Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2303/13.5TBVCT-C.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CIRE
INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.Alegados e provados tais factos, comummente designados por factos-índice ou presuntivos da insolvência, e que em face das regras da experiência, constituem manifestações da impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, este será consequentemente, considerado em situação de insolvência, salvo se demonstrar a sua solvência nos termos do artigo 30.º, n.ºs 3 e 4, do CIRE. .
2.Mesmo que se considerasse que a divida era de montante elevado, mas exercendo uma actividade profissional remunerada, e sendo proprietário de parte de bens imóveis e um móvel não há por parte do requerido/apelante uma impossibilidade de satisfazer pontualmente as suas obrigações.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO
A…, Requerido nos autos à margem identificados em que é Requerente BANCO…, S.A., notificado da Sentença proferida nos presentes Autos a declarar a sua insolvência e não se conformando com o teor da mesma, apresenta recurso cujas alegações termina com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal a quo não valorou correctamente a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, omitindo da factualidade considerada provada elementos importantes para a boa decisão da causa e dando como não provados factos sobre os quais foi produzida prova em sentido favorável à pretensão do Recorrente.
2. A ponderação conjugada da prova testemunhal, documental e, bem assim, das declarações produzidas pela Representante do Recorrente, impunham, conforme se deu conta em sede de Alegações, decisão diversa quanto aos pontos que se enunciam de seguida.
3. No que toca ao ponto 19. da Matéria de Facto Provada, atento o que ficou dito em sede de Alegações, deve ser o mesmo alterado, passando a ter a seguinte redacção: “19. O oponente é proprietário de ¼ de cinco imóveis, melhor identificados nos documentos juntos a fls. 408 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, totalizando o valor patrimonial dessa quota-parte € 93.635,00.”.
4. Relativamente ao ponto 21. da Matéria de Facto Provada, conforme resulta do seu Contrato de Trabalho, o mesmo não aufere o montante identificado na Sentença, pelo que, deve também este ponto ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: “21. O requerido trabalha, exercendo as funções de encarregado da obra, e aufere cerca de € 1.931,89 mensais.”.
5. No que concerne à factualidade dada como não provada, com os fundamentos melhor explanados em sede de Alegações, deverão ser aditados os seguintes pontos à Matéria de Facto Provada:
“23. Na reunião mencionada em 14. os pais do Requerido estiveram presentes também em sua representação (do Requerido).
24. O Sr. A…, na qualidade de trabalhador do Requerente, estava obrigado a reportar hierarquicamente a proposta apresentada, desconhecendo-se se o fez.
25. Nunca o Requerente, ou alguém em seu nome, nomeadamente, o supra referido A… apresentou qualquer resposta à proposta apresentada.”.
6. Por outro lado, conforme resulta do supra alegado, o Recorrente não se encontra em situação de insolvência.
7. O Recorrente é proprietário de bens, móveis e imóveis, de valor manifestamente superior ao da dívida.
8. Mais, encontra-se a trabalhar e aufere uma retribuição mensal.
9. Pelo que, não se encontram preenchidos quaisquer factos-índice previstos no artigo 20.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – muito menos o da alínea b) deste preceito.
10. Conforme se depreende do supra alegado e, bem assim, da Jurisprudência deste Venerando Tribunal e de que também se deu conta em sede de Alegações.
11. Caso assim não se entenda, o que apenas se concebe por mero dever de bom patrocínio, sempre se dirá que a Sentença é nula por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a nomeação do Administrador de Insolvência requerida pelo Recorrente.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o presente Recurso ser considerado procedente, por provado, e, consequentemente, ser revogada a Sentença proferida e substituída por Acórdão deste Tribunal que absolva o Recorrente do pedido, como é de inteira JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Âmbito do Recurso
As questão a resolver são a seguintes:
. nulidades da sentença
.alteração da matéria de facto
. enquadramento jurídico

Fundamentação
De facto
Na 1ª instância foram declarados provados e não provados os seguintes factos:
1- O requerente é uma sociedade anónima e tem por objecto social o exercicio da actividade bancária.
