Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
150/18.7GCBGC.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: ROUBO
COAUTORIA VÁRIOS ARGUIDOS
ABSOLVIÇÃO
PEDIDO CÍVEL ENXERTADO
CAUSALIDADE ALTERNATIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO
PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DO ASSISTENTE/DEMANDANTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A liberdade na apreciação da prova não significa arbitrariedade, nem capricho. O juiz não pode julgar sem prova, contra a prova, ou contra a sua consciência e convicção, a qual deve ser formada após uma avaliação das provas serena, racional, lógica e de acordo com as regras de experiência da vida e da prudência. Portanto, o juiz é livre na apreciação da prova, mas a liberdade de que dispõe deve ser usada para alcançar a verdade, sob pena de se pôr em causa a dignidade da função.

2.O princípio da adesão do pedido civil ao processo penal não afasta a natureza civil do pedido de indemnização, nem prejudica a autonomia das duas ações, cível e penal.

3.Se durante uma agressão física praticada em coautoria por vários arguidos, um deles, aproveitando a confusão gerada, arranca violentamente do pescoço do assistente um fio de ouro, sem que tenha existido um qualquer acordo para a prática deste crime e sem se saber qual deles o consumou, impõe-se a absolvição de todos da prática do crime de roubo do fio de ouro.

4. No entanto, tal absolvição não impede a responsabilização solidária de todos os arguidos pelo pagamento do fio subtraído, uma vez que a subtração ocorreu durante a atuação conjunta dos agressores e que se constata, ocorrendo causalidade alternativa, a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.
Decisão Texto Integral:
Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I.
No processo comum singular que com o nº 150/18.7GCBGC corre termos pelo Juízo Criminal de Bragança foi proferida a seguinte decisão (transcrição):

I. Condeno o Arguido N. D., pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante global de € 700,00;
II. Condeno o Arguido N. D., pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 145.º n.º 1 alínea a), do Código Penal, na pena de 1 (um) e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, mediante regime de prova;
III. Condeno o Arguido B. M., pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 145.º n.º 1 alínea a), do Código Penal, na pena de 1 (um) e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, mediante regime de prova;
IV. Condeno o Arguido N. F., pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 145.º n.º 1 alínea a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, mediante regime de prova;
V. Condeno o Arguido O. S., pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 145.º n.º 1 alínea a), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante regime de prova;
VI. Julgo procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P.E., condenando N. D., B. M., N. F. e O. S. a pagar-lhe a quantia de € 396,92 (trezentos e noventa e seis euros e noventa e dois cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil, até efetivo e integral pagamento.
VII. Julgo, parcialmente, procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Assistente P. R., condenando N. D., B. M., N. F. e O. S. a pagar-lhe a quantia de € 2.580,00 (dois mil quinhentos e oitenta euros), sendo € 2.500,00 relativo a danos não patrimoniais (vencendo juros desde a presente decisão) e € 80,00 (relativos a danos patrimoniais (vencendo juros desde a data da notificação do pedido civil);
*

Inconformados com a decisão recorreram para este Tribunal da Relação o assistente P. R. e o arguido O. S., aquele pugnando pela condenação dos arguidos pela prática do crime de roubo e no pagamento do valor do fio de ouro roubado (5000€), este pela sua absolvição total.
Concluem, assim, os respetivos recursos do seguinte modo:

Conclusões do assistente ( transcrição):

1. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito e de facto proferida nos presentes autos, a qual absolveu os arguidos da prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº1 do Código Penal e do respetivo pedido de indeminização civil.
2. Tal convicção resultou, segundo a fundamentação do Tribunal no facto de não haver sido produzida prova que convencesse o Tribunal sobre a autoria de tal subtração;
3. O Tribunal desvalorizou:
3.1. Que o ora recorrente possuía, no momento das agressões, o referido fio;
3.2. Que somente eles, os agressores, se encontravam no local, como resulta da matéria dada como provada;
3.3. Que foi dado como provado, no nº 23 dos factos provados que, “como consequência direta e necessária da atuação dos arguidos, o Assistente sofreu eritema linear mal definido na região lateral direita e esquerda do pescoço”;
3.4. Que este rubor de pele bem evidencia que os arguidos puxaram pelo fio, ocasionando uma vasodilatação capilar;
3.5. O depoimento das testemunhas, O. C., prestado em 04-06-2019, pelas 17:44 horas e gravado em CD de 20190604172255_1957611_2870631, da testemunha E. G., prestado em 25-06-2019 pelas pelas 12:27 horas e gravado em CD de 20190625122127_1957611_2870631, e da testemunha J. C., prestada em 25-06-2019 pelas 15:17 horas, gravado em CD de 20190625150215_1957611_2870631;
4. Dos depoimentos destas testemunhas resultou claro que o Assistente trazia, antes das agressões, ao pescoço, um fio em ouro e que, após as agressões, o fio foi-lhe retirado com força, provocando marcas no pescoço;
5. Ao não decidir-se pela condenação dos arguidos pela prática de um crime de roubo, o Tribunal julgou incorretamente tais factos;
6. Pelo que se considera, para efeitos da alínea a) do nº3 do artigo 412º do C.P.P. que o referido facto foi incorretamente julgado como não provado;
7. Por outro lado, quer da matéria dada como provada quer pela pelos depoimentos das testemunhas, impunha-se decisão diversa da recorrida, para efeitos do artigo 412º, nº3, alínea b), do C.P.P., mais concretamente, a condenação dos arguidos pela prática de um crime de roubo e competente indeminização civil.

Termos em que, e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, serem os arguidos condenados pela prática de um crime de roubo e na respetiva indemnização, assim se fazendo justiça.
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Conclusões do arguido O. S. (transcrição):

1.O Recorrente O. S. não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos, a qual o condenou: -pela prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 145º n.º1 alínea a), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante regime de prova; - em indemnização civil a pagar à Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P.E. – conjuntamente com os outros três Arguidos (N. D., B. M. e N. F.) – no valor de € 396,92 (trezentos e noventa e seis euros e noventa e dois cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4%, contados desde a data da notificação para contestar o pedido de indemnização civil, até efectivo e integral pagamento; e – em indemnização civil a pagar ao Assistente, P. R. – conjuntamente com os outros três Arguidos (N. D., B. M. e N. F.) – no valor de € 2.580,00 (dois mil quinhentos e oitenta euros), sendo € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) relativos a danos não patrimoniais (vencendo juros desde a presente decisão) e € 80,00 (oitenta euros) relativos a danos patrimoniais (vencendo juros desde a data da notificação do pedido civil).
2.Contudo, a douta sentença não podia ter decidido como o fez porquanto , ao considerar que da produção da prova resultaram provados os factos constantes do ponto 16. e, consequentemente, dos pontos 17., 23., 24., 26., 27., 29., e 31., todos dos “Factos Provados”, fez uma notoriamente incorrecta, inadequada e deficiente apreciação da referida prova.
3.Isto porque a ausência de prova documental (que ateste quem agrediu quem e não apenas as mazelas consequenciais às agressões), bem como a prova oral/testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, não permitem, de forma alguma, dar como provado, pelo menos com um razoável grau de certeza, que o aqui Apelante agrediu o Assistente, seja de que forma for.
4.Ou seja: O MM.º Juiz a quo, não decidiu, quanto a O. S., de acordo com a prova produzida em julgamento.
5.Veja-se: o Tribunal de 1ª instância terá formado a sua convicção – no que ao Recorrente diz respeito – através : - da valorização dos depoimentos do Assistente e das suas testemunhas, O. C., E. G. e J. C. e – da desvalorização (por alegada falta de credibilidade) dos depoimentos dos Arguidos que optaram por prestar declarações.
6Ora, salvo o devido respeito por douta opinião, estas opções são humanamente impossíveis de compreender, já que: - as declarações do Assistente e da sua companheira, O. C., foram de uma incoerência gritante; - as declarações da testemunha J. C., além de dificilmente confiáveis, foram altamente constraditórias; - as declarações da testemunha E. G., que afirmou do princípio ao fim que não havia visto o aqui Apelande a bater no seu padrasto, apenas foram usadas (muito convenientemente) para a prova de que o Sr. O. S. esteve junto do local da pancadaria; e os depoimentos dos Arguidos, por sua vez, foram consentâneos ( e de forma desinteressada) em afirmar que O. S. não participara das agressões.

