, para tomar a refeição do almoço.

120 - Para voltar para o seu local de trabalho ao início de cada tarde.

121 - E para regressar ao seu domicílio, ao fim de cada dia de trabalho.

122 - A sociedade "JJ, LDA." dedica-se à actividade de venda, reparação e assistência de máquinas agrícolas, florestais e de jardinagem.

123 - E o Autor utilizava, como utiliza, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ, para se dirigir aos domicílios dos clientes da sociedade "JJ, LDA

124 - Os quais se situam em toda a área dos concelhos de Ponte de Lima, Arcos de Valdevez, Ponte de Barca, Melgaço, Monção, Valença, Paredes de Coura, Vila Nova de Cerveira, Caminha, Viana do Castelo, Braga, Vieira do Minho e Espinho, além de outras localidades.

125 - Para promoção de vendas das máquinas e equipamentos destinados à agricultura, exploração florestal e jardinagem para prospecção de mercados.

126 - Para prestação de assistências às máquinas e equipamentos destinados à agricultura, exploração florestal e jardinagem.

127 - Para proceder a reparações de máquinas e equipamentos destinados à agricultura, exploração florestal e jardinagem.

128 - E para visitas de rotina aos clientes da sociedade "JJ, LDA.", para manter a sua fidelização.

129 - O Autor percorria e percorre, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ, uma distância média de noventa (90,00) quilómetros, por dia.

130 - Além disso, o Autor utilizava, como utiliza, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ para satisfação das suas necessidades de deslocação de natureza pessoal e familiar.

131 - Para dar os seus passeios de lazer.

132 - Tanto nos dias úteis, como aos sábados, domingos e feriados.

133 - Sozinho ou acompanhado da sua esposa e demais familiares.

134 - Além disso, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ, sempre que possível, era, também, como é, utilizado pela esposa do Autor.

135 - Para satisfação das suas deslocações de natureza pessoal e familiar.

136 - Sempre que disso tinha e tem necessidade.

137 - O Autor, porém, viu-se absolutamente privado do uso do seu referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ, desde o dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção - 23 de Setembro de 2013 -, até ao dia 3 de Novembro, de 2013.

138 - Data em que o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ lhe foi entregue, pela oficina, reparado e pronto a circular pelos seus próprios meios.

139 - O que perfez já um período de tempo total de quarenta e dois (42,00) dias.

140 - Como ficou referido, o Autor sempre teve, como tem, necessidade de percorrer, em cada dia de trabalho, uma distância nunca inferior a noventa (90,00) quilómetros, na sua vida pessoal e familiar e no desempenho da sua actividade profissional, no desenvolvimento do escopo comercial da sociedade "JJ, Lda." - venda, assistência e reparação de máquinas e equipamentos destinados à agricultura, exploração florestal e jardinagem.

141 - O Autor viu-se, por essa razão, na necessidade de recorrer a meios de transporte alternativos, para satisfação de necessidades urgentes e imprescindíveis de deslocação.

142 - Mas, viu-se impossibilitado de satisfazer muitas dessas deslocações de natureza profissional, pessoal e familiar.

143 - Viu-se impossibilitado de satisfazer as necessidades de deslocação de natureza pessoal e familiar.

144 - O que tudo lhe causou intenso estado de permanente irritação e revolta, ao longo do período de tempo de quarenta e dois (42.00) dias em que se viu privado do uso do seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ.

145 - Face às regras da experiência comum, recolhida em casos iguais ao que se discutem nos autos, se o autor tivesse de alugar um veículo de substituição pagaria a quantia diária de € 30,00, pelo que em consequência da privação do uso do seu veículo ao Autor sofreu um prejuízo diário do montante de € 30,00, por dia.

146 - Com o que o Autor sofreu, a este título, um prejuízo de € 1.260,00 (42,00 dias x € 30,00).

147 - O Autor sofreu os incómodos e intenso nervosismo, por se ter encontrado privado do uso do seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ, ao longo do período de tempo de quarenta e dois (42,00) dias.

148 - Por se ter visto privado dos seus passeios de lazer, de natureza pessoal e familiar, o que, também, lhe causou intenso desconforto, nervosismo, insatisfação, angústia e, até, insónias.

149 - Sofreu, também, o Autor um grande desgosto, por ver o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ muito amolgado e desfigurado.

150 - Tinha o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ em grande apreço.

151 - Pois havia-o comprado em muito bom estado de conservação, com aspecto de novo.

152 - E com grande sacrifício.

153 - Com o auxílio do produto da poupança do rendimento de anos de trabalho

154 - Apoderou-se, por isso, do Autor um estado de nervosismo.

155 - Que o passou a acompanhar a partir da data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção.

156 - Até ao dia em que o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ lhe foi entregue já reparado e pronto a circular pelos seus próprios meios.

157 - O que tudo lhe causou, também, intensas insónias e, até, dores de cabeça profundas.

158 - E a perder grande parte no gosto e estima que nutria pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ.

159 - Por último, o Autor efectuou as seguintes despesas, também elas consequência directa e necessária do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos:

. custo de 1 certidão da GNR - participação de acidente de viação……...€ 60,00;
. custo de 3 certidões da Conservatória do Registo Automóvel...…………€ 51,00;
. deslocações diversas à cidade de Viana do Castelo, ao escritório dos seus advogados, para tratar de assuntos relacionados com o sinistro e com o presente processo……………………………………………………………..€ 150,00;
Soma……………………………………………………………………………………€ 261,00.

160 - Para Seguradora X - Sucursal em Portugal (aqui Ré) estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula DD, identificado nos autos como causador do acidente, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. …, em vigor à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção.
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4.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão do Tribunal de 1ª Instância, foi considerado que não se provaram os seguintes factos:

1’ - Que pela privação do uso do veículo o Autor perdeu clientes.

2’ - Viu-se impossibilitado de cumprir prazos e compromissos com os clientes da sociedade "JJ, Lda.".

3’ - Recebeu insistentes reclamações, por parte dos seus clientes.

4’ - E não resultaram provados os demais factos alegados pela Ré designadamente os que sustentavam a sua versão quanto à culpa da Condutora do veículo automóvel do Autor na ocorrência do embate.
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4.2. Modificabilidade da decisão de facto
4.2.1.1. Erro de julgamento - Incorrecta apreciação da prova legal

Lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).

Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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4.2.1.2. Erro de julgamento - Incorrecta livre apreciação da prova
4.2.1.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação

Lê-se no nº 2, als. a) e b) do art. 662º citado, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº 44, p. 29 e ss.).
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4.2.1.2.2. Ónus de impugnação

Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recuso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640º, n 1 do C.P.C. que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c) do nº 1 do art. 640º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Manuel A, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, p. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise critica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, p. 595, com bold apócrifo).

Ainda que com naturais oscilações - nomeadamente, entre a 2ª Instância e o Supremo Tribunal de Justiça - (muito bem sumariadas no Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1, e no Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1) - , vêm sendo firmadas as seguintes orientações:

. os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.04.2014, Abrantes Geraldes, Processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1);

. não cumprindo o recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (nesse sentido, Ac. da RG, de 19.06.2014, Manuel Bargado, Processo nº 1458/10.5TBEPS.G1);

. a cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona aqui, automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente, desde logo, a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, João Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1);

. dever-se-á usar de maior rigor no apreciação cumprimento do ónus previsto no nº 1 do art. 640º (primário ou fundamental, de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo, mantido inalterado), face ao ónus previsto no seu nº 2 (secundário, destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1);

. o ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção com exactidão das passagens da gravação onde se funda o recurso só será idónea a fundamentar a rejeição liminar do mesmo se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (neste sentido, Ac. do STJ, de 26.05.2015, João Roque, Processo nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, Ac. STJ de 22.09.2015, Pinto de Almeida, Processo nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, e Ac. do STJ, de 19.01.2016, Sebastião Póvoas, Processo nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, onde se lê que o ónus em causa estará cumprido desde que o recorrente se reporte à fixação electrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes, de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório);

. cumpre o ónus do art. 640º, nº 2 do C.P.C. quando não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento, como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 29.10.2015, Lopes do Rego, Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1); ou quando o recorrente identificou as testemunhas EE, FF e GG, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas, referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e o CD onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, e, para além disso, transcreveu e destacou a negrito as passagens da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido (neste sentido, Ac. do STJ, de 18.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 476/09.oTTVNG.P2.S1);

. a apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Maria dos Prazeres Beleza, Processo nº 405/09.1TMCBR.C1.S1); nem o faz o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem uma única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (neste sentido, Ac. do STJ, de 28.05.2015, Granja da Fonseca, Processo nº 460/11.4TVLSB.L1.S1);

. servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, mas bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita na motivação do recurso (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, Ac. do STJ, de 01.10.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ac. do STJ, de 03.12.2015, Melo Lima, Processo nº 3217/12.1TTLSB.L1-S1, Ac. do STJ, de 11.02.2016, Mário Belo Morgado, Processo nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, Ac. do STJ, de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S1, e Ac. do STJ, de 21.04.2016, Ana Luísa Geraldes, Processo nº 449/10.0TVVFR.P2.S1);

. não deve ser rejeitado o recurso se o recorrente seguiu uma determinada orientação jurisprudencial acerca do preenchimento do ónus de alegação quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, nos termos do art. 640º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ, de 09.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo nº 6617/07.5TBCSC.L1.S1);

. a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
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4.2.1.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto

Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.

Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior C.P.C.], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).

Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo)
.
Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10).
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4.2.2. Concretizando, considera-se que a Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal) cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art. 640º, nº 1 do C.P.C. (conclusão distinta de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos julgados como provados).
Com efeito, indicou nas suas conclusões de recurso: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente provados (os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 8, 9, 10, 11, 12, 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59, 61 a 88, 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (no caso, os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelo Autor, e pelas testemunhas Manuel, Maria, Joaquina, João e Tiago); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o darem-se como não demonstrados os factos provados enunciados sob os números 8, 9, 10, 11, 12, 50, 51, 52, 55, 56, 57, 59, 61 a 88, 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159).

Prosseguindo - na verificação do cumprimento do ónus de impugnação a cargo da Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal) - , e relativamente ao juízo crítico próprio, assentou o mesmo numa diferente valoração feita dos depoimentos prestados pelo Autor e pelas testemunhas referidas (Manuel, Maria, Joaquina, João e Tiago).
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos que a Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal) seleccionou na sua impugnação, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face às regras da experiência.
Assim, pretendendo a Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal) sindicar este juízo, importaria que indicasse as razões pelas quais entende que àqueles depoimentos deveria ter sido dada outra relevância, o que fez, centrando a sua discordância nas alegadas contradições encontradas entre eles, e entre o que os respectivos autores teriam dito em momento anterior nos autos.
Crê-se estar, assim, este Tribunal da Relação em condições de poder proceder (nos limites autorizados pelo art. 640º do C.P.C.) à reapreciação da matéria de facto pretendida pela Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal).
*

4.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto

4.3.1. Factos provados relativos à dinâmica do acidente, enunciados sob os números 50, 51, 5, 55, 56, 57, 59, e 61 a 88

Veio a Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia que se desse como provada a dinâmica do acidente apresentada nos autos pelo Autor, vertida nos factos enunciados sob os números 50, 51, 5, 55, 56, 57, 59, e 61 a 88.
Invocou para o efeito o teor dos depoimentos prestados pelo Autor, e pelas testemunhas Manuel, Maria, Joaquina, João e Tiago, alegadamente contraditórios entre si, e com o vertido na «PARTICIPAÇÃO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO» que é fls. 60 a 63 dos autos.

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes para este efeito e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes, atento o objecto da sindicância):
«(…)
Para formar a sua convicção relativamente aos fatos dados como provados e não provados o Tribunal formou a sua convicção com base nos seguintes meios de prova pelas razões e motivos que infra se indicam.
Documental.
Auto de participação de acidente junto a fls. 60 a 63, confirmado em julgamento pelo depoimento das testemunhas MS e Tiago, militares da GNR, que foram chamado ao local, e tomaram conta da ocorrência do acidente. Deste modo confirmaram o auto de participação do acidente, de onde resulta, qual posição em que ficaram os veículos depois do embate, local do acidente e sinais estradais existentes à data do acidente.
(…)
Fotografias e imagens juntas a fls. 76 a 85, que espelham o local do acidente, sentido seguindo por ambos os veículos intervenientes no acidente e o estado em que ficaram imobilizados os veículos interveniente no acidente.
(…)
Todos os demais documentos a que se faz referência a sublinhado em cada facto provado de per si. A veracidade de tais documentos não foi posta em causa, por isso as declarações neles vertidos, a sua autoria e os factos a que se referem na realidade aconteceram.
(…)
Testemunhal.
Joaquina, presenciou o acidente, seguia atrás do veículo do Autor, conduzido por Maria, esposa do Autor. Dada esta circunstância, presenciou o acidente sentiu as suas emoções. Nestas circunstâncias de tempo e lugar, viu que o condutor do veículo seguro na Ré, pretendia virar para a esquerda, Rua dos Bombeiros atento o sentido de marcha Ponte de Lima/Rotunda da Feitosa. Para o efeito imobilizou o veículo na faixa de abrandamento, com o pisca ligado da esquerda e de que no momento em que a condutora do veiculo do autora estava a fazer a ultrapassagem deste, este repentinamente, e sem que nada o fizesse prever, virou para a direita com a intenção de aparcar o veiculo que conduzia no parque de estacionamento do Restaurante A, a fim de ir almoçar. Nestas circunstâncias deu-se o acidente acabando por envolver um terceiro veículo que se encontrava aparcado no referido parque de estacionamento o de matrícula SS.
O depoimento desta testemunha, coincidiu com o depoimento da testemunha Maria que como se disse era a condutora do veículo do Autor.
Ambos os testemunhos foram oculares, descreveram de forma precisa e concisa a forma como o embate se deu. Ambos os depoimentos foram prestados de forma lógica e racional, objetivo com avanços e recuos muito firmes e seguros.
A testemunha Joaquina Alexandra, explicou a razão porque naquele dia, hora e local seguia atrás do veículo do Autor, dirigia-se para sua habitação, levando consigo o seu filho para ir almoçar e no intervalo do horário escolar concedido para o efeito.
Estes dois depoimentos, no que diz respeito à forma como o embate se deu em parte foi completado com o depoimento da testemunha João, condutor do 3.º veículo SS, tinha acabado de almoçar, encontrava-se no pátio o referido restaurante “A”. No local onde se encontrava viu que o veículo do autor antes do embate se dar encontrava na dita zona de abrandamento (STOP). Viu com o embate se deu, nomeadamente como veículo que conduzia foi embatido, quanto este encontrava-se aparcado no parque de estacionamento do restaurante A. Que a condutora do veículo do Autor, não podia fazer a ultrapassagem pela direita, em virtude de não ter espaço suficiente para o fazer, e que por isso só iniciou a ultrapassagem porque o condutor do veículo seguro se encontrava na zona de abrandamento, razão pela qual a condutora do veículo do autor tomou a iniciativa de iniciar a ultrapassagem.
Os depoimentos das testemunhas MS e Tiago, ambos militares da GNR, tomaram conta da ocorrência do acidente, coincidiram em julgamento a participação do acidente junta a fls. 60 a 64. Demonstraram ter conhecimento da sinalização existente no local do acidente, que se trata de uma localidade em que não é permitido conduzir a uma velocidade superior a 50 Km/hora. Com já se disse, confirmaram em julgamento as imagens e fotografias de fls. 76 a 85
Assim sopesando no seu conjunto todos os depoimentos das testemunhas supra referidas, o tribunal aferia com segurança a forma como o embate de se deu, e por isso a versão apresentada pelo Autor correspondeu ao que na realidade assim aconteceu.
A testemunha Manuel, o condutor do veículo segura na Ré, apresentou uma narrativa coincidente com o alegado pela Ré no que diz respeito à forma com o acidente se deu. Admitiu que pretendia ir almoçar ao citado restaurante A, e de que à data estava dentro do seu horário de trabalho, que que o fazia por conta da sua entidade patronal.
(…)
Quanto aos demais factos dados como não provados, o Tribunal não obteve prova suficiente para os dar como provados.
(…)»

Logo, uma primeira conclusão se pode desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo de prova dos factos provados enunciados sob os números 50, 51, 5, 55, 56, 57, 59, e 61 a 88, ponderou toda a prova (pessoal e documental) produzida sobre eles, incluindo àquela que a Recorrente elegeu para fundar o seu antagónico juízo.
Com efeito, e reportando-se concretamente aos depoimentos das testemunhas Maria (condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, propriedade do Autor, seu marido), Joaquina (condutora do veículo automóvel que seguia imediatamente atrás daquele outro), e João (cliente do estabelecimento de restauração sensivelmente à frente do qual se deu o embate de veículos aqui em causa, no exterior do qual se encontrava), privilegiou-os, por: serem todos eles provenientes de testemunhas presenciais dos factos; mostrarem-se coerentes e conformes na descrição essencial dos mesmos; e serem as testemunhas Joaquina e João terceiros desinteressados (isto é, não serem partes nos autos, nem manterem com elas relações de parentesco, afinidade, vizinhança ou amizade).
Atendeu ainda ao facto de o por eles declarado se mostrar conforme com a «PARTICIPAÇÃO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO» que é fls. 60 a 63 dos autos, nomeadamente com a descrição do local e a posição final em que os veículos embatidos ficaram.
Detalhando, e chamando ainda à colação as expressivas fotografias de fls. 81 e 83 dos autos, são todos estes elementos conformes com o ter sido o veículo automóvel ligeiro de mercadorias (seguro na Ré) que embateu no veículo automóvel ligeiro de passageiros (do Autor), e não o inverso, já que o conjunto formado por ambos foi empurrado para a direita (isto é, para a respectiva berma, atento os seus sentidos de marcha), e não para a esquerda (isto é, para o eixo da via, atento sempre o comum sentido de macha).
Por outras palavras, se tivesse sido o veículo automóvel ligeiro de passageiros que, ultrapassando pela direita o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, houvesse ocupado a hemi-faixa de rodagem deste último, o mesmo tenderia a ser empurrado para fora dela, para esquerda, por o primeiro progredir em velocidade, ocupando o espaço que lhe deveria estar reservado; mas se tivesse sido o veículo automóvel ligeiro de mercadorias que, tendo-se afastando para o eixo da via, inopinadamente pretendesse voltar para a direita, e, ao fazê-lo, houvesse embatido no veículo automóvel ligeiro de passageiros, ambos tenderiam a ser encostados à direita, o primeiro por ser essa a sua intencionada marcha, e o segundo por aquele o forçar nesse sentido.
Ora, foi precisamente o resultado final desta última hipótese o retratado quer na «PARTICIPAÇÃO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO», quer nas fotografias de fls. 81 e 83 dos autos.
Prosseguindo, desvalorizou ainda o Tribunal a quo, no seu juízo de prova sobre a dinâmica do acidente, o depoimento prestado pela testemunha Manuel (condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, que seguia à frendo do veículo automóvel propriedade do Autor), cuja versão não só foi negada pelos depoimentos conformes das demais testemunhas presenciais, como se mostrou desconforme com as regras da experiência comum.
Com efeito, reconhecendo o mesmo que pretendia almoçar no restaurante situado à sua direita, e que habitualmente estacionava o seu veículo automóvel num parque existente no lado esquerdo da via, sustentou porém que, naquele dia, o pretendeu fazer em frente do dito restaurante, por ter visto que ali havia um lugar disponível; e que, por isso, sinalizou a sua intenção com o sinal luminoso intermitente de mudança de direcção à direita, quando foi ultrapassado e abarroado pela direita pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros conduzido pela testemunha Maria.
Contudo, as demais testemunhas presenciais declararam de forma unânime que o Condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, antes de virar - súbita e inopinadamente - à sua direita, se desviou para o eixo da via, entrando na faixa de abrandamento destinada a permitir que virasse à esquerda (precisamente, em direcção ao parque de estacionamento que ele próprio afirmou utilizar habitualmente), tendo a testemunha Joaquina afirmando mesmo, e assertivamente, que o viu accionar o sinal luminoso intermitente de mudança de direcção para o lado esquerdo.
Acresce que, sendo a via no local reservada a dois sentidos de trânsito, possuindo a hemi-faixa reservada ao dois veículos que embateram inicialmente três metros de largura, sendo a berma do lado direito caracterizada em julgamento como um «rego» (por ser estreita e inclinada), e encontrando-se logo à frente uma rotunda, não seria expectável que a Condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros (sem que fosse adiantada qualquer explicação - verosímil, ou inverosímil - para o efeito), decidisse ultrapassar pela direita um veículo automóvel de maiores dimensões do que o seu (que necessariamente lhe ocultaria parte da hemi-faixa de rodagem por onde pretenderia progredir), que já sinalizara a sua intenção de virar à direita (cortando-lhe, assim, a sua intencionada trajectória), fazendo-o em velocidade (quando imediatamente à frente, na rotundo, teria que desacelerar), e com o risco de resvalar com o rodado interior do seu veículo para a berma, ou embater no muro das habitações que ladeavam a estrada, praticando desse modo uma condução temerária muito pouco consentânea com o seu género.
Ora, já a versão apresentava nos autos pelo Autor mostra-se conforme com o que seria expectável acontecer se, pretendendo de facto usar o parque de estacionamento habitual, a sua esquerda, o Condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias avistasse de súbito um lugar disponível à sua direita; e, tal como ele próprio reconheceu em julgamento, virasse o veículo nessa direcção sem previamente se certificar que o podia fazer sem embaraçar o trânsito existente à sua retaguarda, porque não olhou para o efeito pelo espelho retrovisor.