2- No exercício da sua actividade creditícia em 10 de Janeiro de 2011 o requerente celebrou com a “S…, Lda.” um contrato de abertura de crédito em conta corrente no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), ao qual foi atribuído o número 050- 00100-44, de que a referida sociedade se confessou logo devedora e na qual o requerido se constituiu avalista.
3. Como garantia do capital mutuado, respectivos juros e demais encargos resultantes do contrato, a sociedade subscreveu uma livrança em branco, avalizada, entre outros, pelo requerido A…, no qual foi acordado por todos que a dita livrança poderia ser livremente preenchida pelo requerente em caso de incumprimento.
4. Desde 10 de Janeiro de 2012 que a “S…, Lda.” deixou de cumprir com as suas obrigações de natureza pecuniária emergentes do referido contrato.
5. Face a tal situação de incumprimento, o requerente intentou uma acção executiva, titulada pela referida livrança, contra os avalistas, entre os quais o requerido, que corre os seus termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, sob o nº 1400/12.9TBVCT.
6. Em 16 de Fevereiro de 2012, a “S…, Lda.”, titular do contrato mencionado em 2. e avalizada pelo requerido, foi declarada insolvente no âmbito do processo nº 436/12.4TBVCT, a correr os seus termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo.
7. No âmbito do processo de insolvência referido em 6., foram apreendidos os bens constantes da certidão judicial junta a fls. 356 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos nos termos constantes da mesma certidão, encontrando-se os autos a aguardar a venda dos bens apreendidos.
8. O requerido permanece devedor ao Banco de cerca de € 46.000,00, acrescida dos respectivos juros e demais encargos contratados.
9. No âmbito da execução referida em 5. foi penhorado ao requerido o reembolso do IRS relativo ao ano de 2011, no valor de € 112,12 (cento e doze euros e doze cêntimos).
10. No âmbito da aludida execução foram realizadas as diligências constantes da certidão judicial de fls. 379 e seguintes – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – tendo sido penhorados os bens aí identificados.
11. O pai e a mãe do requerido tentaram negociar com o Banco o pagamento das quantias em dívida.
12. O requerido emigrou para França.
13. Outorgou a favor de F… e M…, seus pais, uma procuração nos termos constantes do documento junto a fls. 112-117 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14. Os pais do requerido reuniram com o Banco em 8 de Maio de 2012.
15. Durante a reunião o Sr. F… propôs um pagamento fraccionado da dívida em mensalidades de cerca de € 400,00/€ 500,00.
16. O pai do requerido/oponente teve e tem problemas de saúde (cardíacos e oncológicos).
17. Os pais do requerido voltaram a reunir com o Banco em Abril de 2013.
18. Durante a reunião foi novamente proposta o pagamento fraccionado com prestações mensais em valor idêntico ao mencionado em 14..
19. O oponente é proprietário de ¼ de cinco imóveis, melhor identificados nos documentos juntos a fls. 408 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20. Encontra-se registado em nome do requerido o veículo com a matrícula …-NB, do ano de 1999.
21. O requerido trabalha, exercendo as funções de encarregado da obra, e aufere cerca de € 1400,00 mensais.
22. O pai do requerido, F… foi declarado insolvente no âmbito do processo nº 2305/13.1TBVCT, do 4º Juízo Cível deste Tribunal Judicial, por sentença já transitada em julgado, encontrando-se suspensa a liquidação do activo até ao resultado da acção de impugnação pauliana que corre por apenso aos mesmos (certidão judicial de fls. 309 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)”.
Factos considerados não provados
O requerido, através dos seus pais, tentou, por diversas vezes agendar uma reunião com os representantes do requerente para renegociação da divida.
Na reunião mencionada em 13. os pais do requerido estiveram presentes em sua representação (do requerido).
O sr. A… informou que iria apresentar a proposta à Administração.
Não houve qualquer resposta à mencionada proposta (ponto 14).
O pai do requerido admitiu chegar aos € 600,00 mensais .
Mais uma vez, foi-lhe transmitido que a proposta ia ser colocada à consideração da Administração do Banco

Do Direito
Impugnação da matéria de facto e consequente alteração da decisão
Insurge-se o recorrente contra as respostas dos pontos 19 e 21. do elenco dos factos provados, bem como, os factos considerados não provados.
Para encetar essa reapreciação fáctica, temos de considerar, como consideramos, que a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto foi objecto de impugnação válida, de acordo com a previsão do artigo 639º nº1 e 640º do Código de Processo Civil.
E fazendo-o começamos por referir que o documento enunciado pelo recorrente como relevante (cadernetas prediais) para a alteração da matéria de facto pedida no referente ao ponto 19 não faz prova plena quanto ao valor dos prédios.
Relativamente a tal documento como é sobejamente sabido, a presunção registral consignada no art.º 7º do Código do Registo Predial não abrange as circunstâncias descritivas, como a área, confrontações do prédio e valor não percepcionadas oficiosamente, antes, tão só, declaradas pelo interessado (cf., neste sentido, entre outros, Ac. deste Tribunal , de 11-03-99, in CJ/STJ-AnoVII-tomo I, pág.150.)
Também as escrituras e os documentos das finanças por isso mesmo, não provam a materialidade do prédio, designadamente as suas confrontações e valores.
Daí que, não existindo prova tarifada quanto ao valor dos imóveis este facto fica no domínio da livre apreciação da prova por que se rege o Tribunal a quo.
De tais documentos apenas podemos considerar e relevar o seu teor, para o qual já remete o julgador na resposta ao art.º 19.
O apelante invoca ainda os depoimento as testemunhas (irmã e pai) que transcreve para comprovar o valor dos imóveis concluindo que excede o valor do passivo.
Porém, do que ouvimos (e ouvimos todo o depoimento e não só os enxertos citados favoráveis ao recorrente) não fazemos essa leitura desses mesmos depoimentos.
É que se por um lado, verificamos que a irmã do autor refere que o valor dos imóveis que descreve como pertencentes à herança são de valor superior ao passivo, também a mesma não justifica tal afirmação, ou seja, ficamos sem saber em que se baseia para fazer essa afirmação.
Porém, o pai do autor vem esclarecer que afinal ao contrário do afirmado pela irmã os prédios são todos urbanos, um dá um pequeno rendimento e outros não dão qualquer rendimento. Estão em estado de degradação avançada. Foram aquisições que fiz em tempo para reconstruir. São zonas de baixo valor comercial.
Á pergunta: A parte que o seu filho tem é suficiente para satisfazer a divida? Respondeu: Em termos de valores patrimoniais sim. Na altura da partilha foram avaliados. Isto foi em 2011.
Mantêm-se a resposta ao ponto 19.
No que se refere ao vencimento do recorrente do documento nº6 resulta que celebrou contrato de trabalho e que em contrapartida pela execução das suas funções o Senhor A… receberá um salário bruto mensal de 2 666,67 euros sobre 12 meses.
Sendo este o contrato de trabalho mais recente temos que a resposta ao art.º 21 passa a ter a seguinte redacção
O requerido trabalha, exercendo as funções de encarregado da obra, e aufere um salário bruto mensal de 2 666,67 euros sobre 12 meses.
No que reporta aos factos não provados como resulta da fundamentação da resposta à matéria de facto, o tribunal recorrido considerou ter ocorrido ausência de prova nas matérias em questão.
A fundamentar o seu pedido de alteração das respostas a esta factualidade o apelante invoca enxertos depoimento das testemunhas que transcreve para pedir que ocorra alteração da matéria de facto nesta parte.
Porém a prova não pode ser apreciada desta forma parcial, estanque e subjectiva. A prova não se colhe com base em excertos considerados mais favoráveis, nem nela se incluem as afirmações dos senhores advogados das partes, antes se extrai de um todo, sempre pesando as afirmações e as contradições, usando os elementos verbalizados ou escritos e apelando, também, ao bom senso, à experiência de vida e, até, a alguns mecanismos de obtenção de conhecimento dificilmente verbalizáveis porque envoltos em menos conhecidos processos psíquicos. Outros, até, porque de percepção visual e de proximidade, nem são aferíveis pela Relação, neste momento.
Por outro lado, o recurso incidente sobre a matéria de facto não serve para substituir ao juízo do tribunal de 1.ª instância o das partes conforme as suas conveniências e interesses brandidos em juízo, muito menos para expressarem o que fariam se fossem elas o julgador. Muito menos serve para inutilizar, por esta via, o trabalho do primeiro grau, tudo centrando na fase de recurso.
E os excertos transcritos não podem afastar a visão global e a articulação dos vários depoimentos colhidos por contacto directo.
No caso o Tribunal, atendeu aos diversos meios probatórios que lhe foram indicados e deu-lhes o relevo entendido.
E na verdade do que ouvimos (todos os depoimentos e não apenas os enxertos) não fazemos a mesma leitura desses mesmos depoimentos.
Assim, e de forma sintética apenas realçamos o seguinte:
A testemunha A… antes de referir o que consta do enxerto invocado pelo recorrente referiu também que Estive com o Sr. M… e a esposa, eu como representante do Banco em Maio de 2012. Nunca vi qualquer procuração para eles representarem os filhos, nem nunca se apresentaram como procuradores dos filhos. Em Abril de 2013 voltamos a reunir. Mais uma vez o Sr M… apresentou uma proposta de pagamento de 400 euros mensais. Este valor seria a disponibilidade que o Sr M… teria para pagar. Disseram que não tinham rendimentos a não ser a reforma. Nas duas reuniões disseram não terem imóveis para reformular a divida. Nessa proposta de 400 euros não foi dito que era proposta dos filhos. Era proposta para resolver o problema. Mais uma vez não viu qualquer procuração ou que eles representassem os filhos.
Também a testemunha J… para além do que “estrategicamente” consta do enxerto transcrito nas alegações disse que
Estive na segunda reunião com o Sr. F… e esposa. Nessa reunião o Sr. F… apresentou um valor do qual poderia dispor mensalmente para pagar a divida. Se ele disse que representava os filhos ? Não me recordo.
Nunca vi qualquer procuração em que ele representava os filhos. Nessa reunião não foi apresentada.
Perguntaram-lhe se havias garantias?
O Sr. F… disse que não tinha património para dar de garantia. Falou-se m bens próprios do casal. Não se falou nos filhos.
Também o pai do recorrente não disse apenas o que o recorrente relata nas suas alegações.
Disse (sessão de 24 de Fevereiro) também no que a esta factualidade respeita que Na reunião de Maio de 2012 estava como representante do banco o Sr. A…. Na reunião de 04 de Abril de 2013 estava o Sr. A… e o Sr. J….
Nessa altura fiz uma proposta de o banco analisar a viabilidade de uma amortização na ordem dos 400 euros.
Esses 400 euros qual foi a conta que fez para os disponibilizar? Pergunta o Sr. Mandatário
Tinha que retirar do subsídio de doença que recebia ou da minha reforma. A minha esposa está desempregada.
Á pergunta apresentou-se nessa reunião em nome dos seus filhos? Respondeu o que consta de parte do enxerto citado pelo recorrente.
Mas à pergunta se o Sr. foi por sua iniciativa resolver o problema ou os seus filhos transmitiram-lhe o que devia fazer em nome deles?
Respondeu Eu tentei resolver a situação toda. Por minha iniciativa.
Retira-se desta prova, e outra não encontramos que foi o pai do recorrente que por sua iniciativa e vontade juntamente com a mulher procurou com o seu rendimento apenas tentar arranjar uma solução para resolver o problema que era de todos.
E assim sendo, bem decidiu o Tribunal recorrido em considerar não provada a factualidade de que prova não foi feita.
Mantêm-se pois os factos não provados.
Da situação de insolvência do recorrente
Nos termos por nós já escritos no acórdão datado de 21 de Maio de 2013 e proferido no processo 1160/12.3 TBGMR-A. Gi- citado pelo recorrente a insolvência é no Direito Português genericamente definida como a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas pelo citado artº3º, nº1,CIRE, sendo este o critério principal para definição da situação de insolvência, equiparando-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente no caso de apresentação do devedor à insolvência -nº4, do mesmo preceito.
“A impossibilidade de cumprimento é que verdadeiramente caracteriza a insolvência (vide Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anotado, vol I, pág 70/1).
Esta impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas, relevando para a insolvência a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto passivo do devedor, ou pelas circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos, ob. citada , pág. 70-71.
A impossibilidade significa aqui “impossibilidade patrimonial”, ou seja, uma situação de facto, incapacidade económico-financeira do devedor para cumprir (cf. REQUICHA FERREIRA, “Estado de Insolvência”, Direito da Insolvência, Estudos, pág.230).
Através dos “factos-índices”, elencados nas alíneas do nº1 do art.20 do CIRE, o legislador estabeleceu presunções juris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, pelo que, feita a prova pelo requerente, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como se extrai do art.30 nº4 do CIRE (cf., por ex., C. FERNANDES/J. LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, vol.1º, pág. 132 e segs). De resto, era já este o entendimento adoptado no anterior regime falimentar, tanto no âmbito do CPC (art.1174), como na vigência do CPEREF (art.8) -cf., por ex., Ac STJ de 2/7/98, C.J. ano VI, tomo II, pág.157.
Na verdade, ciente da dificuldade de um terceiro e nomeadamente de um credor para demonstrar o valor do activo e do passivo do requerido, bem como a sua carência de meios para satisfação das obrigações vencidas, a lei basta-se, nos casos de requerimento de declaração de devedor por qualquer um dos legitimados, com a prova de um dos factos enunciados no referido artigo e que permitem presumir a insolvência do devedor.
Por isso, os factos que integrem cada uma das previsões deste artigo 20.º, n.º 1, nas suas diversas alíneas são, por um lado, requisitos de legitimidade para a própria formulação do pedido por banda do credor e, por outro lado, a sua verificação é, em princípio, condição suficiente da declaração de insolvência.
Por conseguinte, compete ao requerente da insolvência a alegação e prova (art.23 nº1 do CIRE e art.342 nº1 do CC) dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, ou seja, de um dos factos-índices do art.20 do CIRE.
Alegados e provados tais factos, comummente designados por factos-índice ou presuntivos da insolvência, e que em face das regras da experiência, constituem manifestações da impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, este será consequentemente, considerado em situação de insolvência, salvo se demonstrar a sua solvência nos termos do artigo 30.º, n.ºs 3 e 4, do CIRE.
Caberá então ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice (cfr. Ac. da RE., de 25/OUT/2007, in CJ, 2007, IV, pág. 259).
Esta solução está, de resto, hoje claramente consagrada no n.º 3 do art.º 30.º.
Por isso, não se provando os factos-índice que tenham sido alegados pelo requerente, a insolvência não poderá ser declarada, nada precisando o requerido de provar.
Munidos destes conceitos é tempo de volver ao caso dos autos que a Requerente integrou nas previsões do artigo 20.º, n.º 1, alíneas a), b) que se reportam:
- à suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas – al. a);
- à falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações – al. b);
O Mm.º Juiz a quo, julgou que a matéria de facto provada integrava os indicados factos-índice,das alíneas b) do artº 30 do CIRE aduzindo que:
O valor em divida ascende a cerca de 46 000 ao qual acrescem os respectivos juros e demais encargos contratados.
O requerido está impossibilitado de satisfazer o compromisso que assumiu com o banco.
Por “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” (art.20 nº1, alínea a) CIRE), entende-se, por confronto com a descrição da alínea b), a suspensão total dos pagamentos, no sentido do incumprimento, equivalendo, de certa forma, à anterior “cessação de pagamentos” (art.1174 do CPC), abrangendo, assim, os casos em que o devedor “deixa de dar satisfação aos seus credores, em termos que projectam a sua incapacidade de pagar”, considerada pela ponderação articulada da quantidade e volume.
Já o incumprimento de algumas das obrigações (alínea b)) apenas constitui facto-índice quando, pelas suas circunstâncias evidencie a impossibilidade de pagar, devendo o requerente, com a alegação de incumprimento, invocar no processo essas circunstâncias, das quais se possa deduzir a penúria generalizada.
Perante os elementos factuais disponíveis, não está provada a alínea a) do nº1 do art.20 do CIRE, visto que outras dívidas não se provaram, o que significa que o recorrente tem satisfeito as suas obrigações apenas devendo ao requerente e na qualidade de avalista.
Aliás não tem pendentes outras execuções a não ser a intentada pelo requerente.
Quanto ao incumprimento de algumas das obrigações, resulta demonstrado esta divida ao recorrido. Contudo, não estão demonstradas circunstâncias que indiciem a impossibilidade de pagar, tanto assim que o requerente alegou a inexistência de outros bens e inexistência de rendimento, factualidade esta que não encontramos provada.
Pelo contrário apurou-se que No âmbito da execução referida em 5. foi penhorado ao requerido o reembolso do IRS relativo ao ano de 2011, no valor de € 112,12 (cento e doze euros e doze cêntimos).
No âmbito da aludida execução foram realizadas as diligências constantes da certidão judicial de fls. 379 e seguintes – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – tendo sido penhorados os bens aí identificados.
O oponente é proprietário de ¼ de cinco imóveis, melhor identificados nos documentos juntos a fls. 408 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Encontra-se registado em nome do requerido o veículo com a matrícula …-NB, do ano de 1999.
. O requerido trabalha, exercendo as funções de encarregado da obra, e aufere cerca de € 1400,00 mensais.
E se é verdade que existe pendente acção de impugnação pauliana no que se reporta aos imóveis, a verdade é que se deu como provado que o recorrente é o proprietário de ¼ dos imóveis penhorados, totalizando o valor patrimonial dessa quota-parte € 93.635,00, conforme resulta dos documentos mencionados na resposta ao ponto 19 dos factos provados , não se sabendo o desfecho da acção. Pelo que, o que temos por certo nesta altura é que o recorrente é o proprietário dos imóveis na quota parte que se deu como provada.
Ao retirar-se a conclusão nos termos feitas na decisão recorrida, estamos desde já a concluir que, o recorrente vai perder o direito aos imóveis conclusão, esta que não é possível retirar dada ainda não se conhecer o desfecho da dita acção.
Ou seja inexiste qualquer indicação sobre a realidade actual do Recorrente que permita, de algum modo, aferir da sua difícil situação económica, maxime que autorizem concluir, em termos de razoabilidade, que se encontra num estado de penúria que inviabiliza a satisfação do crédito do recorrido.
Como temos entendido, exercendo uma actividade profissional remunerada, nos termos provados não há por parte do requerido/apelante uma impossibilidade de satisfazer pontualmente as suas obrigações.
É verdade que quer a irmã quer o pai do recorrente afirmaram que o recorrente não tem disponibilidade para de imediato pagar o valor total em divida. Todavia não é esta a situação que constitui um facto índice de insolvência, mas antes a impossibilidade de pagar a divida.
Ora se está provado que ao requerido são conhecidos bens (o rendimento do seu trabalho e a quota parte dos imóveis e um móvel) não há impossibilidade de este satisfazer esta obrigação e sempre o credor poderá requerer a penhora de tais bens para pagamento do seu crédito.
Concluímos assim que, o Requerente embora os tenha invocado, não conseguiu demonstrar os factos-índice supra referidos, como era seu ónus, e por tal não está comprovada a situação de insolvência, o que implica a procedência da apelação e revogação da sentença, ficando prejudicada a questão da nulidade parcial da sentença no que se reporta à pessoa do administrador nomeado

Sumário (art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil
1.Alegados e provados tais factos, comummente designados por factos-índice ou presuntivos da insolvência, e que em face das regras da experiência, constituem manifestações da impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, este será consequentemente, considerado em situação de insolvência, salvo se demonstrar a sua solvência nos termos do artigo 30.º, n.ºs 3 e 4, do CIRE. .
2.Mesmo que se considerasse que a divida era de montante elevado, mas exercendo uma actividade profissional remunerada, e sendo proprietário de parte de bens imóveis e um móvel não há por parte do requerido/apelante uma impossibilidade de satisfazer pontualmente as suas obrigações.

DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, na procedência da apelação, em revogar a sentença apelada e, em consequência, indeferir o pedido de declaração de insolvência.
Custas pela Apelada
Notifique
Guimarães 24 de novembro de 2014
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade