Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1341/20.6T8VNF.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

A sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, prevista no art. 14.º do Regulamento Disciplinar dos X, anexo à Portaria n.º 348/87, de 28 de Abril, não é aplicável a uma infracção negligente e ocasional do dever de zelo e diligência não causadora de prejuízos, para a qual os arts. 11.º e 12.º do mesmo diploma prevêem a aplicação de advertência verbal ou repreensão por escrito e multa, respectivamente, consoante o caso.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

J. A. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X – Correios, S.A., pedindo:

a) a anulação do processo disciplinar instaurado ao autor e consequente anulação da sanção aplicada - dois dias de suspensão do trabalho com perda retribuição e antiguidade;
b) a condenação da ré a retirar do registo do cadastro individual do autor a sanção aplicada;
c) a reparação material do autor, ressarcindo-o do valor descontado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que o processo disciplinar e a sanção disciplinar aplicada pela ré se baseou na imputação de factos que reputa serem falsos.
A ré contestou, negando que os factos imputados sejam falsos e reafirmando o que foi dado como provado no processo disciplinar, pedindo a absolvição do pedido.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente por provada e, consequentemente:
a) declaro nula a sanção disciplinar de dois dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, aplicada pelo réu X – Correios, S.A. ao autor J. A. por decisão proferida em 12/02/2019;
b) condeno o réu X – Correios, S.A.:
a. a retirar do registo do cadastro individual do autor J. A. a sanção aplicada;
b. a devolver ao autor J. A. o valor de retribuição descontado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Custas da ação integralmente pelo réu – art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil.»