Pretendeu a Ré contestar esta avaliação dos depoimentos prestados, por forma a fazer prevalecer o único produzido sobre sua iniciativa, afirmando que a testemunha Manuel seria tão presencial, e tão isenta quanto as demais, por não ter qualquer interesse na causa, ao contrário da testemunha Maria.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, crê-se serem ambos os Condutores afectados pelo mesmo juízo de interesse, uma vez que, independentemente de virem, ou não, a ser afectados no seu património pela sentença dos autos, certo é que o acidente em causa se deveu à sua condução.
Acresce que, no caso da testemunha Manuel, a mesma conduzia um veículo automóvel que lhe está afecto pela sua entidade patronal, que naturalmente não ficará agradada com uma condução reconhecida como desatenta e negligente, e com a sua possível repercussão no agravamento do prémio do respectivo seguro de responsabilidade civil automóvel; e, de forma consentânea com o seu género, provavelmente não lhe será fácil reconhecer que, num caso concreto, a sua condução se mostrou desadequada, nomeadamente quando comparada com a condução realizada pelo género oposto.
Considerando, assim, qualquer uma das versões interessadas de cada um dos Condutores intervenientes no embate inicial, não há dúvidas que a versão sustentada pela testemunha Maria se mostrou corroborada por outras duas testemunhas presenciais, com as quais não mantem quaisquer especiais relações; e bem assim pelas regras da experiência comum.
Logo, uma segunda conclusão se impõe: o Tribunal a quo, no juízo prova dos factos provados enunciados sob os números 50, 51, 5, 55, 56, 57, 59, e 61 a 88, ponderou toda a prova (pessoal e documental) produzida sobre eles, privilegiando aquela que, na apreciação crítica feita, se mostrou não só confirmada pela demais e isenta prova produzida, como validade pelas regras da experiência comum.

Por fim, alicerçou ainda a Ré a pretendida descredibilização de todos estes depoimentos (desconformes com a sua versão do acidente) em alegadas contradições notadas entre eles, ou entre o que anteriormente teria ficado registado, nomeadamente na «PARTICIPAÇÃO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO».
Contudo, e salvo novamente o devido respeito pela sua opinião contrária, as ditas contradições não incindem sobre a dinâmica do próprio acidente (onde existe absoluta unanimidade e coerência), mas sim sobre factos secundários praticados depois da sua ocorrência (v.g. o que então foi dito pelos Condutores, em que precisos locais foram notadas estar as demais testemunhas), facilmente se atribuindo à particular atenção que cada testemunha deu aos aspectos que mais valorizou, sob a emoção do acidente acabado de verificar, e ao modo como o decurso do tempo afectou a sua memória.
Acresce que, e novamente ao contrário do pretendido pela Ré, se os depoimentos em causa tivessem sido concertados e encenados para julgamento, seria expectável que tais alegadas contradições se não verificassem, vendo-se por isso nas mesmas um índice de espontaneidade e sinceridade.
Por fim, dir-se-á que este Tribunal da Relação não se deixou impressionar pela dilucidação terminológica efectuada pela Ré, na análise que foi fazendo ao afirmado pelas testemunhas que pretendeu desacreditar, nomeadamente quando comparado com o registado na «PARTICIPAÇÃO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO»: vendo, por exemplo, no registo de que «o veículo que seguia à minha frente encostou-se para a esquerda, dando a impressão que ia virar para a avenida dos bombeiros voluntários, tendo de repente virado para a direita, sendo que nesse momento eu já me encontrava a ultrapassar o veículo, visto que o mesmo se encontrava encostado à esquerda», a prova da falta de sinceridade da testemunha Maria, já que em julgamento aquela impressão se converteu em certeza.
Com efeito, não só sob a natural emoção de um acidente de viação em que se acabou de intervir (e em que a testemunha Maria começou inclusivamente por não conseguir sair do seu veículo automóvel acidentado) se prestam depoimentos menos precisos e assertivos, como o registo que é feito dele se encontra necessariamente mediado por uma terceira pessoa, que poderá sempre incorrer nalguma involuntária imprecisão, não obstante a elevada preparação que tenha recebido para o efeito, e a voluma prática anterior.
Por outro lado, a expressão «dando a impressão que ia virar para a esquerda» explica-se pelo depois verificado, isto é, se de facto o Condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias praticou actos que induziriam aquela conclusão (chegando-se ao eixo da via, e entrando numa faixa de abrandamento para veículos que pretendessem mudar de direcção naquele sentido), certo é que depois agiu de forma desconforme, por isso havendo «uma impressão» desmentida por uma posterior acção.
Face ao exposto, e ouvido por este Tribunal da Relação o registo integral da prova pessoal produzia em audiência de julgamento, sufraga o mesmo inteiramente o juízo de prova efectuado pelo Tribunal a quo sobre a dinâmica do acidente em causa nos autos, revelando-se por tal registo a forma serena, segura e assertiva com que foram prestados os depoimentos das testemunhas Maria (condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros, propriedade do Autor, seu marido), Joaquina (condutora do veículo automóvel que seguia imediatamente atrás daquele outro), e João (cliente do restaurante existente no local, no exterior do qual se encontrava), face ao registo menos intenso e mais defensivo do depoimento prestado pela testemunha Manuel.
Logo, uma terceira conclusão se impõe: cabendo à Recorrente contrariar a apreciação crítica de toda a prova produzida (documental e pessoal), realizada pelo Tribunal a quo, não o logrou fazer com êxito, porque as razões apresentadas para o efeito não se mostrarem dotadas de exigível validade e objectividade, antes assentando numa especiosa e particular atenção dada a aspectos absolutamente secundários e despiciendos dos depoimentos prestados.

Assim, e por falta de fundamento, improcede o recurso de impugnação da matéria de facto, interposto pela Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal), relativo à dinâmica do acidente apresentada nos autos pelo Autor, vertida nos factos enunciados sob os números 50, 51, 5, 55, 56, 57, 59, e 61 a 88, que permanecem demonstrados.
*

4.3.2. Factos provados relativos à relação de comissão, enunciados sob os números 8, 9, 10, 11 e 12

Veio ainda a Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender de novo que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia que se desse como provada a relação de comissão, vertida nos factos enunciados sob os números 8, 9, 10, 11 e 12.
Considera-se, porém, que face ao prévio insucesso da impugnação da matéria de facto relativa à dinâmica do acidente, se tornou supervenientemente inútil a apreciação dos factos provado agora pretendidos sindicar.
Com efeito (e conforme ambas as partes aceitam pacificamente nos autos), a ter-se dado como provada a versão do acidente apresentada pelo Autor, ficou estabelecida a culpa efectiva e exclusiva do Condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, no desencadear do mesmo; e torna-se, assim, desnecessário apurar a verificação (ou não verificação) de uma qualquer presunção de culpa que o onerasse, ficando ainda, e necessariamente, excluída qualquer responsabilidade civil proveniente do risco próprio da circulação dos veículos.
Por outras palavras, só há necessidade de recorrer a uma qualquer presunção legal de culpa se a parte onerada com a demonstração da culpa (assacada ao sujeito desse modo onerado) a não conseguir demonstrar de outro modo, beneficiando então da dita presunção, pela qual se inverte o ónus daquela prova: provando o facto base da presunção (no caso, a relação de comissão), beneficiará da prova do facto presumido (a culpa do condutor comissário), passando a caber então ao sujeito onerado com a presunção legal de culpa a ilisão da mesma (pela demonstração de que a sua condução não foi violadora de qualquer disposição de direito estradal, violação essa causal do acidente).
Ora, no caso concreto, o Autor logrou provar directamente as violações de direito estradal imputadas ao Condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, e que as mesmas foram causais do embate de veículos depois ocorrido; e, ao fazê-lo, tornou desnecessária a posterior demonstração de que aquele se encontrava onerado com uma qualquer presunção legal de culpa (por forma a beneficiar da mesma, no esforço probatório que lhe estava cometido).

Assim por o respectivo conhecimento se ter por prejudicado, não se conhece do recurso de impugnação da matéria de facto, interposto pela Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal), relativo à relação de comissão, vertida nos factos enunciados sob os números 8, 9, 10, 11 e 12, que permanecem inalterados.
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4.3.3. Factos provados relativos às consequências do acidente (danos), enunciados sob os números 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159

Veio, por fim, a Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal) defender a alteração da decisão sobre a matéria de facto, por entender de novo que o Tribunal a quo teria feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia que se dessem como provadas as consequências danosas do acidente, vertida nos factos enunciados sob os números 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159.
Invocou para o efeito a insuficiência da prova produzida, quer documental (factura de fls. 262), quer pessoal (Autor, e testemunhas Maria, Ricardo, AP e CP).

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (limitando-se a reprodução às partes relevantes para este efeito e com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideraram mais relevantes, atento o objecto da sindicância):
«(…)

Motivação da decisão de fato
Para formar a sua convicção relativamente aos fatos dados como provados e não provados o Tribunal formou a sua convicção com base nos seguintes meios de prova pelas razões e motivos que infra se indicam.
Documental.
(…)
Documentos junto a fls. 91 e 92, 260 a 261 fazem prova dos factos 95 e 102. Estes documentos foram confirmados em sede de julgamento pelo depoimento da testemunha R. [leia-se Ricardo], mecânico que procedeu á reparação do veículo do Autor. Nesta qualidade emitiu a factura em causa. Conformou os danas causados no veículo do Autor.
Fotografias e imagens juntas a fls. 76 a 85, que espelham o local do acidente, sentido seguido por ambos os veículos intervenientes no acidente e o estado em que ficaram imobilizados os veículos interveniente no acidente.
(…)
Todos os demais documentos a que se faz referência a sublinhado em cada facto provado de per si. A veracidade de tais documentos não foi posta em causa, por isso as declarações neles vertidos, a sua autoria e os facto a que se referem na realidade aconteceram.
(…)
Testemunhal.
(…)
Quanto aos danos sofridos pelo Autor. O tribunal valorou os depoimentos da testemunhas SA, agente se seguros, fez o seguro do veículo, nesta qualidade interveio na regularização do sinistro e daí a razão conhecer bem as características e estado de conservação que se encontrava o veículo do Autor e qual o seu valor comercial, ficou impossibilitado de circular, estimava bem o automóvel, e de que este sofreu uma desvalorização entre 2000€ a 2500€. A testemunha Ricardo, procedeu ao concerto [leia-se, conserto] do veículo, que o autor pagou o concerto [leia-se, conserto], tudo como consta da factura junta a fls. 260 a 262. Assim nesta qualidade de mecânico demonstrou ter conhecimento da dimensão dos danos causados no veículo do Autor. Demonstrou ter conhecimento do uso que o Autora dava ao veículo, os Kms percorridos, a desvalorização de que ficou portador, no seu entendimento ronda os 2.000€. Nesta circunstâncias demonstrou ter conhecimento do período de tempo que o Autor ficou privado de usar o seu veículo. Quanto a privação do uso do veículo, estado de conservação em que se encontrava, os fins para que o Autor usava o veiculo sinistrado também foi valorado o depoimento da testemunha AP, cunhado do Autos, dado este laço familiar demonstrou ter conhecimento destes factos. O depoimento da testemunha CP, amigo e conhecido do Autor, demonstrou ter conhecimento dos mesmos factos conhecidos pelo cunhado do Autor
As declarações de parte o Autor também foram valoradas no que diz respeito aos danos que sofreu em consequência do acidente na medida em que coincidiu com os depoimentos das testemunhas supra referidas, no que diz respeito à dimensão do danos que foram causados ao Autor.
Quanto aos demais factos dados como não provados, o Tribunal não obteve prova suficiente paro os dar como provados.
(…)»

Logo, uma primeira conclusão se pode desde já enunciar: o Tribunal a quo, no juízo prova dos factos provados enunciados sob os números 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159, dispôs de múltipla prova (pessoal e documental), mostrando-se a mesma coerente e unânime, e sem que fosse sequer contraditada por qualquer outra produzida pela Ré.

Entendeu, porém, a mesma que a factura de fls. 262 não seria idónea a provar o custo da reparação do veículo automóvel do Autor, uma vez que se encontra datada de 15 de Dezembro de 2016, quando foi dito pela testemunha Ricardo - mecânico que procedeu ao conserto - que o mesmo decorreu em Novembro de 2013; e, tendo sido inicialmente estimado um período de poucos dias como necessário para o efeito, veio depois o mesmo a mostrar-se largamente excedido.
Contudo, dir-se-á saber a própria Ré a razão pela qual a factura de fls. 262 só surgiu em sede de audiência de julgamento, isto é, na sequência da prévia prova pessoal produzida antes, que confirmou a realização efectiva da reparação mas a falta de emissão da conforme factura, trazida depois na sessão seguinte, cumprindo repto lançado pelo próprio Tribunal a quo nesse sentido.
Não se pode, porém, fazer equivaler o incumprimento de obrigações fiscais (conhecido, e por isso se tendo eleito as facturas pertinentes à reparação de veículos como das poucas dedutíveis à colecta de I.R.S., como forma de incentivo do respectivo pedido) com a automática falta de prova do facto reflectido no seu pretendido cumprimento, por a lei não cominar esse efeito para a omissão (que, aliás, oneraria não o prestador inadimplente, mas o respectivo cliente).
Dir-se-á ainda que o custo da reparação do veículo do Autor coincide integralmente com um dos relatórios de peritagem já antes apresentado à Ré e junto aos autos, sendo que as eventuais alterações registadas entre o então orçamentado e o posterior resultado da efectiva reparação se explicam pela natureza de estimativa do primeiro e pelo decurso do tempo (v.g. stock de peças disponível num momento e no outro, mão de obra então disponível e quantidade de trabalho então existente e depois alteradas), sendo ainda imputáveis à Ré os maiores custos resultantes da sua recusa em assumir mais cedo a responsabilidade que efectivamente lhe cabia.

Já relativamente à desvalorização do veículo automóvel do Autor, se a Ré entendia que «é do conhecimento geral que, qualquer viatura adquirida nova perde o maior valor nos 4 primeiros anos (período da garantia) e que a partir daí a desvalorização é residual e acontece automaticamente com o seu sinistro», sendo o «montante justo e equitativo» em causa «nunca superior a € 500,00», então dificilmente se compreende que não tenha trazido a juízo tabelas susceptíveis de demonstrar a desvalorização defendida (habitualmente publicadas pelas diversas Associações de índole automóvel), ou qualquer prova testemunhal que facilmente a sustentasse.

Por fim, e quanto ao dano de privação de uso de veículo, mostrou-se o mesmo unânime e correntemente confirmado pela plúrima prova pessoal produzida sobre ele, sendo aceitável que o estado de conservação de dois veículos não coincida necessária e automaticamente com os respectivos anos de matrícula, ou que a utilização de um e de outro não seja economicamente equivalente (nomeadamente, mercê do tipo e quantidade de combustíveis que consumam para o mesmo percurso).

Logo, uma segunda conclusão se impõe: cabendo à Recorrente contrariar a apreciação crítica de toda a prova produzida (documental e pessoal), realizada pelo Tribunal a quo, não o logrou fazer com êxito, nomeadamente por não lhe poder contrapor qualquer outra que houvesse apresentado e produzido, não sendo ainda as objecções aduzidas àquela outra sustentadas pela experiência comum, ou por qualquer notoriedade dos factos por ela alegados.

Assim, e por falta de fundamento, improcede o recurso de impugnação da matéria de facto, interposto pela Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal), relativo às consequências danosas do acidente, vertida nos factos enunciados sob os números 92, 100 a 105, 112, 112 repetido, 114, e 118 a 159, que permanecem demonstrados.
*
Mantém-se, assim, integralmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo.
*
Resta, porém, apreciar o remanescente recurso interposto, no que contende com a interpretação e aplicação do Direito aos factos, que se justifique independentemente dos mesmos se manterem inalterados, isto é: a indemnização pertinente à privação de uso de veículo, tal como a mesma resultou provada (42 dias), a indemnização relativa às despesas exigidas para a propositura da presente acção, e a indemnização por danos não patrimoniais.
*
V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
5.1. Dano de privação de uso de veículo automóvel

5.1.1. Há muito que se vem discutindo a ressarcibilidade do dano de privação de uso de um bem, nomeadamente de veículo, extremando-se as posições entre aqueles que:

. não a admitem - por entenderem que se está, não perante um dano concreto, verificado, mas sim perante um dano abstracto, recusando-a se o demandante não demonstrar ter tido um efectivo prejuízo com a privação do uso do seu bem;

. a admitem por princípio - já que o dano em causa será inerente à privação da propriedade, à impossibilidade da sua fruição, bastando para a conceder que o lesado face prova de que pretender gozar, fruir ou dispor do bem (e recusando-a se a contraparte demonstra que o requerente não podia gozar, fruir ou dispor daquele).

Dir-se-á, então, que a maioria da doutrina e da jurisprudência mais recentes inclina-se a aceitar a ressarcibilidade autónoma do dano de privação de uso (vide exaustiva discriminação em Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano de Privação do Uso, Almedina, 3ª edição. No mesmo sentido, Júlio Gomes, Cadernos de Direito Privado, nº 3, anotando favoravelmente o Acórdão do STJ, de 27 de Março de 2003; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, p. 296, nota 626; Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 6ª edição, p. 402; e Laurinda Guerreiro Gemas, «A Indemnização Dos Danos Causados Por Acidentes de Viação - Algumas Questões Controversas», Julgar nº 8, 2009, p. 44-53, também disponível em http://julgar.pt/category/online/. Na jurisprudência mais recente, Ac. do STJ, de 05.07.2007, Santos Bernardino, Processo nº 07B1849, Ac. da RC, de 12.02.2008, Costa Fernandes, Processo nº 6005/05.8TBLRA.C1, Ac. da RC, de 16.12.2009, João Almeida, Processo nº 378/07.5TBLSA.C1, Ac. da RC, de 12.01.2010, Moreira do Carmo, Processo nº 554/08.3TJCBR.C1, Ac. do STJ, de 09.03.2010, Alves Velho, Processo nº 1247/07.4TJVNF.P1.S1, Ac. do STJ, de 03.05.2011, Nuno Cameira, Processo nº 2618/08.06TBOVR.P1, Ac. do STJ, de 23.11.2011, Alves Velho, Processo nº 397-B/1998.L1.S1, Ac. da RC, de 06.03.2012, Alberto Ruço, Processo nº 86/10.0T2SVV.C1, Ac. da RC, 10.09.2013, Maria José Guerra, Processo nº 438/11.8TBTND.C1, Ac. da RP, de 11.11.2013, Manuel Domingos Fernandes, Processo nº 270/12.1TBBGC.P1, Ac. da RC, de 08.04.2014, Fonte Ramos, Processo nº 1091/12.7TJCBR.C1, Ac. da RL, de 29.04.2014, Teresa Pardal, Processo nº 70/14.4 YRLSB-6, Ac. da RL, de 01.07.2014, Pedro Brighton, Processo nº 11463/09.9 THLSB.L1-1, Ac. da RL, de 09.07.2014, Manuel Marques, Processo nº 3100/12.0YXLSB.L1-1, Ac. da RG, de 23.10.2014, José Estelita de Mendonça, Processo nº 1319/11.0TBBCL.G1, Ac. da RL, de 07.05.2015, António Martins, Processo nº 1222-07.9YXLSB-C.L1, ou Ac. do STJ, de 09.07.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 13804/12.2T2SNT.L1.S1, todos in www.dgsi.pt, como qualquer outro acórdão referido sem indicação de origem).

Reconhece-se que, «contra a admissibilidade da indemnização do dano da privação do uso invoca-se frequentemente a sua natureza abstracta, contraposta ao facto de a responsabilidade civil exigir a produção de um dano concreto cuja medida serve para quantificar a indemnização.
É um facto que só os danos concretos merecem ser ressarcidos. Todavia, isso não significa que o chamado “dano de privação do uso” deva incluir-se na categoria do dano abstrato, sob pena de se afrontarem juízes assentes em padrões de normalidade.
Essa integração é contrariada pela simples verificação de que a impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição. Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição.
Quanto às dificuldades suscitadas pela adopção da teoria da diferença, como critério determinativo da indemnização, podem ser superadas se se evidenciar que o plano da quantificação não deve confundir-se com o da ressarcibilidade em que, por ora, nos situamos. No percurso metodológico da aplicação da lei esta situa-se a montante, sendo reflexo da mera perda, ainda que temporária, dos poderes de fruição; já a quantificação comporta uma mera operação material, situada a jusante, destinada a avaliar, em termos pecuniários, o desequilíbrio causado pela privação.
(…) Uma vez que o sistema atribui ao lesado o direito à reconstituição natural da situação, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via então possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado. Dito de outro modo, se a privação do uso do bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se tal perda não pode ser reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente» (Ac. da RL, de 11.03.2003, Abrantes Geraldes, Processo nº 683/2003-7, com bold apócrifo).

Assente a ressarcibilidade, e relativamente à indemnização a arbitrar, em função da prévia alegação e prova, pode o Tribunal deparar-se com uma de duas situações:

. apurou-se a concreta realização de despesas feitas pelo lesado em consequência dessa privação (v.g. o lesado recorreu ao aluguer de um veículo de substituição, contratando esse aluguer junto de empresas do ramo, utilizou táxis) - o lesado tem direito à reparação integral dos gastos/custos que teve por via da dita privação;

. não se apuram gastos alguns, mas apenas que o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais, para fins profissionais ou de lazer, que não lhe foi facultada pelo lesante viatura de substituição (tendo ficado, por isso, impedido de as fazer, ou tendo continuado a fazê-las com recurso a veículos de familiares e amigos que, a título de favor, lhe cederam por empréstimo, tais veículos) - a medida da indemnização terá que ser determinada com recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do C.C.), havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas necessidades básicas diárias.

No mesmo sentido se crê pronunciar Abrantes Geraldes, quando afirma que, «é verdade que não se apurou que danos em concreto foram provocados. Seguro é que os AA. deixaram de poder usar durante 10 meses um veículo que era seu e de que necessitavam, tendo que se servir de outros meios alternativos onde entraram transportes públicos e utilização de veículos de amigos e familiares.(…)
Para estas e situações semelhantes é a figura da equidade que deve ser usada para se atingir a justa medida da indemnização, isto é, para que o lesado seja efectivamente compensado pelos prejuízos que sofreu, sem que, contudo, tal se converta num injustificado enriquecimento à custa do agente.
Ora, os meros dados conferidos pela experiência revelam que de modo algum se pode considerar exagerada aquela quantia que corresponde a € 300,00 mensais, bem inferior àquela que porventura o R. teria de suportar se os AA. tivessem usado, como era seu direito, da outra alternativa, isto é, da apresentação das facturas relacionadas com o aluguer de um veículo ou da apresentação de recibos pela utilização de transportes públicos, incluindo o uso de táxi» (Ac. da RL, de 11.03.2003, já citado. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 23.11.2011, Alves Velho, Processo nº 397-B/1998.L1.S1, onde se lê que a «indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha possibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, segundo critérios de equidade»).
Contudo, dizê-lo não equivale a considerar, sem mais, o dano de privação de uso como equivalendo ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, que o lesado não contratou (podendo fazê-lo), sendo certo que naquele custo de aluguer se inclui a margem de lucro da empresa de aluguer e o IVA suportado (variáveis que não seria equitativo colocar a cargo do demandado, como se o lesado as tivesse suportado).
Importa, então, naquele juízo equitativo ponderar simultaneamente: como um referencial máximo, o valor médio do aluguer de uma viatura; o tipo de utilização que o lesado fazia da viatura (v.g. mais ou menos intensa, para fins laborais, familiares ou de lazer); e o período de privação do uso (onde se atenderá também à conduta do demandado, pois esta indemnização corresponde ao ressarcimento de um acto ilícito, com base na responsabilidade civil extracontratual).
Tendem, porém, a doutrina e a jurisprudência maioritárias a pressupor para este dano uma natureza patrimonial (até por referência à natureza do bem que lhe está subjacente), o que se reflecte também nos critérios referidos de determinação da respectiva indemnização (neste sentido, Ac. do STJ, de 12.01.2012, Fernando Bento, Processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1, Ac. do STJ, de 11.12.2012, Fernando Bento, Processo nº 549/05.9TBCBR-A.C1.S1, e Ac. da RG, de 10.10.2013, Helena Melo, Processo nº 5981/12.0TBVCT.G1).
Contudo, admitem ainda alguns que, ao lado deste dano, possa surgir um outro, relativo à perturbação e, mesmo, ao sofrimento psicológico que a privação de uso venha a implicar: se, «em bom rigor, estamos a falar dum bem imaterial ou que, pelo menos, só se materializa pelo sentimento de bem-estar que o gozo, fruição e disposição da viatura proporcionam ou pelo sentimento de perda e frustração que a não possibilidade de usar, fruir ou dispor da viatura incutem» (Ac. da RL, de 07.05.2015, António Martins, Processo nº 1222-7/9YXLSB-C.L1), certo é que alguns de nós o conseguem ultrapassar, sem sobressaltos, enquanto que outros são por eles forte e negativamente afectados, acrescendo ao seu prejuízo anterior sentimentos de revolta, nervosismo, ansiedade, insónia e, quiçá, depressão.

A consideração, em termos de ressarcimento respectivo, terá, então, de ser procurada noutra sede, de danos não patrimoniais.
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5.1.2. Concretizando, verifica-se que ficou provada a utilização diária pelo Autor do seu veiculo automóvel, quer por motivos de trabalho, quer por motivos de lazer, a utilização do mesmo pela respectiva Mulher (naturalmente, quando se encontrasse disponível para o efeito), a privação da respectiva utilização por quarenta e dois dias, e o ter a mesma impossibilitado a realização de muitas das anteriores deslocações de natureza profissional, pessoal e familiar, com a respectiva frustração; e que, contudo, não ficou provada a perda de clientes pelo Autor, o incumprimento de prazos e de compromissos deste para com aqueles, ou a apresentação de insistentes reclamações.
Contudo, e recorrendo à equidade, entendeu o Tribunal a quo indemnizar cada um dos 42 dias de privação do uso de um tal veículo automóvel com a quantia diária de € 30,00, correspondente ao valor locativo de um veículo automóvel de substituição idêntico ao do Autor.
Ora, subscrevendo este Tribunal da Relação a tese da ressarcibilidade do dano de privação de uso de veículo, e ainda que a mesma não se repercuta directamente na frustração de um ganho, ou na diminuição de um património ou rendimento já existente, considera igualmente adequada a indemnização arbitrada.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência do recurso de apelação interposto, no que tange à indemnização arbitrada pela privação de uso de veículo, que se mantem nos exactos termos em que foi concedida.
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5.2. Despesas com preparação e instrução de processo judicial

5.2.1. Lê-se no art. 533º, nº 1 e nº 2 do C.P.C. (como antes se lia no art. 447º-D, nº 1 e nº 2 do mesmo diploma, na redacção anterior à que lhe foi conferida pela Lei nº 41/2003, de 26 de Junho), que «as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais», nelas se compreendendo as «taxas de justiça pagas», os «encargos efectivamente suportados pela parte», e os «honorários do mandatário e as despesas por este efectuadas».

Compreende-se, por isso, que no art. 26º, nº 3 do R.C.P., se afirme que, nas custas de parte - em que é condenada parte vencida - contêm-se: os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos; e 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida pela parte vencedora, para compensação a esta última das despesas com honorários do mandatário judicial, desde que sejam discriminados na nota justificativa e não excedam aquele montante.
«A taxa de justiça prevista neste normativo é aquela que a parte vencedora, independentemente de ter figurado do lado ativo ou do lado passivo, nas acções, nos incidentes em geral, nos recursos ou em outros procedimentos, tenha pago no âmbito do referido processo».
Já os encargos, «versa, em suma, sobre os montantes que as partes vencedoras pagaram efetivamente a título de encargos, nos termos dos artigos 20º e 23º deste Regulamento».

Por fim, e quanto aos honorários de mandatário efectivamente constituído, «a parte vencedora, no todo ou em parte, que tenha pago ao seu mandatário judicial os referidos honorários, com base na respectiva nota ou fatura elaborada pelo último, em conformidade com as respectivas regras estatutárias, deve proceder à junção do respectivo recibo» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 4ª edição, Almedina, 2012, p. 396 e 397).
Os honorários do mandatário da parte vencedora serão, assim, feitos corresponder ao que efectivamente foi pago a este por aquela, conforme já se antecipava na Lei de Autorização Legislativa n.º 26/2007 (com sequência no dito art. 25.º do R.R.J.), em que no seu n.º 2, al. g), se concedeu autorização para que o governo alterasse «as regras relativas à responsabilidade da parte vencida, prevendo-se a possibilidade de suportar os encargos da parte vencedora, entre estes, parte dos honorários aos mandatários».
Logo, «as custas de parte, terceiro elemento do conceito de custas, em paralelo com os encargos, compreendem, grosso modo, essencialmente, as despesas que as partes são forçadas a fazer com vista à implementação da tramitação do processo» (Salvador da Costa, op. cit, p. 384).
(Soluções idênticas eram consagradas no pretérito C.C.J., aprovado pelo Dec-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, entrado em vigor no dia 01 de Janeiro de 2004, e posteriormente alterado pelo Dec-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, e Outros, com vigência reportada a 20 de Abril de 2009. Com efeito, lia-se nomeadamente: no seu art. 33º, nº 1, que «as custas de parte compreendem o que a parte haja despendido com o processo a que se refere a condenação e de que tenha direito a ser compensada em virtude da mesma, designadamente: as custas adiantadas, as taxas de justiça pagas, a procuradoria, os preparos para despesas e gastos»; e nos seus arts. 40º, nº 1 e 42º, que, «sem prejuízo do disposto no regime de acesso ao direito e aos tribunais, a parte vencedora, na proporção em que o seja, tem direito a receber do vencido (...) uma quantia a título de procuradoria», a qual «é arbitrada pelo tribunal, tendo em atenção o valor, a complexidade da causa, o volume e a natureza da actividade desenvolvida e ainda a situação económica do responsável, entre um décimo e um quarto da taxa de justiça devida», correspondente a um décimo desta quando o tribunal a não arbitre.
Logo, e quanto a este último ponto - honorários de mandatário - a anterior solução legal, e ao contrário do que hoje sucede, arbitrava uma indemnização potencialmente distinta do que a parte tivesse efectivamente dispendido a este título, ficando o seu efectivo gasto fora do âmbito dos prejuízos indemnizáveis, a não ser nos casos em que a lei previsse o pagamento de uma indemnização autónoma, como nas situações de litigância de má fé e de inexigibilidade da obrigação, respectivamente arts. 457º e 662º, n.º 3, ambos da anterior redacção do CPC.).

Mais se lê, no art. 25º, nº 1 do R.C.P., que, até «até cinco dias após o trânsito em julgado (…), as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida (…), a respectiva nota discriminativa e justificativa» (ainda actual art. 533º, nº 3 e anterior art. 447º-D, nº 3, do C.P.C.).
Trata-se, pois, de uma remessa simultânea para o tribunal onde deva ser elaborado o acto de contagem, final ou definitivo do processo, e para a parte responsável pelo seu pagamento.
O trânsito em julgado da decisão final ocorreu quando a mesma já não seja susceptível de recurso ou reclamação (anterior art. 677º e actual art. 628º, do C.P.C.).
O prazo regra para a interposição de recurso é de 30 dias, salvo nos processos urgentes e demais casos expressamente previstos na lei (anterior art. 685º, nº 1 e actual art. 638º, nº 1, do C.P.C.), contado nos termos do anterior art. 144º, nº 1, nº 2 e nº 3 e do actual art. 138º, nº 1, nº 2 e nº 3, do C.P.C., em regra desde a data da respectiva notificação (anterior art. 685º, nº 1 e actual art. 638º, nº 1, do C.P.C.).
Em caso, porém, de prova gravada (hoje, quase sempre obrigatória - art. 155º, nº 1 do C.P.C.), e tendo o recurso por objecto a sua reapreciação, ao prazo de interposição acrescem mais 10 dias (anterior art. 685º, nº 7 e actual art. 638º, nº 7, do C.P.C.).
O prazo de reclamação, bem como de arguição de nulidade, é de 10 dias (anteriores arts. 669º e 153º, nº 1 e actuais arts. 616º, nº 1 e 149º, nº 1, do C.P.C.).

Logo, a lei prevê (continuadamente, ao longo de sucessivos diplomas) um regime próprio para o ressarcimento das despesas judiciais que a parte vencedora tenha sido obrigada a realizar (incluindo os honorários do seu mandatário), nomeadamente mercê da conduta inadimplente da parte vencida; e o mesmo aplica-se sempre que os autos sejam objecto de contagem final.
Fora dele, não permite a mesma lei o acolhimento de idêntica pretensão da parte vencedora (v.g. a não apresentação de um tal pedido indemnizatório em sede de custas de parte, e a sua apresentação simultânea - ou posterior - em sede de responsabilidade civil).
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5.2.2. Concretizando, veio o Autor pedir a condenação da Ré a indemnizá-lo da quantia global de € 261,00, relativa aos custos suportados com a instrução e preparação deste processo, nomeadamente com a obtenção de certidões, e com deslocações ao escritório dos seus Advogados, tendo logrado prová-las.
Contudo, e conforme se deixou explicitado supra, prevendo a lei um regime específico para o seu ressarcimento - de custas de parte (de que ainda está em tempo de aproveitar) -, não pode a sua pretensão acolher deferimento em sede de instituto de responsabilidade civil.
Compreende-se, assim, que já se tenha decidido que, no «que respeita ao pedido de honorários e despesas deduzido pelos ora recorrentes, importa notar que, como repetidamente esclarecido pela jurisprudência, sendo tal que têm em vista a procuradoria - único meio normal de ressarcimento das despesas com mandatário judicial - e as custas de parte que a lei das custas contempla, um tal pedido só lograria cabimento em caso de litigância de má fé e no âmbito da previsão dos arts.456º, 457º, e 662º, nº3º, CPC (22); nunca em tal caso sendo de liquidar em execução de sentença (23).
Salva, ainda, convenção nesse sentido, e para além da hipótese prevenida no dispositivo por último referido, pode, enfim, dizer-se (24) que, fora das situações de litigância de má fé, não há lugar a indemnização por tais despesas». (Ac. do STJ, de 27.05.2003, Oliveira Barros, Processo nº 03B1326. No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 02.07.2009, João Bernardo, Processo nº 5262/05.4TVLSB.S1, ou Ac. da RL, de 09.10.2012, Ana Resende, Processo nº 2929/08.9TVLSB.L2-7, ou).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência do recurso de apelação interposto, no que tange à indemnização arbitrada pelas despesas suportadas pelo Autor com a preparação e instrução da presente acção, cuja atribuição não se poderá manter.
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5.3. Danos não patrimoniais
5.3.1.1. Ressarcibilidade

Consideram-se danos não patrimoniais os não susceptíveis de avaliação pecuniária (numa definição negativa), porque se reportam a valores ou interesses da personalidade física, moral, espiritual ou ideal.
Por outras palavras, danos não patrimoniais «são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente» (Ac. do STJ de 25.11.2009, Raúl Borges, Processo nº 397/03.0GEBNV.S1).
Logo, o dano não patrimonial assume vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo-funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distracção ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afecta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária (tudo conforme Ac. da RG, de 10.10.2013, Helena Melo, Processo nº 5981/12.0TBVCT.G1).

Lê-se no art. 496º, nº 1 do C.C. que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». Logo, será pelo critério da respectiva gravidade que se poderá eleger os danos desta natureza que serão ressarcíveis.
Contudo, a gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objectivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjectivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, Livraria Almedina, 576).
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5.3.1.2. Determinação do montante da indemnização

Lê-se no nº 4 do art. 496º do C.C., que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», isto é, o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adoptados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
Logo, o critério fundamental de fixação desta indemnização por danos não patrimoniais é a equidade, cujo julgamento «é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição» (António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, p. 272. No mesmo sentido, Almeida Costa, «Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização», RLJ, 134º, p. 299, e Vaz Serra, RLJ, 114º, p. 310). Opera, por isso, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto (só o juiz - e não a lei abstracta - o podendo fazer).
Por outras palavras, ao «fixar o valor em dívida com base na equidade, o Tribunal deixa de aplicar as normas jurídicas em sentido estrito, para lançar mão de um critério casuístico que aquela situação demanda, em termos de ponderação das particularidades do caso, tendo em conta a decisão justa e adequada à hipótese em julgamento, pelo que o critério é consentidamente deixado ao prudente arbítrio do julgador, com a carga de subjectividade que isso implica, mas sempre com o limite da solução mais justa, equitativa e objectiva».
Reconhece-se, assim, que o «recurso à equidade constitui um critério residual», por envolver «uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjectiva do julgador, subtraindo este aos critérios puros e rigorosos de carácter normativo fixados na lei» (Ac. do STJ, de 13.04.2010, Fonseca Ramos, Processo nº 109/2002.C1.S1).

Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afectado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Vol. II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2ª edição, Almedina, p. 24).

Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.

Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8º, nº 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo nº 08P3704, com bold apócrifo).
É que o recurso à equidade, imposto pelo art. 496º, nº 4 do C.C., «não afasta (…) a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» (Ac. do STJ, de 22.01.2009, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo nº 07B4242, com bold apócrifo). Com efeito, os «Tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição» (Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo nº 875/05.7TBILH.CV1.S1).

Dir-se-á, por tudo, que não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar.
Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, 1991, p. 115).
Tal reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios adequados do direito civil, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496º, nº 4 do C.C., ao «grau de culpabilidade do agente»).
Contudo, precisa-se que esta vertente secundária (sancionatória, de pena privada), face à vertente principal (essencialmente compensatória), apenas tem pleno sentido nos casos de responsabilidade civil em que o autor do dano é, simultaneamente, o efectivo pagador da indemnização, não se intrometendo um terceiro, estranho ao facto lesivo, com quem foi contratualizada a transferência da responsabilidade (v.g. mormente, as empresas seguradoras).
Por outras palavras, referir «a indemnização por danos como assumindo um carácter sancionatório/punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, em que o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros, em que o responsável civil, único demandado, por força das regras adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, da violação ilícita do direito de outrem, mas antes “um substituto”, uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, para quem foi “transferida” esta espécie de responsabilidade. E o mesmo acontecerá se estivermos em face a caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em que não se vê como falar em função punitiva da responsabilidade civil.
De diferente modo será se estivermos face a ofensa à honra, à autodeterminação sexual, à liberdade de decisão e de acção, à propriedade, à integridade física ou à vida - mas agora nestes dois casos em sede de crimes de ofensa à integridade física e de homicídio doloso, em que não há, obviamente, lugar a uma prévia “contratualização” de transferência de responsabilidade do autor da lesão para terceiro, coincidindo o demandado responsável criminal com o demandado responsável civil.
Nesses casos, ao proceder-se à quantificação da indemnização há que ponderar que o lesante será o efectivo pagador, não devendo o montante indemnizatório a encontrar atingir um valor que redunde numa extrema dificuldade em cumprir ou num convite ao incumprimento, devendo assumir patamar mínimo de exigibilidade, nomeadamente em casos em que o condenado, devedor da prestação indemnizatória, se encontra em situação de reclusão, em que as possibilidades de pagamento da indemnização obviamente minguam» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo nº 08P3704, com bold apócrifo).
Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496º com o 494 para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. da RC, de 16.01.2008, Belmiro Andrade, Processo nº 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, Cura Mariano, BMJ nº 406, p. 618).
No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, Cardona Ferreira, CJ, 1993, Tomo III, p. 182, com bold apócrifo. Reafirmando-o, Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo nº 08P3704, já citado, com extensa indicação de outros arrestos).
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt)», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1).
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5.3.2. Concretizando, verifica-se que o Autor, para além da descrição circunstanciada das condições de utilização, intensa e diária, que fazia do seu veículo, e da repercussão que a sua privação teve na respectiva rotina (pessoal, familiar e profissional), alegou ainda factos tendentes a caracterizar os efeitos que dita privação teve na sua própria pessoa, a forma como a viveu e interiorizou (afectando, em maior ou menor grau, o seu anterior equilíbrio emocional e, subsequentemente, a sua anterior saúde, física e mental).

Com efeito, um mesmo objectivo acontecimento (no caso, a privação de um veículo automóvel, na sequência de um acidente de viação, e a alteração de prévias rotinas de vida), pode ser vivido de forma mais traumática, ou de forma mais neutra, consoante a capacidade que cada um possua para o aceitar e ultrapassar, onde entrarão necessariamente, não só os respectivos personalidade e perfil psicológico, como ainda a maior ou menor necessidade de que antes se tinha do dito veículo, e o período de tempo em que se registaram as alterações de vida por ele induzidas.
Contudo, quando se atende a estes dois últimos critérios (na avaliação da dita perturbação psicológica) pressupõe-se necessariamente que já antes ficaram demonstradas as alterações de equilíbrio emocional e de saúde física e mental do lesado, estas sim consubstanciadas em outros e novos factos, previamente não considerados.

Ora, e a propósito, verifica-se na sentença recorrida ter o Autor alegado e provado que, por ter tido «necessidade de recorrer a meios de transporte alternativos, para satisfação de necessidades urgentes e imprescindíveis de deslocação», e por se ter visto «impossibilitado de satisfazer muitas dessas deslocações de natureza profissional, pessoal e familiar», «sofreu intenso estado de permanente irritação e revolta, ao longo do período de tempo de quarenta e dois (42.00) dias em que se viu privado do uso do seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ», «sofreu os incómodos e intenso nervosismo, por se ter encontrado privado do uso do seu veículo automóvel (…), ao longo do» dito «período de tempo», registando ainda «intenso desconforto, nervosismo, insatisfação, angústia e, até, insónias» por se ter «visto privado dos seus passeios de lazer, de natureza pessoal e familiar».
Ao exposto somou-se ainda «um grande desgosto, por ver o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ZZ muito amolgado e desfigurado», já que o tinha «em grande apreço», pois «havia-o comprado em muito bom estado de conservação, com aspecto de novo» e «com grande sacrifício», com «o auxílio do produto da poupança do rendimento de anos de trabalho», apoderando-se, «por isso, do Autor um estado de nervosismo», que o «passou a acompanhar a partir da data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção» e até «ao dia em que o referido veículo automóvel (…) lhe foi entregue já reparado e pronto a circular pelos seus próprios meios», o «que tudo lhe causou, também, intensas insónias e, até, dores de cabeça profundas», e a «perder grande parte no gosto e estima que nutria pelo» seu «veículo».
Assim, estes efeitos no bem estar físico e emocional do Autor, que a privação de uso de veículo implicou para si («incómodos e intenso nervosismo», «intenso desconforto, nervosismo, insatisfação, angústia e, até, insónias», bem como «dores de cabeça profundas») consubstanciam factos novos, realidade diversa da ponderada para, necessária e previamente, caracterizar a efectiva utilização do dito veículo.

Tendo-o deste modo considerado, viria o Tribunal a quo a decidir que revestiam gravidade suficiente para justificar a sua indemnização, com o que em parte aqui se concorda, e noutra se discorda.
Com efeito, reportando-se o dano não patrimonial a bens de natureza pessoal, e relevantes, pertinentes nomeadamente à integridade física e mental de cada um de nós, não se coaduna com eles o investimento emocional feito na mera detenção e propriedade de um veículo automóvel indiferenciado, isto é, sem especiais características de raridade ou de valor, que o distingam de outros.
Por outas palavras, sendo um bem eminentemente fungível (dentro da marca, do modelo e do valor de veículos automóveis congéneres) - quase se diria «um qualquer outro electrodoméstico» - não protege o Direito o desgosto pessoal que se tenha com o seu desaparecimento, nomeadamente por ter sido arbitrada ao lesado uma indemnização que lhe permite repará-lo e continuar a dispor dele.
Dizê-lo não é negar que o lesado possa ter escolhido o seu carro como fonte de especial vinculação (à sua concreta carroçaria e aos seus concretos estofos, ao particular barulho do seu motor em funcionamento, à história e aos acontecimentos em que o dito veículo participou), nele inclusivamente vendo um reflexo de si próprio (como a psiquiatria diz suceder mais comumente com o género masculino).
Isso mesmo seria denunciado no caso dos autos pela expressão usada pelo Autor, de que sofreu, e sofre ainda hoje, enorme desgosto ao ver o seu veículo automóvel «desfigurado», numa clara antropomorfização que, se é de homem, não é de Direito. Com efeito, a ordem jurídica não o reconhece como valor indemnizável, descentrando cada um de nós do seu pequeno universo de interesses pessoais, para nos recentrar no comum e maior universo de valores que exclusivamente a constituem.
Do mesmo modo se ponderou já, em jurisprudência pretérita, quando se decidiu que o «desgosto que alguém sofre com a danificação culposa por outrem de um veículo seu, de uso diário e sem características especiais, que se encontrava em boas condições de conservação e aparência não tem a gravidade suficiente para ser merecedor da tutela do direito» (Ac. da RP, de 16.03.2015, Carlos Gil, Processo nº 224/12.8TVPRT.P1. No mesmo sentido, Ac. da RG, de 20.10.2016, Maria João Marques Pinto de Matos, Processo nº 960/11.6TBPTL.G1, inédito, no presente se reproduzindo - praticamente ipsis verbis, por terem ambos a mesma Relatora - o já então ali ponderado).
Contudo, de outro modo se entende relativamente às repercussões na saúde e bem estar emocional do Autor, que a forçada (pela privação do uso de veículo) alteração da suas rotinas pessoal, familiar e profissional implicou para si.
Com efeito, se se aceita que possam não revestir gravidade para serem indemnizados «os transtornos, condicionalismos e incómodos sofridos pelo A., inerentes à utilização pelo A. de transportes públicos e de boleias de conhecidos» (Ac. da RG, de 10.10.2013, Helena Melo, Processo nº 5981/12.0TBVCT.G1), outro tanto já não sucede relativamente ao reconhecido e acrescido esforço que teve de realizar para, durante quarenta e dois dias, assegurar as deslocações exigidas pela sua família e pela exploração de um estabelecimento comercial, implicando esta última plúrimas deslocações a clientes, bem como contactos com fornecedores, bancos ou finanças.
Dito por outras palavras, é quase facto público e notório a crescente exigência que a vida comporta, nomeada - mas não exclusivamente - de quem tem filhos (v.g. constantes deslocações a médicos, dentistas, centros de prática de desporto, centro de aprendizagem de línguas, centro de explicações, reuniões com professores), bem como a multiplicidade de contactos e de deslocações exigidas pela exploração de um estabelecimento comercial.
Reconhece-se, assim, sem dificuldade, que a falta de imediata e pronta disposição, durante quarenta e cinco dias, de um veículo automóvel, exigido antes para a satisfação daquelas necessidades, seja idónea a perturbar o equilíbrio físico e emocional de quem dele antes dispunha, numa sociedade cujo ritmo diário é cada vez mais acelerado e exigente, com permanentes alertas sobre os efeitos nefastos que o stresse assim gerado consubstancia para todos.
Logo, as repercussões que a privação do uso de veículo, neste particular cenário de vida, vieram a ter nos bem estar e saúde do Autor, não só afectaram bens que o Direito (em sede de bens não patrimoniais) tutela, como assumiram a gravidade que justificava essa tutela.

Atendendo, então, aos critérios legais de fixação da indemnização em causa, e quanto ao grau de culpabilidade do agente, verifica-se que o acidente de viação que originou a privação do dito uso de veículo foi exclusivamente imputado ao Condutor do veículo automóvel segurado pela Ré.
Quanto à situação económica da Ré, nada foi alegado pelo Autor, nem nada se provou a propósito, sabendo-se, porém, ser uma sociedade comercial, que se acredita de larga capacidade económico-financeira (a mesma que lhe permite e justifica que continue a operar no mercado, onde as sociedades comerciais só se deverão manter se tiverem os lucros que determinaram a sua constituição, e determinam a sua operação).

Relativamente à situação económica do Autor, sabe-se apenas que, sendo casado, explora um estabelecimento comercial, ignorando-se porém com que êxito o faz.
Quanto às demais circunstâncias do caso, não se pode deixar de atender ao curto período de tempo em que o Autor se viu privado do uso de um veículo automóvel, e à forma como a Ré recusou, ao longo de mais de quatro anos, o reconhecimento, e o pagamento, da indemnização a que o mesmo tinha direito.
Considerando agora o pendor das prévias decisões jurisprudenciais, dir-se-á que a indemnização pela perda do maior bem, a vida, vinha sendo fixada entre € 50.000,00 e € 70.000,00 (conforme exaustivamente discriminado no Ac. do STJ, de 10.07.2008, Fonseca Ramos, Processo nº 08P1853); e que este último valor de referência foi entretanto elevado para € 75.000,00 (v.g. Ac. do STJ, de 31.01.2012, Nuno Cameira, Processo nº 875/05.7TBILH.C1.S1) e para € 80.000,00 (v.g. Ac. do STJ, de 30.04.2015, Salazar Casanova, Processo nº 1380/13.3T2AVR.C1.S1, e Ac. do STJ, de 18.06.2015, Fernanda Isabel Pereira, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1).
Contudo, e embora se possam tomar estes valores como uma referência, serão apenas mais um dos factores de ponderação em causa.
Com efeito, o «montante pecuniário compensatório, a arbitrar genericamente a título de danos de carácter não patrimonial, não tem que obedecer a qualquer critério (obrigatório) de proporcionalidade relativamente ao específico dano morte (compensação pela perda do direito à vida)», «face à natureza, autonomia e especificidade inerentes às duas espécies de danosidade em equação» (Ac. do STJ, de 14.09.2010, Ferreira de Almeida, Processo nº 797/05.1TBSTS.P1).
«Na realidade, embora se reconhecendo que o direito à vida é o valor supremo em si mesmo, há situações em que a sobrevivência a um acidente ou desastre corresponde a uma forma insidiosa de opressão contínua e de desfalecimento, cuja dor, pela sua persistência e gravidade se instala na vítima a tal ponto e por tanto tempo que a faz crer que a vida deixa de valer ou de fazer sentido, porque a depressão ataca profundamente e a vítima se sente morrer a cada dia que passa». Ora, foi considerando-o que, a jurisprudência tem vindo «a atribuir indemnizações compensatórias por danos não patrimoniais a vítimas com graves sequelas ou incapacidades, consideravelmente superiores às compensações geralmente atribuídas pela perda do direito à vida» (Ac. do STJ, de 20.01.2010, Mário Cruz, Processo nº 60/2002.L1.S1).
Não é, porém, este o caso dos autos, sendo ainda de ponderar a responsabilidade que se reconhece ao Autor, de ser co-obreiro da sua própria adaptação ao acontecimentos infortunísticos que a vida lhe vai proporcionando, nomeadamente quando os mesmos não afectam senão o seu património.
Por outras palavras, viver em sociedade implica necessárias adaptações e tolerâncias; e utilizar o transporte rodoviário implica necessários (e reconhecidos) riscos. Logo, cada um de nós tem de estar preparado, ou preparar-se, para maximizar as vantagens que a inserção num colectivo e as deslocações rodoviárias nos proporcionam, e para minimizar internamente os prejuízos que aquelas mesmíssimas realidades por vezes importam, sobretudo quando não comprometem ou afectem valores de indiscutível relevância.
Tudo ponderado, crê-se, porém, adequada a indemnização atribuída pelo Tribunal a quo, nesta sede, ao Autor (de € 500,00), uma vez que, retirando este Tribunal da Relação parte dos danos ali incluídos (os resultantes do investimento emocional feito pelo Autor no seu veículo automóvel), considera que os demais justificariam sobejamente a indemnização arbitrada, que apenas poderia pecar por defeito.

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência do recurso de apelação interposto, no que tange à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais, que se mantem no exacto montante em que foi concedida.
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Concluindo, deverá decidir-se pela parcial procedência, e pela parcial improcedência, do recurso de apelação interposto pela Recorrente (Seguradora X - Sucursal em Portugal), revogando-se e confirmando-se parcialmente a sentença recorrida.
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VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente, e parcialmente improcedente, o recurso de apelação interposto pela Ré (Seguradora X - Sucursal em Portugal), e, em consequência:

· em revogar a condenação da Ré a pagar ao Autor (José), a título de indemnização pelas despesas tidas com a preparação e instrução da presente acção, a quantia de € 261,00 (duzentos e sessenta e um euros, e zero cêntimos);

· em confirmar a remanescente parte da sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Recorrente e pelo Recorrido, na proporção dos respectivos decaimentos (artigo 527º, nº 1 e nº 2 do CPC).
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Guimarães, 18 de Janeiro de 2018.


(Relatora) (Maria João Marques Pinto de Matos)
(1º Adjunto) (José Alberto Martins Moreira Dias)
(2º Adjunto) (António José Saúde Barroca Penha)


SUMÁRIO
(da responsabilidade da Relatora - art. 663º, n 7 do C.P.C.)

I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente (prevalecendo, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova).

II. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).

III. Dependendo a apreciação do recurso (ou de parte dele) pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado totalmente improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro (ou de parte dele) (arts. 608º, nº 2 e 663º, nº 2, in fine, ambos do C.P.C.).

IV. Prevendo a lei um regime próprio para o ressarcimento das despesas judiciais que a parte vencedora tenha sido obrigada a realizar (incluindo os honorários do seu mandatário) com a preparação e instauração em juízo de uma acção - de custas de parte -, não pode o seu ressarcimento ser obtido em sede de responsabilidade civil.

V. A privação de uso de veículo pode, simultaneamente, originar quer danos de natureza patrimonial (nomeadamente, os emergentes da contratação remunerada do uso de outro veículo), quer danos de natureza não patrimonial (nomeadamente, as repercussões negativas na saúde física e mental do lesado, que a alteração das suas prévias e exigentes rotinas de vida implicaram), uns e outros simultânea e diversamente indemnizáveis.

VI. O grande desgosto que alguém sofra por ver o seu veículo automóvel, sem características especiais ou diferenciadoras, amolgado e destruído, por acção exclusiva de terceiro, não reveste gravidade que justifique a sua indemnização, por se reportar a um bem de natureza fungível, nomeadamente quando seja reparado ou arbitrada indemnização que viabilize essa reparação.

VII. Não se considera excessiva a quantia de € 500,00, para indemnizar o intenso desconforto, nervosismo, insatisfação, angústia, insónias e dores de cabeça profundas, registados pelo lesado por se ter visto privado, durante quarenta e dois dias, do uso de um veículo automóvel, face à desorganização da sua vida pessoal, familiar e profissional que a dita privação implicou
(Maria João Marques Pinto de Matos)