Veja-se:
7.O Arguido B. M. – apesar de ter tido algumas reticências (e de ter caído em pequenas contradições) ao falar do Arguido N. V. – manteve, quanto ao aqui Aplante O. S., um discurso calmo, firme e coeso, afirmando sempre que o mesmo não agredira de forma alguma o Assistente e que, pelo contrário, tentou apaziguar a situação, tentando que a mesma cessasse o mais rapidamente possível.
8.Mesmo quando o MM.º Juiz a quo ordenou a saída do aqui Recorrente da sala - porque, alegadamente, estaria B. M. constrangido a depôr (o que não corresponde à verdade) – B. M. manteve o mesmo exacto discrurso quanto a O. S.: o de que este não agredira ninguém, de que tentara, outrossim, dissolver a situação, acrescentando ainda que não sabia porque é que o aqui Apelante constava como Arguido no processo em causa.
9.O Arguido N. F. também manteve um discurso coerente, pragmático e despojado de qualquer interesse no que a O. S. diz respeito: afirmou que este não bateu no Assistente e que, sobretudo, tentou “por água na fervura” para que aquela situação findasse rapidamente e sem danos de maior.
10.O Arguido N. V. – filho do aqui Apelante - revelou, no decorrer das suas declarações, uma certa mágoa e demonstrou sentimentos como o de “culpa” e de “vergonha” por ver o seu pai implicado na situação dos presentes autos, afirmando que O. S. nunca bateu ao Assistente e que só se aproximou do local onde tudo se passou para amenizar a situação, para o tentar tirar de lá.
11.Como se pode constatar, as declarações dos Arguidos quanto ao ali também Arguido, aqui Recorrente, reveleram-se desprovidas de interesse, reais, coerentes, consistentes e honestas (não havendo qualquer “clara preocupação” em retirar dos factos o Sr. O. S.) até porque
12.a sua condição – de Arguidos, leia-se - não faz com que as suas declarações sejam, invariavelmente, falsas, dissimuladas ou enganadoras, podendo estar, de facto, os Arguidos a dizer a verdade (e, no que a O. S. diz respeito, afigura-se-nos que os Arguidos foram verdadeiros, sólidos, serenos e sinceros).
13.Já no que à declarações do Assistente diz respeito – e tendo sido estas valoradas “decisivamente” para a condenação do aqui Apelante (não se compreendendo como) – cumpre-nos relevar que foram as mesmas muito evasivas quanto a O. S..
14. P. R., foi questionado, directamente, por três vezes, se tinha a certeza que O. S. lhe havia batido e, de todas as vezes, as respostas foram ambíguas e vagas (até porque, “estarem todos juntos”, “vê-lo lá” ou “vê-lo a ir” é muito diferente de vê-lo a agredir efectivamente).
15. É flagrante a incoerência e contradição do Assistente ao afimar que, inicialmente e já no chão a ser pontapeado, não conseguia distinguir nada porque a confusão era muita, para depois dizer que O. S. – que só chegou ao local depois – também estava lá para lhe bater.
16.Além do mais, a versão do Assistente não coincide com mais nenhuma das versões ouvidas sobre este caso (nem mesmo com as das testemunhas que estavam a seu favor).
17. O. C., testemunha e companheira do Assistente, afirmou taxativamente que, mesmo depois das agressões perpetradas contra o seu companheiro, continuou a relacionar-se pacífica e amigavelmente com o aqui Apelante.
18.Ora, convenhamos que o normal – num juízo de experência comum – seria preciamente o inverso: cortar totalmente relações com uma pessoa que (alegadamente) terá batido no seu companheiro. Só este facto, fala por si.
19.Parece-nos também, desta feita, que O. C. bem sabia que o aqui Apelante nada tinha feito contra o seu companheiro, mas não podia ser ela própria a descredibilizar in totum a versão deste último, pelo que optou por “confessar” que, afinal, O. S. apenas terá agredido o Assistente uma única vez, não se recordando, no entanto, se por meio de um murro, se por meio de um pontapé.
20.Ora, quando O. S., alegadamente, agrediu o Assistente, este estava já no chão a ser pontapeado por isso não é possível que a testemunha O. C. se recorde que houve apenas uma única agressão, mas já não se foi por meio de um murro ou de um pontapé – já que a posição corporal seria, necessariamente diferente.
21.Além do mais, muito se nos estranha que a testemunha agora em causa alegue que tudo aquilo era uma confusão instalada mas que, depois, consiga perfeitamente discernir que O. S. apenas agrediu uma vez (trata-se um de preciosismo muito particular que a mesma depois não sustenta).
22.Já no que respeita à testemunha E. G., é de ressalvar que este manteve sempre a mesma posição quanto ao aqui Apelante (mesmo quando o MM.º Juiz a quo ordena o afastamento deste último da sala por, alegadamente, estar o Sr. E. G. constrangido): a de que não havia visto, em momento algum, o Sr. O. S. a bater no seu padrasto.
23.A versão de E. G. relativamente ao ora Recorrente foi sempre a mesma: tanto em sede de inquérito, como em sede de julgamento.
24.Os depoimentos de uma testemunha não devem, salvo melhor opinião, ser encarados somente como um todo, já que a mesma testemunha pode contradizer-se em relação a uma pessoa e/ou circunstância, mas ser extremamente coerente quanto a outra.
25.Assim, e apesar de E. G., relativamente a certas questões, não ter sido corente (havendo contradições entre o que disse em momento anterior ao julgamento e neste), quanto ao aqui Apelante manteve a mesma narração : a que não o tinha visto a agredir o Assistente.
26.Neste sentido, as declarações de E. G. deviam, no mínimo, constribuir para a formação da dúvida quanto à participação de O. S. nas agressões, mas o MM.º Juiz a quo não as valorizou nem lhes deu a importância devida nesse sentido.
27.A testemunha J. C., por sua vez, foi incoerente e contraditório em relação a quase todos os pontos-chave destes autos, particularmente quanto ao Arguido O. S..
28.Esta testemunha, em sede de julgamento, começa por afirmar que, no ínicio da pancadaria apenas se encontrava o Arguido N. D. no local, que não tinha muita visbilidade e que, quanto aos restantes Arguidos, não podia afirmar o que quer que seja porque não tinha a certeza.
29.Lidas em julgamento as suas declarações em fase de inquérito, veio apurar-se que esta testemunha tinha, anteriormente, dito o oposto, nomeadamente que tinha visto O. S. a agredir o Assistente logo desde início, juntamente com o seu filho, N. V..
30.Ademais, e mesmo após a supra mencionada leitura, surge uma nova contradição: afinal o Sr. O. S. dirigiu-se ao local sim, mas já depois de a pancadaria ter começado (não a iniciando ele próprio) e, afinal também, o aqui Recorrente só havia batido uma única vez ao Assistente.
31.Nesta nova versão da testemunha, O. S. teria batido uma única vez no Assistente (o que ele viu perfeitamente no meio de toda a confusão que alegou estar instalada) por meio de um soco, o que exigia uma posição corporal distinta já que P. R. já se encontrava no chão – ora, quando confrontada com esse facto, a testemunha J. C., afirmou tratar-se de um “soco com o pé”. Convenhamos!
32.Desta feita, as declarações da testemunha J. C., altamente contraditórias e desonestas, não poderiam ter sido valoradas no sentido da condenação do agora Apelante, mas sim, no sentido absolutamente inverso.
33.Como se pode constatar, os depoimentos do Assistente e das três testemunhas benéficas para si, apenas poderiam contribuir para excluir a participação do Apelante O. S. nas agressões perpetradas contra o Assistente, ou, pelo menos, para fazer emergir dúvidas quanto ao seu envolvimento.
34.Assim, é de se constatar, salvo douta opinião, que não resulta provado que O. S. tenha atacado o Assistente ou, pelo menos, que tal facto não foi suficientemente provado.
35.Nesta senda, não poderia o digníssimo Tribunal a quo dar como provado o que consta do ponto 16. nem, consequentemente, dos pontos 17., 23., 24., 26., 27., 29., e 31., todos dos “Factos Provados”.
36. Isto porque toda a prova produzida aponta no sentido exactamente contrário ao decidido.
37. O princípio da livre apreciação da prova livre – aplicável in casu – tem em si mesmo limites que não podem ser ultrapassados em caso algum, o que, com o devido respeito, ocorreu no caso em apreço, uma vez que o Tribunal a quo desprezou os depoimentos de uns e valorizou exponencialmente as declarações de outros, a seu bel-prazer, como mais lhe convinha e sem justificação subjacente suficiente para ambas as situações.
38.Com o devido respeito, houve na presente situação uma preocupação evidente em condenar um “presumível inocente”.
39.A condenação do Arguido O. S. – e não só– levou a que a condenação de todos os Arguidos passasse a ser pela versão mais gravosa de um determinado tipo de crime que, nem na sua vertente menos grave, foi por O. S. cometido.
40.A decisão da qual aqui se recorre – e no que ao Apelante diz respeito – alicerçou-se em meros indícios ou suspeitas, não em factos sustentados e comprovados.
41.Desta feita, foram indevida e injustamente dados como provados os já mencionados os factos constantes do ponto 16. e, consequentemente, dos pontos 17., 23., 24., 26., 27., 29., e 31., todos dos “Factos Provados”.
42.A condenação do Apelante foi, com a subida reverência, deficiente, errada e desproporcionada, bem como até violenta – já que estamos perante um homem de idade avançada e sem qualquer apontamento no seu registo criminal.
43.O ora Recorrente deveria ter sido totalmente absolvido pois ficou provado que ele não agrediu quem quer que seja OU então, no mínimo, porque não se provou suficientemente a sua participação nas mencionadas agressões.
44.Posto isto, e em nosso entender, é evidente que a sentença recorrida padece de vícios que emergem do próprio texto da decisão, conjugados, naturalmente, com as regras de experiência comum, pois houve, notoriamente, erros na apreciação da prova, ou, no mínimo, uma grande e grave insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto dada como provada no ponto 16. e, consequentemente, nos pontos 17., 23., 24., 26., 27., 29., e 31.. (conforme o artigo 410º n.º1 e n.º2 alíneas a) e c) do C.P.P.).
45.Nesta senda, violou o Tribunal a quo , no mínimo, um dos princípios constitucionalmente consagrados que está na base do Proceso Penal Português: o princípio do in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º, n.º 2 da C.R.P.
46.Assim sendo, e mesmo que não se retirasse da prova produzida, peremptoriamente, que o ora Apelante não agrediu o Assistente; sempre teria que vingar, pelo menos, o facto de que essa mesma prova não fora suficiente para atestar que aquele participara nas agressões - emergindo, no mínimo, a dúvida em relação à participação do aqui Apelante, devendo este ser, consequentemente, absolvido.
47.A discordância do Recorrente quanto à sentença em causa é pois, total, quer quanto à medida da pena, quer quanto aos pedidos de indemnização (no qual também se viu implicado, em consequência de ter sido condenado).

TERMOS EM QUE,
face ao sobredito - e com o douto suprimento de Vossas Excelências - deve ser dado provimento ao presente recurso em conformidade com a fundamentação e com as conclusões que se deixaram expressas, revogando-se a douta sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída, por outra decisão que absolva totalmente o arguido O. S. da prática por que foi condenado, por não ter cometido qualquer crime. Na decorrência do que se deixa alegado, também não existirá qualquer razão para a condenação do Arguido ao pagamento de qualquer quantia cível – o que também se peticiona.
Só assim se fazendo a integral e costumada Justiça.

Os recursos foram admitidos.
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O Ministério Público quer no tribunal de primeira instância, quer neste tribunal da Relação defendeu a manutenção da decisão.
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Foi cumprido o artigo 417º, nº 2 do CPP.
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Após os vistos, realizou-se conferência.

II.
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Cumpre decidir tendo em conta que a apreciação a fazer por este tribunal está balizada pelas conclusões dos recursos, sem prejuízo do conhecimento dos vícios enumerados no artigo 410º, nº 2 do CPP e, bem assim, das nulidades que não devam considerar-se sanadas.
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São as seguintes as questões trazidas à apreciação deste tribunal:

- Saber se, como o assistente/recorrente pretende, os arguidos deverão ser condenados pela prática em coautoria do crime de roubo por que estavam acusados e do qual foram absolvidos e, bem assim, no pagamento de mais 5.000€ ( valor do fio em ouro) a título de indemnização civil;
- Saber se o arguido O. S. deverá, como pretende, ser absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada por que foi condenado e, consequentemente, dos montantes de indemnização civil arbitrados.

É a seguinte a matéria de facto provada e respetiva fundamentação:

A) Factos Provados:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 21 de Julho de 2018, por volta das 19:00 horas, P. R. encontrava-se junto da residência de férias, sita no Bairro …, em ..., Bragança;
2. N. V. passou pelo local conduzindo um trator agrícola, avistou P. R., parou o trator junto do mesmo e dirigiu-se a este;
3. Após uma breve troca de palavras, N. V. dirigiu-se ao trator, pegou num ferro com um comprimento não apurado, e dirigiu-se novamente na direção de P. R., tentou atingi-lo com tal instrumento na cabeça, tendo P. R. colocado o braço na frente, onde foi atingido pelo mesmo;
4. N. V. continuou a tentar atingir o corpo de P. R., sem o conseguir, porquanto este fugiu e foi para casa;
5. Poucos minutos depois, N. V. deslocou-se para a frente da casa de P. R. para o confrontar novamente;
6. O. C., companheira de P. R., foi ao encontro de N. V.;
7. Este, de imediato, disse-lhe em tom sério, grave e intimidatório para ir chamar o seu companheiro;
8. N. V. dirigiu-se então para o café em frente da casa;
9. Algum tempo depois, P. R. e a sua companheira O. C. saíram de casa num veículo automóvel;
10. Após, individuo não concretamente identificado, avisou N. V. que o Assistente já estava a sair;
11. N. V. saiu a correr do café, perseguindo o veículo conduzido pelo Assistente;
12. Vendo que N. V. lhe movia uma perseguição, o Assistente iniciou uma manobra em que parava e arrancava o veículo;
13. De forma repentina, B. M. deslocou-se no seu veículo e colocou-se à frente do veículo conduzido pelo Assistente, bloqueando-lhe a passagem e obrigando o mesmo a parar para não colidir;
14. E, ato contínuo, B. M. saiu do carro, juntou-se a N. V. e ambos abriram a porta do condutor do carro de P. R., agarraram-no e puxaram-no para o exterior, atiraram-no para o chão e dirigiram murros e pontapés ao corpo deste;
15. Sendo auxiliados N. F., que também dirigiu murros e pontapés ao corpo deste;
16. E O. S., que agrediu o corpo do Assistente de forma não concretamente apurada;
17. Tal decorreu durante alguns minutos, em especial à cabeça, fazendo com o mesmo perdesse os sentidos;
18. O Assistente trazia um fio em ouro, no valor de € 5.000,00, ao seu pescoço;
19. Tal fio foi puxado do pescoço do Assistente, por pessoa não apurada, que o levou consigo e fez seu;
20. Após, os arguidos saíram do local, deixando P. R. inconsciente no chão;
21. O. C. e J. C. prestaram assistência ao P. R. e conduziram-no ao Hospital de Bragança;
22. P. R. foi assistido na urgência da Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P., Unidade de Bragança, no mesmo dia, pelas 20:07 horas, onde foi observado e verificado trauma na face, região frontal da cabeça, com feridas sangrantes, hematomas malares bilaterais, ferida contuso do sobreolho direito, ferida incisa do sobreolho esquerdo e do dorso do nariz, escoriação e hematoma do braço esquerdo, escoriação do dorso à esquerda, hematoma do lábio superior sem ferida, foi submetida a exames imagiológicos, desinfecção e sutura das feridas e teve alta medicado com analgesia, com indicação de aplicação de gelo local;
23. Como consequência directa e necessária da actuação dos arguidos N. V., N. F., O. S. e B. M., o assistente P. R. sofreu dores, escoriação linear com um centímetro de comprimento na região frontal à direita do crânio, escoriação na narina esquerda e lábio superior à esquerda, edema do lábio superior à esquerda, escoriação no dorso do nariz e ferida suturada com um ponto, ferida suturada com um ponto na base do nariz, ferida suturada com dois pontos na sobrancelha direita, ferida suturada com um ponto na sobrancelha esquerda, equimose na região retro auricular esquerda com quatro por dois centímetros de maiores dimensões, escoriação punctiforme no bordo do pavilhão auricular esquerdo, eritema linear mal definido na região lateral direita e esquerda do pescoço, escoriação na face interna do antebraço do membro superior esquerdo com seis por um centímetro de maiores dimensões, ligeiro edema do maléolo externo do membro inferior esquerdo, sem alteração de mobilidade, que lhe demandaram oito dias para a cura, com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional por um dia;
24. N. F., O. S., B. M. e N. V. quiseram molestar fisicamente P. R. e causar-lhes dores e as lesões descritas;
25. N. V. quis usar um ferro como instrumento de agressão, apesar de saber que ao usar tal instrumento potenciava a capacidade de provocar lesões graves;
26. N. F., O. S., B. M. e N. V. sabiam que ao atuar de forma conjunta, diminuíam a capacidade da vítima se defender, potenciavam a sua capacidade ofensiva e de provocar lesões e que maior era a gravidade e censurabilidade das suas condutas;
27. Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;

Pedido de indemnização civil de Assistente:

28. A conduta dos Arguidos abalou o Assistente física e psicologicamente;
29. Por via do comportamento dos Arguidos o Assistente teve de despender € 80,00 na restauração direta em resina conjunta de duas faces;

Pedido de indemnização civil de ULSN:

30. Nos dias 21, 22 e 26 de Julho de 2018 o Assistente foi atendido no serviço de urgência da ULSN;
31. Essas assistências foram necessárias em virtude das lesões apresentadas pelo Assistente que foram causadas pelas condutas dos Arguidos;
32. Em tais assistências a ULSN despendeu o montante de € 396,92;

Mais se apurou que,

33. B. M. vive em união de facto e tem uma filha com 4 anos;
34. É motorista de transporte de mercadorias e a sua companheira é caixa em supermercado;
35. Auferem o montante de € 1.100,00 e € 750,00, respetivamente;
36. Vivem em casa própria e pagam cerca de € 298,00 de empréstimo;
37. Tem duas viaturas automóveis;
38. Estudou até ao 7.º ano de escolaridade;
39. É pessoa trabalhadora, respeitada e tida em consideração no meio onde vive;
40. N. F. vive em união de facto;
41. Tem uma filha, que reside em França e com a qual não tem contacto;
42. Faz jeiras ocasionais e recebe € 50,00;
43. Vive em casa arrendada pela qual paga € 350,00;
44. Tem a 4.ª classe;
45. É pessoa trabalhadora, respeitada e tida em consideração no meio onde vive;
46. N. V. vive sozinho em casa da sua mãe;
47. Tem dois filhos, vivendo o maior de idade com a mãe e o menor está temporariamente consigo;
48. O Arguido faz jeiras na agricultura, auferindo cerca de € 35,00;
49. Tem o 6.º ano de escolaridade;
50. É pessoa trabalhadora, respeitada e tida em consideração no meio onde vive;
51. O. S. é pessoa trabalhadora, respeitada e tida em consideração no meio onde vive;
52. B. M., nessa data, não havia ainda beneficiado de suspensões provisórias do processo, nem sido condenado pela prática de crimes;
53. N. F., nessa data, já fora condenado pela prática de um crime pelo Tribunal de Versailles, não tendo beneficiado de suspensões provisórias do processo;
54. N. V., nessa data, já fora condenado:
a. No processo comum singular n.º 274/08.9IDBGC do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, por sentença proferida a 9.12.2009, transitado em julgado em 8.02.2010, pela prática em 24.07.2008 de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo artigo 105.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de duzentos e cinquenta dias de multa à taxa diária de cinco euros;
b. No processo comum singular n.º 12110/05.3TDLSBIDBGC do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, por sentença proferida a 22.06.2010, transitado em julgado em 12.09.2010, extinta a 16.04.2014, pela prática em 01.2002 de um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo artigo 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de duzentos e sessenta dias de multa à taxa diária de cinco euros; por decisão proferida em 3.05.2011, transitada em julgado em 14.07.2011, foi efectuado o cúmulo jurídico entre este processo e o processo referido em a) e aplicada a pena única de quatrocentos dias de multa à taxa diária de cinco euros;
c. N. V., nessa data, já havia beneficiado da suspensão provisória do processo pela prática de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, no âmbito do inquérito n.º 44/11.7GCBGC da Procuradoria da República de Bragança; e pela prática de um crime de violência doméstica no âmbito do inquérito n.º 306/16.7PBBGC da Procuradoria da República de Bragança;
55. O. S., nessa data, não havia ainda beneficiado de suspensões provisórias do processo, nem sido condenado pela prática de crimes;
*
B) Factos não provados:

Da prova produzida em audiência de julgamento, com interesse para a decisão da causa, não resultou provado que:

a) Em momento situado perto do referido em 1., o Assistente tentou desferir um murro no Arguido N. D. e exibiu-lhe uma arma de fogo;
b) N. V. queria que O. C. comunicasse a P. R. as expressões que proferiu, agindo com o propósito de intimidar P. R. e provocar-lhes receio de vir a sofrer ato atentatório contra a sua integridade física e vida, bem sabendo que essa sua conduta era adequada a causar-lhe tal receio, como efetivamente causou;
c) No momento referido em 5., N. V. afirmou perante O. C. que o Assistente não saía dali vivo, ao mesmo tempo que procurava entrar na residência;
d) N. V., N. F., O. S. e B. M., combinaram uma forma de conseguir surpreender P. R. e de bloquearem a sua saída de casa;
e) Pretendia, assim, que O. C. comunicasse a P. R. tal expressão, o que esta fez;
f) O. C. opôs-se, colocando-se em frente de N. V. e impedindo-o de entrar na casa, ao mesmo tempo que lhe dizia que não o deixava entrar;
g) O descrito em 10., ocorreu na execução do plano elaborado;
h) No momento descrito em 12., o Assistente acenava ao N. V. para ir na sua direção;
i) Que no momento referido em 13., N. F. e O. S. aguardavam para se aproximar;
j) Os Arguidos N. F., O. S., B. M. e N. V. puxaram o fio do pescoço do Assistente;
k) N. F., O. S., B. M. e N. V. agiram ainda com o propósito conseguido de retirar e fazer seu o referido fio/colar em ouro da propriedade de P. R. e quiseram, para tal fim, usar a força, colocando este inconsciente, sem reação, bem sabendo que tal objeto não lhes pertencia;
*
Consigna-se que não foram considerados os factos negativos (dos factos provados), os factos meramente conclusivos e os factos desprovidos de interesse e/ou relevância para a decisão da causa.