A ré interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I. A questão que cumpre decidir é a de saber se a sanção aplicada ao Autor de suspensão da prestação de trabalho por 2 dias, com perda de retribuição e de antiguidade, por via do processo disciplinar aberto por irregularidades na distribuição é justa e proporcionalmente aplicada.
II. Pretende a Recorrente a reapreciação da prova, quanto ao ponto L) dos factos provados, sendo certo que se impõe igualmente dar como provado os factos 2) a 7) dados como não provados.
III. Quanto ao ponto L), importa retirar a parte final do mesmo já que de nenhum depoimento ou outro meio de prova resulta que a alegada “M. S.” tenha afirmado “que a encomenda seria para uma professora da escola”.
IV. Desde logo, dos depoimentos decorre que a senhora a quem foi entregue a encomenda assinou “M.” sendo que o nome S. foi acrescentado pelo Autor.
V. Na motivação da sentença ora em crise, não foi indicado qualquer meio de prova que permita chegar à conclusão de que essa pessoa tenha afirmado que “F. S.” era professora na escola, pois, na verdade, inexiste, qualquer documento onde conste essa informação sendo certo que em momento algum da prova gravada resulta que tenha sido essa a informação recolhida pelo Autor, informação que apenas consta da sua defesa, mas em momento algum o comprova!
VI. Aliás, decorre do depoimento das testemunhas e da prova documental que não existe na escola ninguém com aquele nome, M. S., nem F. S. (que é o nome da destinatária).
VII. Na verdade, na sequência da reclamação, a testemunha P. M. que prestou depoimento no dia 19.11.2020, pelas 16:58:20 a 17:14:54 (conforme consta do sistema de gravação), e cujo depoimento está transcrito acima refere expressamente que “Na escola, que não trabalhava lá ninguém com aquele nome. Nem por nome da encomenda nem pelo nome da pessoa que assinou a entrega.”
VIII. Igualmente, informou a testemunha Dr. D. C., que prestou depoimento no dia 19.11.2020, pelas 16:07:48 a 16:39:39 (conforme consta do sistema de gravação), pelos minutos 00:07:30 que (…) “ninguém na escola conhece uma S. M. ou uma M. L., ou uma M. qualquer coisa que ele escreveu, ninguém conhecia”.
IX. Pelo que, a parte final do ponto L), isto é, “que afirmou que a encomenda seria para uma professora da escola” deve ser retirada, por não ser sustentada em meio de prova, resultando apenas da simples alegação do Autor.
X. Por outro lado, e atento o exposto, deve ser dado como provado o ponto 2) dado como não provado já que as diligências demonstraram isso mesmo, isto é, “Que na escola não exista ninguém com o nome da destinatária nem com o nome de ‘M. S.’ que corresponda ao nome que consta mencionado na prova de entrega do PDA;”
XI. Por outro lado, a parte inicial do ponto L), ao referir que o Autor procedeu em conformidade com o indicado, inculca a ideia que o correcto a fazer naquela situação era perguntar na Escola e entregar ali o objecto, o que é falso e náo corresponde à prova testemunhal.
XII. Tendo em consideração que esta matéria intrinca com os factos não provados 3), 6) e 7), por facilidade e evitando repetições, analisaremos a prova no seu conjunto.
XIII. Conforme explicou e bem a testemunha Dr. D. C., e cujo depoimento se encontra transcrito, pelos minutos 00:06, a encomenda em causa era EMS, que é um produto top dos correios, nomeadamente um padrão de entrega muito rígido. Mais refere, a chegar aos minutos 00:07:12 que o nome da destinatária não “com o nome da pessoa a quem ele diz que entregou.”
XIV. Esclareceu ainda ao Tribunal que uma escola é um domicílio colectivo e tem outro procedimento: “É verdade, quando se entrega um objeto numa residência coletiva, e quando digo residência, não é no sentido estrito, é em sentido lato, uma prisão, um hotel, uma escola, obviamente que tem de se pedir sempre a identificação à pessoa que ficou com… com objeto, não é? 00:09:11 Porque ele não vai, imaginemos que para uma escola, não vai andar de sala em sala a entregar aos professores, se vier dirigido a um professor.”
XV. Também questionado sobre se é normal, por vezes, os Carteiros perguntarem a pessoas conhecidas da rua se conhecem a pessoa, responde: “Normal, nunca pode ser. Porque nós temos regras e procedimentos publicados na legislação interna, dos X, normas e procedimentos muito rigorosos quando ao cumprimento da entrega dos objetos. Nomeadamente, nos objetos expresso mail ou nos registos em que é necessário recolher a assinatura do destinatário. E portanto, se alguém disse isso aí, é pessoas que atuam de forma negligente. 00:13:00 E portanto isso não é o comum dos correios. (…)
XVI. Declarando igualmente aos minutos 00:23:13 que “E portanto o senhor J. A. ou tinha que ter a certeza absoluta onde vivia a senhora dona F. S. , e ia lá bater à porta e entregava à pessoa, se fosse conhecida ou de outras paragens, não tinha nada que ir entregar na escola. E o mais grave é que entregou na escola e a gente vamos à escola e ninguém diz que… os supervisores, os chefes foram à escola e ninguém soube… alguma vez recebeu aquele… aquele expresso mail, não trabalha lá ninguém com o nome, que o senhor J. A. diz a quem entregou e portanto, digamos, que não é um procedimento normal. É anormal. E portanto se o senhor J. A. tinha dúvidas por o objeto vir sem número, só tinha que perguntar a um colega mais experiente, que lá tenha andado naquela rua a distribuir, ou ainda e quando “lia à posta”. (…) E portanto ele não tinha a certeza absoluta nenhuma onde era a morada do destinatário. E portanto, digamos que, deu origem a que o objeto se extraviasse. Porque se ele fosse um trabalhador cuidadoso, obviamente que tinha que perguntar a alguém onde era a morada. E então se porventura ninguém soubesse, ele tinha que devolver o objeto. A dizer “endereço insuficiente” e devolvia. Era preferível do que o objeto se ter extraviado.”
XVII. Aliás, vem provado, no ponto M) que “O trabalhador em face de um objeto postal com endereço insuficiente deveria fazer com que o mesmo fosse “lido à posta”.”
XVIII. Factos corroborados pela testemunha N. M., que também prestou depoimento na sessão de 19.11.2020, pelas 16:40:21 a 16:57:36 (conforme consta do sistema de gravação) e cujo depoimento se encontra transcrito. Diz a testemunha que, “O que está instruído, quando um objeto ou uma correspondência não está completa, que era o caso, não tinha… tinha rua mas não tinha o número da porta.” (…) Deverá ser feita (impercetível…) fazer uma leitura à posta. Porque a leitura à posta é ler em voz alta perante todos os colegas, para ver se alguém conhece o cliente. (…) A utilização do cliente ou até um carteiro, um segundo… acho… julgo que o colaborador ter (impercetível…) um carteiro mais experiente na área a ver se conhecia. Se houver aqui alguma informação que possa ajudar (impercetível…) deve-se fazer a confirmação se existe ou não existe aquela pessoa naquela residência.(…) 00:04:04 (…) E entregar com toda a certeza que efetivamente está a fazer uma boa entrega.”
XIX. Aos minutos 5 e ss afirma que o Autor “Deveria ter confirmado se efectivamente existia aquele nome (impercetível…) na escola e pedir a identificação de… da pessoa que rececionou depois de ter a certeza efetiva que a pessoa era um trabalhador ou um funcionário daquela escola. (…) A recolha de identificação não é… não tem carácter obrigatório. (…) Mas sempre que é suscitado dúvidas, que é o caso efetivo desta encomenda, deveria fazê-lo até por uma questão de acautelamento porque nós não sabemos quem é aquela M. S., ninguém sabe 00:06:06 em nenhuma casa, nem na escola, e não sabemos quem é aquela senhora.
XX. E acrescenta, pelos minutos 00:10 que “a entrega só deveria ter sido feita se tivesse a firme certeza que estava a ser uma entrega correta. Dito pelo trabalhador que foi entregue na escola, deslocando-nos nós à escola e confrontando todos os colaboradores que lá trabalham e nenhum se chama M. S. nem reconhecem aquela assinatura, nós questionámos o trabalhador então a quem foi entregue. O que nos foi dito foi a alguém que estava junto da porta, mas não nos consegue dizer se é funcionário, colaborador ou pai de algum, digamos, aluno. 00:11:05 Portanto foi entregue a alguém em que nem o próprio colaborador sabe quem foi. Portanto um qualquer transeunte que vá passar ali junto ao… ao portão da escola… (…) Que a localização… o PDA registou as coordenadas GPS do local da entrega. E as coordenadas GPS dizem-nos que foi junto… junto ali ao portão da escola. (…) Ok? No meu entender a negligência do trabalhador foi tê-lo entregue a uma qualquer pessoa que nem o próprio sabe quem, sem ter a firme certeza se efetivamente aquele objeto era pertença de algum colaborador ou funcionário da escola.
XXI. A testemunha P. M., refere exactamente o mesmo, aos minutos 00:04:01, questionado sobre o pedido de identificação, diz que geralmente não se pede “se houver certeza a quem se está a entregar”. Porém e tendo em conta que “A morada vem insuficiente e não haver certezas para quem era…” (…) “O procedimento correto era devolver o objeto e não entregar não sei a quem. E aí ao não ter a certeza para em era devia ter a identificação da pessoa a quem entregou.”
XXII. Também a testemunha do Autor A. S., que também prestou depoimento na sessão de 19.11.2020, pelas 15:32:44 a 15:54:54 (conforme consta do sistema de gravação), confrontado pelo M.mo Juiz a quo com o documento a que corresponde a impressão dos X que tem a morada para a qual estava dirigida a encomenda (fls. 9 do Processo disciplinar / fls. 10 do documento *.pdf), aos minutos 00:18 e perguntado e lendo refere “F. S., Rua ...” “Não tem número de porta, está incompleta”. Já sobre se entregaria a encomenda, refere a testemunha: “Dirigia-me à escola. Aquilo, aquilo é assim, a escola até é, é um domicílio identificado, claro que isto com letras grandes”.
XXIII. Logo depois, a testemunha é alertada pelo Meritíssimo Juiz que a morada indicada não é a da escola antes sim a Rua ..., afirmando: “Não é isso, só que esta encomenda não estava dirigida à escola, estava dirigida à Rua …, percebe? É isso que eu lhe estou a perguntar. Se estivesse dirigida à escola se calhar não estávamos aqui. Esta encomenda estava dirigida à Rua ..., não estava dirigida à escola. Na Rua ... o senhor 00:19:00 já nos disse que há mais coisas além da escola, não é? Há mais casas. E a testemunha confirma que sim, que há mais casas. E o Meri tíssimo Juiz prossegue “Pronto. Esta encomenda não estava dirigida à Escola de …. Estava dirigida à Rua ..., F. S., Rua ... e o código postal. Percebe? O Senhor iria deixar esta encomenda na escola? Sendo que a testemunha refere que “Possivelmente não.” (…). Acabando por dizer, questionado se “O Senhor com uma carta com esta morada ia entregá-la na escola?” 00:20:00 que entregaria “se fosse pessoa que conhecesse” (…) “A não conhecer, a não conhecer não entregava. ” (…), respondendo ao Meritíssimo Juiz que se trataria o objecto como “Endereço insuficiente”.
XXIV. Deste trecho resulta que até o próprio Tribunal a quo compreendeu que, face ao enderenço insuficiente e indagada a possibilidade de entrega na Escola, o Autor não devia ter entregue a encomenda a quem não conhecesse, pelo que mal se compreende as considerações da motivação da sentença e o seu desfecho.
XXV. Ou seja, não poderia o Tribunal a quo deixar de valorar o depoimento das testemunhas dos quais resulta que a conduta do autor foi absolutamente negligente.
XXVI. Acresce que o Tribunal a quo, por entender ser relevante para a boa decisão da causa solicitou à Ré a junção do manual de procedimentos do EMS, o que a Ré fez, juntando quer o manual de procedimentos da X – Expresso onde consta o produto “SEM – EXPRESS MAIL SERVICE”, vide Capítulo 2., em especial o ponto 2.6. e bem assim o manual de procedimentos de distribuição da Recorrente X, vide Capítulo III.
XXVII. Apesar da relevância destes documentos, pois que, de facto, contêm as regras da distribuição dos objectos, o Tribunal a quo desconsiderou-os completamente, sem qualquer fundamento.
XXVIII. De salientar desde já que apesar de serem documentos posteriores ao processo disciplinar, tratam-se de reedições dos manuais anteriores, com algumas alterações.
XXIX. Na verdade, conforme consta da pág. 2 do documento, o Manual da X Expresso foi alterado em 26.06.2017 quanto à actualização geral dos processos (isto é, antes do processo disciplinar) e em 2019 apenas e só quanto ao RGPD (Regulamento Geral de Protecção de Dados) pelo que todo o resto do conteúdo se mantém.
XXX. Ora, nas fls. 17 e ss. do referido documento diz-se que “os objetos erradamente encaminhados devem ser registados em SGEE com o evento EMN – Erro de encaminhamento”. Já na fl. 21 refere as Regras de entrega ao domicílio, sendo que o objecto apenas deve ser entregue ao destinatário ou a quem o represente na morada indicada. No PDA deve introduzir-se o primeiro e último nome do receptor e solicitar a sua assinatura (POD).
XXXI. Consequentemente nunca o Autor podia aceitar a simples assinatura “M.”, sendo certo que posteriormente acrescentou “M. S.”.
XXXII. Importante também é o Manual da Recorrente X que foi alterado, no que respeita à distribuição a 12.07.2018, conforme consta da Tabela de Actualizações, vide fls. 2 do documento, ou seja, antes também da propositura do procedimento disciplinar.
XXXIII. Antes de mais, no referido documento identifica-se o que é a “Leitura à Posta” que “Consiste na leitura em voz alta, por um dos carteiros designado para o efeito, de todos os objetos com endereço insuficiente para que através do conhecimento geral dos carteiros possam ser entregues.” – vide fl. 11 do documento.
XXXIV. E quanto aos pontos referentes à entrega, salientam-se os mais relevantes e que constam da Pág. 4, Fls. 31 do documento quanto aos Requisitos de entrega sendo que só são entregues os objetos após “• Os destinatários, quando for exigível, se identificarem e passarem recibo. (Ex.: produtos X Expresso, Encomendas, Registos etc.).”, o ponto 2.1.6. Diligências de entrega no domicílio - Pág. 7, fls. 24 do documento, O carteiro deve fazer todas as diligências ao seu alcance no sent ido de fazer a entrega dos objetos, tendo em conta as normas que se seguem: • Os objetos sem indicação de domicílio e com o nome do destinatário comum a duas ou mais pessoas conhecidas são entregues àquela que se reconhecer inequivocamente ser o destinatár io, pelas indicações do sobrescrito ou por qualquer outra circunstância. (…) • Se o endereço for constituído unicamente pelo nome do destinatário, os objetos são entregues no domicílio se for conhecido. (sublinhado nosso)
XXXV. Igualmente, o Ponto 2.4. refere o procedimento a ter na Entrega em Residências Coletivas - Pág. 8 e 9, fls. 35 e 36 do documento, sendo que na entrega dos registos, devem ter-se em atenção as disposições seguintes: • São competentes para assinar as LD, os porteiros, gerentes ou proprietários dos estabelecimentos hoteleiros e os empregados dos restantes estabelecimentos (tratando-se de quartéis, os oficiais ou praças) especialmente incumbidos desse cargo; • As assinaturas devem ser autenticadas com os carimbos dos respetivos estabelecimentos; • É considerada definitiva a entrega realizada nas condições atrás referidas, não podendo, portanto, aceitar-se ulteriormente quaisquer registos para efeitos de devolução ou reexpedição, no caso de os destinatários não terem tomado posse deles por qualquer motivo. (…) • É portanto, aconselhável que o carteiro, antes da entrega, dê conhecimento aos autorizados, das disposições anteriormente referidas, dando-lhes a possibilidade de aceitarem aviso, no caso de não se quererem sujeitar às contingências eventuais da devolução ou reexpedição a expensas suas e sob sua exclusiva responsabilidade.
XXXVI. Em particular, quanto aos produtos da X Expresso, consta do 2.14.1. (…) que “A entrega é efetuada com assinatura legível do recetor no PDA (terminal portátil) ou na LD, se ilegível deverá mencionar-se o nome em maiúsculas e indicação da hora de apresentação do objeto. A Lista de Distribuição só substitui o PDA quando este se encontrar inoperacional ou o cliente se recuse a assinar no equipamento. Após a entrega, a guia de transporte deverá ser destacada do objeto (sempre que aplicável)”.
XXXVII. Os Manuais de Procedimentos supra referidos e transcritos na matéria relevante esclarecem, efectivamente, os passos a seguir em situação como a dos Autos, razão pela qual devem ter-se em conta quanto à apreciação da conduta do Autor, o que não sucedeu.
XXXVIII. Merece, pois, censura a decisão em crise por nem sequer os considerado (e sem fundamentação), sendo certo que habilitavam o Tribunal a formar a sua convicção sobre a conduta do Autor.
XXXIX. É que sendo habitual perguntar-se aos colegas com mais experiência em determinado giro indagar se alguém conhecia a pessoa, porém, daí não decorre nem pode o Tribunal a quo concluir que é procedimento correcto a entrega do objecto postal (nem foi isso que o colega o aconselhou a fazer), a qualquer pessoa, ainda por cima, num endereço colectivo a quem quer que se lhe apresentasse – isto porque o objecto não estava endereçado à escola antes sim à Rua ....
XL. Atento o supra exposto, impõe-se a modificação da matéria de facto quanto a estes pontos, por manifesto erro na apreciação da prova, uma vez que dos depoimentos das testemunhas supra identificadas e dos documentos juntos aos Autos, não pode sustentar-se a convicção formada, tão pouco encontrando aquela suporte razoável na prova produzida, pelo que se entende que a matéria vertida no ponto 3) deve ter a seguinte redacção: 3) “Que este objeto obrigasse a pedir a identificação da pessoa que assinou a ‘prova de entrega’ pois o nome não coincidia com o da destinatária, o que o trabalhador não fez, nem, face às regras procedimentais da Ré é aceitável a simples a assinatura geral “M.”;
XLI. Certo é que, se o Autor tivesse solicitado a identificação de quem recebeu o objecto postal, conforme era sua obrigação, facilmente se poderia concluir quem, efectivamente, o recebeu; além disso, foi o próprio que acrescentou o “S.” ao nome de quem se lhe apresentou e recebeu o objecto postal, sem sequer ter solicitado um documento de identificação que o certificasse.
XLII. Já o ponto 6), pela prova produzida, deve ser dado como provado, pois é evidente que ao entregar a encomenda numa morada que não correspondia à da encomenda e que, por sinal, estava incompleta, a um terceiro que não identifica nem sabe identificar, errou. Por via disso, a Recorrente teve de indemnizar o Remetente, no caso a X, conforme consta dos Autos.
XLIII. E assim sendo é indiscutível que o ponto 6) deve dar-se integralmente como provado, nos seus precisos termos, ou seja: “Que tenha sido o comportamento do trabalhador a dar origem a uma má imagem dos X, de péssima fiabilidade, e a um prejuízo para o cliente, em virtude da indemnização que teve que ser paga (10,00€) ”.
XLIV. Igual raciocínio no que respeita ao ponto 7), uma vez que dos depoimentos das testemunhas supra identificadas, nomeadamente a do Autor, A. S. resulta claramente “Que caso ninguém referisse conhecer o destinatário ou o endereço correto após a “leitura à posta”, fosse obrigação do autor devolver imediatamente o objeto ao remetente com a anotação de ‘endereço insuficiente’.
XLV. Quanto ao ponto 4) refere-se na motivação da decisão ora em crise que não há “qualquer garantia de que tenha sido efetivamente alguém chamado F. S. a fazê-las (conforme expressamente admitiu quando diretamente instado pelo tribunal) ”, porém, não é isso que resulta do depoimento da testemunha P. M., que refere expressamente (…) “podia… podia ter sido a X e não a senhora. A reclamação caiu no call center, agora se foi a X que reclamou isso nós aqui localmente não temos acesso a essa informação”. – minutos 00:12:23.
XLVI. Assim, o que a testemunha afirma é que não teve acesso a essa informação, apenas, e não que não exista qualquer garantia de que o contacto não foi feito pela destinatária.
XLVII. Ora, das transcrições e dos registos consta que foi a destinatária da encomenda que fez o contacto, na medida em que se apresentou com o mesmo nome desta e que identificou correctamente o objecto postal.
XLVIII. Na verdade, não se compreende a valoração feita pelo Tribunal a quo sobre estes contactos com o Call Center já que apenas servem para se afirmar uma dúvida e dar como não provados alguns factos, incluindo os que respeitam às regras de serviço que deveriam ter sido adoptadas pelo CRT, como, por ex., a anotação de endereço insuficiente e devolução ao remetente, quando, na verdade, deles e do depoimento das testemunhas resulta exactamente o contrário.
XLIX. Aliás, a testemunha P. M. quanto à única informação discordante de que na Escola informam que a encomenda foi bem entregue refere que “Mas possivelmente não foi contactada por nós. Aí há um lapso de escrita.” – minutos 00:11:02
L. Por fim, de tudo o quanto ficou exposto, é uma evidência o ponto 5), isto é, “Que apesar de ter sido considerado como entregue, o objeto tenha sido extraviado, desconhecendo-se o seu paradeiro;”. Pois, apesar das dligências efectuadas, até pela testemunha A. S., que conhecia muito bem o giro em causa, não foi possível recuperar o objecto nem identificar que o recebeu. Deste modo, manifesto que a Recorrente só podia “assumir extravio e imputar responsabilidade ao CDP ...”, e, por via disso, mover contra o trabalhador o processo disciplinar, que resultou na aplicação da sanção que se discute nos Autos.
LI. Razão pela qual se entende que a prova não foi devidamente ponderada nem correctamente avaliada, devendo esse venerando Tribunal de recurso modificar a matéria de facto, por manifesto erro na apreciação da prova pois, dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente a do Autor A. S. e demais elementos de prova constantes dos autos, em especial, dos documentos juntos não pode sustentar-se a convicção formada, pois claramente, não tem suporte razoável naquilo que a prova demonstra.
LII. Consequentemente, impõe-se alterar a matéria de facto, da seguinte forma: Quanto ao ponto L) dos factos provados, deve ser retirada a parte final do ponto L), isto é, “que afirmou que a encomenda seria para uma professora da escola” , por não ser sustentada em meio de prova, resultando apenas da simples alegação do Autor. E bem assim, a parte inicial do ponto L), ao referir que o Autor procedeu em conformidade com o indicado, na medida em que transmite a ideia de que o correcto a fazer naquela situação era perguntar na Escola e entregar ali o objecto, daí que apenas se deva manter “nesse mesmo dia o autor dirigiu-se à escola e entregou o objeto postal dentro da escola primária ... a uma funcionária que se identificou como sendo M. S.”, devendo dar-se como provados os pontos 2) a 7), pois totalmente demonstrados por via do depoimento das testemunhas e pelos documentos juntos.

Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
LIII. No que ao Direito aplicável concerne, a verdade é que os factos provados, desde logo, permitiam a improcedência da acção, já que deles resulta que mereceu o Autor o juízo de censura que determinaram a conclusão de que o Autor não observou as regras de serviço e assim, legitimam o processo disciplinar e respectiva sanção. Veja-se os pontos F) a I) e M).
LIV. Não se compreende as dúvidas que o Tribunal a quo revelou quanto à recepção da encomenda, dúvidas que são, a seu ver, insanáveis.
LV. Primeiramente, o Tribunal a quo centra toda a questão numa única informação do call center que não corresponde ao apurado em todo o processo disciplinar e que é a informação de que a encomenda tinha sido entregue na escola e que era efetivamente ali o seu local de entrega, sendo certo que, posteriores averiguações determinaram efectivamente o contrário.
LVI. Sendo certo que parece que essa (única) dúvida desculpabiliza a actuação do Autor, fazendo tábua rasa do que é a prova produzida nos Autos.
LVII. Porém, dos facto provados resulta, inequivocamente, a não observância das regras de serviço por parte do Autor.
LVIII. E, com o devido respeito, este raciocínio também em nada colide com a aplicação da sanção disciplinar pois, o que é relevante, é a actuação irregular do Autor que deu origem ao extravio do objecto postal, isto é, o incumprimento das regras de serviço por parte do trabalhador, motivo de aplicação da sanção.
LIX. Efectivamente, vem provado que o trabalhador não entregou o objecto postal na morada da destinatária, que o fez de livre e espontânea vontade (e não por indicação de um colega, conforme exposto supra) e que não tendo entregue o objecto na morada da destinatária, também não identificou quem o recebeu.
LX. O que releva para a questão em apreço é a conduta do Autor, com cerca de 28 anos de experiência profissional, enquanto trabalhador da Ré, que estava obrigado a cumprir os deveres inerentes às suas funções de Carteiro, e os procedimentos a observar na entrega de objectos postais, nomeadamente o dever de zelo e diligência, tendo actuado de forma negligente.
LXI. Pelo que, ao contrário do considerado na douta Sentença recorrida, o trabalhador não realizou o seu trabalho com zelo e diligência, na justa medida em que este dever exige, no concreto, que o trabalhador execute as suas funções em conformidade com as normas vigentes da empresa quanto à entrega dos objectos.
LXII. O Autor incumpriu os deveres a que está adstrito e por isso violou culposamente o disposto na al. e) do n.º 1 do art. 328.º do C.Trab., bem como do n.º 1 do art. 14.º do Regulamento Disciplinar – X.
LXIII. A douta sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto na al. e) do n.º 1 do art. 328.º do C.Trab, no art. 344.º do C.Civ. e, de igual forma, violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de cor respondência nas normas putativamente violadas.»
O autor apresentou resposta ao recurso da ré, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2.Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são as seguintes:
- modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- aplicação de sanção disciplinar ao autor.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
- Assentes por acordo das partes nos articulados
A) O autor é trabalhador da ré, desempenha a função de carteiro no Centro de Distribuição Postal (CDP) ... Vila Nova de Famalicão e presta a sua função sob as ordens, instruções e fiscalização da ré;
B) As relações jurídico-laborais entre autor e ré são reguladas pelo Acordo de Empresa publicado no BTE 1.ª série, n.º 8, de 27 de Fevereiro de 2015, e respectivas actualizações, nomeadamente a publicada no BTE, n.º 27, de 22 de Junho de 2018, dado o autor ser associado do SNTCT – Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações;
C) Por carta datada de 03/12/2018, mas recepcionada a 04/12/2018, o autor foi notificado de uma nota de culpa (junta a fls. 10v. e ss. e aqui se dá por integralmente reproduzida), em que era acusado de:
“- No dia 15 de Junho de 2018 executava o giro ... no horário das 08h00 às 13h00 e das 14h00 às 16h48.
- Neste mesmo dia foi-lhe confiado para distribuir o objecto postal de SEM- Express-mail n.º ..., remetido por X-Internet (EXP Auto C. L., …o) e destinado a F. S. s/inf Rua ..., … VNF.
- Pelo sistema do ‘PDA’ e pela ‘prova de entrega’ consta que o arguido o entregou a alguém que assinou ‘M.’ e que o mesmo colocou como sendo a ‘M. S.’. O objecto no mesmo sistema -‘Goggle maps’- está dado como entregue na referida Rua ..., dentro da Escola Primária ....
- Nesta escola não existe ninguém com o nome da destinatária nem com o nome de ‘M. S.’, que corresponde ao nome que consta mencionado na prova de entrega do PDA.
- Este objecto obrigava a pedir a identificação da pessoa que assinou a ‘prova de entrega’ pois o nome não coincidia com o da destinatária, o que o arguido não fez.
- Contactada a destinatária, referiu que nunca recebeu o objecto nem este foi devolvido ao remetente.
- O arguido, em face de um objecto postal com endereço insuficiente, deveria fazer com que o mesmo fosse ‘lido à posta’ e caso ninguém referisse conhecer o destinatário ou o endereço correto, era sua obrigação, o que não fez, devolver o mesmo ao remetente com a anotação de ‘endereço insuficiente’.
- Ao não ter procedido desta forma, o objecto foi considerado como entregue mas foi extraviado, desconhecendo-se o seu paradeiro.”
D) Nos parágrafos 9.º e 10.º da mencionada Nota de Culpa era ainda referido que:
“Com este comportamento o arguido deu origem a uma má imagem dos X, de péssima fiabilidade, para além do prejuízo para o cliente em virtude da indemnização que teve que ser paga (10€).
O comportamento ilícito do arguido, ao violar, de forma livre e culposa, os deveres de zelo e diligência consignado na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho, consubstancia prática de infracção disciplinar, nos termos do artigo 3.º do Regulamento Disciplinar do X, aprovado pela portaria 348/87 de 28 de Abril, e suscetível de ser punido com a pena prevista no n.º 1 do artigo 14.º do mesmo RD/X e alínea e) do n.º 1 do artigo 328 do mesmo CT.”;
E) Atempadamente o autor procedeu à resposta à nota de culpa nos termos constantes do documento junto a fls. 11v. e ss. (que se dá por integralmente reproduzido);
F) No dia 15 de Junho de 2018, o autor executava o giro ... no horário das 08h00 às 13h00 e das 14h00 às 16h48;
G) Nesse mesmo dia, foi-lhe confiado para distribuir o objecto postal de SEM-Express-mail n. º ..., remetido por X-Internet (EXP Auto C. L., ...) e destinado a F. S. s/inf Rua ..., … VNF;
H) Pelo sistema do ‘PDA’ e pela ‘prova de entrega’ consta que o trabalhador o entregou a alguém que assinou ‘M.’ e que o mesmo colocou como sendo ‘M. S.’;
I) O objecto no mesmo sistema ‘Goggle maps’ está dado como entregue na referida Rua ..., dentro da Escola Primária ...;
Assentes por certidão junta a fls. 70 e ss.
J) Por sentença e acórdão proferidos no processo n.º 283/13.3TTVNF, que correu termos neste Juízo do Trabalho, transitados em julgado em 15/12/2014, foi anulada a sanção disciplinar de 13 dias de suspensão com perda de retribuição, aplicada pela ré ao autor por factos ocorridos em 15 e 16 de Dezembro de 2003 e 23 de Janeiro de 2004;
Factos Controvertidos
K) O autor, como não estava habituado ao giro que lhe foi confiado, questionou o carteiro daquele giro sobre a morada indicada no objecto postal, ao que este respondeu que se deveria dirigir à escola e perguntar lá;
L) Procedendo em conformidade com o indicado, nesse mesmo dia o autor dirigiu-se à escola e entregou o objecto postal dentro da escola primária ... a uma funcionária que se identificou como sendo M. S.. (alterado nos termos do ponto 4.1. infra)
M) O trabalhador, em face de um objecto postal com endereço insuficiente, deveria fazer com que o mesmo fosse “lido à posta”.

4. Apreciação do recurso

4.1. Importa, em primeiro lugar, apreciar a impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.

Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A Apelante sustenta que parte da factualidade dada como provada sob a alínea L) deve ser considerada como não provada e que os factos dados como não provados sob os pontos 2) a 7) devem ser considerados como provados.
Consta da alínea L) o seguinte: Procedendo em conformidade com o indicado, nesse mesmo dia o autor dirigiu-se à escola e entregou o objecto postal dentro da escola primária ... a uma funcionária que se identificou como sendo M. S., que afirmou que a encomenda seria para uma professora da escola.
A Recorrente entende que deve ser eliminada a parte final, já que de nenhum depoimento ou outro meio de prova resulta que a alegada “M. S.” tenha afirmado “que a encomenda seria para uma professora da escola”.
Ora, porque assim é (aliás, trata-se de ocorrência presenciada apenas pelo autor e pela pessoa que recebeu o objecto postal e não interveio no processo), sendo certo que na sentença não se mostra motivada essa concreta parte da decisão sobre a matéria de facto, defere-se o requerido (alteração introduzida supra no local próprio).

Por seu turno, os pontos 2) a 7) da factualidade não provada têm a seguinte redacção:
2) Que na escola não exista ninguém com o nome da destinatária nem com o nome de ‘M. S.’ que corresponda ao nome que consta mencionado na prova de entrega do PDA;
3) Que este objecto obrigasse a pedir a identificação da pessoa que assinou a ‘prova de entrega’ pois o nome não coincidia com o da destinatária, o que o trabalhador não fez;
4) Que contactada a destinatária, esta tenha referido que nunca recebeu o objecto, nem este foi devolvido ao remetente;
5) Que apesar de ter sido considerado como entregue, o objecto tenha sido extraviado, desconhecendo-se o seu paradeiro;
6) Que tenha sido o comportamento do trabalhador a dar origem a uma má imagem dos X, de péssima fiabilidade, e a um prejuízo para o cliente, em virtude da indemnização que teve que ser paga (10,00€);
7) Que caso ninguém referisse conhecer o destinatário ou o endereço correcto após a “leitura à posta”, fosse obrigação do autor devolver imediatamente o objecto ao remetente com a anotação de ‘endereço insuficiente’.
É indiscutível que, tratando-se de factos cuja prova compete à ré, por fundamentarem o seu direito de aplicar a sanção ao autor (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), a dúvida sobre a realidade dos mesmos tem de ser resolvida contra a mesma, nos termos do art. 414.º do Código de Processo Civil.
Ora, como se alcança da decisão recorrida, o tribunal não incluiu na factualidade provada que na escola existe uma pessoa com o nome da destinatária ou com o nome de ‘M. S.’, nem que o objecto postal foi recebido pela destinatária ou foi devolvido ao remetente, e, na respectiva motivação, também não refere que é essa a convicção com que o tribunal ficou, pelo contrário, o que se mencionam e sublinham repetidamente são as dúvidas insanáveis geradas pelas provas contraditórias e inconclusivas apresentadas pela própria ré, designadamente: «(…) que nos próprios registos do réu consta a seguinte informação, obtida em 13/07/2018, a seguir à apresentação de uma reclamação: “Contactada a escola, estes informaram que a encomenda foi bem entregue, era para a escola” (fls. 40v.). Como se as dúvidas que resultam desta informação não fossem suficientes, em 31/07/2018 esses mesmos registos dão conta de que a suposta F. S. teria ido à escola e ali afinal lhe teriam dito que teriam recusado a entrega do livro (o que é contrariado pelos próprios registos de satélite do aparelho, que indicam que ali foi entregue), o que levou a que se tivesse deslocado aos X “que a informaram que a encomenda tinha seguido de volta para a X” (fls. 41). Perante um novo contacto da X, o réu decidiu “assumir extravio e imputar responsabilidade ao CDP ...” (fls. 41v.). A análise destes registos levanta sérias dúvidas quanto a vários pontos essenciais, o primeiro dos quais sendo o da receção da encomenda. Como se verifica, a dada altura o réu contactou diretamente a escola onde o autor entregou a encomenda e esta informou que não apenas tinha sido entregue, como era efetivamente ali o seu local de entrega. Perante esta informação, o mínimo que se poderia exigir do réu seria que, perante um posterior contacto de alguém chamado F. S. a contrariar frontalmente aquela informação que tinha sido diretamente obtida da escola (mais: dizendo que escola a tinha informado que teria devolvido aos X o objeto), novamente questionasse a pessoa da escola que lhe teria dado a primeira informação, para tirar a limpo a situação. Nada consta no processo que tenha sido feito nesse sentido: não foi inquirida qualquer testemunha nem se dá conta de outra qualquer diligência que tenha sido feita com esse fim. Perante nova reclamação, desta vez da X, mais uma vez não procurou o réu confirmar o que se teria passado com o objeto, tendo apenas optado por “assumir extravio e imputar responsabilidade ao CDP ...”.
A testemunha do réu P. M. (supervisor de distribuição do réu), quando confrontada diretamente com estes registos nada esclareceu, antes tendo criado mais dúvidas: disse que as reclamações foram feitas através do call-center do réu, ou seja, sem que haja qualquer garantia de que tenha sido efetivamente alguém chamado F. S. a fazê-las (conforme expressamente admitiu quando diretamente instado pelo tribunal), e que não encontra qualquer explicação para aquela primeira confirmação de receção de encomenda dada pela escola.

A análise destes elementos à luz de toda a prova produzida leva necessariamente a que se tenha dado como não provado:
- que na escola não existisse alguém com o nome da destinatária ou com o nome M. S. (fica uma dúvida insanável, face aos registos do próprio réu que dão a encomenda como bem entregue);
- que a destinatária tenha sido contactada e tenha dito não ter recebido a encomenda (além de o contacto não ter partido do réu, sabe-se apenas que alguém que terá dito ter o nome da destinatária ligou para o call-center do réu, mas não se pode sequer ter a certeza de que fosse efetivamente aquela);
- que o objeto não tenha sido devolvido ao remetente (nesse contacto é dito que a escola teria informado que o foi, contradizendo a anterior informação dada); e, acima de tudo
- que o objeto se tenha extraviado apesar de constar como entregue – o próprio réu, face aos elementos que juntou, não pode concluir que tenha havido extravio (em última análise, até pode a destinatária ter falsamente invocado o extravio e assim conseguido reaver o preço pago – não se sabe).
(…)
Da conjugação de toda a prova acima referida e da convicção assim formada - nomeadamente quanto à não demonstração do extravio de qualquer encomenda e da sua não entrega à efetiva destinatária – logicamente teve o tribunal de considerar como não provado que tenha sido o comportamento do autor a dar causa a uma qualquer imagem negativa que tenha resultado para o réu ou ao prejuízo decorrente do reembolso que veio a fazer à X.»
Como se vê, o percurso lógico que conduziu à decisão tomada quanto aos pontos da matéria de facto em causa mostra-se explicado de modo detalhado e coerente, e, por outro lado, os elementos probatórios em que assenta têm inteira correspondência nos documentos e depoimentos gravados, pelo que a apreciação que a Apelante faz das provas que invoca não tem a virtualidade de impor decisão diferente.
Com efeito, a invocação do depoimento da testemunha P. M., na parte em que refere “podia… podia ter sido a X e não a senhora. A reclamação caiu no call center, agora se foi a X que reclamou isso nós aqui localmente não temos acesso a essa informação”, no sentido de sublinhar que o depoente apenas afirmou que não teve acesso a essa informação, afigura-se despicienda, na medida em que o tribunal recorrido não afirma o contrário. Todavia, o argumento de que as transcrições das comunicações com o Call Center demonstram que foi a destinatária “F. S.” que procedeu ao contacto, por se apresentar com o nome desta e identificando correctamente o objecto postal, não procede na medida em que não afasta a possibilidade aventada pela testemunha de o contacto advir de alguém da X, que deteria idêntica informação. Ou, acrescentamos nós, até de terceiro que por algum modo tivesse acedido a tal informação. Com efeito, veja-se que consta ainda do aludido registo que, em resposta à informação de 31/07/2018 mencionada na decisão recorrida, a testemunha N. M. informou em 6/08/2018 desconhecer que os X tivessem dito a F. S. que a encomenda tinha sido devolvida ao remetente e acrescentou que nunca falou ou recebeu a cliente no CDP. Acresce que, tendo a X indicado, no decurso das averiguações, que a destinatária F. S. residia na R. da …, n.º …, o referido supervisor da distribuição P. M. dirigiu-se a tal local e aí informaram não existir lá ninguém com tal nome (fls. 22 e 23 do processo disciplinar). Foram também efectuadas chamadas para o número indicado como sendo o do telemóvel da destinatária, mas sem sucesso (fls. 22 do processo disciplinar). Conclui-se, pois, que a ré não conseguiu contactar a destinatária na morada e telemóvel que lhe foram indicados, avolumando a possibilidade de não ter sido ela a contactar o Call Center.
De igual modo, não é determinante o depoimento de P. M. na parte em que, a propósito da informação pela escola de que a encomenda foi bem entregue, refere “Mas possivelmente não foi contactada por nós. Aí há um lapso de escrita.”, pois, mais uma vez, trata-se de mera especulação por parte da testemunha na tentativa de explicar os registos contraditórios, primeiro no sentido de que a encomenda foi entregue à destinatária, depois no sentido de que foi recusada e devolvida ao remetente pelos próprios X, e, finalmente, de que na sequência de novo contacto por parte da X a ré decidiu assumir que havia extravio e imputar a responsabilidade ao autor.
Como resulta da decisão recorrida, o aludido depoimento não dirimiu as contradições verificadas nos registos e limitou-se a aventar explicações para as mesmas, pelo que o tribunal, por dúvidas insanáveis devidamente concretizadas, considerou – e bem, atento o citado art. 414.º do Código de Processo Civil – que não podia dar como provados os factos relativos à entrega e extravio nos termos constantes dos pontos 2), 4) e 5), e, consequentemente, a imputação ao autor dos prejuízos nos termos do ponto 6).

No que respeita aos procedimentos que, segundo a ré, o autor devia ter observado, constantes dos pontos 3) e 7), o tribunal a quo justificou a sua decisão nos seguintes termos:
«Quanto aos procedimentos de entrega, sendo certo que as testemunhas C. S. (carteiro desde 1989) e N. M. (gestor de Famalicão, funcionário do réu há 20 anos) explicaram o sistema de “leitura à posta”, ficou também claro dos seus depoimentos que o facto de nesse momento ninguém declarar conhecer a pessoa ou a morada não implica automaticamente o dever de devolução do objeto com indicação de “endereço insuficiente”. Confirmaram essas testemunhas que além desse método, é prática habitual (e considerada correta no réu) perguntar diretamente a um carteiro mais antigo e experiente se conhece o destinatário e a morada, o que o autor fez neste caso concreto (e foi confirmado pelo aludido C. S., a quem o autor perguntou, e que disse ao autor para se deslocar à escola e indagar). Assim, perante o facto de a identificação da destinatária nos elementos enviados pela X (juntos a fls. 36v.) ser apenas “M. S. – Rua ..., …” (sendo manifesto que o telemóvel ali indicado – 910000000 – não corresponde a qualquer número), o autor questionou um outro carteiro, que lhe deu indicações sobre como atuar. Mais, todas as testemunhas inquiridas que diretamente lidam com a entrega de correio (J. O., A. S. e C. S.) foram unânimes em afirmar que neste tipo de encomendas não é obrigatório exigir a identificação, mas apenas a assinatura de quem recebe.»
Ora, os meios probatórios invocados pela Apelante também não impõem entendimento diferente nesta matéria.
Quanto ao ponto 3), invoca-se que a testemunha N. M. afirmou, além do mais, que “A recolha de identificação não é… não tem carácter obrigatório.”
Relativamente ao ponto 7), invoca-se que a testemunha D. C. referiu, além do mais, que “(…) se o senhor J. A. tinha dúvidas por o objecto vir sem número, só tinha que perguntar a um colega mais experiente, que lá tenha andado naquela rua a distribuir, ou ainda e quando “lia à posta” e que a testemunha N. M. disse, além do mais, que “Deverá ser feita (imperceptível…) fazer uma leitura à posta. Porque a leitura à posta é ler em voz alta perante todos os colegas, para ver se alguém conhece o cliente. (…) julgo que o colaborador ter (imperceptível…) um carteiro mais experiente na área a ver se conhecia. Se houver aqui alguma informação que possa ajudar (imperceptível…) deve-se fazer a confirmação se existe ou não existe aquela pessoa naquela residência”
É certo que resulta dos depoimentos daquelas testemunhas, bem como das restantes indicadas, P. M. e A. S., a opinião de que, nas circunstâncias em apreço – de o autor não conhecer pessoalmente a destinatária e a morada vir incompleta –, aquele devia ter pedido e anotado a identificação da pessoa que recebeu o objecto postal, depois de a mesma ter convencido que conhecia a destinatária e lho entregaria, ou, não logrando descobrir o paradeiro da mesma, devia ter devolvido o objecto postal por “morada insuficiente”.
Mas nenhuma das quatro testemunhas afirmou que estivesse instituída a obrigação de pedir a identificação da pessoa que assinou a ‘prova de entrega’ por o nome não coincidir com o da destinatária, como consta do ponto 3), antes a testemunha N. M. admitiu o contrário.
De igual modo, e sem prejuízo do acabado de referir, bem como do provado sob a alínea M), nenhuma das quatro testemunhas afirmou que estivesse instituída a obrigação de, caso ninguém referisse conhecer o destinatário ou o endereço correcto após a “leitura à posta”, ser devolvido imediatamente o objecto ao remetente com a anotação de ‘endereço insuficiente’, como consta do ponto 7), antes as testemunhas D. C. e N. M. admitiram que se procedesse também a indagações junto de um colega mais experiente naquele giro, como provado sob a alínea K).
Como a Apelante reconhece, os depoimentos das testemunhas em causa, bem como das demais indicadas na decisão recorrida que se pronunciaram sobre os pontos 3) e 7), remetem para o manual de procedimentos X – Expresso e o manual de procedimentos de distribuição X, que aquela juntou aos autos e invoca também como fundamento da impugnação nesta parte.
Compulsados tais documentos, designadamente nos trechos indicados pela Recorrente, constata-se que o primeiro – ao referir a propósito das regras de entrega ao domicílio que deve introduzir-se no PDA o primeiro e último nome do receptor e solicitar a sua assinatura – admite como suficiente que o autor tenha introduzido no PDA o nome “M. S.” e que o receptor tenha assinado apenas como “M.”.
Quanto ao manual de procedimentos de distribuição X, na versão junta aos autos, a Apelante reconhece que o mesmo contém alterações respeitantes à distribuição efectuadas em 12/07/2018, pelo que não se pode considerar que o autor estivesse sujeito a todas as obrigações que daí constam, na medida em que se desconhece se as mesmas já constavam da versão em vigor à data da alegada infracção – 15/06/2018.
Ainda assim, sempre se dirá que de tal documento também não resulta que estivesse instituída a obrigação de pedir a identificação da pessoa que assinou a ‘prova de entrega’, por o nome não coincidir com o do destinatário, como consta do ponto 3), ou de, caso ninguém referisse conhecer o destinatário ou o endereço correcto após a “leitura à posta”, ser devolvido imediatamente o objecto ao remetente com a anotação de ‘endereço insuficiente’, como consta do ponto 7), designadamente no que concerne às seguintes passagens sublinhadas pela Apelante:
«• Os objetos sem indicação de domicílio e com o nome do destinatário comum a duas ou mais pessoas conhecidas são entregues àquela que se reconhecer inequivocamente ser o destinatário, pelas indicações do sobrescrito ou por qualquer outra circunstância.
• Se o endereço for constituído unicamente pelo nome do destinatário, os objetos são entregues no domicílio se for conhecido.»

E o mesmo se constata quanto ao que daí consta de pertinente a propósito do tema em apreço, nos seguintes termos:
«2.14.1. Produtos X Expresso
(…)
Procedimentos
A entrega é efetuada com assinatura legível do recetor no PDA (terminal portátil) ou na LD, se ilegível deverá mencionar-se o nome em maiúsculas e indicação da hora de apresentação do objeto. A Lista de Distribuição só substitui o PDA quando este se encontrar inoperacional ou o cliente se recuse a assinar no equipamento.»
Conclui-se, pois, que, tal como as testemunhas adiantaram nos seus depoimentos, nos sobreditos termos, dos manuais de procedimentos da ré não resultam as obrigações concretamente especificadas nos pontos 3) e 7), e, assim, inexiste base probatória para dar como provada a respectiva factualidade.
Improcede, pois, a pretensão da Apelante quanto à alteração da matéria de facto, com a ressalva do decidido quanto à alínea L).

4.2. Posto isto, importa apreciar a justeza da aplicação ao autor da sanção disciplinar de dois dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, por violação do dever de zelo e diligência.

Estabelece o art. 328.º, n.º 1 do Código do Trabalho que, no exercício do poder disciplinar, o empregador pode aplicar as seguintes sanções:
a) Repreensão;
b) Repreensão registada;
c) Sanção pecuniária;
d) Perda de dias de férias;
e) Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade;
f) Despedimento sem indemnização ou compensação.

Por seu turno, o Regulamento Disciplinar dos X, anexo à Portaria n.º 348/87, de 28 de Abril, prevê no seu art. 6.º as seguintes sanções disciplinares:
a) Advertência verbal;
b) Repreensão por escrito;
c) Multa de 1/4, 1/2, 3/4, 1, 2 e 3 dias de remuneração diária;
d) Transferência;
e) Suspensão do trabalho com perda de remuneração de 4 a 60 dias;
f) Suspensão do trabalho com perda de remuneração de 61 a 180 dias;
g) Aposentação compulsiva;
h) Despedimento.

Na escolha e medida da sanção deve ter-se em conta o art. 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho, que dispõe que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
O mesmo resulta e de modo detalhado do disposto nos arts. 11.º a 21.º do mencionado Regulamento Disciplinar da ré.
Como afirma Abílio Neto, “a infracção disciplinar está indissociavelmente ligada à ideia de comportamento ilícito e culposo do trabalhador violador de algum dos seus deveres contratuais ou legais, mas não necessariamente causador de danos patrimoniais, e daí que as sanções laborais visem, acima de tudo, objectivos, não tanto ressarcitórios, mas de retribuição e de prevenção geral e especial, consoante decorre da respectiva tipologia, prevalentemente dirigida à pessoa do trabalhador, com excepção da sanção pecuniária que, essa sim, assume natureza patrimonial directa, ao passo que as demais, incluindo as previstas nas alíneas d) a f) do art. 366º têm apenas efeitos patrimoniais indirectos. Assim, a aplicação da regra da proporcionalidade, fixada no art. 367º, ao mandar atender à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não pode nem deve atender em primeira linha aos danos patrimoniais decorrentes do comportamento do trabalhador – vício em que incorre com demasiada frequência a nossa jurisprudência -, cuja ressarcição é prosseguida através dos meios para que remete o art. 363º, mas às imposições de prevenção geral e especial no âmbito da comunidade laboral em que o trabalhador se insere, em ordem a reparar ou prevenir a violação dos mencionados deveres.
Tanto na eleição da sanção aplicável como na sua graduação, haverá que atender ao grau de culpa do infractor (se agiu dolosamente, com negligência grave ou leve), ao valor ofendido e às demais circunstâncias atendíveis, por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar sanções desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em atenção todo o quadro que envolveu a prática de cada uma delas.” (1)
Retornando ao caso dos autos, ficou provado com interesse que o autor é carteiro da ré, e, no dia 15 de Junho de 2018, executava o giro ... e foi-lhe confiado para distribuir o objecto postal de SEM-Express-mail n. º ..., remetido por X-Internet (EXP Auto C. L., ...) e destinado a F. S. s/inf Rua ..., … VNF.
O autor, como não estava habituado ao giro que lhe foi confiado, questionou o carteiro daquele giro sobre a morada indicada no objecto postal, ao que este respondeu que se deveria dirigir à escola e perguntar lá, o que o autor fez.
Nesse mesmo dia, o autor dirigiu-se à escola e entregou o objecto postal dentro da escola primária ... a uma funcionária que se identificou como sendo M. S.. Pelo sistema do ‘PDA’ e pela ‘prova de entrega’ consta que o trabalhador o entregou a alguém que assinou ‘M.’ e que o mesmo colocou como sendo ‘M. S.’.
Mais se provou que o trabalhador, em face de um objecto postal com endereço insuficiente, deveria fazer com que o mesmo fosse “lido à posta” (leitura ao microfone ou em voz alta perante o grupo de carteiros reunidos no início da jornada de trabalho, para eventual recolha de informações úteis dos colegas).
Resulta do art. 128.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho que o trabalhador deve realizar o trabalho com zelo e diligência.
Diz João Leal Amado (2) que “[t]rata-se de um dever que se prende com o modo de cumprimento da prestação principal, significando que o trabalhador deverá realizar a prestação com a atenção, com o esforço, com o empenhamento da vontade e com o cuidado exigíveis a um trabalhador normal, colocado na sua situação.”

Diz-se na sentença recorrida:
«O art.º 3.º do Regime Disciplinar dos X estatui que “constitui infração disciplinar o facto voluntário imputável ao trabalhador a título de dolo ou negligência que viole algum dos deveres profissionais ou o que, praticado no exercício ou por causa das suas funções, seja notoriamente incompatível com a correção indispensável ao exercício destas”. Esta norma corresponde ao dever imposto no art.º 128.º, n.º 1, alínea c) do Código do Trabalho, segundo a qual o trabalhador deve “realizar o trabalho com zelo e diligência”.
Da análise do elenco de factos provados e não provados que acima consta facilmente se conclui que o réu não logrou provar a prática pelo autor dos factos que sustentavam a condenação na sanção disciplinar impugnada.
Desde logo não ficou provado que existisse a obrigação do autor devolver imediatamente o objeto com indicação de “endereço insuficiente” logo após a “leitura à posta” infrutífera. Pelo contrário, seguiu o autor o procedimento que as testemunhas afirmaram ser habitual e considerado correto no réu, de questionar um carteiro mais experiente.
Por outro lado, também não ficou demonstrado que para a entrega de objetos postais como aquele que tinha sido confiado ao autor fosse imposto pelo réu que se exigisse a identificação formal da pessoa a quem o mesmo é entregue, pelo que necessariamente também não se pode concluir ter o autor violado qualquer dever de zelo ou diligência nessa parte.
Mais ainda – e mais importante – não ficou demonstrado sequer que o objeto cujo extravio se imputa à conduta do autor tenha sido efetivamente extraviado. Conforme se explanou na motivação da resposta à matéria de facto, não se pode concluir que o objeto não tenha sido entregue, havendo elementos nos autos (juntos pelo próprio réu) dos quais resulta que tal entrega realmente aconteceu.
Assim, os factos apurados em julgamento não permitem dirigir ao trabalhador um juízo de censura que permita legitimar a aplicação de uma sanção disciplinar. Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, deve a ação ser julgada procedente, declarando-se nula a sanção disciplinar aplicada.»
Concorda-se, no essencial, com esta fundamentação.
Por um lado, não resulta efectivamente da factualidade provada que o objecto postal não tivesse chegado à destinatária e se tivesse extraviado, nem, assim sendo, que haja danos patrimoniais ou não patrimoniais imputáveis ao autor.
Por outro lado, ainda que a existência de prejuízos decorrentes da infracção disciplinar não seja indispensável para que esta seja punível, nos termos acima explicitados por Abílio Neto, também não decorre da factualidade provada que a entrega a uma funcionária da escola que se identificou como sendo M. S. não fosse aceitável nas circunstâncias em que se verificou, sobre as quais nada se provou, nem que o autor tenha violado regras procedimentais internas atinentes à entrega do objecto postal em causa, nos sobreditos termos, excepto a de, em face de um objecto postal com endereço insuficiente, fazer com que o mesmo fosse “lido à posta”.
Não obstante, o autor, como não estava habituado ao giro que lhe foi confiado, teve o cuidado de pedir conselho ao carteiro daquele giro, que melhor conheceria os nomes das pessoas domiciliadas nos vários edifícios da Rua ..., o qual lhe disse que se deveria dirigir à escola e perguntar lá, o que o autor fez.
Assim, a mera violação da regra de fazer com que o objecto postal fosse “lido à posta”, e mesmo a violação do dever geral de cuidado que, independentemente de haver ou não regras procedimentais internas a impô-lo, aconselhariam a que o autor solicitasse e registasse a identificação da funcionária que se identificou como sendo M. S., não são, por si sós, suficientes para lhe aplicar a sanção disciplinar de dois dias de suspensão do trabalho com perda de antiguidade e retribuição, tendo em conta que o mesmo não estava habituado ao giro em causa, pediu o conselho do carteiro desse giro, tinha 28 anos de serviço, não se provou que tenha sanções anteriores validamente aplicadas e inexistem prejuízos que possam ser-lhe imputados.
Salienta-se que, apesar de a ré empolar o cuidado que o autor devia ter tido de solicitar e registar a identificação da funcionária que se identificou como sendo M. S., por não ser ela a destinatária, bem como o cuidado de devolver o objecto postal ao remetente por “endereço insuficiente”, imediatamente após uma “leitura à posta” frustrada, não encara a sua violação como tão grave ou importante que a leve a instituir tais procedimentos como obrigatórios, como acima se concluiu.

Acresce que, nos termos do n.º 1 do art. 14.º do citado Regulamento Disciplinar da ré, a pena de suspensão do trabalho com perda de remuneração de 4 até 60 dias é, em geral, aplicável aos trabalhadores no caso de procedimento consciente demonstrativo de zelo e diligência manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados, pelas suas aptidões e categoria profissional, ou atentatório da correcção indispensável ao exercício das suas funções, acrescentando o n.º 2 que esta pena será especialmente aplicável aos trabalhadores que:

a) Faltarem injustificadamente durante 30 dias úteis interpolados no mesmo ano civil;
b) Faltarem injustificadamente com a alegação de motivo de justificação comprovadamente falso;
c) Por negligência, derem informação errada a superiores hierárquicos em matéria de serviço donde resulte prejuízo para terceiros ou prejuízo grave para o serviço;
d) Cometerem inconfidência, se do facto resultar prejuízo para a empresa ou para terceiros;
e) Demonstrarem falta de conhecimento de normas essenciais reguladoras do serviço, da qual haja resultado prejuízo para a empresa ou para terceiros;
f) Desobedecerem às ordens legítimas dos seus superiores hierárquicos, de modo ou em circunstâncias susceptíveis de afectar o funcionamento do serviço, entendendo-se por ordens legítimas aquelas que se compreendem dentro dos limites de direcção da empresa fixados em instrumento de regulamentação colectiva e na lei, salvaguardados que sejam os seus direitos e garantias próprios e os dos trabalhadores em geral;
g) Agredirem no local de trabalho outros trabalhadores;
h) Cometerem falta de respeito para com um superior hierárquico, de modo ou em circunstâncias que afectem a dignidade indispensável ao exercício, por este, das suas funções;
i) Se apresentarem, durante o serviço, em estado de embriaguez culposa e manifesta ou sob a influência culposa e evidente de estupefacientes que não resultem de prescrição médica;
j) Receberem fundos, receitas ou verbas e efectuarem cobranças de que não prestem contas, por sua culpa, nos prazos legais.
Constata-se, pois, que em tal previsão não cabe uma mera violação negligente e ocasional do dever de zelo e diligência não causadora de prejuízos, para a qual os arts. 11.º e 12.º do Regulamento Disciplinar prevêem a aplicação de advertência verbal ou repreensão por escrito e multa, respectivamente, consoante o caso.
Em suma, considerando o princípio da proporcionalidade e da adequação consagrado no art. 330.º, n.º 1 do Código do Trabalho, nos termos acima explicitados, conclui-se que a factualidade provada e as circunstâncias mencionadas que se impunha que fossem tidas em conta não justificavam a aplicação ao autor da sanção de dois dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
Por todo o exposto, improcede inteiramente o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Em 13 de Julho de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Novo Código do Trabalho e legislação complementar, Ediforum, 3.ª edição, p. 661.
2. Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 373-374.