C) Motivação de facto:

Os factos dados como provados e não provados assentem numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.
B. M. afirmou que é amigo de todos os Arguidos, apenas conhecendo o Assistente de vista.
Afirma que, tanto ele, como os restantes Arguidos, nada tem contra o Assistente e, segundo sabe, este nada tem contra eles.
Naquele dia tinha acabado de chegar ao café (que fica em frente à casa onde o Assistente estava) e ainda viu o N. V. a discutir com a mulher do Assistente (O. C.), dizendo para que o Assistente viesse para fora (de casa).
Veio para o café.
Passado algum tempo, um individuo, que não consegue identificar, disse que o Assistente ia a sair e que o N. D. já ia tarde.
O N. D. sai apressadamente do café e vai atrás do veículo do Assistente (que já estava em marcha), sendo que o Assistente começa no “para/arranca”. Seguidamente, tomou a decisão de ir buscar o seu veículo, que estava estacionado em frente ao café, e arrancou colocando-se à frente do veiculo do Assistente e impedindo a sua marcha.
Posteriormente, em conjunto com o N. D., puxaram (pelos braços) o Assistente para fora do veículo e desferiu-lhe murro na face, sendo que o Assistente perdeu o equilíbrio e caíram os dois.
Depois ficou 5 minutos no chão e não viu o que aconteceu ao Assistente, nem se alguém lhe bateu. Sabe que o Arguido O. S. disse “já chega de problemas”.
Levantou-se e viu que o Assistente ficou no chão, desconhecendo se estava (in)consciente, embora tivesse sangue na cara. Foram-se todos embora.
Afirma ter praticado estes atos porque estava de “cabeça quente” e, acresce, que o N. D. lhe falou que o Assistente mencionou ter pistola.
Foi confrontado com fls. 36 (fotografia de Assistente).
Após uma breve conversa com o respetivo Mandatário, o Arguido B. M. afirma que viu o N. D. bater no Assistente, quer com murros (na cabeça), quer com pontapé (pelo menos um na zona da cabeça), sendo que só parou com o Arguido O. S. (pai do N. D.), e ele próprio, a dizer-lhe para parar.
Sabe que os restantes Arguidos (N. F. e O. S.) estavam no local, mas tem a certeza que o O. S. não bateu e o N. F. não viu.
Afirma estar muito arrependido e apenas ter praticado os factos por ser muito amigo do N. D. e ele lhe ter falado num episódio com uma arma, não querendo prejudicar o N. D..
Também N. F. prestou declarações, confirmando a amizade existente entre os Arguidos e conhecer de vista o Assistente.
Afirma que estava no café e apenas se apercebeu que alguém diz que “ele vai a fugir” e o N. D. levanta-se e vai para o exterior a correr. Saem do café e veem o carro do Assistente no “para/arranca” e o B. M. coloca o carro a bloquear o Assistente.
Viu o Assistente ser puxado para fora do veículo, não sabendo se pelo N. D. ou pelo B. M..
Depois apenas viu murros e pontapés, sem conseguir concretizar. Sabe que N. D. deu pontapé, mas virou costas e veio embora não tendo visto o que aconteceu depois.
Não sabe se alguém caiu ao chão e não ouviu qualquer expressão.
Afirma que o O. S. não fez nada e não disse nada.
A instâncias do Ministério Público, reconhece que o Assistente caiu ao chão devido aos murros e pontapés dados por N. D. e B. M., os quais continuaram a desferir tais golpes com o Assistente no chão.
Afirma que ainda disse para pararem (e o O. S. também) e a certo momento até o B. M. disse para parar.
No decurso da agressão, ainda tentou levantar o Assistente, mas não conseguiu e também ele próprio foi atingido.
Embora não tenha a certeza, acha que o Assistente perdeu os sentidos.
Depois levaram o Assistente ao Hospital.

N. V. relatou que no dia em causa, ainda antes do almoço, um individuo entrou no café a solicitar ligar para a GNR pois o Assistente não lhe pagava uns móveis.
Nessa sequência, o Arguido disse-lhe que o Assistente não era da terra (...s), pelo que o Assistente se lhe dirigiu e tentou atingi-lo a murro, pelo que se defendeu.
Após, o Assistente foi à sua viatura e pegou em pistola, ameaçando o Arguido com ela.
O Arguido N. D., com receio, fugiu e foi para casa almoçar.
Após o almoço, voltou ao café e, vendo o Assistente e a sua mulher na residência destes, decidiu confrontá-lo relativamente ao uso da arma e dirigiu-lhe expressões, das quais não se recorda com precisão.
Entrou para o café e julga ter-se sentado à mesa com os restantes Arguidos, sendo que, passado alguns minutos, disseram que o Assistente ia sair e decidiu sair para a rua de forma a confrontar o Assistente.
O Assistente já ia ao volante do seu carro mas ia parando e acenando com a mão para o Arguido ir ter com ele. Parava e arrancava.
O B. M. entretanto colocou o carro à frente do veículo do Assistente, momento em que o Arguido N. D. o retirou do veículo (com o B. M. ao seu lado) tendo caído os três no chão.
Houve troca de murros e pontapés entre N. D. e Assistente.
O Arguido O. S. não bateu no Assistente.
Quanto ao Arguido N. F. não viu bater.
O Assistente relatou que à porta de casa da sua companheira (O. C.) ocorreu uma troca de olhares com N. V. e este perguntou “estás a olhar”, ao que o Assistente disse que “estou, qual é o problema”.
Uma vez que o N. V. não gostou, saiu do trator com um ferro e dirigiu-se ao Assistente, tendo tentado atingi-lo na zona da cabeça, e o Assistente defendeu-se com o braço, no qual foi atingido, tendo refugiado-se em casa.
Momentos após, já com o Assistente no interior da sua casa, o N. D. foi até à residência deste e dirigiu-se à companheira do Assistente dizendo para esta o chamar e tentando entrar em casa, pensando que era para o agredir.
Ouviu mais vozes mas não veio à janela para ver quem era.
Não conseguiu perceber quais as expressões e a sua companheira não lhe transmitiu qualquer ameaça (que se lembre).
Alguns minutos depois, e porque ia jantar fora, saiu de casa com a companheira e arrancaram na viatura, não tendo visto qualquer dos Arguidos nessa altura.
Todavia, a O. C. ainda ouviu alguém a dizer “ele já vai embora”.
Conseguiu ver pelo retrovisor o N. D. a correr atrás do carro, o B. M. atravessa o carro à sua frente e bloqueia a estrada e o N. D. puxa-o para fora do carro.
Caiu logo ao chão e sabe que foi pontapeado e esmurrado, inicialmente pelo N. D. e B. M., mas depois juntaram-se o N. F. e o O. S..
Sabe que durou algum tempo e ainda conseguiu sentir 3 puxões na zona do pescoço tendo ficado sem o fio em ouro que lhe custou € 5.000,00.
Depois perdeu os sentidos.
Desmente qualquer conversa sobre pistola.
Sofreu muito psicologicamente e até foi a psicólogo.
O. C., companheira do Assistente relatou que o mesmo chegou a casa e contou-lhe do sucedido com N. D. e o ferro no braço.
Após, e com o Assistente a tomar banho, o N. D. dirigiu-se a sua casa para entrar no que ela o impediu. Lembra-se que o N. D. dizia “daqui hoje não sai bem”.
Sabe que no café estava muita gente no exterior a ver esta situação, inclusive o O. S. e o N. F. (o B. M. não se recorda).
Posteriormente, saíram para jantar fora ainda ouviu alguém dizer para o interior do café “eles vão embora”.
Já depois de arrancar viram o N. D. a correr atrás do carro, tendo dito ao seu companheiro para parar o carro na tentativa de resolver isto, ao que o mesmo abrandou e ainda disse ao N. D. para vir lá ter com ele.
Inesperadamente o B. M. atravessa o carro na frente do veiculo e bloqueia este.
O Assistente é retirado do carro pelo N. D. e começaram a bater-lhe com murros e pontapés (o N. D. e o B. M.), o Assistente cai.
Entretanto chega o N. F. e o O. S., os quais também agridem o Assistente, sendo que o N. F. com murros e pontapés e o O. S. apenas se lembra de ter dado uma vez (não sabe se murro se pontapé).
Já na urgência, o Assistente pede para a chamar e fala-lhe do fio em ouro, tendo visto as marcas no pescoço.
Teve 2 meses e meio sem trabalhar, e foi um choque a situação.
E. G., filho da companheira do Assistente, teve conhecimento que ocorreu problema entre o Assistente e o N. D., não sabendo pormenores.
Recorda-se que a GNR já lá tinha estado por causa de uns móveis.
Posteriormente, e quando a testemunha estava na rua junto ao café e à casa da sua mãe, o Assistente e a sua mãe saíram de casa para ir jantar e o N. D. saiu a correr do café.
O Assistente arrancava e parava.
Após ter chegado ao carro o N. D. tirou o Assistente da viatura, atirou-o ao chão e começou aos pontapés a ele, nomeadamente na cabeça.
Afirma que tudo isto foi rápido, talvez 5/10 minutos.
Afirma que não esteve mais perto que 30 metros e não conseguiu ver se alguém pôs o carro à frente do carro do Assistente.
Não viu o Arguido B. M. a correr ou a parar o veículo, nem qualquer sinal do Assistente a acenar aos Arguidos.
Posteriormente, e por acordo entre todos os Intervenientes, foram lidas as declarações que a testemunha prestou em sede de inquérito, constantes de fls. 58/59.
A testemunha confirma o que disse em sede de inquérito, justificando-se com o hiato temporal.
J. C., conhecido de todos por serem vizinhos, embora só no dia em questão tenha conhecido o Assistente (até este a trabalhar em casa da companheira do mesmo).
Sabe que o N. D. esteve durante a tarde junta à casa da companheira do Assistente, pretendendo que o mesmo saísse de casa.
Depois, e quando estava na rua que separa o café da casa da companheira do Assistente, a aguardar para ir jantar com o Assistente, a sua companheira, o filho desta (E. G.) e o próprio.
O Assistente arranca com o veículo e o N. D. começa a correr atrás do mesmo. O N. D. dizia “anda cá meu cabrão, meu filho da puta”.
Disseram que alguém colocou um veículo à frente do carro do Assistente, mas não viu.
Viu que agarraram o Assistente e o puxaram do carro para fora. Viu o N. D., mas quanto aos outros não tem a certeza.
Afirma ter sido ele a levantar o Assistente, cheio de sangue, na cara e ferimentos na cara e cotovelo.
Não viu quem lhe bateu.
Por acordo entre todos os Intervenientes foram lidas as declarações em sede de inquérito, de fls. 60.
Lembra-se que o O. S. desferiu um soco no Assistente (embora depois afirme que foi um soco com o pé).
Mas quer o O. S., quer o N. F. não estavam perto do veiculo do Assistente quando este foi puxado para o exterior.
Tem conhecimento que o Assistente trazia fio em ouro naquele momento.
Sobre os factos encontra-se junto aos autos o auto de noticia de fls. 4 a 5, fotografias de fls. 8 a 9, o relatório de perícia médico-legal de fls. 17 a 19, fotografias de fls. 36, fatura/recibo de fls. 37, declaração de fls. 38, orçamento de fls. 39, episódio de urgência de fls. 47 a 48, fotografias de fls. 52 a 55 e a fatura de fls. 150 a 153.

Posto isto.

Como ponto prévio, saliente-se que os Arguidos prestaram declarações de forma nervosa, constrangida e mais preocupada em justificar as suas ações com a existência de provocações por parte do Assistente e, ao mesmo tempo, em ilibar N. F. e, sobretudo, o O. S..
Também as testemunhas E. G. e J. C. mostraram-se constrangidas e revelaram não querer relatar factos comprometedores para os Arguidos (eventualmente por residirem perto dos mesmos).
Por estes motivos o Tribunal teve de ordenar o afastamento de Arguidos durante as declarações de coarguidos e testemunhas.
Assim, quanto aos factos considerados provados a 1. a 4., teve o Tribunal em, consideração que as únicas pessoas com conhecimento direto dos factos são o Arguido N. D. e o Assistente.
As versões são contraditórias, mas o Tribunal entende que a versão do Assistente é verosímil, credível e consistente, ao invés da versão do Arguido N. D. que se apresenta desprovida de sentido, hesitante e contraditória.
Com efeito, a versão do Assistente é confirmada na integra pelas declarações prestadas pela sua companheira, a quem relatou o sucedido logo após tal ter ocorrido.
Tal versão encontra, ainda, suporte nos elementos clínicos de fls. 17 a 19 e 47 a 48, onde se verifica que desde logo o Assistente referiu o sucedido, também a existência de lesões compatíveis com o relato.
Pelo contrário, a versão apresentada pelo Arguido N. D. é completamente descabida.
Afirma que foi o Assistente a o tentar agredir e a lhe exibir uma arma de fogo, relativamente à qual até teve receio, pelo que fugiu.
Ora, face a este acontecimento qual foi a atitude do Arguido N. D.? Chamou as autoridades? Não, foi a casa almoçar e, depois, veio tentar confrontar o Assistente junto à casa dele, tendo iniciado uma perseguição, apeado, ao veículo automóvel conduzido pelo Assistente.
Será este comportamento normal em alguém (que admite ter ficado com receio) que tinha acabado de ser ameaçado com uma arma? É óbvio que não.
Aliás, as declarações prestadas pelo Arguido mostraram-se claramente comprometidas, hesitantes e refugiando-se no esquecimento (lembre-se que o acontecimento tem menos de um ano e terá sido, nas próprias palavras do Arguido, marcante e único na sua vida).
Não se descura que o Arguido B. M. afirmou que o Arguido N. D. lhe falou na existência de uma arma. Mas as declarações deste Arguido foram claramente condicionadas pela intenção de não “prejudicar” os outros Arguidos, como o próprio assumiu de forma expressa.
No tocante ao vertido em 5. a 7., é o Arguido a assumir que voltou a dirigir-se à casa onde o Assistente se encontrava (que fica em frente ao café) para o confrontar (na sua tese, sobre a arma).
O Arguido B. M. também se recorda que ainda viu o N. D. a discutir com a mulher do Assistente, dizendo para que o Assistente viesse para fora (de casa).
O Assistente, assume que não viu, mas ouvia conversa entre a sua companheira e o B. M., mas não conseguindo perceber nitidamente o teor, embora percebesse que seria para o confrontar a si.
A companheira do Assistente, afirma que o N. D. até pretendia entrar em casa, sendo que ela o impediu. Lembra-se que o N. D. dizia “daqui hoje não sai bem”.
Perante estas declarações, o Tribunal não tem dúvidas o descrito em 5. a 7..
A matéria fáctica descrita em 8. e 9. é compatível com as declarações de todos os Intervenientes, sendo assumida por N. V..

Relativamente ao descrito em 10. a 21., temos que os Arguidos que prestaram declarações admitem o mencionado em 11. a 13..
Tal também é relatado pelo Assistente e pela sua companheira.
Relativamente ao demonstrado “para/arranca”, embora o Assistente não relate tal situação, é a sua companheira a assumir que assim que viram o Arguido N. D. a perseguir o veículo o Assistente abrandou a marcha.
De resto, e além dos Arguidos (e parcialmente a companheira do Assistente), é a própria testemunha E. G. que confirma tal versão, sendo que neste particular o Tribunal ficou convencido da sua veracidade.
Aliás, num juízo de experiência comum, somos levados a afirmar que se o Assistente tem seguido uma marcha normal (sem qualquer tipo de paragem), seria impossível ao Arguido N. D. ter alcançado a viatura apeado. Mesmo tendo em conta o auxilio do Arguido B. M. e da sua viatura, para o ter alcançado seria necessariamente muito mais à frente, e não a poucos metros do café e residência (isto porque naturalmente o Arguido B. M. teve de sair do café, entrar na viatura, ligar o motor e iniciar a marcha).
Quanto ao descrito em 14., o Tribunal apreciou a globalidade dos depoimentos prestados e concluiu pela sua verificação.
Assim, E. G. afirmou inicialmente que viu o N. D. a o retirar do veículo e a agredi-lo com murros e pontapés. Depois de lidas as suas declarações em sede de inquérito, confirmou as mesmas segundo as quais também o condutor do veículo que se atravessou à frente também auxiliou na retirada do Assistente e, assim que o Assistente estava cá fora, nas agressões com pontapés.
Também J. C. afirmou que viu o N. D. a retirar o Assistente do veículo, sendo que nas declarações prestadas em inquérito refere que viu várias pessoas a retirar o Assistente, incluindo o condutor do veículo que se atravessou à frente.
Também o Assistente e a sua companheira relatam que o N. D. o retirou do veículo, sendo que foi logo pontapeado e esmurrado pelo Arguido N. D. e B. M..
Aliás, é o próprio Arguido B. M. a confirmar ter auxiliado o Arguido N. D. na retirada do veículo e, no dizer do B. M., deu-lhe um murro que tombou o Assistente (embora afirme que também caiu).
Também o Arguido N. F. viu o Assistente ser puxado para fora do veículo, não sabendo se pelo N. D. ou pelo B. M.. Depois apenas viu murros e pontapés, sem conseguir concretizar.
Já o Arguido N. D. relata ter sido ele a retirar o Assistente do veículo (com o B. M. ao seu lado) tendo caído os três no chão, existindo troca de murros com o Assistente.
Ora ponderadas todas estas declarações, atenta a credibilidade acima mencionada, o Tribunal convenceu-se que os factos se passaram como vertidos em 14..
Relativamente à participação dos Arguidos N. F. e O. S., não se descura que o Arguido N. F. a negou e o Arguido O. S. não prestou declarações (sendo que se o seu silêncio não o pode desfavorecer, também não permitiu obter a sua versão dos acontecimentos).
Como atrás se disse, os restantes Arguidos prestaram declarações de forma pouco credível, demonstrando clara preocupação em retirar dos factos o Arguido N. F. e, sobretudo, o Arguido O. S. (embora o Arguido B. M. apenas tivesse a certeza que O. S. não participou, sendo que quanto ao N. F. não viu).
Por esse motivo o Tribunal para apreciar da sua participação valorou decisivamente as declarações do Assistente e da sua companheira. O Assistente afirmou perentoriamente que todos os quatro arguidos o agrediram.
Também a sua companheira afirmou que as agressões foram perpetradas por N. D. e B. M. na sua maioria, mas também por N. F. e por O. S. (referindo que este último apenas agrediu uma vez).
De referir que ambos, Assistente e companheira, nada tem contra os Arguidos (no que foram secundados por estes), pelo que inexistiam quaisquer motivos que os levassem a dizer que todos participaram nas agressões se assim não fosse.
Já as testemunhas J. C. e E. G. inicialmente apenas colocavam sobre N. D. o ónus das agressões (como acima se disse, o seu constrangimento pendia para afastar dos factos os Arguidos). Quando confrontadas com as declarações prestadas em sede de inquérito, o J. C. colocou O. S. a desferir um soco, que posteriormente afirma ser com o pé, e em sede de inquérito referiu que o O. S. e o N. D. agrediram o Assistente “juntamente com outros suspeitos”.
Também E. G. começou por descrever apenas a presença do N. D. e, após a leitura das declarações em sede de inquérito, confirma que os agressores “eram dois ou três” e que “deslocou-se também junto destes o Sr. O. S.”, embora não tenha conseguido perceber se este também agrediu o Assistente.
Apesar de o Arguido B. M. ter afirmado que o O. S. disse ao N. D. para parar, ninguém referiu que o O. S. tentou ajudar o Assistente (por exemplo, N. F. afirmou que tentou levantar o Assistente, sem sucesso). Tal situação afasta a possibilidade de O. S. se ter aproximado para ajudar (ele não prestou declarações) e ter sido confundido com agressão.
É certo que não se conseguiu determinar exatamente a forma como agrediu, mas tal é inerente à própria situação fáctica criada pelos Arguidos, sendo várias pessoas a perpretar agressões, é perfeitamente normal que não se apure com precisão todos os atos praticados.
Ora, ponderadas estas declarações não temos dúvidas da participação dos Arguidos N. F. e O. S., nos termos descritos.
As agressões terão durado alguns minutos, embora de todas as declarações não se tenha conseguido um período perfeitamente determinado.
E foram dirigidas, sobretudo, à zona da cabeça. Tal é relatado pelo Assistente e sua companheira, mas também os Arguidos N. D. e B. M. admitem agressões nessa zona e tal é demonstrado pelos elementos clínicos e fotográficos acima já mencionados.
Relativamente ao fio em ouro, temos por certo que o Assistente o trazia ao pescoço e que o mesmo lhe foi retirado.
Tal é descrito pelo Assistente, pela sua companheira e pelas testemunhas E. G. e J. C.. Por outro lado, das fotografias é visível que existem lesões na zona do pescoço compatíveis com tal versão.
Todavia, não foi produzida prova que convencesse o Tribunal sobre a autoria de tal subtração.
Quanto ao vertido em 20. e 21., é admitido pelos Arguidos que se ausentaram do local.
O Assistente e a sua companheira relataram que o mesmo ficou inconsciente por momentos, sendo que J. C. confirma que o conduziu ao hospital.
As lesões relatadas em 22. a 23., constam dos elementos clínicos juntos aos autos (e acima citados), e foram descritos pelo Assistente e sua companheira, sendo compatíveis com os factos dados como provados.

Quanto aos elementos subjectivos, e vertidos em 24. a 27., além das declarações dos Arguidos e Assistente, resulta do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas, de acordo com as regras da razoabilidade e da experiência comum, já que o dolo e o conhecimento são realidades não directamente apreensíveis, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
Quanto ao descrito de 28. a 32., tal resulta da análise das faturas juntas aos autos pelos serviços médicos, cuja genuinidade e fidedignidade não foi posta em causa, e do depoimento do Assistente e sua companheira que reconheceu ter ficado com lesões na face e ter-se dirigido ao Hospital para receber tratamento hospitalar, bem como do teor dos relatórios médicos juntos aos autos.
Ademais, tais consequências são normais perante a factualidade dada como provada.
Os factos 33. a 51., resultam das declarações prestadas pelos Arguidos, que não suscitaram reservas ao Tribunal, além de terem sido relatadas pelas testemunhas D. G., A. G., quanto ao N. F., G. R., B. A., M. P., C. C., quanto ao Arguido B. M., J. M., quanto ao Arguido N. D., F. P., A. M. e M. V., quanto ao Arguido O. S..
Por último, no que se refere ao descrito em 52. a 54., aos antecedentes criminais dos Arguidos, o Tribunal baseou-se na análise dos certificados de registo criminal.
No tocante à factologia dada como não provada, resulta do acima descrito, e do facto de não ter sido produzida qualquer prova que lograsse convencer o Tribunal.
Especificamente quanto à atuação conjunta dos Arguidos, não resultou provado que os mesmos tenham elabora um plano para praticar os factos tal como eles o foram.
Face à produção de prova, o Tribunal entende que ficou provado que o Arguido N. D. pretendia agredir o Assistente (daí ter saído do café a correr no seu encalço), mas quanto aos outros Arguidos apenas ficou demonstrado que face ao desenrolar da situação (com a perseguição e o abrandamento do veículo do Assistente) eles foram praticando atos de agressão (sem que se fizesse prova de qualquer acordo prévio nesse sentido).
Todavia, repete-se, os Arguidos atuaram conjuntamente e tinham perfeita noção que dessa forma diminuíam a possibilidade de defesa do Assistente e aumentava o seu grau de censurabilidade.
Relativamente ao fio de ouro, além do que acima se disse, não se logrou apurar quem retirou o fio. O Tribunal está convencido que alguém o fez, e muito provavelmente terá sido um dos Arguidos e os restantes até o saberão (pela proximidade entre todos e perante a situação).
Também não se apurou que existisse qualquer plano para subtrair tal peça de ouro, mais resultando que tal ocorreu em função da oportunidade gerada pelas agressões de que o Assistente foi vitima.
Todavia, não se apurou quem retirou, podendo, no limite até ter sido um terceiro a aproveitar-se no decurso de toda a situação.
*
Apreciação dos recursos.

Recurso do arguido O. S..

Insurge-se o recorrente contra o facto de ter sido condenado e de o ter sido com base em depoimentos que, no seu entender, não deviam ter sido credibilizados, v.g. os depoimentos do assistente, sua companheira e testemunhas E. G. e J. C.. Mais entende o recorrente que se os depoimentos dos demais arguidos tivessem sido valorizados devidamente, o tribunal a quo teria necessariamente absolvido o arguido.

Antes de mais diga-se que o tribunal a quo não pôde dispor de uma das principais versões dos factos – a do próprio recorrente. E se é verdade que o silêncio a que se remeteu não o desfavorece, também é evidente que não o favoreceu, porque não dispôs o tribunal da possibilidade de ouvir, na primeira pessoa, um dos mais importantes relatos dos acontecimentos: o seu.

Teve, assim, o tribunal que ponderar apenas entre os depoimentos de quem disse que o recorrente também agrediu o assistente, e de quem disse que o não fez.

Como se sabe vigora na nossa ordem jurídica penal o princípio da livre apreciação de prova (artigo 127º do CPP).

Já muito se escreveu sobre o que significa este princípio e é hoje incontroverso que a liberdade na apreciação da prova não significa arbitrariedade, nem capricho (cfr A. Reis CPC anot, IV, 569), nem imotivação.

O juiz não pode julgar sem prova, contra a prova, ou contra a sua consciência e convicção, a qual é formada após uma avaliação das provas serena, racional, lógica e de acordo com as regras de experiência da vida e da prudência.
Portanto, o juiz é livre na apreciação da prova, mas a liberdade de que dispõe só pode ser usada para alcançar a verdade, sob pena de se pôr em causa a dignidade da função.

Entendeu o tribunal a quo, que, para além da clareza da prova documental (as fotografias juntas a fls 8 e 36 são impressivas, até chocantes), as declarações dos arguidos ( que não o recorrente, que, como se disse, ficou em silêncio ) foram prestadas de forma “nervosa, constrangida e mais preocupada em justificar as suas ações com a existência de provocações por parte do assistente e ao mesmo tempo, em ilibar N. F. e sobretudo o O. S.”. E que o mesmo aconteceu com as testemunhas E. G. e J. C..

Por outro lado, o tribunal a quo considerou que a versão do assistente foi verosímil, credível e consistente, ao invés da versão, por exemplo, do principal arguido, N. V., que se apresentou desprovida de sentido, hesitante e contraditória, explicando o tribunal a quo a razão pela qual assim o entendeu.

Efetivamente, ouvida a prova, enquanto a versão do assistente é confirmada pelos documentos que atestam as agressões, já as versões dos arguidos- de todos os que prestaram declarações- foram de facto cautelosas, comprometidas. No entanto, nem por isso foram totalmente desconsideradas pelo tribunal a quo, uma vez que na alteração dos factos comunicada (fls 276) foi precisamente a versão dos arguidos que foi tida em conta, na parte que se configurou verosímil.

Acresce que o assistente disse que foi agredido pelos quatro arguidos. A companheira do assistente, O. C., também o confirmou. E como resultou claro do julgamento o recorrente O. S. era o único que a referida O. C. melhor conhecia, a quem cumprimentava cordialmente, tendo até chegado a ser convidada a tomar café. Assim sendo, pergunta-se: por que motivo ela iria implicar uma pessoa com quem até se dava bem, de quem falou com respeito no julgamento?

É certo que foi dito pelo arguido B. M. que o O. S. disse para pararem de agredir; que o arguido N. D. negou que o seu pai tivesse batido e que o N. F. também o negou, mas não só as respetivas declarações foram claramente defensivas retirando à agressão a gravidade que teve, como não se compreende que sendo um dos principais agressores o filho do arguido O. S., se este efetivamente tivesse pretendido ajudar o assistente, não usasse o ascendente de pai para impor de forma inequívoca ao seu filho que cessasse o comportamento. Não deveria, então, ele próprio, estando no local como inequivocamente estava, ter evitado que durante alguns minutos o assistente continuasse a ser pontapeado na cabeça pelo seu filho?

Portanto, a convicção adquirida pelo tribunal a quo de que todos os arguidos bateram no assistente respeita a prova produzida, maxime as declarações do assistente e companheira, não se revela arbitrária, nem incoerente, nem caiu no “périplo da condenação ao desbarato”, nem foi proferida “só porque sim” utilizando expressões do recorrente.

Recorde-se que a convicção do juiz não tem de coincidir com a convicção do recorrente e que a dúvida não é a que o tribunal devia ter tido e não teve.

A apreciação da prova feita pelo tribunal a quo não merece, portanto, ser adjetivada como deficiente, injusta, incorreta, inadequada por ter feito uma deficiente (e totalmente incompreensível e chocante) apreciação dos factos. É que, mesmo que não se dê conta disso, a visão de uma das partes é sempre parcial, enquanto que o tribunal dispõe da totalidade dos factos e das versões e da possibilidade de as ponderar em conjunto, globalmente, de forma necessariamente mais isenta.

O tribunal não ficou com qualquer dúvida – não tendo podido, por isso, fazer uso do princípio in dubio pro reo – nem esteve apenas interessado e focado em condenar. Aliás foi, seguramente com o intuito de remover quaisquer dúvidas que o juiz de 1ª instância insistiu em saber se o assistente e a companheira tinham a certeza de que o recorrente estava lá e agrediu e ambos forem muito claros em afirmar a participação – embora mais reduzida, o que ficou refletido na duração da pena imposta – do recorrente O. S..

Assim sendo, não contendo a sentença os vícios invocados no artigo 44º das conclusões – vícios estes que sempre seriam de conhecimento oficioso – invocação que, aliás, é feita de forma incorrecta, porque confundindo a invocada errada apreciação de prova com os alegados vícios, não há que alterar os pontos 17, 23, 24, 26, 27, 29 e 31 nos termos pretendidos pelo recorrente, impondo-se a confirmação da sentença, no que a si respeita.
*
Vejamos agora o recurso do assistente.

O assistente discorda da absolvição dos arguidos do crime de roubo. Entende que deveriam ter sido os arguidos - todos - condenados por este crime, pelo qual se encontravam acusados e, bem assim, no pagamento de 5.000€, valor atribuído ao fio de ouro que lhe foi retirado.

Invoca, então, em abono deste seu entendimento a circunstância de, após os factos de que foi vítima, ter ficado desapossado do fio de ouro de que era portador.

Nesta conformidade impugna a fixação da matéria de facto que entende deveria ser consentânea com o facto 23 na parte em que ficou provado que “em consequência direta e necessária da atuação dos arguidos (…) o assistente sofreu (…) eritema linear mal definido na região lateral e esquerda do pescoço”.

Portanto, entende o recorrente que foi indevidamente dado como não provado que:

- os arguidos N. F., O. S., B. M. (o recorrente por manifesto lapso refere N. D.) e N. V. puxaram pelo fio do pescoço do assistente (facto j).
- N. F., O. S., B. M. (e não N. D.) e N. V. atuaram ainda com o propósito conseguido de retirar e fazer seu o referido fio/colar em ouro, propriedade de P. R. e quiseram, para tal fim, usar a força colocando este inconsciente, sem reação, bem sabendo que tal objeto não lhes pertencia (facto K).

A impugnação da matéria de facto implicou a audição da prova produzida em julgamento, da qual resulta, efetivamente, que um dos arguidos retirou o fio de que o assistente era portador no momento da agressão. Aliás, quanto a esta matéria o tribunal a quo disse, na motivação da matéria de facto, não ter ficado com qualquer dúvida de que o assistente trazia colocado no pescoço um fio: “Relativamente ao fio de ouro, temos por certo que o assistente o trazia ao pescoço e que o mesmo lhe foi retirado”.

Acresce que tal fio – que se encontra fotografado - é descrito pelo assistente, pela sua companheira e pelas testemunhas E. G. e J. C., e das fotografias das lesões é visível que existem marcas na zona do pescoço compatíveis com a versão do assistente.

Todavia não foi produzida prova bastante sobre quem foi o autor da subtração, nem da existência de um qualquer plano prévio à mesma. A este propósito diz o tribunal a quo sublinhando a ausência de prova: “também não se apurou que existisse qualquer plano para subtrair tal peça de ouro, mais resultando que tal ocorreu em função da oportunidade gerada pelas agressões de que o assistente foi vítima.

Todavia, não se apurou quem retirou, podendo, no limite, até ter sido um terceiro a aproveitar-se no decurso de toda a situação”.

Ora, face da prova prova produzida é correta a afirmação da inexistência de qualquer plano por parte dos arguidos para subtração do fio. Efetivamente a motivação subjacente à atuação dos arguidos não foi a prática de um crime de roubo, foi a prática de um crime de ofensa à integridade física, a que se seguiu a subtração do fio por aproveitamento da situação em que se encontrava o assistente, impossibilitado de reagir.

Mas se é verdade que ninguém sabe quem foi o autor da subtração, também é certo que foi um dos arguidos. Efetivamente não só o assistente disse ter sentido “três puxões” no fio quando estava a ser agredido e antes de ter desmaiado, como as testemunhas cujos depoimentos foram invocados pelo recorrente e que serviram de base à formação da convicção do tribunal, confirmaram que antes da agressão o assistente era portador de um fio em ouro, e que tal fio desapareceu nas descritas circunstâncias.

O tribunal a quo nos pontos 18 e 19 e 20 da matéria de facto fez constar o seguinte:

18. O assistente trazia um fio em ouro, no valor de 5.000€, ao seu pescoço;
19. Tal fio foi puxado do pescoço do assistente, por pessoa não apurada, que o levou consigo e fez seu.
20. Após os arguidos saíram do local, deixando P. R. inconsciente no chão”.

A fixação desta factualidade é conjugável com a afirmação de que “no limite pode até ter sido um terceiro a aproveitar-se no decurso de toda a situação”. Mas tal não respeita nem a prova efetivamente feita, nem a regras normais da vida. É que, estando os arguidos a agredir o assistente que sentiu ser-lhe puxado o fio e não estando mais ninguém envolvido na contenda (embora algumas pessoas a tivessem visto), não se percebe como é que o tribunal põe a hipótese de ter sido um terceiro.

Note-se que antes o juiz a quo tinha afirmado: “Relativamente ao fio de ouro, além do que acima se disse, não se logrou apurar quem retirou o fio. O tribunal está convencido de que alguém o fez, e muito provavelmente terá sido um dos arguidos e os restantes até o saberão (pela proximidade entre todos e perante a situação).”

Isto é, é evidente que não ficando dúvidas sobre o facto de o assistente ser portador do fio antes das agressões e de ter ficado desapossado dele depois delas, é forçoso concluir que a subtração do fio teve como autor um dos arguidos.

III.
Esta conclusão impõe que, este tribunal ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelos art. 428º e 431º do CPP, proceda à alteração da redação do ponto 19 dos factos provados que passará a ser do seguinte teor:

Tal fio foi puxado do pescoço do assistente por um dos arguidos, que o levou consigo e fez seu”, com a consequente eliminação da alínea j) dos factos não provados e o aditamento à factualidade provada de um ponto ( 26-A) com o seguinte teor:
Um dos arguidos agiu ainda com o propósito conseguido de retirar e fazer seu o referido fio/colar em ouro propriedade de P. R. e quis, para tal fim, usar a força quando este estava sem reação, bem sabendo que tal objeto não lhe pertencia”, com a consequente eliminação da alínea k) dos factos não provados.
IV.
O tribunal a quo com base nas apuradas e já referidas circunstâncias afastou - e bem - a prática do roubo em coautoria pelo qual vinham acusados os arguidos.

A coautoria pressupunha a concertação de propósitos, mesmo que sem participação de todos na execução do concreto facto, desde que todos tivessem dado o seu contributo para a prática do crime de roubo.

Dispõe o artigo 26.º do Código Penal que é punível como autor quem executar o facto por si mesmo ou por intermédio de outrem ou tomar parte direta na sua execução por acordo ou juntamente com outro ou outros e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.

Portanto, em linguagem simples, a coautoria exige, sob um ponto de vista objetivo, que alguém tome parte direta na execução de um facto e, sob o ponto de vista subjetivo, a existência de um acordo entre os coautores para atuar de determinado modo. Só assim se permite imputar a atuação de um aos demais, imputação esta que é, portanto, jurídica, e não factual. No caso sub iudice, para que pudesse falar-se em coautoria deveria resultar da factualidade apurada a existência de acordo, para que pudesse ser imputada a todos a prática do crime, com a consequente responsabilização dos seus autores pela globalidade da conduta.

Não conseguiu o tribunal a quo imputar aos arguidos, em coautoria, a prática do crime de roubo, e também não conseguiu dizer qual dos arguidos subtraiu o fio ao assistente. Sabe-se apenas que foi um dos arguidos que praticou este ato, no decorrer das ofensas à integridade física por todos praticadas, pelo que a absolvição dos arguidos pela prática do crime de roubo não merece reparo.

Mas questão diferente é a de saber se da absolvição do crime de roubo resulta, necessariamente, a absolvição do pedido civil deduzido com base nele, isto é, se é de manter a absolvição do pagamento por parte dos arguidos ao assistente da quantia de 5.000€ (Na sentença recorrida não consta expressamente no dispositivo, como deveria, a absolvição do crime de roubo, nem a absolvição do pagamento do valor do fio de ouro, mas tal é inequívoco em face do teor da própria sentença).

Dispõe o artigo 129º do CP que a indemnização das perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Na lei civil, o artigo 483º do Código Civil (CC) diz-nos que aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Por sua vez o artigo 377º, nº 1 do CPP dispõe que “A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respetivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 82º”.

Nos autos, recorde-se, não se provou que os arguidos tivessem agredido o assistente para lhe retirarem o fio, mas resultou provado que um deles, estando o assistente a ser agredido e impossibilitado de reagir, lho retirou.

Isto é, não há dúvida de que um dos arguidos praticou um ato voluntário (porque depende da vontade) ilícito (porque violador do direito de propriedade do assistente sobre o fio), culposo (já que foi uma atuação dolosa), sabendo que o fio de ouro lhe não pertencia e que atuava contra a vontade do ofendido e que com este comportamento provocou ao assistente danos no montante de 5.000€.

Isto é, verifica-se que a conduta de um dos arguidos preenche os pressupostos integrantes da responsabilidade civil por factos ilícitos.

O artigo 71º do CPP estipula que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei. É, como se sabe, a consagração do princípio da adesão do pedido civil ao processo penal.

Mas o princípio de adesão não afasta a natureza civil do pedido de indemnização, nem prejudica a autonomia das duas ações cível e penal.

Como ensina Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, 297, citado no Acórdão do STJ de 17.03.2016 in www.dgsi.pt: A decisão do pedido civil não depende da decisão sobre a questão penal. Pode suceder que, a final, o arguido venha a ser absolvido da acusação da prática do crime que é objeto do procedimento penal e seja condenado na indemnização civil, como também pode suceder que o arguido seja condenado pela prática do crime e absolvido do pedido de indemnização civil.

No mesmo sentido Maia Gonçalves (CP – Anotado e Comentado 12ª Edição, página 429).

Como foi decidido no Ac. STJ de 10/07/2008 proferido no processo 1410/08 e referido no citado acórdão proferido no processo 13/09.7TALSA.CL.S1, de 17/03/2016 in www.dgsi.pt: se o arguido for absolvido de um crime e, se subsistir, apesar da absolvição, uma base factual com autonomia que suscite, ou permita suscitar, outros níveis de apreciação da normatividade como pressuposto ou fonte de indemnização civil (autonomia qualitativa dos pressupostos), haverá que considerar o pedido de reparação civil (dependência ou adesão especificamente processual) que se possa fundamentar nos mesmos factos- seja responsabilidade por facto ilícito, seja responsabilidade pelo risco (cfr. v.g. Acórdãos do STJ de 25/01/96 in CJ (STJ), ano IV, Tomo 1, 189 e de 02/04/98, CJ (STJ), anoVI Tomo 2, 179).

E assim é porque, como consta do preâmbulo do DL 605/75 de 3.11, justificando a introdução da norma com paralelismo com o art.º 377.º do CPP, justificação que se mantém atual: quando o juiz absolve da acusação crime, mas fique provado o ilícito (…) não se vê razão para inutilização de toda a atividade processual desenvolvida, obrigando as partes a um ulterior recurso ao juízo cível com as consequentes e inevitáveis demoras e prejuízos materiais. Concede-se assim, ao juiz a faculdade de condenar o réu em indemnização cível, mesmo que o absolva da acusação crime.

Também no AUJ 1/2013, publicado no DR I série, de 07/01/2013 consta que: A responsabilidade criminal do arguido, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infração penal, tem, no entanto, originariamente, por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à “fattispecielegal, ainda que posteriormente possa vir a haver absolvição, o que não invalida o conhecimento do pedido de indemnização civil face ao principio de adesão, como fundamento em responsabilidade extracontratual (...).

Diríamos que se a fonte da obrigação de indemnização é a responsabilidade civil, como se perfila no art.º 483.º do CC, constitui apenas critério metodológico de fixação da indemnização, já que a causa de pedir, está no dano emergente do crime, ou melhor na conduta constitutiva da ilicitude criminal, que produziu dano e que não deixará de ser apreciada, em termos de responsabilidade extracontratual, ainda que haja absolvição ou extinção do procedimento criminal.

Esta questão foi também apreciada no acórdão 1203/16.1T9VNG.P1.S1, aí sendo referida abundante jurisprudência sobre o tema, não se impondo, por isso, outras considerações.

Portanto, e retomando a factualidade apurada nos autos, resultou provado que os arguidos agrediram o assistente e que estando este agredido e impossibilitado de se defender, mas sem que houvesse um qualquer plano prévio e sem se saber qual deles tomou a iniciativa, um fio lhe foi subtraído. Assim sendo, já o vimos, não puderam, os arguidos ser condenados pelo crime de roubo em coautoria e não pôde ser condenado individualmente um qualquer deles, porque não se sabe quem foi o autor da subtração.

Mas será que esta impossibilidade de condenação penal impede a condenação no pagamento do montante de 5000€, correspondente ao valor do fio desaparecido?

Entendemos que não, vejamos porquê.

Como já atrás se disse a propósito do art.º 483.º do CC, para que haja lugar à responsabilização de um agente terá de verificar-se a ocorrência de: a) um facto b) ilícito c) com imputação do facto ao lesante e d) existência de dano e e) de nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Os referidos conceitos já foram sobejamente dissecados pela doutrina e jurisprudência, pelo que não se impõe considerações que se afastem da concreta questão dos autos. No entanto, sempre se diga que, uma vez que a obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo (art.º 563.º do CC), é no que deve entender-se por nexo de causalidade que se situam as maiores dificuldades de interpretação e aplicação do direito aos factos, ou, como ensina o professor Vaz Serra in BMJ, nº 84, pág. 21, “é um dos problemas mais complexos que a teoria da indemnização suscita”.

Certo é que, para este efeito, o conceito jurídico de causa não coincide com o conceito físico, matemático ou das ciências naturais de causalidade e que, para o nosso ordenamento jurídico, que adotou a teoria da causalidade adequada, importa saber quando é que uma conduta do agente é adequada a produzir um resultado para haver lugar a indemnização.

Sendo apenas um agente a questão, de forma simplista, pode formular-se assim: o agente não responde pelos resultados para cuja produção a sua conduta não foi adequada.

A discussão desta questão deixa para trás os conceitos de causa como condição mais eficaz (Birkmeyer); como condição decisiva entre as impulsivas e obstativas (Binding); como condição modificadora do curso normal das coisas (Von Bar); também não se impõe tecer considerações sobre causa virtual ou hipotética ou até sobre as várias formulações que têm sido dadas à teoria da causalidade adequada e sobre o que se entende por resultado adequado. Não é este o momento próprio. Importa, atalhando razões, que nos detenhamos sobre a causalidade alternativa, na medida em que sabemos que o dano foi causado por um ato de alguém integrado num grupo, mas não sabemos por quem.

A causalidade alternativa, ou concorrente, constitui uma exceção à exigência de que, para que uma conduta seja considerada causa em sentido jurídico, ela constitua uma condição sine qua non da ocorrência do dano (cfr. Acórdão STJ de 19/05/2015- processo 154/10.8TBCDR.S1).

A propósito da causalidade alternativa apresenta o professor Vaz Serra, ob. citada, pág. 97 o seguinte exemplo: “se de um quarto em que entraram apenas duas pessoas se tirou um objeto, mas não se sabe qual delas o tirou, ou se alguém é ferido por um tiro, disparado por uma de duas pessoas, não se sabendo qual, em regra não é possível admitir por falta de prova a responsabilidade de qualquer dessas pessoas”. E (...) continua: “a circunstância de poder ter sido uma delas a causadora do dano, não é suficiente para lhe impor a responsabilidade.

Mas quando os atos dessas pessoas fazem parte de um conjunto, donde partiu o facto causador do dano têm algumas legislações admitido a responsabilidade.”

Este mesmo entendimento consta do referido acórdão do STJ de 19.05.2015; “numa agressão coletiva ou em grupo com vários lesantes (…) basta reconhecer que foi a atuação em grupo a condição sine qua non do dano sofrido pelo lesado o que permitirá responsabilizar solidariamente os membros desse grupo, possibilitando, porém, a cada um deles provar que não causaram esse dano”.

Foquemo-nos, então, no caso concreto.

Os arguidos, em grupo, agrediram o assistente, acabando por deixá-lo inanimado. No meio da confusão gerada, o fio de ouro foi arrancado do pescoço do assistente, aí ficando as marcas da força empregue para o efeito. Não se sabe qual dos arguidos agiu desse modo, mas sabe-se que o assistente dele foi desapossado, enquanto era agredido.

Foi, portanto, a atuação conjunta que proporcionou a atitude delituosa e foi também a atuação conjunta que impediu a individualização do comportamento de cada um dos agressores.

É certo que há quem entenda que ao responsabilizar-se o grupo se satisfaz a vítima pelo “preço caro do sacrifício de um inculpado” – (Pereira Coelho respondendo à questão de saber se o Código Civil Português deveria consagrar, ou não, um regime semelhante ao do art.º 830.º nº 1 2.ª parte do BGB alemão- citado por Patrícia Costa in Causalidade alternativa e a jurisprudência dos tribunais superiores ou Três caçadores entram num bar...- Novos olhares sobre a responsabilidade civil- CEJ, 108), mas, não há dúvida que foi a atuação global dos demandados que potenciou e criou o risco de produção de danos.
Ao agredir como agrediram, em grupo, o lesado, sabiam os agressores que a probabilidade de provocar lesões no corpo da vítima e danos variados desde a roupa da vítima aos seus pertences, por exemplo, era inegável: poderia não só a vítima sofrer inevitavelmente lesões físicas, como poderia o fio de ouro partir-se durante as agressões, poderia roupa ficar rasgada…, e mesmo não se sabendo quem provocara diretamente tais danos, certamente não suscitaria qualquer tipo de dúvida a condenação de todos os agressores.

Ora, não é a alteração subtil das circunstâncias em que um dos agressores se aproveitou da incapacidade do assistente se defender e defender os seus pertences, que afastará a conclusão de que todos, com o seu comportamento, criaram a situação geradora de responsabilização.

Deverão, assim, os demandados responder, solidariamente, pelo prejuízo causado ao demandante pelo desaparecimento do fio de ouro no montante de 5000€ (art.º 490.º e 497.º do CC).

Procede, portanto, parcialmente o recurso do assistente.
*
V.
Decisão.

Em face do exposto acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

1.-Julgar improcedente o recurso do arguido O. S.;
2.-Julgar parcialmente procedente o recurso do assistente/demandante P. R. e, consequentemente:
a)- alterar a matéria de facto nos termos referidos supra no ponto III ;
b)- condenar os demandados a pagar ao demandante o valor do fio de ouro- 5000 euros -, pagamento que acrescerá ao valor da indemnização já fixada, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, em 1ª instância.
- No mais, manter a sentença recorrida.

Custas criminais pelo arguido O. S. ( art. 513 nº 1 do CPP) e pelo assistente pelo decaimento parcial ( art. 515 nº 1 b) do CPP), fixando-se a taxa de justiça, para cada um, em 3 Ucs.
Custas cíveis pelos demandados, solidariamente ( art. 527 nº 3 do CPC e 523º do CPP).
Guimarães, 10 de fevereiro de 2020

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho